® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO E A POTENCIALIDADE DE ARRECADAÇÃO : A RESPONSABILIZAÇÃO DO SÓCIO POR DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS DA SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA IRREGULARMENTE DISSOLVIDA


Marcia Carla Pereira Ribeiro1



1. Introdução
 
 

O Sistema Tributário brasileiro, disciplinado pela Constituição Federal, consagra o caráter impessoal dos tributos e o condicionamento da tributação à consideração da capacidade econômica do contribuinte, ao mesmo tempo em que faculta à administração pública, com a finalidade de conferir efetividade a esses objetivos, o poder de identificar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".2

Como meio da efetivação da arrecadação, o Código Tributário Nacional, por sua vez, nos arts. 134 e 135, prevê respectivamente, a responsabilidade subsidiária e a pessoal de terceiros pelas dívidas tributárias.

Com relação às sociedades por quotas de responsabilidade limitada, muito se tem discutido doutrinaria e jurisprudencialmente sobre a possibilidade de responsabilização do sócio não-gerente por dívidas tributárias da sociedade não saldadas adequadamentes, diante da circunstância bastante usual de dissolução irregular de tais sociedades.

O modelo da sociedade por quotas parece garantir aos seus sócios uma quase completa irresponsabilidade pessoal pelas dívidas da sociedade, já que limita sua responsabilidade ao valor do capital social.

Todavia, o mesmo modelo legal de sociedade de responsabilidade limitada deveria em seu conteúdo disciplinar os mecanismos de controle da administração imposta à empresa, assim como da regularidade e liquidez do capital social indicado no contrato social da empresa.

Um adequado sistema de fiscalização da integridade e intangibilidade do capital social seria o contrapeso necessário à atribuição da limitação generalizada da responsabilidade dos sócios, inclusive quanto às dívidas tributárias, ao passo em que sua inexistência faz da limitação de responsabilidade do sócio quotista um instrumento de fraude e de enfraquecimento da efetividade da ação tributária da administração pública.

A dificuldade de aceitação jurisprudencial da responsabilização do sócio não-gerente por dívidas tributárias das sociedades por quotas dissolvidas irregularmente, está a exigir dos procuradores do estado um especial trabalho de conscientização dos órgãos julgadores quanto à natureza e estrutura das sociedades por quotas no sistema normativo pátrio e sua interpretação em face da insuficiência de sua disciplina e imperfeição do modelo adotado.
 
 
 
 

2. Origem e natureza dos sociedades por quotas
 
 

As sociedades por quotas de responsabilidade limitada foram criadas no sistema jurídico europeu, no final do século XIX, para servir de modelo estrutural à sociedade de pequeno e médio porte. Modelo que apresentava a conveniência da limitação da responsabilidade sem os rigores e sem o formalismo do modelo das sociedades por ações.

Foi na Alemanhã, em 29 de abril de 1892 que a lei criou a Gesellschaft mit beschränkter Haftung, que foi aceita e copiada nos países europeus e americanos nos anos que se seguiram, vindo a servir de base à legislação brasileira do ínício deste século. 3

Nas sociedades por quotas o capital social é a única garantia dos credores, consagrando-se, desta feita, a limitação da responsabilidade do sócio ao montante do capital social.

Daí a previsão no Decreto nº 3.708/19 de imprescindibilidade do contrato social "estipular ser limitada a responsabilidade dos sócios à importância total do capital social".4 Com a ressalva de, em caso de falência da sociedade, tornarem-se os sócios solidariamente responsáveis pelo que faltar "para preencher o pagamento das quotas não inteiramente liberadas".5

O mesmo decreto determina a aplicação dos dispositivos que no Código Comercial disciplinam as sociedades de pessoa e a incidência subsidiária da lei das sociedades anônimas.6

Doutrinariamente prevalece o entendimento no sentido de ser a sociedade por quotas uma sociedade de pessoas, ao menos nos moldes em que vem apresentada pelo mencionado decreto. No dizer de MARTINS7

"para nós, enquanto não houver modificações da lei, essas são sociedades de pessoas ou contratuais, muito embora o art. 18 do Dec. nº 3.708 determine que, nos casos omissos no contrato social, sirvam de elementos subsidiários os dispositivos da lei das sociedades anônimas".8

Conforme já indicado, além do caráter pessoal e contratual a sociedade por quotas se caracteriza pela limitação de responsabilidade de seus sócios.
 
 
 
 

3. Limitação de responsabilidade
 
 

O Decreto ao mesmo tempo em que preconiza estar no montante do capital social o limite da responsabilidade do sócio, assevera que o estado falimentar compromete o patrimônio dos sócios de forma solidária pelo que falta a integralizar neste capital.

Considerando-se que a responsabilidade do sócio será subsidiária, somente será possível concluir que existirá quando a sociedade estiver num estado de insolvência. Muito embora o legislador tenha usado o termo falência - que é um estado de direito e não meramente de fato - a subsidiariedade desta hipótese de responsabilização pessoal dos sócios faz crer que o estado de fato é suficiente a justificar a incidência da norma do art. 9º. Então, pela conjugação deste artigo e do enunciado do art. 2º do Decreto, o limite ordinário da responsabilidade dos sócios será o valor que faltar à integralização do capital social da empresa

Como conseqüência destas determinações, uma vez totalmente integralizado o capital social da empresa, nenhuma responsabilidade poderá recair sobre o sócio. No dizer de COELHO9 , quanto aos sócios da empresa:
 
 

"Uma vez, porém, integralizado todo o capital social da sociedade limitada, nenhum deles poderá ser atingido, em seu patrimônio particular para satisfação de credor da sociedade. Isto é o que decorre dos arts. 2º e 9º do Decreto n. 3.708/19".

A regra é a limitação de responsabilidade. Algumas exceções vêm expressas na mesma lei: uso inadequado da razão social ou firma; a obrigação da devolução dos dividendos recebidos em caso de falência superveniente; a responsabilidade dos gerentes pelo uso abusivo, contrário à lei ou ao contrato, da firma social; e a hipótese de responsabilização do sócio pelo uso abusivo do poder de deliberar.10
 
 
 
 

4. Uso abusivo do poder de deliberar:a hipótese do art.16 do decreto
 
 

Em razão de seu caráter de sociedade de pessoas, o direito de deliberar dos sócios da sociedade por quotas é inafastável. Assim, para toda e qualquer deliberação poderão ser colhidos os votos dos quotistas, prevalecendo o princípio da maioria.

O Decreto se omite quanto à forma em que serão tomadas estas deliberações: se por meio da realização de assembléias ou de reuniões. Omite-se, igualmente, quanto ao quorum das deliberações e de aprovação.

O laconismo da legislação pode ser tomado como um defeito da lei vigente ou como uma técnica legislativa que remete ao elaborador do contrato social o ônus de disciplinar todos os elementos da vida da sociedade que não estiverem disciplinados na lei.

Para REQUIÃO11 :
 
 

"Na realidade, porém, o estilo lacônico da lei não resultou em grande prejuízo para as empresas que adotaram esse tipo societário como sua estrutura jurídica. Ao revés, deixou, ao alvedrio dos sócios, regularem como bem desejassem, dentro, evidentemente, dos princípios gerais que regem as sociedades comerciais em nosso direito, a vida societária, através das normas contratuais".
 
 

Já MARTINS considera as omissões prejudiciais12 :
 
 
 
 

"O Dec. nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, está eivado de imperfeições, não atendendo, com precisão, ao objetivo das sociedades por quotas".

Independentemente de poder ser suprida ou não pelos termos do contrato social, é fato inconteste na prática societária brasileira a omissão, tanto legal, quanto contratual, de normas reguladoras do sistema de deliberação que será adotado pela sociedade e, sobretudo, da forma de manifestação da vontade dos sócios.

Neste tópico a legislação pátria não acompanhou as modificações que no direito comparado foram se impondo às normas disciplinadoras das sociedades por quotas - no direito francês e no direito argentino, entre outros.

No primeiro, a legislação incidente sobre as sociedades por quotas sofreu sucessivas alterações até a Lei de 1966 que ampliou as formas de intervenção dos sócios na administração da sociedade. Há a possibilidade de cláusula impondo ao gerente o dever de obter autorização dos demais sócios para a realização de certos atos; os sócios devem aprovar o balanço anual e decidir sobre a partilha dos lucros, também devem votar a modificação do contrato social. Todas estas são decisões coletivas tomadas formalmente pelos sócios.

Ainda na lei francesa, se silente o estatuto, as deliberações serão necessariamente tomadas em assembléia. Mesmo havendo cláusula em contrário, as aprovações das contas serão por este modo tomadas. Finalmente, é prevista a possibilidade da se optar por uma consulta escrita (forma introduzida legislativamente pela Lei de 11 de fevereiro de 1994) perante os sócios.13

Logo, fica assegurada a participação dos sócios na tomada das deliberações de maior relevância na vida da sociedade, ao mesmo tempo em que, em caso de aprovação, tais sócios ficarão vinculados ao ato de administração por eles consentido ou ratificado. Contrariamente, em caso de discordância, também ficará formalmente garantida a isenção da voz minoritária.

Também na Argentina um modelo similar foi incorporado, impondo-se a realização de assembléias para a tomada das contas anuais, facultando outras formas de consultas formais para os demais deliberações.14

Torna-se imprescindível também ao modelo nacional, a escolha de métodos de consulta aos quotistas que permitam aos administradores a elaboração de atas e outros documentos formais aptos a levar ao conhecimento do leitor a posição adotado por estes, seja no sentido de compartilhar da deliberação sugerida pela administração da sociedade, seja opondo-se a ela de forma expressa.

O Decreto nº 3.708/19 está muito aquem dos novos modelos implantados.

Em termos de deliberação limita-se a reconhecer ao sócio dissidente de deliberação o direito de requerer perante a sociedade a apuração de seus haveres e sua conseqüente retirada, quando se tratar de matéria de alteração contratual.15

Efetivamente, não há sistema imposto de controle do poder de deliberação. A partir desta constatação duas conseqüências podem ser extraídas: ou se presume que todos os sócios participam de todas as tomadas de deliberação e o fazem de forma unânime, salvo deliberação sobre reforma do contrato com dissidência; ou se conclui que somente os administradores tem poder decisório e ilimitado. Esta última conclusão não se compatibiliza com a estrutura de sociedade de pessoas.

Desta forma, quando uma sociedade por quotas se mantém inscrita e teoricamente como ativa perante o fisco, ao passo em que no processo de execução se constata a inexistências de empresa assim como de bens, quem e como se decidiu pela dissolução irregular?

Diante da carência de documentação e da inadequação do sistema deliberativo das sociedades por quotas - normalmente deliberações tomadas de modo informal - não há como a administração pública tomar conhecimento de quem e de como se decidiu pela cessação irregular das atividades da empresa com a conseqüente e irregular liquidação de seu patrimônio. Considerando-se que a cessação das atividades, por imposição normativa deveria ter sido antecedida da quitação das obrigações, e não sendo esta possível, convertida a liquidação em falência da empresa, somados ao fato de nenhuma dessas etapas ter sido respeitada obriga que o desaparecimento da empresa seja tomado como dissolução irregular.

Sendo irregular a dissolução, impõe-se a aplicação da norma do art. 135, I do CTN, com a conseqüente responsabilização pessoal dos sócios.

Também a via da aplicação do art. 16 do decreto nº 3.708/19 conduz à mesma conclusão, pois determina que as "deliberações dos sócios, quando infringentes do contrato social ou da lei, dão responsabilidade ilimitada àqueles que expressamente hajam ajustados tais deliberações contra os preceitos contratuais ou legais".
 
 

5. A responsabilidade pelo capital social
 
 

Além da inexistência de um sistema de controle das deliberações - observe-se que se torna conveniente aos administradores da sociedade optarem por nenhum formalismo no momento da cessação das atividades, até porque esta opção, ainda que ilegal ou irregular, tem conduzido à isenção da responsabilidade dos sócios da sociedade por quotas - outro indicativo à ampliação da responsabilização do quotista é a indefinição dos sistemas de controle da formação e intangibilidade do capital social.

O capital social da empresa que é ao mesmo tempo seu patrimônio inicial e elemento indicativo da solvência da sociedade e de avaliação do patrimônio durante a vida da sociedade comercial, também é um valor contábil que deverá ser reconstituído em sua materialidade a cada balanço realizado pela empresa.

Na sociedade por quotas a lei se omite quanto aos critérios de avalização dos bens trazidos à composição do valor do capital social, assim como está isenta de qualquer norma de fiscalização sobre a efetividade de tais valores. Logo, nos moldes em que vem disciplinada pela lei, a sociedade por quotas serve prontamente a fraudes e desvios alimentados pela perspectiva de limitação da responsabilidade dos sócios.

Contraditoriamente, é este mesmo capital social a última garantia dos credores e a justificativa ao afastamento de qualquer responsabilização ordinária dos quotista que possa ir além do capital social subscrito e ainda não integralizado.

No dizer de ABRÃO16 :
 
 

"É facilmente compreensível que o quanto do capital representa um dos elementos determinantes do crédito de que poderá desfrutar a sociedade, daí o seu interesse em fixá-lo em quantia proporcional às necessidades da atividade econômica que será exercitada".

Teoricamente é o capital social que confere segurança aos contratantes com a sociedade, pois deverá servir de garantia à satisfação das obrigações pela sociedade. Quando impossível a continuidade do negócio da empresa, fruto da repetição de resultados negativos, a cessação das atividades deveria ser encaminhada ainda quando íntegro o capital social, ou ao menos, o montante suficiente para a satisfação dos credores da sociedade. Para isso ele foi concebido e por isso o sistema de irresponsabilidade do quotista, uma vez integralizado em sua totalidade.

Para a implantação de tal irresponsabilidade seria essencial: 1. controle sobre a efetividade do capital na constituição; 2. mecanismos de defesa da intangibilidade do capital social.

Mais uma vez o Decreto se mostra insatisfatório e ineficiente. O sistema pátrio ainda não assimilou o rigor dos sistemas como o francês, onde a tônica está na rigidez no controle da efetividade do capital e os sócios respondem pela efetividade do capital social.17 Não há qualquer dispositivo neste sentido na lei pátria.

Quanto à intangibilidade do capital do capital social, está associada à impossibilidade de partilha pelos sócios do montante correpondente ao capital social no patrimônio da sociedade, a não ser em caso de liquidação desta. Esta partilha não poderá ocorrer de modo direto, mas igualmente deve ser considerada proibida em seu modo indireto. Uma sociedade comercial que deixa de recolher tributos terá como conseqüência a incorporação destes valores ao ativo da empresa - se os valores já estiverem agredados à mercadoria alienada. Quando a mesma sociedade é conduzida ao desaparecimento irregular tais ativos - incluído aí o capital social - são indevidamente partilhados entre os sócios, quando na verdade somente poderiam ser objeto de partilha no momento da liquidação, após o pagamento dos credores.

Mais uma vez, inexistindo controle sobre a efetividade e intangibilidade do capital social da sociedade por quotas, não há como admitir-se a total isenção de responsabilidade dos sócios que dela tiraram proveito.

Ainda mais quando se trata de tributo estadual, repassado no valor das mercadorias vendidas, ilegalmente não transferido aos órgãos de arrecadação, fazendo aumentar indevidamente o proveito econômico não apenas para os gerentes, mas para todos os sócios quotistas.
 
 
 
 

6. A incidência do art. 134 e 135 do CTN: a responsabilização do sócio não-gerente
 
 

Supridas as deficiências da lei disciplinadora das sociedades por quotas, em especial as omissões legislativas sobre as formas de deliberação dos sócios, a forma de expressão de sua vontade para fins de aplicação do art. 16 do Decreto e sobre os sistemas de controle sobre o capital social, poder-se-ia falar em afastamento da responsabilidade dos sócios quotistas pelas dívidas tributárias da sociedade, quando da completa integralização de seu capital social.

Enquanto tais ajustes inexistirem, caberá ao intérprete da lei conjugando-a à consideração da função das sociedades comerciais, optar, no caso concreto pela possibilidade de responsabilização do sócio quotista não-gerente, pelas dívidas da sociedade irregularmente dissolvida.

Sobre a função das sociedades comerciais a lição perfeita de GALGANO18 ensina que a utilidade social é um limite à liberdade de iniciativa econômica e à busca do lucro, devendo ser valorada pela lei, para que se possa no caso concreto identificar a incompatibilidade da prática econômica com a utilidade social que se espera extrair do empreendimento.

O cumprimento das obrigações tributárias por parte das empresas faz parte das tarefas de cunho social a ela impostas. A sociedade que descumprir estas obrigações estará atuando no campo do ilícito, não havendo outra solução senão a responsabilização pessoal dos sócios.

Em termos de legislação tributária, para fins de efetivação da potencialidade de arrecadação, imprescindível a invocação das normas contidas nos arts. 134 e 135 do CTN para se concluir que se uma das características essenciais da sociedade por quotas de responsabilidade limitada é a limitação da responsabilidade de seus sócios, tal limitação encontra exceções em determinadas situações valoradas pelo legislador e pela doutrina como hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente possibilidade de responsabilização do patrimônio pessoal de sócios e dirigentes. Tais hipóteses encontram sua justificativa na necessidade de serem assegurados certos direitos de importância fundamental que se sobressaem em relação ao direito dos sócios verem resguardados os seus patrimônios individuais.

Assim acontece com relação às dívidas trabalhistas, também nas relações de consumo, na legislação contraria ao abuso do poder econômico e, o que nos interessa em especial, na legislação comercial e societária.

No campo societário as hipóteses de desconsideração estão concentradas nas atuações societárias contrárias à lei ou ao contrato social, incluída aí a hipótese de dissolução irregular, com esgotamento patrimonial, sem pagamento do passivo tributário.

A desconsideração, por outro lado, pode ter por consequência a responsabilidade apenas dos gerentes ou também a dos demais sócios, conforme definido em lei.

O Decreto nº 3.708/19 destina o art. 10 à responsabilidade dos sócios gerentes por exercício abusivo e o art. 16 para a responsabilidade dos sócios em geral.

Também o Código Comercial consagrou a dissolução irregular como hipótese de responsabilização dos sócios :

Art. 338. O distrato da sociedade, ou seja voluntário ou judicial, deve ser inserto no Registro do Comércio, e publicado nos periódicos do domicílio social, ou no mais próximo que houver, e na falta deste por anúncios fixados nos lugares públicos; pena de subsistir a responsabilidade de todos os sócios a respeito de quaisquer obrigações que algum deles possa contrair com terceiro em nome da sociedade.
 
 

O Código Tributário Nacional, sensível ao valor essencial que é a arrecadação de tributos, assim disciplinou a responsabilidade tributária:
 
 

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I- As pessoas referidas no artigo anterior;

(...)
 
 

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

(...)

VII - Os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
 
 

A responsabilidade do sócio pressupõe um fato, qual seja, a empresa ter sua atividade paralisada, sem o pagamento dos débitos tributários então existentes, sem que o seu capital social ou os bens de seu patrimônio fossem mantidos a fim de garantir a satisfação da fazenda pública.

Os sócios das empresas que assim procedem são, no mínimo, omissos em relação a tais fatos, participando, então, da deliberação de encerramento anômalo da empresa, sem qualquer oposição. Esta conduta é suficiente a garantir a sua responsabilização pessoal, face a inexistência de bens da empresa.

A responsabilização pessoal do sócio da sociedade por quotas em tal hipótese vem admitida por REQUIÃO19 :
 
 

"a limitação da responsabilidade do sócio não equivale à declaração de sua irresponsabilidade em face dos negócios sociais e de terceiros. Deve ele ater-se, naturalmente, ao estado de direito que as normas legais traçam, na disciplina do determinado tipo de sociedade de que se trate. Ultrapassado os preceitos de legalidade, praticando atos, como sócio, contrários à lei ou ao contrato, tornam-se pessoal e ilimitadamente responsáveis pelas consequências de tais atos.

Essa regra está expressa no art. 16 do Decreto nº 3.708, de 1919..."

Também COELHO20 , assim esclarece:
 
 

"A regra da limitação da responsabilidade dos sócios da sociedade limitada contempla algumas exceções. Nestas hipóteses de caráter excepcional, os sócios responderão subsidiária, mas ilimitadamente, pela obrigações sociais. São as seguintes:

a) os sócios que adotarem deliberação contrária à lei ou ao contrato social responderão ilimitadamente pelas obrigações sociais relacionadas com a deliberação ilícita. Os sócios que dela dissentirem deverão acautelar-se, formalizando sua discordância, para se assegurar quanto a esta modalidade de responsabilização (dec. n. 3708/19, art. 16).

(...)".

Ora, o sócio que participou ou foi omisso diante de uma decisão de dissolução irregular da sociedade - sem o devido recolhimento do tributo e com o desfazimento de toda reserva patrimonial - tornou-se ilimitadamente responsável pelas obrigaçoes tributárias não satisfeitas.21

Para se dotar de efetividade a potencialidade de arrecadação tributária, no que se refere à sociedade por quotas de responsabilidade limitada, impõe-se o acolhimento da possibilidade de responsabilização do sócio não-gerente, sob determinadas condições.
 
 
 
 

7. Conclusões:
 
 

1. O sistema constitucional pátrio, definido nos arts. 145 e seguintes da Carta Constitucional, determina ao administrador público que tome as medidas adequadas a tornar efetiva a potencialidade de arrecadação tributária.

2. Para se obter o resultado pretendido, deve a lei prever as hipóteses de responsabilização especial pelas dívidas tributárias.

3. Nas sociedades por quotas de responabilidade limitada a limitação absoluta da responsabilidade pessoal dos seus sócios não poderá ser mantida no regime atual determinado pelo Decreto nº 3.708/19, em razão de seus defeitos e omissões quanto a adoção de um sistema que permita a formalização das manifestações do poder de deliberar dos sócios e a fiscalização quanto a efetividade e intangibilidade do capital social.

4. O Código Tributário Nacional em seus artigos 134 e 135, conjugado ao art. 16 do Decreto nº 3.708/19, permite concluir pela responsabilização do sócio quotista não-gerente pelas dívidas tributárias da sociedade irregularmente dissolvida.
 
 
 
 

8. Referências Bibliográficas
 
 

ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. 5ª‘Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. 8ª Ed., São Paulo:Saraiva, 1995.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 9ª Ed., São Paulo: Saraiva, 1997.

GALGANO, Francesco. Diritto commerciale : l’imprenditore. 5ª Ed., Bologna: Zarichelli, 1996.

MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 22ª Ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996.

MASCHERONI, Fernando H.; MUGUILLO, Roberto A. Régimen jurídico del sócio. Buenos Aires:Astrea, 1996.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 22ª‘Ed., v.I, São Paulo: Saraiva, 1995.

RICHARD, Efraín ; MUINO, Orlando Manuel. Derecho societario. Buenos Aires: Astrea, 1997.

RIPERT, Georges; ROBLOT, René. Traité de droit commercial. 16ª Ed., Paris: L.G.D.J., 1996.


_____________

 1Procuradora do Estado do Paraná, Prof. de Direito Comercial da UFPR, Faculdade de Direito de Curitiba e IBEJ, Doutoranda em direito das relações sociais.

 2Art. 145, §1º.

 3A legislação francesa sobre a matéria é de 1925, a italiana de 1942, a espanhola de 1953, a brasileira -e até hoje vigente- de 1919.

 4Art. 2º.

 5Art. 9º.

 6Arts. 2º e 18.

 7MARTINS, Fran, in Curso de Direito Comercial (Forense, Rio de Janeiro, 1996, 22ª ed.) p. 273.

 8É justamente esta última determinação que tem provocado interpretações que acolhem o caráter misto das sociedades por quotas, qual seja, nela identificam características de sociedade de pessoas associadas a características de sociedades de capital. REQUIÀO, Rubens, in Curso de Direito Comercial (Saraiva, São Paulo, 1995, 22ª Ed., v. I), pp. 330-ss, noticia a tendência do judiciário de atribuir à sociedade por quotas caráter de sociedade de capital, o que traz como consequência uma interpretação extensiva do mencionado art. 18 que determina a aplicação subsidiária da Lei das Sociedades Anônimas.

 9COELHO, Fábio Ulhoa, in Manual de Direito Comercial (Saraiva, São Paulo, 1997, 9ª Ed.), p. 141.

 10Respectivamente arts. 3º, §2º; 9º, parágrafo único; 10 e 16.

 11REQUIÃO, Rubens, op. cit., p. 326.

 12MARTINS, Fran, op. cit., p.268.

 13RIBERT, Georges; ROBLOT, René, in Traité de droit commercial (L.G.D.J, Paris, 1996, v.1, 16ª Ed.,),pp. 725-726.

 14RICHARD, Efraín Hugo; MUIÑO, Orlando Manuel, in Derecho societario (Astrea, Buenos Aires, 1997), pp.378-ss.

 15Art. 15: "Assiste aos sócios que divergirem da alteração do contrato social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado.(...)".

 16ABRÃO, Nelson, in Sociedade por quotas de responsabilidade limitada (Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995), p.66.

 17RIPERT E ROBLOT, op. cit. p. 700. Rigidez a ponto de admitir a responabilização do sócio atual pela efetividade do capital social fixado pelos sócios antecessores.

 18GALGANO, Francesco, in Diritto commerciale:l’imprenditore (Zanichelli, Bologna, 1996, 5ª Ed.), p.162.

 19REQUIÃO, Rubens, op. cit., p. 345.

 20COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit., p. 149.

 21Também pela aplicação da determinação do art. 338 do Código Comercial.
 
 

Extraído do site http://www.pge.sp.gov.br/Congresso/utese26.html