® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA:

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO



 

Guilherme José Purvin de Figueiredo*

 
 
 

01. Já de há alguns anos vem a Fazenda do Estado se defrontando com a propositura de ações ajuizadas por servidores de entidades da Administração Indireta. Os direitos invocados por parte de referidos servidores têm por fundamento a aplicação da Lei Estadual nº 4.819/58-SP, revogada pela Lei nº 200/74-SP que, em seu art.1º, dispôs:

"Os atuais beneficiários e os empregados admitidos até a data da vigência desta Lei, ficam com seus direitos ressalvados, continuando a fazer jus aos benefícios decorrentes da legislação ora revogada". Mal sucedidos no âmbito da Justiça do Trabalho, seja em face do disposto no Enunciado TST nº 313 ("Aposentadoria. Complementação. Banespa. A complementação de aposentadoria prevista no artigo 106 e seus parágrafos, do Regulamento de Pessoal editado em 1965, só é integral para os empregados que tenham trinta ou mais anos de serviços prestados exclusivamente ao Banco"), seja diante dos expressos termos dos Enunciados TST nº 326 ("Aposentadoria. Complementação. Prescrição. Em se tratando de pedido de complementação de aposentadoria oriunda de norma regulamentar e jamais paga ao ex-empregador, a prescrição aplicável é a total, começando a fluir o biênio a partir da aposentadoria") e TST nº 327 ("Aposentadoria. Complementação. Prescrição. Em se tratando de pedido de diferença de complementação de aposentadoria oriunda de norma regulamentar, a prescrição aplicável é a parcial, não atingindo o direito de ação mas, tão-somente, as parcelas anteriores ao biênio"), os ex-empregados de sociedade de economia mista estadual criaram uma nova tese: a de que a complementação de aposentadoria não estaria sendo paga em virtude do Estado não haver tomado a iniciativa de executar a Lei nº 4.819/58, convocando assembléia geral extraordinária propondo a aprovação dos benefícios da complementação de aposentadoria.

Com este artifício, forçaram o deslocamento da competência jurisdicional para as Varas da Fazenda Pública e passaram a indicar a Fazenda Estadual (e não mais o ex-empregador) para o preenchimento do polo passivo.

A intenção manifesta foi a de ampliar o prazo prescricional (mais favorável no âmbito fazendário: cinco anos, consoante o disposto no Decreto Federal nº 20.910/32) e de esquivar-se da orientação jurisprudencial sumulada pela Justiça do Trabalho, no sentido de que a complementação integral só é devida ao empregado público que tenha prestado serviços na administração indireta por 35 anos.

Todavia, indevida vem sendo a apreciação, pela Justiça Ordinária, das ações visando a complementação de aposentadoria, direito decorrente da aplicação de regulamentos de entidades da Administração Indireta, pelos motivos que procuraremos, neste artigo, elencar de forma sintética.

02. A natureza jurídica da relação entre tais servidores (empregados públicos) e a Administração Indireta é de índole contratual (celetista). No caso dos servidores de empresas públicas e sociedades de economia mista, reconhece-se imediatamente a natureza jurídica da relação entre as partes pela existência de um contrato de trabalho, consubstanciado no registro em carteira do trabalho e previdência social.

Observe-se que, em matéria de relações de trabalho em sentido amplo, sempre que duvidosa a classificação da natureza jurídica da relação (se regida pelo Código Civil, por Estatuto Administrativo ou pela Consolidação das Leis do Trabalho), a vala comum será a do Direito do Trabalho.

Ainda que assim não fosse, a partir do advento da Constituição Federal de 1988 referidas entidades da Administração Indireta assumiram a obrigação trabalhista, por força do art.173, § 1º. Não estão, portanto, submetidas ao regime jurídico único (que é, para a maioria dos doutrinadores, o estatutário). A relação entre companhias estaduais de saneamento básico, bancos estaduais como o BANESPA, o BANESTADO, o BANDEPE etc., centrais energéticas ou quaisquer outras entidades da Administração Indireta e seus servidores é, claramente, de natureza privatística, nos moldes do Art.173, § 1º, da Carta Magna, que dispõe:

"A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias". 03. A aplicação dos regulamentos de tais entidades aos seus servidores, não obstante sua origem legislativa, tem natureza análoga à dos regulamentos de empresa.

Como é de todos sabido, no Direito Individual do Trabalho o regulamento de empresa tem força de cláusula contratual em desfavor do empregador.

O fato de advir o regulamento de empresa da aplicação de lei, no caso da Administração Indireta, em nada desnatura a natureza dos direitos daquele decorrentes.

Com efeito, a Administração Pública deve sempre pautar-se pelo princípio da legalidade e, ao se obrigar perante seus empregados públicos, só o pode fazer a partir da utilização dos mecanismos adequados, "in casu", com a publicação de regulamento de empresa após autorização legal para baixá-lo unilateralmente.

No que diz respeito à criação de normas especiais dirigidas a servidores celetistas, podemos afirmar a imperatividade do respeito à autonomia e competência das pessoas jurídicas de direito público interno e a estrita obediência ao princípio da legalidade. Assim, se a União edita lei nacional sobre Direito do Trabalho, essa lei obriga a todos os empregadores (inclusive a ela própria, às Fazendas Estaduais e Municipais, além de suas pessoas de direito privado). Se, contudo, edita lei federal sobre idêntico tema, essa lei gerará efeitos somente no âmbito das relações laborais que mantém com seus próprios servidores. Os Estados, por seu turno, têm condições de editar leis estaduais — com natureza similar à de regulamento de empresa — no âmbito de sua competência, isto é, leis instituindo regras dirigidas aos seus próprios servidores (jamais aos servidores dos municípios que integram o respectivo Estado Federado). Estas leis federais (em sentido estrito) e estaduais são, na verdade, verdadeiros regulamentos de empresa (dirigidos às respectivas empresas públicas ou sociedades de economia mista), não tendo natureza de lei trabalhista nacional nem tampouco de norma de Direito Administrativo (como vem entendendo parcela dos magistrados das Varas da Fazenda Pública de São Paulo).

03. As Varas da Fazenda Pública não têm competência para conhecer de ações de complementação de aposentadoria, mesmo que por uma manobra processual de legalidade duvidosa seus autores indiquem a Fazenda Pública para figurar no polo passivo do feito, em lugar da empresa pública ou da sociedade de economia mista da qual deteria o Estado mais de 50% das ações, e isto em face do disposto no art.114, "caput", da Constituição Federal.

O mero fato de figurar a Fazenda Pública no polo passivo de uma relação jurídica (artifício, como já afirmamos, adotado para fugir-se da orientação do Colendo TST) não é suficiente para o deslocamento da competência para as Varas Especializadas, já que a competência da Justiça do Trabalho não se dá "ratione personae", mas "ratione materiae", além do que art.114, "caput", da Constituição Federal é explícito ao dispor:

"Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas" (grifamos). É certo que, uma vez deslocada a competência para o foro competente, isto é, para a Justiça do Trabalho, a Fazenda Pública poderá argüir preliminarmente sua ilegitimidade passiva no feito, pois o benefício pleiteado (complementação de aposentadoria) é vantagem decorrente de um contrato de trabalho anteriormente firmado com entidade da Administração Indireta (dotada de personalidade jurídica distinta da personalidade da pessoa jurídica de direito público interno). Com isto, a questão voltará a ser tratada em seus devidos termos, indicando-se a entidade privada da Administração Indireta para figurar no banco dos réus e, com isto, retomando-se a linha jurisprudencial já cristalizada pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho.


 
 

Retirado do site: www.trlex.com.br