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A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DO SALÁRIO-EDUCAÇÃO:
INCONSTITUCIONALIDADE
ORIGINÁRIA E PERMANENTE
Igor Mauler Santiago
professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito Milton Campos,
mestrando em Direito Tributário na UFMG,
advogado em Belo Horizonte
Eduardo Maneira
professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito Milton Campos,
advogado em Belo Horizonte
- 1 - RESENHA DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DO SALÁRIO-EDUCAÇÃO
- Previa a Constituição Federal de 1967, com a redação que lhe conferiu a Emenda
Constitucional nº 1, de 1969:
- Art. 178. As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter o
ensino primário gratuito de seus empregados e o ensino dos filhos destes, entre os sete e
os quatorze anos, ou a concorrer para aquele fim, mediante a contribuição do
salário-educação, na forma que a lei estabelecer. (...)
- Até dezembro de 1996, vigeu o Decreto-lei nº 1.422, de 23.10.75, que dispunha:
- Art. 1º. O salário-educação, previsto no artigo 178 da Constituição, será
calculado com base em alíquota incidente sobre a folha do salário de contribuição,
como definido no artigo 76 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, com as
modificações introduzidas pelo Decreto-lei nº 66, de 21 de novembro de 1966, e pela Lei
nº 5.890, de 8 de junho de 1973, não se aplicando ao salário-educação o disposto no
artigo 14, in fine, dessa Lei, relativo à limitação da base de cálculo da
contribuição.
- (...)
- § 2º. A alíquota prevista neste artigo será fixada por ato do Poder Executivo,
que poderá alterá-la mediante demonstração, pelo Ministro da Educação e Cultura, da
efetiva variação do custo real unitário do ensino de 1º grau.
- (...)
- Art. 2º, § 3º. O INPS reterá, do montante recolhido, a título de taxa de
administração, a importância equivalente a 1% (um por cento), depositando o restante no
Banco do Brasil, para os fins previstos neste artigo.
- A alíquota, no que interessa ao período versado neste artigo, foi estabelecida pelo
Decreto nº 87.043, de 22.03.82, assim redigido:
- Art. 3º. O salário-educação é estipulado com base no custo de ensino de 1º
grau, cabendo a todas as empresas vinculadas à Previdência Social, Urbana e Rural,
respectivamente, recolher:
- I - 2,5% (dois e meio por cento) sobre a folha de salário-de-contribuição,
definido na legislação previdenciária, e sobre a soma dos salários-base dos titulares,
sócios e diretores, constantes dos carnês de contribuintes individuais. (...)
- A previsão constitucional do tributo não sofreu solução de continuidade com o
advento da Carta de 1988, que prescrevia, em sua redação original:
- Art. 212, § 5º. O ensino fundamental público terá como fonte adicional de
custeio a contribuição social do salário-educação, recolhida, na forma da lei, pelas
empresas, que dela poderão deduzir a aplicação realizada no ensino fundamental de seus
empregados e dependentes.
- O dispositivo foi alterado pela Emenda Constitucional nº 14, de 12.09.96, com vigência
a partir de 01.01.97, passando a ostentar a seguinte redação:
- Art. 212, § 5º. O ensino fundamental público terá como fonte adicional de
financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas, na
forma da lei.
- Uma semana depois, editou-se a Medida Provisória nº 1.518, determinando:
- Art. 1º. O salário-educação, previsto no § 5º do art. 212 da Constituição, e
devido pelas empresas, é calculado com base na alíquota de 2,5% sobre a folha de
salário-de-contribuição, entendendo-se como tal o definido no art. 28, incisos I e III,
da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e legislação posterior.
- (...)
- § 3º. Entende-se por empresa, para os fins desta Medida Provisória, qualquer
firma individual ou sociedade que assuma o risco de atividade econômica, urbana ou rural,
com fins lucrativos ou não, bem como as empresas e demais entidades públicas ou
privadas, vinculadas à Seguridade Social. (...)
- A mencionada medida provisória foi reeditada por três vezes, com pequena alteração
redacional, e posteriormente revogada pela Medida Provisória nº 1.565, de 09.01.97,
adiante referida, razão pela qual não interessa ao presente trabalho.
- O tema foi retomado pela Lei nº 9.424, de 24.12.96, ora em vigor, que laconicamente
prescreve:
- Art. 15. O salário-educação, previsto no art. 212, § 5º, da Constituição
Federal e devido pelas empresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento, é
calculado com base na alíquota de 2,5% (dois e meio por cento) sobre o total de
remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, assim
definidos no art. 12, inciso I, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
- Dias mais tarde, foi a referida lei complementada pela Medida Provisória nº 1.565/97,
nos seguintes termos:
- Art. 1º. A contribuição social do Salário-Educação, a que se refere o artigo
15 da Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, obedecerá aos mesmos prazos e condições
e sujeitar-se-á às mesmas sanções administrativas ou penais e outras normas relativas
às contribuições sociais e demais importâncias devidas à Seguridade Social,
ressalvada a competência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, sobre
a matéria.
- (...)
- § 3º. Entende-se por empresa, para fins de incidência da contribuição social do
Salário-Educação, qualquer firma individual ou sociedade que assume o risco de
atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como as empresas e
demais entidades públicas ou privadas, vinculadas à Seguridade Social.
- (...)
- Art. 4º. A contribuição do Salário-Educação será recolhida ao Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS ou ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação -
FNDE.
- Parágrafo único. O INSS reterá, do montante por ele arrecadado, a importância
equivalente a um por cento, a título de taxa de administração, creditando o restante no
Banco do Brasil S/A, em favor do FNDE, para os fins previstos no artigo 15, § 1º, da Lei
nº 9.424, de 1996.
- Art. 5º. A fiscalização da arrecadação do Salário-Educação será realizada
pelo INSS, ressalvada a competência do FNDE sobre a matéria. (...)
- Como se passa a demonstrar, é ilegítima a exigência da contribuição social do
salário-educação tal como hoje positivada, tendo sido igualmente indevidos todos os
recolhimentos efetuados pelos contribuintes nos últimos dez anos, tudo a reclamar
imediato pronunciamento judicial em seu favor.
-
2 - RAZÕES DA INCONSTITUCIONALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DO SALÁRIO-EDUCAÇÃO
NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS
- 2.1 - Período entre outubro de 1987 e setembro de 1988: incompatibilidade do
Decreto-lei nº 1.422/75 com a Constituição Federal Emendada de 1969.
- A inconstitucionalidade da delegação legislativa operada pelo art. 1º, § 2º, do
Decreto-lei nº 1.422/75, acima transcrito, é originária.
- Com efeito, a Constituição Federal de 1967, com a redação da Emenda Constitucional
nº 1, de 1969, já não admitia que o legislador deferisse ao Executivo a faculdade de
complementar a estrutura normativa de tributo ou contribuição (categorias então
distintas, a teor da Emenda Constitucional nº 8, de 1977), fixando-lhes originariamente a
alíquota.
- Instituindo a separação de poderes, dispunha o art. 6º da Carta Emendada de 1969:
- Art. 6º. São Poderes da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
- Parágrafo único. Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a
qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem for investido na função de um deles
não poderá exercer a de outro.
- As exceções contempladas no parágrafo único resumiam-se à possibilidade de
edição, pelo Executivo, de decretos-leis e leis delegadas, não albergando a
complementação de texto legal por meio de decreto.
- Tampouco se fundamenta a delegação na redação conferida pela EC nº 8/77 ao art. 21
da Constituição Emendada de 1969, a saber:
- Art. 21. Compete à União instituir impostos sobre:
- I - importação de produtos estrangeiros, facultado ao Poder Executivo, nas
condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar-lhe as alíquotas ou as bases de
cálculo;
- (...)
- § 2º. A União pode instituir:
- I - contribuições, observada a faculdade prevista no item I deste artigo, tendo em
vista intervenção no domínio econômico ou o interesse de categorias profissionais e
para atender diretamente à parte da União no custeio dos encargos da previdência
social. (...)
- O poder deferido ao Executivo limitava-se à modificação de alíquotas e bases de
cálculo, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, não se estendendo à
fixação inicial ou à alteração incondicionada de qualquer destas grandezas.
Desautorizada, portanto, a delegação do Decreto-lei nº 1.422/75, que não estabelecia
quaisquer condições e limites para a variação da alíquota do salário-educação.
- Demais disso, a faculdade restringia-se à regulação das contribuições
previdenciárias, corporativas e interventivas, categorias a que não se subsume a
exação em comento, classificada entre as contribuições sociais gerais.
- Por último, lembre-se que o art. 178 da Constituição Emendada de 1969 era explícito
em afirmar que a contribuição social do salário-educação era devida "na forma
que a lei estabelece[sse]", reiterando de forma específica o primado da
legalidade.
- Daí poder-se concluir, sem mais demora, pela total incompatibilidade do art. 1º, §
2º, do Decreto-lei nº 1.422/75 com o texto constitucional vigente quando de sua
edição.
- De afastar desde logo a conclusão de JOSÉ GUARANY MARCONDES ORSINI (1), no sentido de
que, sendo inconstitucional a delegação operada pelo dispositivo em análise,
permaneceria em plena vigência a alíquota de 1,4% fixada pelo diploma precedente (Lei
nº 4.843, de 29.11.65, art. 35), apenas facultando-se aos contribuintes a recuperação
dos valores correspondentes à diferença entre a alíquota administrativamente fixada
(2,5%) e aquela.
- Com efeito, o dispositivo legal preexistente que fixava a alíquota da contribuição,
sendo incompatível com a ilegítima pretensão do diploma superveniente em cometer ao
Executivo a sua determinação, foi por este revogado, nos termos de seu art. 6º, verbis:
- Art. 6º. Este Decreto-Lei entrará em vigor a 1º de janeiro de 1976, revogadas a
Lei nº 4.440, de 27 de outubro de 1964, e demais disposições em contrário.
- Enfatizando a relação de acessoriedade existente entre a lei expressamente revogada e
aquelas que a sucederam, leciona RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA (2):
- A inconstitucionalidade existente no citado decreto-lei não o atingia por inteiro,
nem principalmente seu art. 6º, que revogou expressamente a Lei nº 4.440 e, como
conseqüência, revogou a Lei nº 4.863, que se referia àquela, bem como os demais
diplomas legais acima citados, todos eles também referidos à lei básica então
revogada.
- Em nada se altera o entendimento diante da melancólica constatação de que uma lei
hígida foi revogada em favor de outra inconstitucional, produzindo-se vácuo legislativo
na matéria.
- 2.2 - Período entre outubro de 1988 e março de 1989: não-recepção do Decreto-lei
nº 1.422/75 pela Constituição Federal de 1988.
- Em rigor, mesmo que eventualmente tidas por compatíveis com a Carta precedente, as
normas instituidoras do salário-educação não teriam sido recepcionadas pela
Constituição em vigor, estando revogadas desde 05.10.88.
- Com efeito, até esta data tinha a exação natureza não-tributária, conforme
assentado na jurisprudência do STF (RE nº 83.662-RS, Pleno, in RTJ 83/444; RE nº
68.074-GB, 2ª Turma, in RT 425/228; RE nº 74.998, Pleno, in RTJ 67/201).
- Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, volveram as contribuições
sociais à vala comum da tributação (art. 149), submetendo-se imediata e completamente
ao princípio da estrita legalidade (art. 150, I).
- Sobre a impossibilidade de delegação legislativa externa em nosso Direito, tratando
exatamente de matéria tributária, assim decidiu o Pleno do STF, no julgamento liminar da
ADIn nº 1.296-7, relatado pelo Min. CELSO DE MELLO (3):
- Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Estadual Que Outorga ao Poder Executivo
a Prerrogativa de Dispor, Normativamente, Sobre Matéria Tributária - Delegação
Legislativa Externa - Matéria de Direito Estrito - Postulado da Separação de Poderes -
Princípio da Reserva Absoluta de Lei em Sentido Formal - Plausibilidade Jurídica -
Conveniência da Suspensão da Eficácia das Normas Legais Impugnadas - Medida Cautelar
Deferida - A essência do direito tributário - respeitados os postulados fixados pela
própria Constituição - reside na integral submissão do poder estatal à rule of law.
- A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados
subordinantes do texto consubstanciado na Carta da República, qualifica-se como decisivo
instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do
Poder Executivo em matéria tributária. Considerações em torno das dimensões em que se
projeta o princípio da reserva constitucional da lei.
- A nova Constituição da República revelou-se extremamente fiel ao postulado da
separação de poderes, disciplinando, mediante regime de direito estrito, a
possibilidade, sempre excepcional, de o Parlamento proceder à delegação legislativa
externa em favor do Poder Executivo.
- A delegação legislativa externa, nos casos em que se apresente possível, só pode
ser veiculada mediante resolução, que constitui o meio formalmente idôneo para
consubstanciar, em nosso sistema constitucional, o ato de outorga parlamentar de funções
normativas ao Poder Executivo. A resolução não pode ser validamente substituída, em
tema de delegação legislativa, por lei comum, cujo processo de formação não se ajusta
à disciplina legal fixada pelo art. 68 da Constituição.
- A vontade do legislador, que substitui arbitrariamente a lei delegada pela figura da
lei ordinária, objetivando, com esse procedimento, transferir ao Poder Executivo o
exercício de competência normativa primária, revela-se írrita e desvestida de qualquer
eficácia jurídica no plano constitucional. O Executivo não pode, fundando-se em mera
permissão legislativa constante de lei comum, valer-se do regulamento delegado ou
autorizado como sucedâneo da lei delegada para o efeito de disciplinar, normativamente,
temas sujeitos à reserva constitucional de lei.
- Não basta, para que se legitime atividade estatal, que o Poder Público tenha
promulgado um ato legislativo. Impõe-se, antes de mais nada, que o legislador,
abstendo-se de agir ultra vires, não haja excedido os limites que condicionam, no plano
constitucional, o exercício de sua indisponível prerrogativa de fazer instaurar, em
caráter inaugural, a ordem jurídico-normativa. Isso significa dizer que o legislador
não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgão do
Estado - como o Poder Executivo - produzam a norma que, por efeito de expressa reserva
constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar.
- O legislador, em conseqüência, não pode deslocar para a esfera institucional de
atuação do Poder Executivo - que constitui instância juridicamente inadequada - o
exercício de poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias
temáticas - (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de cálculo
tributária, (c) a concessão de crédito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de
recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de
sua própria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido
formal.
- Traduz situação configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao
Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae - tendo em vista o sistema
constitucional de poderes limitados vigente no Brasil - só pode residir em atos estatais
primários editados pelo Poder Legislativo.
- Dessarte, ainda que fosse compatível com a Carta anterior (e não o era), a delegação
legislativa operada pelo Decreto-lei nº 1.422/75 não lograria transpor os pórticos da
nova ordem constitucional instaurada em 1988, cujas disposições transitórias assim
regularam a recepção das normas integrantes do antigo sistema tributário:
- Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia
do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da
Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1 de 1969 e pelas
posteriores.
- § 1º. Entrarão em vigor com a promulgação da Constituição os arts. 148, 149,
150, 154, I, 156, III, e 159, I, 'c', revogadas as disposições em contrário da
Constituição de 1967 e das Emendas que a modificaram, especialmente de seu art. 25, III.
- (...)
- § 5º. Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação
da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a
legislação referida nos §§ 3º e 4º. (...) (grifos nossos)
- Nesse sentido, o seguinte julgado do TRF de São Paulo:
- CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO E ADICIONAL DO IAA. NÃO-RECEPÇÃO DOS
DECRETOS-LEIS Nº 308/67, 1.712/79 E 1.952/82 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL.
- A não-recepção de ato normativo pela nova ordem constitucional pode ser declarada
pela Turma. Precedentes do STF e do Plenário deste Tribunal.
- A legislação sobre a economia sucroalcooleira - Decretos-leis nº 308/67, 1.712/79
e 1.952/82 - não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Fixação e
alteração de alíquota e base de cálculo de contribuições são indelegáveis ao Poder
Executivo, em face do princípio da estrita legalidade tributária (arts. 149 e 150, I, da
Constituição Federal).
- Apelação da União Federal desprovida de razões.
- Apelação não conhecida e improvida a remessa oficial.
- (TRF da 3ª Região, 3ª turma, AMS nº 40.832, Rel. Juíza DIVA MALERBI, votação
unânime, in RTRF 3ª Região, vol. 15, pp. 256 a 262, grifo nosso)
- 2.3 - Período entre abril de 1989 e dezembro de 1996: revogação do art. 1º, §
2º, do Decreto-lei nº 1.422/75 pelo art. 25 do ADCT da Constituição Federal de 1988.
- Dispõe o ADCT da Constituição Federal de 1988:
- Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da
Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais
que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela
Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:
- I - ação normativa; (...)
- Como não foi convalidado no prazo definido pela Constituição, o art. 1º, § 2º, do
Decreto-lei nº 1.422/75, se não fosse já inválido, perderia toda vigência e eficácia
em 03.04.89, produzindo-se vácuo legislativo na matéria e suprimindo-se a causa
jurídica dos pagamentos que a título de salário-educação se sucederam.
- A jurisprudência não tem transigido na aplicação do comando. A 1ª Turma do STJ
recentemente decidiu que (4):
- ADMINISTRATIVO. IBAMA. INFRAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA.
- 1 - São inválidos os atos normativos provenientes de decretos-lei ou neles
fundados, que não se encontrem albergados pela exceção constante do artigo 25 do ADCT.
- 2 - Reveste-se de ilegalidade a Portaria do IBAMA, fruto de delegação de
competência contida em Decreto-Lei não abrigado pelo Congresso Nacional.
- 3 - Só a lei, em sentido formal e material, pode descrever infração e impor
sanções.
- 4 - Recurso improvido.
- Da mesma forma, o voto de Relator do Min. CARLOS VELLOSO, proferido na sessão de
29.05.97, no julgamento conjunto dos RREE nº 191.044-5-SP, 191.203-1-SP, 191.227-0-SP,
191.246-4-SP e 198.554-2-SP, ora suspenso, dando pela inconstitucionalidade da quota de
contribuição sobre a exportação de café a partir do advento da Constituição Federal
de 1988, por entender não-recepcionada a delegação de competência dos arts. 2º e 4º
do Dec.-lei nº 2.295/86, que atribuíam ao Presidente do Instituto Brasileiro do Café a
fixação da alíquota da contribuição. Afirmou o preclaro Ministro:
- "o D.L. nº 2295/86, art. 4º, é absolutamente incompatível com o sistema
tributário nacional inaugurado com a CF/88.
- (...)
- Dir-se-á que a contribuição propriamente dita teria sido recebida pela
Constituição vigente. Mas o seu valor, fixado pelo Presidente do IBC, não o foi, dado
que a CF vigente exige lei. Ter-se-ia, então, uma contribuição inexistente, porque sem
valor. E o que se discute, no caso, é a sua cobrança.
- (...)
- Também não há que invocar em favor da delegação constante do art. 4º do
Dec.-lei nº 2.295/86, a norma do art. 25, I, do ADCT à CF/88, dado que não há lei
prorrogadora do prazo inscrito no caput do referido art. 25, do ADCT, convindo esclarecer
que, no caso de instituição e majoração do tributo objeto da causa, há regra
constitucional expressa reservando à lei tanto a instituição quanto a majoração, como
vimos.
- 2.4 - Período iniciado em janeiro de 1997: incompletude da lei instituidora, ofensa
ao princípio da anterioridade tributária e não-conversão da Medida Provisória nº
1.565/97.
- Tampouco é válida a exigência do tributo tal como instituído pela legislação ora
em vigor.
- Com efeito, a Lei nº 9.424/96, conquanto defina a base de cálculo e a alíquota do
salário-educação, não é clara quanto à materialidade do fato gerador, sendo
totalmente omissa no que pertine ao sujeito passivo da obrigação, matérias ambas
remetidas à discrição do Executivo (art. 15, caput).
- Tratado em detalhe na MP nº 1.518/96, este último aspecto foi inteiramente olvidado
pela lei que a revogou, não sendo retomado senão que pela MP nº 1.565, editada já no
curso deste ano e ainda não convertida em lei.
- A legislação recente sobre a matéria é bem inventariada por JOSÉ WILSON FERREIRA
SOBRINHO (5):
- "Mesmo assim - e talvez para escapar-se de batalhas judiciais - editou-se a Lei
nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que também mereceu críticas. Diz-se que seu art.
15, caput, utilizou indevidamente a possibilidade de se editar regulamento, bem como que
ela não converteu em lei a última reedição da Medida Provisória nº 1.518/96.
- (...)
- De fato, uma lei ordinária não pode deixar para o regulamento fixar o modo como
determinada contribuição será devida pelas empresas. Isto é uma distorção
legislativa da permissão constitucional de se editar regulamento para execução de lei.
- (...)
- Mas, novamente, a possibilidade de uma medida provisória modificar a legislação
ordinária vem em socorro para permitir que se monte a argumentação seguinte: o artigo
1º, caput, da Medida Provisória nº 1.565, de 09 de janeiro de 1997, revogou a
expressão 'na forma em que vier a ser disposto em regulamento' encontrável no caput do
artigo 15 da Lei nº 9.424/96.
- (...)
- O sujeito passivo da contribuição social - salário-educação - só aparece no
artigo 1º, § 3º, da Medida Provisória nº 1.565/97, não na formulação genérica do
artigo 15, caput, da Lei nº 9.424/96.
- Ora, é claríssimo o CTN no sentido de que a sujeição passiva tributária é matéria
exclusiva de lei (art. 97, III). Intuitiva é a noção de que, sem sujeito passivo, não
se tem norma impositiva apta a gerar efeitos. E significativa é a lembrança de que foi
exatamente em favor deste que se instituiu o princípio da anterioridade (CF, art. 150,
III, b).
- A anterioridade, conquanto vincule todos os aspectos da norma, visa unicamente à
garantia do sujeito passivo, dando-lhe a saber com antecedência os deveres a que se
submeterá no futuro. Nenhuma garantia representaria o princípio se, respeitado em
relação aos demais aspectos, fosse negligenciado justamente quanto à definição deste.
- Ter-se-ia situação em que toda a sociedade seria informada da instituição de um
tributo, mas a ninguém em particular seria dado prever se seria ou não obrigado a
pagá-lo. O princípio seria traído em sua finalidade, restaurando-se a insegurança
jurídica e a surpresa tributária.
- Assim é que, pelo menos neste ano de 1997, e mesmo que antes de seu término venha a
dar-se a conversão da MP nº 1.565/97, permanece indevido o pagamento do
salário-educação, dadas a incompletude da lei instituidora e a primazia do princípio
constitucional da anterioridade.
- Isso porque, conquanto transijam na instituição de tributos por medida provisória e
não vejam irregularidade na sua sucessiva reedição, nossos tribunais apenas têm por
iniciado o prazo da anterioridade (anual ou nonagesimal) na data da edição daquela
efetivamente convertida em lei, fato ainda não verificado no caso vertente.
- O reconhecimento da inconstitucionalidade demonstrada não será obstado pelo provável
deferimento da ADC nº 3-7, que pugna pela constitucionalidade do art. 15, caput e
§§ 1º e 3º da Lei nº 9.424/96, visto que o único fundamento do pedido reside na
desnecessidade de lei complementar para a instituição do tributo. Confira-se:
- Conclui-se, portanto, que o dispositivo legal ora examinado, que fixou a alíquota
da contribuição social do salário-educação, assim como a sua base de cálculo, o
órgão competente para arrecadá-la e a destinação dos recursos recolhidos, está em
perfeita harmonia com o texto constitucional. Resulta, então, que não se pode acolher a
tese que sustenta ser necessária lei complementar para disciplinar o art. 212, § 5º, da
Carta da República.
- Ante o exposto, e pelas razões aduzidas, requer o autor que esse Colendo Tribunal
Federal julgue procedente a presente ação, para declarar a constitucionalidade do art.
15, caput, §§ 1º e 3º, da Lei nº 9.424/96, produzindo tal decisão, nos termos do §
2º do art. 102 da Constituição Federal, eficácia contra todos e efeito vinculante
relativamente a todos os órgãos do Poder Judiciário.
- Sintomática, aliás, a falta de referência ao sujeito passivo na enumeração,
feita no primeiro dos parágrafos transcritos, dos aspectos da norma tributária.
- Em rigor, ainda que a MP nº 1.565/97 seja convertida em lei, completando, com
obediência ao princípio da anterioridade, a norma tributária esboçada na Lei nº
9.424/96, nem mesmo assim nascerá para os sujeitos passivos qualquer dever de pagar, dada
a inconstitucionalidade formal originária da lei complementadora, fruto da conversão de
medida provisória, instrumento expressamente vedado para a regulamentação da matéria.
- Com efeito, dispõe o art. 246 da Constituição Federal, acrescido pela EC nº 6, de
15.08.95:
- Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo
da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a
partir de 1995.
- Como já se referiu, o art. 212, § 5º, da Constituição Federal, que prevê a
contribuição social do salário-educação, teve a sua redação alterada pela EC nº
14, que data de setembro de 1996.
- A questão é bem posta e bem resolvida, nos seguintes termos, pela ilustre Juíza
ANNAMARIA PIMENTEL, do TRF da 3ª Região (6):
- Denota-se, ainda, que o art. 15 em referência [da Lei nº 9.424/96], embora
aparentando conter os elementos retrocitados, configuradores da obrigação tributária de
recolher o tributo em questão, não se mostrou suficientemente claro e preciso, a ponto
de satisfazer os princípios da certeza e da segurança jurídica, garantias
constitucionais do contribuinte. Constatando sua imprecisão, o Poder Executivo editou a
Medida Provisória nº 1.565, em 09.01.97, ainda não convertida em lei, visando
complementar o preceito em referência, ao dispor em seu art. 1º que 'a contribuição
social do Salário-Educação, a que se refere o art. 15 da Lei nº 9.424, de 24 de
dezembro de 1996, obedecerá aos mesmos prazos e condições, e sujeitar-se-á às
mesmas sanções administrativas ou penais e outras normas relativas às contribuições
sociais e demais importâncias devidas à Seguridade Social, ressalvada a
competência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, sobre a matéria'.
(grifei)
- Disso decorre que a Medida Provisória nº 1.565/97, reeditada em 30.05.97 sob o nº
1.565-5/97, está regulamentando, ainda que indiretamente, o § 5º do art. 212 da CF/88,
alterado recentemente pela Emenda Constitucional nº 14/96, o que é expressamente vedado
pelo art. 246 da Lei Maior.
- A conclusão não se infirma diante do entendimento manifestado pelo STF no julgamento
liminar da ADIn nº 1.518-4, assim ementado (7):
- Porque editada, com efeito imediato, em 19 de setembro de 1996, não pode a Medida
Provisória nº 1.518, que altera a legislação relativa ao salário-educação, ser tida
como ato regulamentar do disposto na Emenda Constitucional nº 14, de 1996, cuja vigência
foi estabelecida para 1º de janeiro de 1997.
- Inocorrência, por esse motivo e ao primeiro exame, de restrição constante do art.
246 da Constituição.
- Isso porque, quando editada a medida provisória de que ora se trata (MP nº 1.565/97),
já estava em pleno vigor a EC nº 14/96, não se verificando a incompatibilidade temporal
indicada pela Suprema Corte como fundamento de denegação da liminar.
- 2.5 - Prazo de 10 anos para a propositura do pedido de compensação ou de
repetição.
- Dispõe o CTN, em seu artigo 168:
- Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso de 5
(cinco) anos, contados:
- I - nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extinção do crédito
tributário;
- II - na hipótese do inciso III do art. 165, da data em que se tornar definitiva a
decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado,
anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.
- Importa destacar o disposto no art. 168, I, supra-transcrito. Aí se vê que a ação
para repetir pode ser aforada dentro em cinco anos, tendo como dies a quo "a
data da extinção do crédito tributário".
- E o que prescrevem os mencionados incisos I e II do art. 165? Vejamos:
- Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à
restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade de seu pagamento,
ressalvado o disposto no § 4º do art. 162, nos seguintes casos:
- I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em
face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais
do fato gerador efetivamente ocorrido;
- II - erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota
aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de
qualquer documento relativo ao pagamento; (...)
- O § 4º do art. 162 diz respeito a selo ou estampilha, em nada interferindo com a
questão ora examinada.
- Os impostos que se pagam espontaneamente, sujeitos a lançamento por homologação,
podem perfeitamente ocasionar situações idênticas às descritas nos incisos I e II
acabados de referir.
- Cumpre perguntar, a esta altura, a que momento se considera extinto o crédito
tributário do tributo, tendo em vista a modalidade de lançamento a que se submete. Outra
vez as luzes encontram-se no CTN. Confira-se:
- Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
- (...)
- VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto
no art. 150, §§ 1º e 4º.
- Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja
legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame
da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando
conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
- § 1º. O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o
crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.
- § 2º. Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à
homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção
total ou parcial do crédito.
- (...)
- § 4º. Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a
contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se
tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o
crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
- Pelo amálgama dos arts. 168, I, 156, VII, e 150, § 4º, do CTN, tem-se que, decorridos
cinco anos da data do fato gerador, tendo havido pagamento e à falta de homologação
expressa, perfaz-se a condição resolutiva legal e extingue-se definitivamente o crédito
tributário. O pagamento, se indevido, enseja restituição. E o indébito pode ser
repetido nos próximos cinco anos, é dizer, em um prazo de dez anos, contado a partir da
ocorrência do fato gerador. O Fisco tem cinco anos para homologar, expressa ou
tacitamente; o contribuinte tem mais cinco, contados da homologação, para repetir.
- Tais razões, postas pelo legislador, vieram redundar na mansa e pletórica
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de que é exemplar o acórdão que se
segue (8):
- TRIBUTÁRIO - EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO - CONSUMO DE COMBUSTÍVEL - REPETIÇÃO DE
INDÉBITO - DECADÊNCIA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA.
- I - O tributo arrecadado a título de empréstimo compulsório sobre o consumo de
combustíveis é daqueles sujeitos a lançamento por homologação. Em não havendo tal
homologação, faz-se impossível cogitar em extinção do crédito tributário.
- II - À falta de homologação, a decadência do direito de repetir o indébito
tributário somente ocorre decorridos cinco anos, desde a ocorrência do fato gerador,
acrescidos de outros cinco anos, contados do termo final do prazo deferido ao Fisco para
apuração do tributo devido.
- III - Estado e contribuinte são devedores de mútua lealdade. Não é lícito
utilizarem-se os institutos da prescrição e da decadência como armadilha e instrumento
de calote.
- Registre-se que a construção pretoriana deu-se a propósito do empréstimo
compulsório sobre o consumo de combustíveis e a aquisição de automóveis, mas é
válida para todos os tributos sujeitos a lançamento por homologação, posto que fundada
exclusivamente na interpretação das normas gerais instituídas pelo CTN.
- Em se tratando de compensação, registre-se que o CTN nada dispõe a respeito, o que
já levou juristas da melhor estirpe a defender a tese da imperecibilidade do direito.
Quer parecer-nos, contudo, que uma visão sistemática do Direito, fulcrada em seus
princípios gerais, desaconselha a radicalidade da conclusão, apontando para a solução
analógica, com parâmetro nas regras disciplinadoras do instituto da repetição do
indébito.
- Com efeito, repetição e compensação são formas paralelas e equivalentes de
restituição de tributos. Ambas têm por objeto a devolução dos valores indevidamente
recolhidos aos cofres públicos.
- A diferença entre os institutos limita-se, assim, ao aspecto operacional, de vez que a
compensação faz-se no próprio cálculo do tributo, através da escrituração de
conta-corrente fiscal, servindo os créditos acumulados de moeda escritural apta a
satisfazer, total ou parcialmente, as dívidas do contribuinte para com o Fisco.
- Se o contribuinte que, por qualquer razão, pagou a maior um tributo sujeito a
lançamento por homologação tem o direito de repetir o excesso em cinco anos, a contar
da homologação expressa ou tácita, idêntica garantia lhe assiste quanto ao
creditamento. Mesmo no campo da Economia e das Finanças Públicas, freqüentemente
tomadas como álibi para a não-adoção das medidas juridicamente preferíveis no campo
fiscal, tem-se no caso total identidade de efeitos entre as duas realidades, a justificar
a equiparação defendida. Com efeito, tanto vale para o Estado restituir o excesso
recebido para depois coletar a integralidade de seus créditos quanto apropriar-se daquele
sobejo e em seguida decotá-lo da dívida de seus contribuintes. Para estes, o
raciocínio, feito em termos invertidos, é igualmente verdadeiro.
- 2.6 - Inexistência de repasse do ônus financeiro do tributo, impeditivo da
compensação ou da repetição (CTN, art. 166).
- Ao disciplinar o instituto da repetição do indébito, determina o CTN que:
- Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza,
transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver
assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este
expressamente autorizado a recebê-la.
- Não trata o dispositivo, todavia, de simples transferência econômica, mas de
verdadeiro repasse jurídico do ônus tributário, apenas possível, segundo JOSÉ CARLOS
GRAÇA WAGNER (9), nos "tributos por sua natureza não-cumulativos". Para
MARCO AURÉLIO GRECO (10):
- É forçoso concluir que o artigo 166 do CTN contempla hipóteses de tributos cujo
fato gerador, pelas suas peculiaridades, vincula duas pessoas que nele encontram o
elemento de aproximação.
- Assim também pensa HUGO DE BRITO MACHADO (11), para quem é necessária ainda a
autorização legal da transferência feita pelo contribuinte à outra pessoa envolvida.
ZELMO DENARI (12), após classificar os fatos geradores dos tributos em pressupostos
unilaterais e bilaterais, igualmente restringe a estes últimos o alcance da regra em
questão.
- E é inequivocamente unilateral o pressuposto de fato do tributo em comento, assim como
de todas as demais contribuições sociais hoje existentes. Pronunciando-se sobre exação
com fato gerador assemelhado ao do salário-educação (pagamentos efetuados a
administradores e autônomos, naquele caso; pagamentos em favor de empregados, neste),
decidiu a 1ª Turma do STJ (13):
- TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE ADMINISTRADORES E AUTÔNOMOS (LEI Nº
7.787/89 E LEI Nº 8.212/91). INCONSTITUCIONALIDADE (RE 166.772/RS E ADIN 1.102/DF).
COMPENSAÇÃO: POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
- (...)
- II - O tributo em tela, por sua natureza, não comporta transferência do encargo
financeiro. Cabível, dessa forma, a restituição dos valores indevidamente pagos, sem os
limites do art. 166 do CTN e da Súmula 546/STF. Precedente: REsp. nº 96.874/RS, Rel.
Min. José Delgado, DJU de 25.11.96.
- III - Recurso improvido.
- Recentemente, a 1ª Turma daquela Corte converteu-se a este entendimento, ficando
superadas antigas suas decisões em sentido contrário. É ver (14):
- A contribuição previdenciária da responsabilidade do empregador é tributo
direto. Não se lhe aplicam, para fins de repetição de indébito ou compensação, as
regras do art. 166 do CTN.
- De ressaltar, por derradeiro, que tampouco se aplica à espécie o disposto no § 1º do
art. 89 da Lei nº 8.212/91, com a redação que lhe deu a Lei nº 9.032, de 28.04.95, a
saber:
- Art. 89. Somente poderá ser restituída ou compensada contribuição para a
Seguridade Social arrecadada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS na
hipótese de pagamento ou recolhimento indevido.
- § 1º. Admitir-se-á apenas a restituição ou a compensação de contribuições a
cargo da empresa, recolhida ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que, por sua
natureza, não tenha sido transferida ao custo de bem ou serviço oferecido à
sociedade.(grifo nosso)
- E assim é, em primeiro lugar, porque a regra do § 1º restringe-se às contribuições
que, "por sua natureza", não tenham sido juridicamente transferidas a
terceiros. Sendo diretas todas as contribuições sociais ora em vigor, força é concluir
que o comando destina-se àquelas que, estruturadas sob a forma não-cumulativa, venham a
ser criadas no futuro. Ademais, o caput do dispositivo limita a sua abrangência
às contribuições destinadas ao custeio da Seguridade Social, entre as quais não se
enquadra o salário-educação.
- Por este mesmo motivo, tampouco se lhe aplicam as restrições à compensação
tributária trazidas pelas Leis nº 9.032/95 e 9.129, de 20.11.95, de suspeitíssima
constitucionalidade, que sucessivamente alteraram a redação do já mencionado art. 89 da
Lei nº 8.212/91, nos seguintes termos:
- Art. 89, § 3º. Em qualquer caso, a compensação não poderá ser superior 25%
(vinte e cinco por cento) do valor a ser recolhido em cada competência.
- (Redação conferida pela Lei nº 9.032/95; v. redação do caput acima)
- Art. 89, § 3º. Em qualquer caso, a compensação não poderá ser superior a
trinta por cento do valor a ser recolhido em cada competência.
- (Redação conferida pela Lei nº 9.129/95; a letra do caput restou inalterada)
- 2.7 - Necessidade de plena correção monetária dos valores indevidamente
recolhidos. Incidência de juros compensatórios e moratórios.
- Para efeito de restituição ou compensação, o indébito deve ser plenamente
corrigido, considerados os índices reais de inflação no período e afastados os
expurgos abusivamente impostos pelos sucessivos planos econômicos, em procedimento sempre
invalidado pelos nossos tribunais.
- É da própria Advocacia Geral da União, órgão encarregado da defesa dos interesses
federais (CF, art. 131), o seguinte parecer (15):
- Incidência da correção monetária em repetições de pagamentos anteriores à
Lei 8.383/91. Mesmo na inexistência de expressa previsão legal, é devida correção
monetária de repetição de quantia indevidamente recolhida ou cobrada a título de
tributo. A restituição tardia e sem atualização é restituição incompleta e
representa enriquecimento ilícito do Fisco. Correção monetária não constitui um plus
a exigir expressa previsão legal - é, apenas, recomposição do crédito corroído pela
inflação. O dever de restituir o que se recebeu indevidamente inclui o dever de
restituir o valor atualizado. Se a letra fria da lei não cobre tudo o que no seu
espírito se contém, a interpretação integrativa se impõe como medida de Justiça.
Disposições legais anteriores à Lei 8.383/91 e princípios superiores do Direito
brasileiro autorizam a conclusão no sentido de ser devida a correção. A jurisprudência
unânime dos Tribunais reconhece, nesse caso, o direito à atualização do valor
reclamado. O Poder Judiciário não cria, mas tão-somente aplica o direito vigente. Se
tem reconhecido esse direito, é porque ele existe.
- Sobre o valor atualizado dos recolhimentos indevidos deverão ainda incidir:
- a) em caso de repetição de indébito, juros compensatórios e moratórios: aqueles
calculados entre a data do pagamento indevido e o trânsito em julgado da decisão
favorável; estes, entre o trânsito em julgado e o efetivo cumprimento da decisão (CTN,
art. 167, parágrafo único).
- b) em caso de compensação tributária, juros compensatórios calculados entre a data
do pagamento indevido e o efetivo aproveitamento dos créditos financeiros
correspondentes.
3 - ASPECTOS PROCESSUAIS
- Contemplando a possibilidade de reconhecimento judicial de todas as
inconstitucionalidades demonstradas, deve o contribuinte optar por ação ordinária, em
vez de mandado de segurança. Este, por ser destituído de eficácia patrimonial
pretérita (Súmulas 269 e 271 do STF), impõe-lhe a escolha entre a suspensão dos
pagamentos futuros e o aproveitamento (por compensação) dos créditos gerados pelos
recolhimentos indevidos no passado.
- Assim, em sede de liminar em ação cautelar ou de antecipação de tutela, requererá o
contribuinte, sucessivamente:
- a) a imediata suspensão dos recolhimentos do salário-educação, tributo indevido na
forma em que atualmente positivado, até que o diploma instituidor (Lei nº 9.424/96) seja
complementado por lei não-decorrente da conversão de medida provisória (ou até o
exercício financeiro seguinte àquele em que a MP nº 1.565/97 seja convertida em lei);
- b) ou, em caso de denegação do pedido anterior, autorização para compensar, com o
salário-educação devido a partir de outubro de 1997, os valores indevidamente pagos a
título do mesmo tributo entre setembro de 1987 (ou outubro de 1988, ou abril de 1989) e
dezembro de 1996, acrescidos de juros compensatórios e plena correção monetária.
- Em qualquer dos casos, o periculum in mora está em que, deferida apenas a final,
será ineficaz quanto às parcelas vencidas no curso da ação a autorização para
cessação dos pagamentos ou para compensação dos valores indevidamente recolhidos no
passado, restaurando-se a primazia do avelhantado princípio do solve et repete.
Dessa forma, estaria o contribuinte compelido a recolher tributo que controverte, de
manifesta inconstitucionalidade, sob pena de autuação, constrição judicial e
denegação de certidões negativas.
- De ressaltar, por derradeiro, a completa reversibilidade de qualquer dos provimentos
antecipados. A autorização para suspensão dos pagamentos ou para compensação pode ser
cassada a qualquer momento, mesmo antes da sentença de mérito, com eficácia futura ou
retroativa.
- No mérito, pedirá a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária
em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social e do FNDE - Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação, relativamente ao recolhimento do salário-educação entre
os meses de setembro de 1987 (ou outubro de 1988, ou abril de 1989) e dezembro de 1996,
bem como aos pagamentos efetuados a partir de janeiro de 1997, até que o diploma
instituidor (Lei nº 9.424/96) seja complementado por lei não-decorrente da conversão de
medida provisória (ou até o exercício financeiro seguinte àquele em que a MP nº
1.565/97 seja convertida em lei).
- Pedirá ainda autorização para compensar os valores indevidamente recolhidos,
plenamente corrigidos e acrescidos de juros compensatórios, com as parcelas da mesma
contribuição, a partir do momento em que considerada exigível.
- Na impossibilidade de proceder à compensação (por não ser a contribuição jamais
validamente instituída ou por ser extinta antes do aproveitamento integral de seu estoque
de créditos), pedirá o contribuinte a condenação dos Réus na repetição dos valores
indevidamente recolhidos, com ampla correção monetária, juros compensatórios e
moratórios, deduzidos do montante cuja compensação tenha eventualmente sido autorizada
em sede de antecipação de tutela.
- Por fim, ressalte-se que o fato de o FNDE ser autarquia federal sediada em Brasília e
destituída de representações estaduais legitimadas a agir em juízo não erige o foro
da Capital Federal em único competente para conhecer da ação. Nos termos do art. 94, §
3º, do CPC:
- Art. 94, § 3º. Havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão
demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.
- Bem verdade que ambas as autarquias envolvidas estão domiciliadas em Brasília.
Todavia, no que toca ao INSS, prevalece o entendimento jurisprudencial de que:
- As autarquias federais podem ser demandadas no foro de sua sede ou naquele em que se
acha a agência ou sucursal em cujo âmbito de competência ocorreram os fatos que geraram
a lide. (16)
- Prevendo, tanto a Constituição Federal (art. 125, § 1º), quanto o CPC (art. 99,
inciso I), que as causas em que a União for autora, ré ou interveniente podem ser
aforadas em qualquer capital de Estado ou de Território, eis que mantém Procuradoria da
República em todas as capitais, idêntica orientação deve ser adotada de relação às
autarquias federais, quando acionadas em capitais onde disponham de representação. (17)
- Daí que, sendo competente em relação ao INSS, nada obstará ao foro eleito o
conhecimento da ação, procedendo-se à citação do FNDE por carta precatória.
NOTAS
- (1) A discussão em torno do salário-educação: possível recuperar 44% do que foi
pago desde 10 anos atrás até janeiro de 1997, in Repertório IOB de
Jurisprudência, 1ª quinzena de julho de 1997, nº 13/97, Caderno 1, pág. 314.
- (2) A problemática da contribuição do salário-educação, in Grandes
Questões Atuais do Direito Tributário, coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo,
Dialética, 1997, pág. 230.
- (3) DJU 1 de 10.08.95, pp. 23.554/5, in Revista Dialética de Direito Tributário
nº 1, outubro de 1995, pág. 174, destaques nossos.
- (4) REsp. nº 120.285-MG, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, votação unânime, j. em 16.06.97, in
DJ de 01.09.97.
- (5) Sobre o salário-educação, in Repertório IOB de Jurisprudência,
2ª quinzena de junho de 1997, nº 12/97, Caderno 1, pp. 284 e 285.
- (6) Medida Cautelar nº 681-SP, decisão liminar, DJU 2 de 09.07.97, pp. 52.614/5, in
Revista Dialética de Direito Tributário nº 24, setembro de 1997, pág. 191.
(7) Pleno, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI, votação por maioria, in DJU 1 de
25.04.97, pág. 15.198.
- (8) REsp. nº 65.277/95-PE, 1ª turma, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS,
decisão de 07.08.95, in DJ de 18.09.95, pág. 29.949, decisão por maioria.
- (9) Caderno de Pesquisas Tributárias nº 8 - Repetição de Indébito, São Paulo,
Resenha Tributária, 1983, pág. 95.
- (10) op. cit., pág. 282.
- (11) op. cit., pág. 246.
- (12) op. cit., pág. 142.
- (13) REsp. nº 103.815-CE, in DJU 1 de 14.04.97, pág. 12.715.
- (14) REsp. nº 112.015-RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, votação por maioria, in DJU
1 de 19.05.97, pág. 20.542.
- (15) Parecer AGU nº GQ-96/96, DO de 18.01.96.
- (16) STJ, 1ª Seção, CC nº 2.493-0-DF, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJU de
03.08.92, pág. 11.237, cit. por THEOTONIO NEGRÃO, Código de Processo Civil e
Legislação Processual em Vigor, São Paulo, Saraiva, 1997, 28ª ed., pág. 148.
- (17) RTFR 147/37, cit. por THEOTONIO NEGRÃO, op. e loc. cit.
Extraído do site http://www.jus.com.br/doutrina/salaeduc.html