A COMPENSAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO
Por: HUGO DE BRITO MACHADO*
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. A compensação no Direito Privado. 2.1. Como direito subjetivo. 2.2. Como objeto de contrato 3. A
compensação no Direito Tributário. 3.1. Restrição do Código Civil. 3.2. O Código Tributário Nacional. 3.3. O art. 66 da Lei nº
8.383/91. 4. O regime jurídico da compensação. 4.1. Automaticidade. 4.2. Desnecessidade de medida judicial. 4.3.
Compensação e lançamento. 4.3.1. Lançamento por homologação. 4.4.2. Outras formas de lançamento 4.5. A exigência de
liquidez e certeza 4.5.1. A tese restritiva. 4.5.2. Distinção entre o art. 170 do CTN e o Art. 66 da Lei nº 8.383/91. 4.5.3.
Lançamento por homologação 4.5.4. A supremacia constitucional 4.5.5. Elogiável manifestação do STJ 4.6. Natureza jurídica
do indébito tributário 4.7. A espécie de tributo 4.7.1. Nossa primeira interpretação 4.7.2. Posições restritivas 4.7.3. Tributo da
mesma espécie 4.7.4. A questão da destinação 4.7.5. O órgão arrecadador 5. Outras questões relevantes 5.1. Restrições a
determinados percentuais 5.2. Compensação e repercussão 5.3. Compensação e tributos estaduais e municipais. 5.4. A regra
"solve et repete"
1. Introdução
A compensação é disciplinada pelo Código Civil, mas neste há dispositivo excluindo expressamente dessa disciplina jurídica as
dívidas para com a Fazenda Pública. Em se tratando, pois, de relação tributária, a compensação fica a depender do que esteja
previsto "nas leis e regulamentos da Fazenda."
O Código Tributário Nacional previu a compensação, mas deixou esta a depender do legislador ordinário. Seus dispositivos,
todavia, como adiante se verá, são freqüentemente invocados para fundamentar a denegação do direito do contribuinte à
compensação.
Finalmente, a Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, introduziu no Direito Tributário dispositivo autorizando a
compensação. Entretanto, não obstante a simplicidade da questão, muitas disputas se estabeleceram. Muitas ações já foram
julgadas, e muitas outras ainda estão em tramitação.
A Fazenda Nacional tem colocado restrições ao exercício do direito à compensação, absolutamente injustificáveis, como será
adiante demonstrado, e o Judiciário, infelizmente, tem sido claudicante no assegurar a devida proteção ao contribuinte,
aceitando as restrições fazendárias
e, em alguns casos, superadas aquelas, criando novas restrições.
É possível dizer-se, sem exagero, que o art. 66, da Lei nº 8.383/91 foi a maior conquista do contribuinte brasileiro, nos
últimos cinquenta anos, em sua luta contra os abusos do fisco. Entretanto, pode-se dizer também que por desconhecimento, ou
por má vontade, muitos obstáculos têm sido colocados contra o exercício do direito à compensação, que permanece sendo um
tema de grande interesse para os que trabalham com a relação tributária, justificando-se, desta forma, o presente estudo, em
que vamos examinar os diversos aspectos do assunto, entre os quais se destacam as questões de saber: (a) se a compensação
legalmente autorizada é automática, ou depende de autorização da Fazenda Pública; (b) se há necessidade de medida judicial
para viabilizar a compensação; (c) o que se deve entender por tributo da mesma espécie; (d) em que espécies de lançamento
admite-se a compensação; (e) se é válida a exigência de liquidez e certeza do crédito do contribuinte; (f) qual a natureza
jurídica do indébito tributário.
Examinares, outrossim, também as questões de saber: (a1) se são válidas as normas que restringem a determinados percentuais
os valores compensáveis em cada mês; (b1) se são válidas as normas que condicionam a compensação à demonstração de que o
valor pago indevidamente não foi transferido para terceiro; e (c1) se o direito à compensação abrange os tributos estaduais e
municipais.
2. A compensação no Direito Privado.
2.1. Como direito subjetivo.
No âmbito do Direito Privado a compensação é um direito subjetivo, no sentido de que o devedor, sendo também credor da
mesma pessoa, pode exigir que por tal forma se opere a extinção de seu débito. Basta que as dívidas sejam líquidas e estejam
vencidas. Mesmo que não se trate de dívida de dinheiro, desde que o objeto da dívida seja coisa fungível. E obviamente, neste
caso, em se tratando de coisas do mesmo gênero,
e ainda, quando especificada no contrato, coisas da mesma qualidade.
Por razões óbvias, não se opera a compensação quando os objetos das prestações forem coisas incertas, e se tenha de
respeitar o direito de escolha.
Nenhum dos credores se pode opor à compensação, como forma de extinção das obrigações recíprocas, salvo, é certo,
estipulação precedente. Nada mais razoável. Preserva-se a autonomia da vontade, ao mesmo tempo em que se garante a
isonomia. Inadmissível seria que a um dos credores
fosse lícito opor-se à compensação. Isto criaria
desigualdade intolerável.
2.2. Como objeto de contrato
A compensação pode ser objeto de contrato, no sentido de que, em respeito à autonomia da vontade, permite a lei que os
interessados a excluam. Podem ambos os contratantes estipularem previamente tal exclusão, mas para que não seja oponível o
direito à compensação basta que um
dos devedores a ela tenha previamente renunciado.
É evidente que se ambos os interessados quiserem fazer a compensação, quaisquer cláusulas impeditivas restarão sem efeito,
ou revogadas pelo novo pacto.
3. A compensação no Direito Tributário.
3.1. Restrição do Código Civil.
Nos termos do Código Civil, a compensação não se aplica ao Direito Tributário. Em se tratando de relação tributária, a
compensação fica a depender do que esteja
previsto "nas leis e regulamentos da Fazenda."
Como a autonomia dos "ramos" do Direito é simplesmente didática, por certo se não existisse no Código Civil tal exclusão
também as dívidas tributárias poderiam ser extintas por compensação, independentemente de qualquer dispositivo da lei
tributária.
Aliás, a rigor a exclusão da Fazenda Pública, que implica autorizá-la a exigir o pagamento de um tributo, mesmo sendo
devedora inadimplente do respectivo contribuinte, é redobrada injustiça, além de ser uma imoralidade. E em sendo assim, a
norma excludente é inconstitucional, porque contraria
o art. 3º, inciso I, e o art. 37 da Constituição Federal.
Segundo Silva Martins, a lei que estipula redução do direito do contribuinte de fazer a compensação, porque autoriza a
inadimplência do Poder Público fere o princípio da moralidade. Mais razoável, portanto, é dizer-se que a exclusão pura e
simples desse direito lesiona a moralidade.
3.2. O Código Tributário Nacional.
O Código Tributário Nacional diz que "a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada
caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos,
vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda
Pública.
Em princípio a compensação pressupõe créditos vencidos, mas o CTN admite que a mesma alcance também crédito vincendo.
"Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não
podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer
entre a data da compensação e a do vencimento."
Em face do CTN não se pode falar ainda em um direito do contribuinte à compensação. Esse direito fica a depender de lei.
Ressalvada, é claro, a consideração
de que a discriminação excludente da Fazenda é inconstitucional,
como dito acima.
3.3. O art. 66 da Lei nº 8.383/91.
O art. 66, da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, em sua redação atual, estabelece que "nos casos de pagamento
indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando
resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a
compensação desse valor no recolhimento
de importância correspondente a período subseqüente."
Como se vê, esse dispositivo legal não cuidou da compensação a que se refere o art. 170 do CTN. Cuidou de compensação bem
mais específica, como adiante será demonstrado. Sem razão, portanto, os que afirmam que a Lei nº 8.383/91 não revogou o
art. 170 do CTN, que é lei complementar, e por isto se há de exigir, como pressupostos para a compensação, a liquidez e a
certeza do crédito do contribuinte, a serem por este demonstradas e comprovadas. Na verdade o art. 66, da Lei nº 8.383/91
não revogou o art. 170 do CTN, mas não por ser aquele lei complementar, e sim porque tratou de matéria diversa. As duas
normas, portanto, convivem no sistema sem qualquer conflito, porque "a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou
especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. A compensação ampla a que se refere o art. 170 do
Código Tributário Nacional está a depender de lei, enquanto a compensação mais específica, autorizada pelo art. 66, da Lei
nº 8.383/91, em face das divergências que a interpretação desse dispositivo tem suscitado, faz oportuno o exame de algumas
questões, na tentativa de afastar persistentes
equívocos.
4. O regime jurídico da compensação.
4.1. Automaticidade.
Já tivemos a oportunidade de afirmar que "o exercício do direito à compensação independe de autorização da Fazenda
Pública." Pelo menos assim é em se tratando de tributo com lançamento por homologação, porque neste o contribuinte apura o
valor devido, e efetua o pagamento correspondente - e portanto compensa, se for o caso - para posteriormente a matéria ser
examinada pela Fazenda, que homologará o lançamento,
se lhe parecer que está correto.
4.2. Desnecessidade de medida judicial
A compensação independe de qualquer medida judicial. O ingresso em Juízo na verdade se deu porque, em face das restrições
absurdas colocadas pela malsinada Instrução Normativa 67 os contribuinte tiveram receio de serem molestados pelo Fisco se
fizessem a compensação como estabelece a
lei.
Não tivessem sido formuladas restrições tão absurdas ao direito de compensar, por via normativa infralegal, como aconteceu,
certamente os contribuintes estariam exercendo o direito à compensação tranqüilamente, sem ingressar em Juízo buscando
proteção. As restrições absurdas, que na verdade tiveram o objetivo inconfessável de anular o art. 66, da Lei nº 8.383/91,
sem dúvida nenhuma a maior conquista do contribuinte brasileiro nos últimos cinquenta anos, são a causa de todo o
questionamento que em torno do assunto se travou.
O Judiciário, enquanto não superadas as divergências no STJ, não terá contribuído para a eliminar essa enorme fonte de
atritos na relação fisco-contribuinte.
Enquanto durar esse estado de insegurança, certamente muitos contribuintes ainda buscarão o Judiciário. Por isto é
importante que se aponte o caminho preferível, para contornar os obstáculos criados, propositadamente ou não, para lhes
impedir de exercer o direito à compensação.
É possível a impetração de mandado de segurança para garantir o direito de compensar, conforme já demonstramos. Em muitos
casos, todavia, especialmente quando o haver sido indevido o pagamento do tributo que se pretende compensar envolva alguma
questão de fato, vale dizer, esteja a depender de prova, melhor será a propositura de ação ordinária, na qual poderá ser
pedida antecipação da tutela jurisdicional.
Ou proposta ação cautelar, preparatória ou incidental,
com pedido de liminar.
Quando o interessado preferir um caminho mais seguro, promoverá ação de repetição de indébito, e uma vez obtida a sentença
em vez da execução mediante precatório,
fará a compensação, que é perfeitamente possível,
como acima demonstrado.
4.3. Compensação e lançamento.
4.3.1. Lançamento por homologação.
A norma contida no art. 66, da Lei nº 8.383/91, como temos sustentado, não cuida da compensação a que se refere o art. 170
do Código Tributário Nacional, pela simplíssima razão de que não se refere a compensação como forma de extinção imediata
de crédito tributário, em sentido jurídico. Ela autoriza a compensação dos valores pagos indevidamente com valores objeto de
obrigações tributárias, no exato sentido em que tal expressão é usada pelo Código Tributário Nacional. Insere-se, pois, na
relação de tributação, em
momento anterior ao lançamento.
Tal norma, assim, dirige-se ao contribuinte, a quem autoriza expressa e claramente a utilização dos valores pagos
indevidamente, para compensação com tributo
da mesma espécie, relativo a período subseqüente.
A compensação autorizada pelo art. 66, da Lei nº 8.383/91, não obstante a injustificável resistência que a seu exercício tem
sido colocada pelo Fisco, com o apoio de alguns magistrados, é um direito do contribuinte, que há de ser exercitado no âmbito
do lançamento por homologação, independente
de autorização de quem quer que seja.
Tal como acontece com o pagamento feito antes do lançamento, a compensação de que se cuida não extingue desde logo o
crédito tributário. Não é razoável admitir-se, sem lei que o imponha a título de ficção jurídica, que algo pode ser extinto antes
de existir. Assim, ocorrendo antes de completado o lançamento, a compensação, como o pagamento, extingue o crédito
tributário sob condição resolutória
da ulterior homologação do lançamento que o constitui.
Até que ocorra a homologação tácita, pelo decurso do prazo de cinco anos, poderá a Fazenda Pública, fiscalizando os livros e
documentos do contribuinte, aferir a regularidade material
da compensação, e exigir, se for o caso, possível
diferença.
O que não pode, nem deve, porque desamparada pelo Direito, e pelos princípios da moralidade a este incorporados, é opor
obstáculos ao exercício do direito à
compensação.
4.4.2. Outras formas de lançamento
Embora o art. 66 conceda autorização ao contribuinte para compensar, e por isto se deva entender que o mesmo se refere aos
casos de lançamento por homologação, na verdade o dispositivo em tela pode ser entendido como instituidor de um direito à
compensação, independentemente da forma
de lançamento.
Assim, se um tributo já foi lançado, no momento em que o contribuinte recebe a respectiva notificação pode pleitear a
extinção do crédito tributário correspondente por compensação, se dispuser de crédito junto à mesma Fazenda, relativo a
tributo pago indevidamente. Havendo recusa da autoridade
fazendária, poderá pleitear o amparo judicial.
4.5. A exigência de liquidez e certeza.
4.5.1. A tese restritiva
Diz um ilustre Procurador da Fazenda Nacional em Alagoas,
que
"A liquidez, aspecto quantitativo do crédito a ser manejado, não pode ser alcançada por ato exclusivo do contribuinte. O
crédito líquido, assim como o título líquido, requer um procedimento de acertamento oficial (sentença judicial, lançamento
tributário, inscrição em dívida ativa, etc) ou bilateral (título extrajudicial). Em suma, os cálculos levantados com exclusividade
pelo contribuinte não apresentam, pela unilateralidade
não-oficial, a característica da liquidez.
A certeza, aspecto qualitativo do crédito a ser manejado, igualmente, e com maior razão não pode ser conseguida por ato
exclusivo do contribuinte. Em outros termos, o contribuinte não pode, por ato unicamente seu, concluir ter sido indevido
(ilícito) o recolhimento efetuado. Milita em favor dos atos administrativos a presunção de legalidade e das leis, a presunção
de constitucionalidade. No último caso, principal problema nos domínios tributários na atualidade, a inconstitucionalidade da
lei, origem do pagamento indevido, somente poderá ser pronunciada pelo Poder Judiciário. Este, através dos controles de
constitucionalidade difuso e concentrado, monopoliza a competência para dizer da inconstitucionalidade de leis tributárias.
Admite-se, tão-somente, ao largo do Judiciário, a negativa de execução de lei inconstitucional pelo Chefe do Executivo e
condicionado este ato a imediata argüição de mácula maior. Nestes termos, o contribuinte não pode concluir, à margem do
Estado-Juiz ou do Estado-Administração, pela inconstitucionalidade de recolhimentos e suas leis regentes. Simplesmente, não
foi deferida ao cidadão esta possibilidade. A possibilidade do cidadão "entender" a inconstitucionalidade e agir segundo
este "entendimento", sem intermediação do Judiciário, idéia subjacente a compensação unilateral, afronta uma das premissas
básicas do ordenamento jurídico quanto a
guarda da supremacia da Constituição"
Essa tese restritiva do direito à compensação, não obstante já tenha sido acolhida pelo STJ, como acima registrado, é de
validade apenas aparente, porque escorada em normas e conceitos absolutamente impertinentes, e subverte flagrantemente o
sentido da supremacia constitucional, como a seguir será
demonstrado.
4.5.2. Distinção entre o art. 170 do CTN
e o Art. 66 da Lei nº 8.383/91.
A direito à compensação, estabelecido pelo art. 66, da Lei nº 8.383/91, independe a prescrição do art. 170 do CTN, como
facilmente se demonstra com os seguintes enunciados:
a) O art. 170 do CTN refere-se a compensação como forma de extinção do crédito tributário, sendo portanto atinente a
objeto de lançamento tributário já consumado e que, por isto mesmo, dotado é de liquidez e certeza. De outra parte, o crédito
do contribuinte, que há de ser líquido e
certo, contra a Fazenda, pode ter natureza tributária ou não
tributária.
b) O art. 66 da Lei nº 8.383/91 autoriza a compensação, não de crédito tributário, mas dos valores de tributos futuros, ainda
não lançados e por isto mesmo sem as qualidades de liquidez e certeza. De outra parte, o crédito do contribuinte, a ser
utilizado na compensação, é apenas o resultante de pagamento indevido de tributo, pagamento que no caso do Finsocial
deu-se, ordinariamente, por iniciativa do contribuinte,
sem qualquer participação do fisco.
São portanto, coisas rigorosamente distintas, a norma do art. 170 do CTN, e aquela constante do art. 66, da Lei nº 8.383/91,
sendo absolutamente impertinente a invocação
da primeira, para regular o procedimento estabelecido pela segunda.
4.5.3. Lançamento por homologação
No lançamento por homologação, previsto no art. 150 do CTN, a determinação do valor devido ao fisco fica inteiramente a
cargo e sob exclusiva responsabilidade do contribuinte. Assim, não faz sentido dizer-se que a compensação, que se opera no
âmbito desse lançamento, fica a depender
de prévia anuência da autoridade administrativa.
Também a questão de saber se determinado tributo é devido, ou não, seja em face da lei, seja em face do questionamento da
constitucionalidade desta, tem de ser enfrentada e resolvida pelo contribuinte, que assume inteira responsabilidade por sua
decisão.
Se o contribuinte tem, a orientá-lo, precedentes jurisprudenciais, especialmente quando tais precedentes são ditados pelo
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, pode e deve orientar-se por tais precedentes, não sendo obrigado a ingressar em Juízo para
obter decisão em caso inteiramente idêntico. O argumento, freqüentemente utilizado pela Fazenda Pública, de que as decisões
da Corte Maior em sede de controle difuso de constitucionalidade somente produzem efeitos entre as partes no processo, não
se presta para impedir que o contribuinte siga aquelas decisões como precedentes jurisprudenciais. Uma coisa é o efeito
vinculante que a decisão produz para as partes no processo. Outra, inteiramente diversa, o efeito didático das decisões da
Corte Maior.
4.5.4. A supremacia constitucional.
A tese que nega ao contribuinte o direito de orientar-se pelos precedentes do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, produzidos no
controle difuso de constitucionalidade, não prestigia a supremacia constitucional. A Constituição tem o sentido que lhe atribui
a Corte Maior, e este deve ser acolhido por todos, cidadãos e Estado. Somente assim se tornará efetiva a supremacia da
Constituição.
Havendo, como há nos casos do Finsocial, e da contribuição sobre a remuneração de autônomos e dirigentes de empresas,
decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, afirmando serem inconstitucionais aquelas exações, é absolutamente legítima a
atitude do contribuinte que as considera indevidas ao
proceder lançamentos por homologação.
Inadmissível, porque fundada em visão excessivamente formalista do Direito, é a atitude da Fazenda Pública, que segue
cobrando tributo já afirmado inconstitucional pela Corte Maior, no controle difuso de constitucionalidade. Essa atitude
presta-se apenas para aumentar a clientela dos escritórios de advocacia, onerar a Fazenda com a sucumbência em Juízo, e
aumentar o congestionamento do Poder Judiciário e a falta de confiabilidade do Governo, comprometendo não apenas a
supremacia constitucional, mas a própria eficácia
da Ordem Jurídica.
4.5.5. Elogiável manifestação do
STJ
O mais bem elaborado acórdão do Superior Tribunal de Justiça a respeito de compensação, da lavra do Ministro ANTONIO
DE PÁDUA RIBEIRO, um de seus mais ilustres integrantes,
tem a seguinte ementa:
"EMENTA: TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. Contribuição para o FINSOCIAL e contribuição para o COFINS. Possibilidade.
Lei nº 8.383/91, art. 66. Aplicação.
I - Os valores excedentes recolhidos a título de FINSOCIAL podem ser compensados com os devidos a título de contribuição
para o COFINS.
II - Não há confundir a compensação prevista no art. 170 do Código Tributário Nacional com a compensação a que se refere o
art. 66 da Lei nº 8.383/91. A primeira é norma dirigida à autoridade fiscal e concerne à compensação de créditos tributários,
enquanto a outra constitui norma dirigida ao contribuinte e é relativa à compensação no âmbito do lançamento por
homologação.
III - A compensação feita no âmbito do lançamento por homologação, como no caso, fica a depender da homologação da
autoridade fiscal, que tem para isso o prazo de cinco anos (C.T.N., art. 150, § 4º). Durante esse prazo, pode e deve fiscalizar
o contribuinte, examinar seus livros e documentos e lançar, de ofício, se entender indevida a compensação, no todo ou em
parte.
IV - Recurso especial conhecido e provido, em parte."
4.6. Natureza jurídica do indébito tributário.
Quando se perquire a respeito da natureza jurídica específica de um tributo pago indevidamente, o que importa saber é a que
título o tributo foi pago, e não a verdadeira natureza jurídica daquele tributo. É que sendo indevido o tributo, a verdadeira
natureza jurídica do pagamento é de um pagamento sem causa. Não se pode, a rigor, dizer que se trata de um tributo dessa ou
daquela espécie, mas de um pagamento sem causa
jurídica. Por isto é que é indevido.
Assim, a identificação da espécie de tributo pago indevidamente há de ser feita tendo-se em vista o título jurídico sob o qual
o pagamento se deu. Pagamento que na verdade não se justificava a esse título, por isto mesmo foi indevido. Importa o título
jurídico sob o qual se deu o pagamento indevido,
e não a verdadeira natureza jurídica daquele pagamento.
4.7. A espécie de tributo
4.7.1. Nossa primeira interpretação.
Temos sustentado, desde quando surgiu essa questão, que "tributo da mesma espécie, no art. 66 da Lei nº 8.383/91, é tributo
cuja receita tem a mesma destinação orçamentária. Compensação de tributo com destinação orçamentária diferente implicaria
evidente e inadmissível distorção dessa destinação. Inadmissível, por exemplo, compensação de imposto de renda, com imposto
de importação, posto que da receita do primeiro participam estados e municípios, enquanto a receita do último é
exclusivamente da União."
E assim justificamos nossa posição:
"Interpretada literalmente, a referida lei admite a compensação de qualquer imposto, com qualquer imposto; qualquer taxa,
com qualquer taxa; e qualquer contribuição social, com qualquer contribuição social. Não nos parece, porém, deva ter a
compensação tamanha amplitude. Os dispositivos legais devem ser interpretados em harmonia com o sistema jurídico, de tal
sorte que não inutilizem dispositivos outros, cuja
revogação evidentemente não se operou.
No sistema jurídico estão as normas, integrantes do denominado Direito Financeiro, que cuidam da distribuição dos recursos
decorrentes da arrecadação dos tributos. Tais normas, no caso, são de capital importância para o correto entendimento do §
1º, do art. 66, da Lei nº 8.383/91. Assim, a expressão tributos e contribuições da mesma espécie deve ser entendida como a
dizer tributos e contribuições com a mesma destinação orçamentária. A explicação é fácil. Quase desnecessária. Se o tributo
pago indevidamente teve destinação diversa daquele que se deixa de pagar, em face da compensação, estará havendo evidente
e indevida distorção na partilha das receitas
tributárias."
4.7.2. Posições restritivas
A Secretaria da Receita Federal tem sustentado que tributo da mesma espécie é apenas aquele cujo código de recolhimento
seja o mesmo. Tal entendimento tem sido, porém,
com inteira razão repelido pela jurisprudência predominante.
Há todavia, quem sustente que tributo da mesma espécie é apenas aquele que tenha o mesmo fato gerador, o que de certa
forma equivale a aceitar o entendimento do Fisco. Tributo que tem o mesmo fato gerador, todavia, não é tributo da mesma
espécie, mas o mesmo tributo.
Um imposto, salvo exceções que a própria constituição estabelece, não pode ter o mesmo fato gerador de outro imposto. Logo,
a prevalecer esse entendimento restritivo, o valor indevidamente pago a título de imposto de renda somente poderia ser
compensado com imposto de renda de período subseqüente.
Não com qualquer outro imposto.
O valor pago indevidamente a título de determinada taxa somente com a mesma taxa poderia ser compensado, e como as taxas
no mais das vezes tem fato gerador instantâneo e
isolado, não haveria como, em relação a estas, proceder-se
a compensação.
O valor indevidamente pago a título de contribuição de seguridade social só poderia ser compensado com a mesma
contribuição, de período subseqüente. Neste caso, quando a cobrança de uma contribuição fosse considerada inconstitucional
só seria possível a compensação com contribuição idêntica, criada em substituição àquela, como ocorreu com a COFINS, que
substituiu o FINSOCIAL, mas tem o mesmo fato gerador daquele.
4.7.3. Tributo da mesma espécie.
A demonstrar que muitas vezes o Poder Judiciário, em matéria tributária, é mais fiscalista que o próprio fisco, decidiu a 7ª
Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, admitindo a compensação do FINSOCIAL com a COFINS, bem como afirmando
serem da mesma espécies todas as contribuições
do art. 195 da CF/88.
Nessa mesma linha, o anteprojeto de lei que a Secretaria da Receita Federal encaminhou recentemente ao Sr. Presidente da
República contém dispositivo segundo o qual aquela repartição, "atendendo a requerimento do contribuinte, poderá autorizar
a utilização de créditos a serem a ele restituídos ou ressarcidos para a quitação de quais quer tributos e contribuições sob
sua administração."
Não há, aliás, nada que justifique a interpretação restritiva do direito à compensação, segundo a qual a mesma somente seria
possível em se tratando de tributo com o mesmo fato gerador. Nem o elemento literal, pois segundo este as espécies de tributo
são impostos, taxas e contribuições de melhoria (Art. 5º do CTN). Nem o elemento sistêmico, nem o elemento finalístico, ou
teleológico, pois segundo estes a única
restrição possível diz respeito à destinação
constitucional do tributo.
As espécies de tributo são identificadas
a partir da indicação constante da Constituição
Federal, a dizer:
"Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos
e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos
a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente
de obras públicas."
Comentando esse dispositivo Gandra Martins assevera que "optou o legislador por indicar as espécies tributárias de maior
relevância, quais sejam: impostos, taxas e contribuição
de melhoria."
Na doutrina, brasileira e estrangeira, não há quanto a isto discrepância digna de nota: os impostos constituem, todos eles, uma
espécie de tributo. Assim as taxas, e a contribuição
de melhoria.
Tributo da mesma espécie, portanto, em definitivo, é o tributo albergado pela mesma indicação, feita no art. 145 da
Constituição Federal, que classifica as
espécies tributárias que podem ser instituídas.
4.7.4. A questão da destinação.
Na linha de nosso pensamento, o legislador cuidou de colocar a mesma destinação constitucional como condição para a
compensação.
Agora, portanto, tal exigência é indiscutível. E já não se faz desnecessária a restrição pela via interpretativa. Pode-se, pois,
dizer que tributo da mesma espécie é aquele que tem o mesmo fundamento constitucional, mas para que seja possível a
compensação isto não basta. Além
de ser tributo da mesma espécie, é preciso que tenha a mesma
destinação constitucional.
Ao que nos parece, o acréscimo legislativo a exigir a mesma destinação constitucional era desnecessário. Mas o legislador, em
face das divergências interpretativas houve por bem fazê-lo, e andou muito bem, acolhendo a posição doutrinária mais
coerente com o sistema jurídico.
4.7.5. O órgão arrecadador.
Importante é ressaltar que destinação constitucional nada tem a ver com o órgão arrecadador do tributo. Pessoalmente,
entendo que somente o sujeito ativo da obrigação tributária é competente para sua arrecadação. Por isto mesmo tenho
sustentado que somente o órgão gestor da Seguridade Social pode promover a arrecadação das contribuições a que se refere
o art. 195 da Constituição Federal. Esse meu ponto de vista, todavia, foi rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal, que
entendeu irrelevante o fato de serem a COFINS e a Contribuição
Sobre o Lucro Líquido arrecadadas pelo Tesouro Nacional.
Mesmo assim, um dos argumentos restritivos do direito à compensação tem sido o de que somente podem ser compensados
tributos arrecadados pelo mesmo órgão. A restrição é inteiramente descabida. Se a simples atividade de arrecadação é
irrelevante para caracterizar a destinação constitucional do tributo, evidentemente há de ser irrelevante também para efeito
de compensação tributária, pois nesta o que a lei exige é que se trate de tributos com a mesma destinação constitucional, e
não que se trate de tributos arrecadados pelo mesmo
órgão.
Neste sentido o Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda afirmou, no julgamento já acima referido, que
as contribuições previstas no inciso I, do art. 195, da Constituição Federal são, todas elas, "passíveis de compensação entre
si, à medida que são elas pagas pelo mesmo sujeito passivo a um mesmo sujeito ativo (destinatário legal da contribuição
arrecadada) e pertencentes que são à mesma espécie de contribuições, ainda que eventualmente arrecadação e fiscalização
sejam atribuídas a diferentes órgãos."
5. Outras questões relevantes
5.1. Restrições a determinados percentuais.
A pretexto de resolver problemas de caixa do Tesouro Nacional, ou do INSS, o legislador limitou os valores compensáveis a
determinado percentual do valor a ser recolhido.
Essa restrição é juridicamente desvaliosa, na medida em que se admite que o direito à compensação, tal como o direito à
repetição do indébito, decorrem da
própria Constituição, segundo a qual só os
tributos nela autorizados podem ser exigidos.
Opor restrições ao direito à compensação, ou à restituição de tributo é validar pagamentos indevidos e, portanto, validar a
cobrança de tributos que a Constituição não autorizou. Inconstitucionais, portanto, todas as restrições ao direito de
compensar, ou de haver em restituição, os
valores pagos indevidamente ao Fisco.
5.2. Compensação e repercussão.
Diz a lei que será admitida apenas a restituição ou a compensação de contribuição a cargo da empresa, recolhida ao Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, que, por sua natureza, não tenha sido transferida ao custo de bem ou serviço oferecido à
sociedade.
Esse dispositivo praticamente anula o direito à compensação, pois é sabido que na atividade empresarial tudo o que é gasto há
de ser imputado ao custo de bens ou serviços. Isto é da essência da própria atividade econômica, que tem por fim o lucro. Se o
direito à compensação depende da prova de que o valor das contribuições pagas indevidamente não foi imputado ao custo de
bens ou de serviços, seu exercício será
praticamente impossível.
O empresário não lucro o que quer, mas o que lhe permite o mercado. Os preços dos bens e dos serviços são, em princípio,
fixados pelo mercado. Se a empresa pagou contribuições indevidas sofreu injusta redução em sua margem de lucro, como tal
considerada a diferença entre a remuneração
obtida pela oferta de bens e serviços, e o que gastou para realizar
tal oferta.
Essa norma restritiva é inconstitucional porque a ela se aplica o que foi dito acima: opor restrições ao direito à
compensação, ou à restituição de tributo é validar pagamentos indevidos e, portanto, validar a cobrança de tributos
que a Constituição não autorizou.
5.3. Compensação e tributos estaduais e
municipais.
Finalmente, relevante é a questão de saber
se o direito à compensação abrange os tributos estaduais
e municipais.
A primeira vista pode parecer que não, porque as leis que tratam dessa matéria são leis federais. Ocorre que o direito à
compensação, de que trata o art. 66, da Lei nº 8.383/91, nada mais é do que uma forma de exercitar o direito à restituição do
tributo indevidamente pago, que tem fundamento na Constituição
Federal.
Assim, se a lei estadual, ou municipal, não cuida do direito à compensação, tem-se uma lacuna técnica, ou verdadeira, cujo
suprimento pode e deve ser feito pelo aplicador da lei,
nos termos do art. 108, inciso I, do Código Tributário Nacional.
Note-se que o único limite colocado pelo legislador complementar federal foi no sentido de que, da aplicação da analogia não
pode resultar a dispensa de tributo devido. Conceder o direito à compensação, como forma de haver o contribuinte o que
pagou indevidamente não está, evidentemente,
compreendido nesse limite.
Não há dúvida, portanto, de que também em relação aos tributos estaduais e municipais tem o contribuinte que pagou tributo
indevido o direito à compensação.
5.4. A regra "solve et repete"
Impedir a compensação de um tributo pago indevidamente, com outro da mesma espécie que está sendo exigido, é o mesmo que
impor um pagamento indevido para depois restituir o valor
correspondente.
É o restabelecimento do "solve et repete", regra segundo a qual o contribuinte não tem o direito de questionar a exigência de
um tributo sem fazer o respectivo pagamento. Mesmo que o considere indevido, e questione, administrativa ou judicialmente
sua exigência, deve fazer o pagamento para depois, se vitorioso na questão, pedir a restituição. No dizer de Baleeiro, "é a
garantia fiscal designada como solve et repete, que a legislação ditatorial de 1937 a 1946, introduziu em nosso país, pelos
dec.-leis nº 5, de 13.11.1937; nº 42, de 6.11.1937; número 3.336, de 10.6.1941 e outros diplomas, que, depois da Constituição
de 1946, vem recebendo repulsa do Supremo Tribunal, em dezenas de julgados, a despeito da insistência das repartições
arrecadadoras."
Se o contribuinte tem direito de compensar, a exigência do tributo de período subseqüente, sem permitir aquela compensação,
é absolutamente indevida. Se para discutir se há ou não o direito à compensação o contribuinte é obrigado a ir pagando, para
depois, se vitorioso, pleitear a restituição, tem-se restabelecido o malsinado "solve et repete." Mais uma manifestação do
autoritarismo, somente compatível com a ditadura, onde aquela regra teve origem.
*O autor é Professor Titular de Direito Tributário da UFC