® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
 

SIGILO BANCÁRIO PARA FINS TRIBUTÁRIOS

José Luiz de Gouvêia Rios

Professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito da PUC/MG e na Escola de Advocacia da OAB-MG - Advogado.
 

Uma questão bastante tormentosa tem sido divulgada pela imprensa nacional com muita intensidade, em torno do fornecimento de informações por parte das instituições financeiras ao Ministério da Fazenda.

Em quase todos os países do mundo, a obrigação do sigilo teve dois traços característicos:

a) a legislação comercial cercou de garantias os livros dos comerciantes, assegurando a estes o segredo;

b) a legislação penal estabeleceu a tutela dos segredos pessoais, como interesses relevantes, sobretudo em relação aos chamados "segredos profissionais".

O segredo bancário, originariamente, foi uma decorrência do segredo profissional, no intuito de preservar os interesses privados, mas com aprovação de toda a sociedade, já que os banqueiros, no desempenho de sua atividade, eram levados a conhecer os negócios e o patrimônio de seus clientes, chegando mesmo a conhecer os problemas familiares dos mesmos, em função do seu ofício.

A atividade bancária, com o decurso do tempo, sofreu profundas modificações, passando a ter, como tem atualmente, um interesse geral, no que se refere a captação da poupança, investimentos, distribuição ordenada de crédito, informatização, efetivação de pagamentos, etc. e essa mudança acabou por provocar algumas alterações no conceito originário do sigilo bancário.

Atualmente o segredo bancário tem o seguinte tratamento na Alemanha, na Bélgica, na França, na Itália e na Suíça.

Na Alemanha existe a obrigatoriedade de segredo, por parte das instituições financeiras, mas tal obrigatoriedade não é absoluta quando há violação da lei penal.

Perante o fisco, teoricamente, não há segredo bancário, não obstante a legislação alemã ser muito minuciosa, na especificação das hipóteses justificadoras do rompimento do segredo.

As hipóteses não previstas expressamente na legislação alemã, não autorizam a quebra do sigilo, por parte das instituições financeiras.

Na Bélgica, o sigilo bancário existe apenas na fase de apuração do crédito fiscal, já que, uma vez que o contribuinte foi autuado, não há mais que se falar em segredo bancário, para efeitos fiscais.

Na França, o segredo bancário admite algumas derrogações, principalmente quando estiver em jogo o interesse público, e as hipóteses em que se admitem tais derrogações terão de estar previstas, expressamente, em textos de lei, e não em meros atos administrativos.

Como norma geral, na França, as autoridades fiscais têm o direito de pedir informações e esclarecimentos aos bancos, mas não podem forçar as instituições financeiras a fornecer tais informações.

Na Itália, os bancos foram excluídos, expressamente, da obrigatoriedade de prestar informações às autoridades fiscais.

Em relação à Suíça, o segredo bancário não é como se pensa comumente.

Ele (sigilo bancário) não é ilimitado, já que não pode ser alegado na justiça penal. Na justiça civil, quem detém o poder de determinar ou não as informações é a autoridade judiciária.

Da mesma forma, como ocorre na Bélgica, na Suíça, o sigilo bancário prevalece no momento da apuração do crédito fiscal, ou seja, antes do lançamento tributário há obrigatoriedade de preservação do sigilo, mas, uma vez constituído o crédito fiscal, tal sigilo é afastado quando houver um procedimento contencioso.

No Brasil, várias disposições legais tratam da figura do segredo:

a) Código Comercial: artigos 17 e 19;

b) Código Civil: artigo 144;

c) Código de Processo Civil: artigo 347;

d) Código de Processo Penal: artigo 207.

Tal figura, especificamente na área bancária, foi normatizada, através da Lei nº 4.595 de 31 de Dezembro de 1964.

O artigo 38, da Lei nº 4.595/64, estabeleceu algumas normas importantes:

1ª) as instituições financeiras deverão conservar sigilo, em suas operações ativas e passivas e serviços prestados;

2ª) as informações solicitadas aos bancos, pelo Poder Judiciário, sempre serão prestadas em caráter sigiloso e a tais informações somente terão acesso as partes legítimas no processo e as mesmas não poderão ser fornecidas para fins estranhos à causa;

3ª) os fiscais de tributos federais e estaduais somente poderão examinar documentos de depósitos bancários, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente;

4ª) as informações prestadas pelos bancos, na forma mencionada no item anterior, deverão ser mantidas em sigilo;

5ª) se houver quebra do sigilo, haverá crime, sujeitando-se os responsáveis à pena de reclusão de um a quatro anos.

Os cinco itens transcritos acima mostram o rigor com que a Lei nº 4.595/64 trata o sigilo bancário.

Nos últimos anos vigorou no Brasil o entendimento de que as instituições financeiras somente estariam obrigadas a prestar informações ao Fisco, na hipótese da existência prévia de um processo instaurado, e caso tais informações fossem consideradas indispensáveis pela autoridade competente.

Em abril de 1990, com o Plano de Estabilização Econômica, a Lei nº 8.021/90, resultante da Medida Provisória nº 165/90, alterou a Lei nº 4.595/64, ao condicionar a prestação de informações pelos bancos às autoridades fiscais, não mais à existência de "processo instaurado", mas apenas ao "início de procedimento fiscal".

No final do ano de 1991, Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, em seu artigo 12, estabeleceu que, sem prejuízo do que estiver disposto na legislação em vigor, as instituições financeiras deverão fornecer à Receita Federal, nos termos estabelecidos pelo Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento, informações cadastrais, relativas ao nome, filiação, ao endereço e ao número de inscrição do cliente no Cadastro de Pessoas Físicas.

Da nova lei poderão ser extraídas as conclusões que se seguem.

1ª) A legislação anterior, inclusive a própria Lei nº 4.595, de 31.12.64, que trata do sigilo bancário, continua vigindo, à vista da ressalva do artigo 12, da Lei Complementar nº 70/91, e, como tal, as normas sobre o sigilo bancário continuam em vigor: os bancos somente poderão prestar informações à Receita Federal caso haja um início de procedimento fiscal.

2ª) As informações que o banco deverá prestar à Receita Federal são apenas as relativas ao nome dos clientes, à filiação dos mesmos, ao endereço e ao número da inscrição deles no Cadastro de Pessoas Físicas, informações, estas, que não têm nada a ver com volume de depósitos bancários.

3ª) As informações que os bancos prestarão são as constantes dos registros dos clientes, relativos ao ano calendário de 1991.

4ª) As informações que a Receita Federal receber dos bancos deverão ser mantidas sob sigilo, sob pena de reclusão de um a quatro anos.

Verifica-se que a questão do sigilo bancário, no aspecto tributário, ainda continua tormentosa, uma vez que a Lei Complementar n. 70/91 não solucionou o problema, já que ela acrescentou pouco ao que já existia, em torno da figura do sigilo, nas relações com o Erário Público.

O Código Tributário Nacional obriga aos bancos, havendo intimação escrita, a fornecer informações de seus clientes, com relação aos bens e negócios, mas os desobriga de tais informações, caso estejam legalmente obrigados ao segredo, e, dessa forma, a Lei nº 4.595/64 continua vigindo em todos os seus termos, inclusive para efeitos tributários.

Além de resguardar o sigilo bancário, o Código Tributário Nacional proíbe, de maneira contundente, com apoio na legislação penal, que o Erário Público divulgue qualquer informação que ele possua em função de ofício, sobre a situação econômica ou financeira do contribuinte.

Como a questão do sigilo bancário é bastante controvertida, caberia à jurisprudência fixar os contornos de tal figura, o que, infelizmente, não ocorreu até a presente data, conforme se vê dos entendimentos fixados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

O Ministro Eduardo Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça, ao relatar o Recurso Especial n. 8.805 (Diário da Justiça da União de 6.5.1991 - p. 5.669 - 3ª Turma) firmou o entendimento de que "as declarações para fins de Imposto de Renda têm caráter sigiloso que deve ser resguardado, salvo razão excepcional, que não se configura pelo simples interesse de descobrir bens a penhorar".

Já o Ministro Cordeiro Guerra, do Supremo Tribunal Federal, ao relatar o Recurso Extraordinário n. 105.544-8-SP (Diário da Justiça da União de 7.6.1985, p. 8.893), entendeu que "nada justifica a proteção do inadimplente em detrimento da boa fé no mundo dos negócios e do prestígio da justiça".

Verifica-se que nem mesmo a jurisprudência chegou a um entendimento comum sobre a figura do sigilo bancário, mas o que é certo e inquestionável é que a Lei nº 4.595/64 continua vigindo até a presente data e, como tal, as condições que se seguem deverão ser obedecidas:

1ª) as instituições financeiras deverão conservar sigilo, em suas operações ativas e passivas e serviços prestados;

2ª) as informações solicitadas aos bancos pelo Poder Judiciário, sempre serão prestadas em caráter sigiloso; a tais informações somente terão acesso as partes legítimas no processo e as mesmas não poderão ser fornecidas para fins estranhos à causa;

3ª) os fiscais de tributos federais e estaduais somente poderão examinar documentos de depósitos bancários, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente;

4ª) as informações prestadas pelos bancos, na forma mencionada no item anterior, deverão ser mantidas em sigilo;

5ª) se houver quebra do sigilo, haverá crime, sujeitando-se os responsáveis à pena de reclusão de um a quatro anos.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recentemente o Recurso Especial nº 37.566-5/RS (Diário da Justiça da União de 28 de Março de 1994, p. 6.295), firmou entendimento no sentido de que "o sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento administrativo-fiscal, por implicar indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta expressamente amparada pela Constituição Federal (art. 5º, inciso X)."

Segundo ainda o Superior Tribunal de Justiça, cabe "às instituições financeiras manter sigilo acerca de qualquer informação ou documentação pertinente à movimentação ativa e passiva do correntista-contribuinte, bem como dos serviços bancários a ele prestados."

A decisão do Superior Tribunal de Justiça representa inegavelmente um avanço na preservação do sigilo bancário, tal como concebido no artigo 38, parágrafo 5º, da Lei nº 4.595/64, diante do artigo 197, inciso II e parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional.
 

Retirado de: http://www.oab-mg.com.br/escola/v1n3p145.htm