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A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO PATRIMÔNIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL
André
l. Borges Netto
Sumário: I – Introdução. II – Os
fatos. III – O regime autárquico da OAB. IV – A imunidade tributária do
patrimônio da OAB. V – A competência da Justiça Federal. VI – Conclusão.
I -
Introdução
A pedido do Presidente do
Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Estado de Mato Grosso do Sul, Dr.
Carmelino de Arruda Rezende. elaboramos estudo relativo à imunidade tributária
do patrimônio da OAB.
Após elaborado o estudo,
sugerimos o ajuizamento de ação de rito ordinário em desfavor do Município de
Campo Grande, o que foi efetivado, sendo certo que a tese elaborada sagrou-se
vencedora, em razão de já ter sido proferida sentença reconhecendo a desvalia
constitucional da exigência de IPTU relativo ao patrimônio da OAB.
O
estudo foi redigido da forma como segue adiante.
II - Os fatos
A consulente, na qualidade de
proprietária de dois imóveis localizados na cidade de Campo Grande,
determinados pelo lote 14, quadra 07,
inscrição municipal nº 0585007140,
e lote 17, quadra 07, inscrição municipal nº
05850070174, requereu ao Sr.
Prefeito Municipal, em duas oportunidades, o
cancelamento de eventuais
débitos relativos ao IPTU incidentes sobre os referidos
imóveis.
Para requerer o cancelamento, a
consulente demonstrou ser autarquia federal de seleção disciplinar e defesa da
classe dos advogados e, em razão disso, pleiteou o reconhecimento de que seus
bens e rendas gozam de imunidade tributária total. No entanto, tais pedidos não
foram acolhidos, uma vez que, a despeito de se ter expressamente reconhecido a
consulente como uma autarquia, não se lhe concedeu o beneficio da imunidade
tributária, em razão da Procuradoria Jurídica do Município ter entendido que
somente a autarquia mantida pelo Poder Público é que faria jus à
referida vantagem, requisito este que não estaria preenchido pela consulente.
Indeferidos os pedidos, a
consulente tem sido insistentemente cobrada dos valores relativos ao IPTU de
seus imóveis. lrresignada com as decisões que não reconheceram a imunidade
tributária em relação a seus bens, pretende a consulente, após receber o estudo
que se elabora, obter a anulação dos lançamentos de ofício realizados pelo
Município de Campo Grande e que se referem ao IPTU dos anos de 1991 a 1995
(inscrições nºs 0585007014-0 e 0585007017-4), com a consequente anulação dos
débitos fiscais da consulente junto à pessoa política tributante, decorrentes
do mesmo tributo.
Para tanto, será demonstrado, na
sequência, que a consulente tem a personalidade jurídica de uma autarquia
federal e que a ela não se aplica a exigência de ser mantida pelo Poder
Público, sendo que, exatamente em razão disso. seu patrimônio, que está
vinculado a suas finalidades essenciais, goza do benefício constitucional da
imunidade tributária.
III - O regime autárquico da OAB
A Lei Federal n0 8.906,
de 04 de julho de 1994, estabeleceu, no "caput" do seu artigo 44, que
a Ordem dos Advogados do Brasil constitui-se em serviço público, dotada
de personalidade jurídica e forma federativa, tendo por
finalidades básicas, "promover, com exclusividade, a representação, a
defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa
do Brasil" (inc. II do art. 44). Também a Lei anterior, que havia
instituído a OAB ( Lei Federal nº 4.215/63), previa
exatamente o mesmo (art. 1º).
Assim agindo, o legislador,
tendo por normas autorizadoras os artigos 59, XIII, 22, XVI e 37, XIX, todos da
Constituição Federal, deu à OAB um
nítido perfil de pessoa jurídica
de direito público interno, integrante da administração federal
descentralizada.
Sabendo-se que a própria
Constituição (art. 37, XIX) estabelece serem entidades da administração
descentralizada da União as autarquias, mas. as empresas Públicas,
as sociedades de economia mista e as fundações públicas,
coloca-se a seguinte indagação: em qual desses regimes jurídicos a OAB se
enquadra? A única resposta insofismavelmente correta, em face da vestimenta
jurídica dada à OAB pela sua lei instituidora, é a de que esta entidade de
representação dos advogados integra o regime jurídico das autarquias federais.
Com efeito, a OAB, como
organização profissional autônoma e de finalidades corporativas, amolda-se à
perfeição na definição de autarquia dada pelo Decreto-lei nº 200/67, que, ao
dispor sobre a organização da Administração Federal, assim a delimitou
normativamente:
"Art.
5º Para os fins desta lei, considera-se:
I
– autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica,
patrimônio e receitas próprios, para executar atividades típicas da
administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão
administrativa e financeira descentralizada."
Pois bem, a OAB, que tem como
seus órgãos integrantes o Conselho Federal, os Conselhos Seccionais, as
Subseções e a Caixa de Assistência dos Advogados (art. 45 do EOAB), é uma
autarquia, de vez que foi criada mediante lei federal, tem personalidade
jurídica de direito público, é órgão autônomo da administração pública federal,
realiza atividade de administração de interesses públicos específicos e tem
receita e patrimônio próprios.
Não é outro o entendimento
esposado pelos doutrinadores pátrios, que, ao analisarem o regime jurídico das
pessoas jurídicas integrantes da administração pública descentralizada, situam
a OAB, em uníssona voz, como uma autarquia, ainda que de regime especial,
mas sempre uma autarquia de serviço, em razão da especialidade de suas funções
e prerrogativas, ou, como preferem alguns doutrinadores, uma autêntica
corporação pública, espécie do gênero autarquia.
Talvez quem melhor definiu o
verdadeiro regime jurídico da OAB entre nós tenha sido o saudoso e insuspeito
mestre THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, que em seu clássico "Tratado de
Direito Administrativo" (Livraria Freitas Bastos, 41º ed., 1966, vol. II,
p. 268 a 272) dedicou um capítulo específico a este assunto, tendo exarado esta
preciosa lição:
O
exercício das profissões liberais pressupõe, no nosso regime constitucional,
condições de capacidade intelectual e requisitos
de
ordem moral que obrigam o Estado a exercer uma fiscalização contínua.
Não
somente as profissões de advogado e engenheiro, mas ainda a de químico, médico,
guarda-livros, Tc estão subordinados a regulamentos especiais, cuja
importância, sob o ponto de vista técnico, deve ser salientada. O que nos
interessa, porém, neste capítulo, é o estudo das organizações profissionais
autônomas que se substituem ao Estado no exercício das funções peculiares a
este, de fiscalização de serviços profissionais.
Nesta
qualidade, tais entidades acham-se integradas dentro do sistema administrativo e
exercem verdadeiro serviço público de todo equiparado aos dos demais órgãos da
administração pública. À Ordem dos Advogados do Brasil foi criada pelo artigo
17 do Decreto nº
19.408, de 18 de novembro de 1930, como órgão de seleção, defesa e disciplina
da classe dos advogados em toda a República. Os dispositivos dos decretos
posteriores, isto é, 20.784 de, 14 de dezembro de 1931, 21.592, de 1 de julho
de 1932, 22.039, de 1 de novembro de 1932, e 22.266, de 28 de dezembro de 1932,
foram consolidados pelo decreto 22.478, de 20 de fevereiro de 1933.
..........................
A
Ordem dos Advogados tem, no nosso regime administrativo, uma posição muito
peculiar, porque se apresenta com um caráter
eminentemente corporativo em contraposição com a maioria das demais
entidades autárquicas, que se constituem com uma base patrimonial, a fim de
explorar serviços públicos descentralizados.
Apesar
de seu caráter corporativo, isto é, de se constituir como associação de pessoas
e não de bens, a Ordem dos Advogados foi
criada como um serviço público federal, executando funções de natureza essencialmente
estatais, atribuídas especificamente ao Estado ou por órgãos por ele
organizados que realizam o serviço público por uma delegação do poder
público.
..............................
A
Ordem dos advogados apresenta-se, em nosso regime administrativo, como um
serviço público inteiramente autônomo quanto à sua composição e nomeação dos
seus órgãos diretores e quanto ao exercício das funções que lhe são atribuídas pela lei. Por outro
lado, esta lhe assegura, também, completa autonomia patrimonial.
.........................
Finalmente,
caracterizam-se as funções da Ordem como natureza especificamente
estatal, pois se visa fiscalizar o exercício da profissão de Advogado, impor
penalidades e verificar as condições de capacidade e a validade dos
diplomas expedidos pelos institutos de ensino.
..........................
Não
cabe, aqui, o exame detalhado dos inúmeros problemas sugeridos pela tese ora
posta em evidência. Basta que
fique demonstrada a natureza de direito público desse organismo
disciplinador das atividades de uma certa categoria de profissionais, e
da importância preponderante que tem, na vida coletiva e nas atividades
subordinadas diretamente à alta vigilância do Estado.
A
Ordem dos Advogados é uma autarquia, tem personalidade de direito público,
porque teia uma capacidade reservada aos órgãos do Estado, que preferiu delegar
essas funções a uma corporação e classe, constituída pelos seus próprios
membros e dirigida pelos representantes da própria classe" (destaques nossos).
A lição retro-exposta tem o
grande mérito de sumariar o pensamento de toda a nossa doutrina administrativa,
pois nenhum doutrinador de expressão deixa de situar a OAB no regime jurídico
das autarquias. É o que faz, por exemplo, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO,
mestre de lições sempre precisas e admiráveis, ao demonstrar o alcance da
expressão autarquia:
"Autarquia,
consoante o exposto, é expressão ampla. Refere-se ao instituto jurídico
correspondente a uma determinada técnica de administração pública: a técnica de
administrar interesse públicos através de demiurgos, pessoas jurídicas
auxiliares da administração central.
Por
isso mesmo – em face da amplitude da noção – aplica-se indistintamente a
realidades muito diversas entre si, ora discrepantes pelos objetivos, ora pela
forma de organização, ora pela amplitude das funções, ora pela diversidade ou
especialidade de seus fins, ora pela estrutura jurídica, ora pela estreiteza ou
lassidão dos vínculos que a relacionam com a administração central, mas, de
qualquer forma, sempre igualadas pelo radical comum, suprareferida:
correspondem a uma técnica estatal de realizar administração pública através de
uma pessoa jurídica intermediária, projeção personalizada do Estado.
Por
isso mesmo é noção extensa, que pode abrigar em seu bojo tanto pessoas criadas
para a realização de um único e específico cometimento – por exemplo, acorrer à
assistência hospitalar dos necessitados – quanto pessoas incumbidas da
persecução simultânea de diversificados escopos – tais as comunas e
departamentos, na França, responsáveis pela polícia administrativa local e
pelos serviços públicos que interessem aos residentes em suas áreas
geográficas.
Não
é de estranhar, pois,
que a expressão tanto albergue entidades que prestam serviços
materiais como verbi gratia a assistência médica, o ensino o
fornecimento de energia, de transportes, quanto compreenda entidades
que não prestam serviços materiais, se não apenas fiscalizam atividades
ou as coordenam, como as ordens profissionais, que regulamentam e fiscalizam o
exercício das profissões liberais ou as corporações profissionais, que
coordenam atividades produtivas" ("Natureza e Regime Jurídico das
Autarquias", RT, 1968, p. 6).
A OAB, portanto, por força das
funções e prerrogativas que lhe foram conferiras pela Lei 8.906/94 e também em
razão do Estatuto revogado (Lei nº 4.215/63)-, que estabelece o complexo
de regras jurídicas formadoras de seu regime jurídico, é uma autarquia
corporativa, ou uma corporação profissional pública, espécie do género
autarquia, pois é integrada por um conjunto de pessoas físicas - os corporados,
membros da entidade -, com personalidade de direito público, endereçado a uma
finalidade pública específica - a gestão de certos serviços públicos -,
destacados "do centro" - União, Estados ou Municípios. Dando
sequência a este escólio doutrinário, aduz o eminente Professor J. CRETELLA
JR.:
"Quando,
por exemplo, o Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930, pelo art. 17,
criou a Ordem dos Advogados do Brasil, atribuindo-lhe a natureza de órgão de
seleção, defesa e disciplina da classe dos Advogados em toda a República e, a
seguir, o Regulamento da Ordem, em seu art. 22, dispôs que a entidade criada
constitui serviço público federal, implicitamente lhe outorgou a natureza
autárquica corporativa.
A
União, pessoa jurídica pública política de existência necessária, poderia,
evidentemente, desempenhar os serviços que a Ordem exerce, inclusive
arvorando-se em defensora da classe dos advogados. Quem melhor, no entanto, do
que os próprios corporados, elegendo seus dirigentes, poderia desempenhar tão
relevante serviço público federal?
Para
selecionar, defender e disciplinar a classe dos advogados, no exercício de seus
serviços profissionais, a União outorgou a uma entidade da Administração
indireta – a Ordem dos Advogados do Brasil -, pessoa jurídica pública
administrativa – corporação pública – tarefas tão complexas. Administrar por
interposta pessoa é administrar de modo indireto. E a Ordem dos Advogados do
Brasil é, nesse caso, Administração indireta federal"("Administração
Indireta Brasileira", Forense, 25ª ed., 1987, p. 264/265).
Do exposto, claro está que à OAB
foi outorgado o regime autárquico, uma vez que a mesma atende aos requisitos
conceituais de uma verdadeira autarquia, tida por MARIA SYLVIA ZANELLA DI
PIETRO, professora titular de Direito Administrativo da USP, como "a
pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de
auto-administração, para o desempenho de serviço público descentralizado,
mediante controle administrativo exercido nos limites da lei"
("Direito Administrativo", Atlas, 2ª ed., 1991. p 270).
Oportuno se torna dizer que,
embora se reconheça a natureza autárquica da ordem dos Advogados do Brasil, é
ela uma autarquia especial ou sui generis, sendo autarquia no sentido
lato da expressão, eis que não se subordina a qualquer controle, vínculo
funcional ou hierárquico no tocante ao seu ente criador, conforme expressamente
prevê seu atual Estatuto (art. 44, parágrafo 1º, da Lei 8.906,94). E assim deve
ser porque a OAB tem ampla autonomia administrativa e organizacional, não se
incluindo entre as autarquias administrativas sujeitas, por exemplo, a prestação
de contas perante o Tribunal de Contas, até por não receber a OAB qualquer
ajuda, auxilio ou subvenção da União, pois custeia seus serviços com a
contribuição paga pelos inscritos nos seus quadros.
IV. A imunidade tributária do
patrimônio da OAB
Definido o regime jurídico da
consulente, compete-nos, neste tópico, demonstrar que, por força de comandos
constitucionais explícitos e implícitos, seu patrimônio não poderia ter sido
objeto de lançamento do IPTU, haja visto a existência de regra de imunidade que
exclui da competência tributária do Município de Campo Grande a onerarão dos
bens pertencentes à OAB.
Como já se disse, o Município de
Campo Grande, por intermédio de sua ilustrada Procuradoria Jurídica, não deixou
de reconhecer a consulente como uma autarquia federal. Ocorre, porém, que essa
mesma Procuradoria entendeu ser necessária a manutenção da autarquia
pelo Poder Público para que a mesma possa usufruir do beneficio constitucional
da imunidade tributária.
Com precisão maior, a questão em
causa consiste em saber se a expressão "instituída e mantida pelo Poder
Público", a qual se encontra no parágrafo 2º do artigo 150 da Constituição
Federal, se prende exclusivamente ao seu antecedente próximo
"fundações", ou se alcança, também, o que o precede, ou seja,
as "autarquias", uma vez que o teor do citado dispositivo é este:
"Art.
150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte,
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
............................
VI
- instituir impostos sobre:
.............................
Parágrafo
2º A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à
renda e aos serviços, vinculadas a suas finalidades essenciais ou às delas
decorrentes".
Ao
esposar o entendimento exarado nos citados pareceres, não se houve com o
habitual acerto a ilustrada Procuradoria Municipal, pois adotou interpretação
equivocada e assistemática, olvidando-se das lições dos doutos no sentido de
que o método por excelência da interpretação do Direito é o sistemático,
que permite ao intérprete e ao aplicador uma visão grandiosa e harmônica do
ordenamento jurídico.
E
que, conforme será demonstrado, a correta interpretação da regra de imunidade
tributária prevista no § 2º do artigo 150, deverá levar a autoridade
judicial a concluir que a expressão "instituídas e mantidas pelo Poder
Público" refere-se unicamente às fundações públicas, com a exclusão
das autarquias do seu raio de abrangência. Interpretação que chegue a este
resultado, terá, certamente, trilhado o magno caminho dos princípios e regras
informadoras do sistema constitucional tributário, com o soerguimento da
riqueza do método de interpretação sistemático e teleológico, em desfavor da
pobreza do método literal, canhestro e apressado utilizado pelo Município de
Campo Grande, por intermédio de sua Procuradoria Jurídica.
De
início, cumpre afirmar que a consulente realmente não é mantida pelo
Poder Público, haja visto que a mesma não recebe qualquer ajuda, auxilio ou
subvenção do Tesouro Nacional, Estadual ou Municipal, sendo que o custeio de
seus serviços se dá exclusivamente com o valor que arrecada a título de
contribuição dos inscritos nos seus quadros, mais os valores pagos a título de
Inscrições e multas impostas aos seus membros, além de eventuais legados e
doações.
Pois
bem, o fato de a consulente não ser mantida (rectius: receber
fornecimento de meios materiais) por qualquer entidade pública é requisito
constitucional válido para excluí-la do benefício da imunidade concedida às
autarquias? Aqui também a resposta só pode ser uma: não, a autarquia não
precisa ser mantida pelo Poder Público para gozar do beneficio constitucional
sob enfoque.
A
resposta negativa sustenta-se, em primeiro lugar, em razão do seguinte: toda e
qualquer autarquia, em razão de imposição legal e doutrinária (que desvenda seu
perfil jurídico), é detentora de recursos e patrimônio próprios.
Com
referência à lei, basta fazer rápida menção ao inciso 1 do artigo 59 do
Decreto-lei 200/67, já citado anteriormente, para demonstrar que a autarquia,
por se constituir em serviço autônomo e descentralizado, necessariamente deverá
possuir receita e patrimônio próprios, sob pena de completa desfiguração de seu
regime jurídico.
Por
sua vez, a doutrina, ao desvendar referido regime jurídico, não deixa de
mencionar que uma das características básicas das autarquias é o de possuir
patrimônio e recursos próprios, conforme nos dá conta o Professor CELSO ANTONIO
BANDEIRA DE MELLO, in verbis:
"Em
razão de sua personalidade, os negócios que a lei lhe confiou ao criá-la e
definir-lhe os fins, bem como os interesses que prosseguirá, para bem atender
ao comando legal, seus são seus, são próprios, no mais
pleno sentido da palavra. Do mesmo modo, todos os poderes em que tenha sido
investido pela lei, assim como os órgãos que a constituam, os bens que possua
ou venha a adquirir e reversamente os deveres, responsabilidades ou obrigações
que contraria são diretamente pertinentes a ela. Eis , pois, que a autarquia
tem administração própria, órgãos próprios, patrimônio próprio, recursos
próprios, negócios e interesses próprios, direitos, poderes, obrigações,
deveres e responsabilidade próprios" ("Prestação de Serviços Públicos e
Administração Indireta", RT, 2ª ed., 1987, p. 61/62. sem destaque no
original).
Também
do conceito de autarquia elaborado pelo saudoso HELY LOPES MEIRELLES, percebe-se
tal requisito, conforme segue:
"Autarquias
são entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com
personalidade jurídica de direito público interno,
patrimônio
próprio e atribuições
estatais específicas" ("Direito Administrativo Brasileiro", RT,
l5ª ed., 1990, p. 301, destaque nosso).
Ora,
se assim é, a ponto de não se encontrar posicionamento doutrinário diverso,
inexiste qualquer razão de ordem jurídica que dê sustentação à tese do
Município de Campo Grande - no sentido da necessidade das autarquias serem mantidas
pelo Poder Público -, pois, conforme restou assentado, a autarquia - como a
consulente -, por ter patrimônio e recursos próprios, não necessita de ser
mantida por qualquer entidade pública, uma vez que possui plenas condições
de gerir-se a si própria.
Vê-se,
portanto, que a tese do Município de Campo Grande começa a esboroar-se,
porquanto razão alguma existe para sustentar que uma autarquia pode ou deve ser
mantida pelo Poder Público, já que é um corolário natural da personalidade
jurídica desta entidade da administração pública descentralizada a
circunstância de não depender de subvenção financeira do ente criador para a
manutenção dos serviços por ela prestados. Com razões dessa ordem, verifica-se
que é de nenhuma sustentação jurídica o querer estender às autarquias exigência
que não se coaduna com seu regime jurídico, restando nítido que a expressão
constitucional "instituídas e mantidas pelo Poder Público" (art. 150.
parágrafo 2º) refere-se somente às fundações públicas, estas sim, conforme se
verá a seguir, passíveis de instituição e manutenção pelo Poder Público.
Admitir-se
o contrário seria desconhecer que as normas jurídicas incidem,
exclusivamente, no campo dos comportamentos possíveis, representando
arrematado absurdo deôntico regular a conduta impossível (PAULO DE
BARROS CARVALHO), que no caso seria a que desse pela extensão da cláusula sob
enfoque às autarquias.
Demais
disso, consultem-se todos os comentaristas da atual Constituição Federal e
todos eles, sem exceção de nenhum, sequer farão alguma correlação entre as
expressões autarquias e manutenção pelo Poder Público
interpretação equivocada dada ao parágrafo 2º do artigo 150 -, já que se tem
por óbvio que a expressão "instituídas e mantidas" refere-se
exclusivamente às fundações públicas. A propósito, convém citar os comentários
elaborados pela Fundação Prefeito Faria Lima - CEPAM:
"Confere-se
tratamento quase idêntico ao do parágrafo 1º, do art. 19, do texto anterior, em
sua parte visto que agora foram incluídas as fundações, quer sejam instituídas
pelo Poder Público, quer sejam por ele apenas mantidas" ("Breves Anotações à Constituição
de 1988", Atlas, 1990, p. 350).
Mas
não são somente esses argumentos, de percepção clara e objetiva, que deverão
levar ao julgamento de inteira procedência do pedido a ser formulado em demanda
judicial, eis que outras razões ainda existem.
Comecemos
pela seguinte: pertence à história do direito constitucional brasileiro o
estendimento às autarquias da imunidade tributaria recíproca prevista no artigo
150, inciso VI, alínea "a", da atual Carta Magna, pois a mesma já
vinha prevista nas Constituições de 1967 (art. 20, parágrafo 1º) e 1969 (art.
19, parágrafo 1º), sendo que nas mesmas não havia qualquer exigência de ser a
autarquia mantida pelo Poder Público para gozar do beneficio.
Aliás,
não se pode deixar de mencionar a circunstância de a própria lei instituidora
da OAB ter feito menção expressa à imunidade tributária de seus bens, conforme
consta do seguinte dispositivo:
"Art.
45
........................
parágrafo
5º. A OAB, por
constituir serviço público, goza de imunidade tributária total em relação a
seus bens, rendas e serviços".
Se
antes nunca houve a exigência de a OAB ser mantida pelo Poder Público para
gozar do beneficio da imunidade tributária, hoje também não há. consoante se
está a demonstrar. E não há tal exigência em relação às autarquias porque a
expressão "instituídas e mantidas pelo Poder Público" só se refere às
fundações públicas. Vejamos como se equaciona essa questão.
O
Estado, como se sabe, para consecução de seus fins e visando a sua
descentralização administrativa, cria, de modo ordinário, entidades (pessoas
jurídicas), com a finalidade de atender a um serviço público específico. Exemplo
disso são as sociedades de economia mista e as empresas públicas (pessoas
jurídicas de direito privado), as autarquias (pessoas jurídicas de direito
público) e as fundações (que podem ser pessoas jurídicas de direito público ou
de direito privado).
Portanto,
o Estado, no que diz respeito às fundações governamentais, "tanto pode
criar pessoas’ de direito público como pessoas de direito privado para
oferecerem aos administrados os serviços que entender sejam-lhes úteis. É a
lição de Celso Antônio Bandeira de Mello ("Prestação", cit., p. 147),
ao dizer que da vontade do Estado podem nascer entidades públicas e privadas.
Pública é a que responde a um regime de direito público, e privada é a que
atende a um regime de direito privado, estatuídos, um e outro, nos atos de
criação e instituição" (DIOGENES GASPARINI, "Direito
Administrativo", Saraiva, 1989, p. 187).
Ora,
o dispositivo constitucional inserido no parágrafo 2º do artigo 150 fez
expressa opção pelas fundações públicas, pois são essas que necessitam
de instituição direta por lei e de manutenção pelo Poder Público, com
exclusão das fundações privadas e das autarquias. Esta é a lição de IVES
GANDRA DA SILVA MARTINS ao comentar o referido parágrafo, in verbis:
"O
artigo referido reproduz em parte o disposto no art. 19, parágrafo 1º da Emenda
Constitucional nº 1/69. A
novidade reside no albergar as fundações instituídas e mantidas pelo Poder
Público. Não a qualquer fundação é estendida a imunidade, mas
àquelas do próprio Poder Público.
.................................
As
fundações do Poder Público, agora abrigadas pelas proteções constitucionais, possui
idêntico tratamento mesmo se tiverem finalidades lucrativas, acréscimo do texto
atual plenamente justificado". ("Comentários à Constituição do
Brasil", Saraiva, 1990, 6º vol., tomo 1, p. 194e 196).
Às
fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, ou seja, às Fundações
Públicas, o Texto Constitucional faz menção em outros dispositivos, a
saber: arts. 22, XXVII, 37, XVII, 71, II, III e IV e 169, parágrafo único, numa
clara demonstração de que, por existirem outras espécies de fundações, somente
a fundação pública é que gozará do beneficio da imunidade tributária. E
isto se dá por uma boa razão: como as fundações particulares e as fundações
privadas instituídas pelo Poder Público gozam do regime jurídico de direito
privado, elas têm ampla autonomia para a consecução dos seus objetivos. O mesmo
já não ocorre com as fundações públicas, que necessitam da manutenção do Poder
Público para sua sobrevivência, por pertencerem ao regime jurídico de direito
público, com todas as consequências daí advindas.
De
mais a mais, a regra do parágrafo 2º do artigo 150, na parte em que prevê a
instituição da entidade pelo Poder Público, somente se estende às fundações
porque estas é que podem não ser criadas por lei - tal é o caso das fundações
particulares ou das fundações privadas instituídas pelo Estado -,ao passo que
as autarquias jamais poderão deixar de ser criadas por lei especifica (vide, a
propósito, o disposto no artigo 37, inciso XIX, da Constituição de 1988).
A
lição de CELSO RIBEIRO BASTOS, ao comentar o inciso XIX do artigo 37 da atual
Carta Magna, está de acordo com a conclusão tirada acima:
"Já
no que diz respeito à referência feita pelo inciso à fundação pública,
impõe-se, de pronto o reconhecimento de que a exigência constitucional de lei
não é extensiva a toda e qualquer entidade fundacional, mas tão-somente
àquela que tiver a natureza pública. O texto constitucional consagra a
distinção entre fundação regida pelo direito comum e aquela disciplinada pelo
direito público. Portanto, a exigência da criação por intermédio de lei é
restrita às fundações de direito público.
Todavia,
isto não significa que as fundações privadas não necessitem de qualquer espécie
de norma autorizadora. A distinção fundamental reside no papel desempenhado
pela lei num e noutro caso. Na pública a lei institui a fundação na privada,
autoriza a sua instituição, que se processa, contudo, na forma do direito
privado, tal como convém à entidade dessa natureza." ("Comentários à Constituição do
Brasil", Saraiva, 1992, 3º vol., tomo III, p. 141, sem destaque no
original).
De
consequência, referida expressão, na parte em que prevê a manutenção da
entidade pelo Poder Público, também somente se estende às fundações (no caso,
às fundações públicas), pois, como é de correntio conhecimento, existem
fundações, as privadas e as particulares, por exemplo, que não dependem de
qualquer subvenção para a sua sobrevivência.
Nítido
está que a expressão "instituídas e mantidas pelo Poder Público" só
tem sua razão de ser quando relacionada às fundações públicas, pois inexistem
razões que a relacione às autarquias.
Parece,
inclusive, que uma simples leitura do texto sob análise (parágrafo 2º do art.
150) é suficiente para repelir a interpretação dada pela Procuradoria
Municipal. De fato, pretendesse o legislador estender às autarquias a expressão
"instituídas e mantidas pelo Poder Público", teria colocado uma
vírgula logo após a palavra "fundações", pois com isto estaria a
abranger as autarquias e as fundações. A ausência deliberada da vírgula, que
teria a finalidade de abrigar, na oração seguinte, as duas espécies de
entidades estatais, faz com que se torne impossível estender às autarquias algo
que só tem sua razão de ser quando vinculado unicamente às fundações públicas.
Por
derradeiro, deve ser sustentado que, ainda que inexistisse a regra de imunidade
prevista no § 2º do artigo 150, as autarquias, mesmo assim, continuariam a
beneficiar-se desta modalidade de não-incidência tributária, haja vista que
tanto a doutrina, "como a jurisprudência pacífica, na vigência da carta
de 1946, assentiram em que as autarquias gozavam de plena imunidade, por
implícito no princípio constitucional que resguardava as entidades políticas da
recíproca imposições tributárias". (LUIZ RAFAEL MAYER, "Imunidade
Tributária – Autarquia", RDA 129/258).
Está-se
aqui a falar da imunidade ontológica, que "corresponde a uma
exigência natural do sistema. Em certo sentido é um subproduto dele. Contém-se,
, implicitamente, no próprio esquema constitucional, como) verdadeira
decorrência de sua composição. Não se trata de uma liberdade do constituinte
mas da resultante imediata da adoção de certos princípios que definem o sistema
federativo. Por isso mesmo, parece—nos, mesmo à falta de previsão, deve ser
reconhecida, pois é solicitada pela própria lógica do regime. É precisamente o
caso de imunidade recíproca dos entes públicos. Sua insubmissão a impostos
deflui implicitamente da harmonia entre eles. Além disso seria inconveniente
que Estados, Municípios, Distrito Federal e União estivessem a salvo do gravame
fiscal e suas autarquias, simples serviços personalizados das mesmas entidades,
devessem sofrê-lo. A interpretar de outra forma insidir-se-ia na seguinte
desarrazoada conclusão: quando as pessoas políticas optam por processos
administrativos havidos por seus legisladores como mais oportunos, eficientes
ou racionais, devem sofrer, embora indiretamente, ônus tributário que inexistiria
se abandonassem o propósito de aprimorar a prestação de certos serviços"
(CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, "Natureza e Regime Jurídico das
Autarquias", RT, 1968, p.462/463).
Portanto,
a imunidade recíproca concedida aos Estados, Municípios, Distrito Federal e
União Federal, deve ser estendida. ainda que inexistente texto expresso - e em
razão de se estar a falar de uma imunidade ontológica -, às autarquias, já que
estas são entes criados por aquelas pessoas políticas e que herdam os
privilégios e condições do ente criador. Tributar a autarquia federal, como bem
diz J. CRETELLA JR. ("Comentários à Constituição de 1988", Forense
Universitária, vol. VII, p. 3.563), é o mesmo que tributar a própria União.
Seria, de fato, artifício irreal e incompreensível dispensar-se tratamento
desigual, sem justificação, entre o centro (Estado) e a entidade menor
(autarquia), conforme aduz a doutrina especializada (LUIZ RAFAEL MAYER, RDT
4/157; WALTER THAUMATURGO JÚNIOR, RDT 2.930/329; SUELI ALVES DE SOUZA, RDA
43/408 e AGUIAR DIAS, RDA 44/747).
Cabe
dizer, ainda, que os dois imóveis de propriedade da consulente, acima
identificados, estão vinculados às suas finalidades essenciais de órgão de
seleção e disciplina da classe dos advogados no Estado de Mato Grosso do Sul.
V
- A competência da Justiça Federal
Sendo
certo que a consulente é uma autarquia criada pela União, compete à Justiça
Federal de 1ª instância processar e julgar eventual demanda a ser por ela
ajuizada, conforme expressa previsão do Texto Constitucional (art. 109, I, que,
em razão de sua supremacia hierárquico-normativa, tem o condão de afastar
qualquer outra regra estabelecedora de foro privilegiado porventura existente
em favor do Município de Campo Grande.
A
matéria, aliás, já foi objeto de conflito de competência suscitado perante o E.
Superior Tribunal de Justiça, tendo este, na oportunidade, por unanimidade de
votos, decidido que:
"A
OAB, por, seu Conselho Federal, suas seccionais e subseções, é entidade atípica, inominada e, embora
não classificada na própria lei que a instituiu, nº 4.215, de 27.4.63,
tem seu perfil de serviço público federal, definido no art. 139, por isso que
se enquadra na moldura dos limites expressos no art. 109, I, da CF; que
estabelece competência à Justiça Federal para processar e julgar os feitos,
como no caso, em que figura como interessada, na condição de autora, ré,
assistente ou oponente" (RT 665/175).
Percebe-se,
pois, a olhos vistos, que é da Justiça Federal de 1º grau a competência ratione
personae para processar e julgar demanda a ser aforada pela OAB, nos exatos
termos do dispositivo constitucional retrocitado.
VI
- Conclusão
Exposto
nosso pensamento a respeito do assunto, concluimos ser viável o ajuizamento de
demanda para obter o reconhecimento judicial da imunidade tributária que
beneficia o patrimônio da Ordem dos Advogados do Brasil.
Como
pedido a ser formulado, sugerimos o pleito de anulação dos lançamentos
de oficio realizados pelo Município de Campo Grande e que se referem ao IPTU
dos anos de 1991 a 1995, referentes aos imóveis de propriedade da OAB. bem
corno e por consequência para que sejam anulados os débitos fiscais da
consulente junto ao Município de Campo Grande, decorrentes do mesmo tributo e
referentes aos mesmos imóveis.