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A Dedutibilidade das Provisões no Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
por Juliano Gagliardi Nesi, Advogado e Consultor Tributário em São Paulo

 

1. Dos Fatos

O ordenamento jurídico traz em seu bojo inovações recentes em matéria de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, estabelecendo normas que, ao disciplinarem a apuração do lucro real e da base de cálculo da CSL, não permitem a dedução de despesas que tem como contrapartida contábil provisões, exceto as relativas ao pagamento de férias de empregados e décimo-terceiro salário, bem como impedem a constituição da provisão para créditos de liquidação duvidosa.

Esta incursão do legislativo em seara pertinente à ciência Contábil violou princípios constitucionais basilares na medida em que permite ao Fisco tributar arbitrariamente, a título de IR e CSLL, a propriedade do contribuinte, com efeito confiscatório, de modo a desviar a finalidade dos mencionados tributos, qual seja, a de arrecadar aos cofres públicos valores que exprimam um efetivo acréscimo patrimonial obtido pelo particular em determinado período.

A vigência das normas ora postas em discussão iniciou-se com a lei 9.249/95, a qual em seu art. 13, inc. I, dispõe que:

"Art. 13 - Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido são vedadas as seguintes deduções, independentemente do disposto no art. 47 da Lei 4.506, de 30 de novembro de 1964,

I - De qualquer provisão, exceto as constituídas para o pagamento de férias de empregados e de décimo-terceiro salário, a de que trata o art. 43 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1.995, com as alterações da Lei n 9.065, de 20 de junho de 1.995, e as provisões técnicas das companhias de seguro e de capitalização, bem como das entidades de previdência privada, cuja constituição é exigida pela legislação especial a elas aplicável.

Posteriormente, não satisfeito com a restrição imposta à dedutibilidade das despesas registradas em contas de resultado como contrapartida contábil das provisões, excetuando as relativas à decimo terceiro salário e férias de empregados, resolveu o legislador pátrio impedir às pessoas jurídicas de obter informações fidedignas sobre a sua real situação patrimonial, de modo a impossibilitar-lhe a constatação de que o Poder Público está espoliando seu patrimônio, sob o pretexto de tributar sua renda, ao proibir o contribuinte de constituir a provisão para créditos de liquidação duvidosa, estabelecendo no art. 14 da Lei 9.430/96 que: " Art. 14. A partir do ano calendário de 1.997, ficam revogadas as normas previstas no art. 43 da Lei n 8.981, de 20 de janeiro de 1.995, com as alterações da Lei n 9.065, de 20 de junho de 1.995, bem como a autorização para a constituição de provisão nos termos dos artigos citados, contida no inciso I do art. 13 da Lei n 9.249, de 25 de dezembro de 1995."

 

Os mencionados dispositivos legais permitem ao Fisco tributar o patrimônio das empresas, e não o efetivo acréscimo patrimonial obtido em virtude de suas atividades, havendo, portanto, clara ofensa ao princípio da capacidade contributiva, conforme reza o art. 145 da Constituição Federal.

Não há amparo jurídico para a alegação fiscalista de que as aludidas provisões representam uma mera expectativa de perda, não devendo, portanto, impactar negativamente no resultado do exercício. Ressaltamos que, na hipótese específica da Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa ( PDD) , a legislação anterior facultava a sua constituição pela pessoa jurídica com base no histórico da empresa, ou seja, necessariamente a PDD refletia, estatisticamente, o " quantum " que o contribuinte deixava de receber de seus clientes pelas mercadorias entregues ou pelos serviços prestados, não havendo nenhum engodo neste procedimento quando realizado com boa-fé.

As restrições impostas pelo legislador pátrio contrariam princípios contábeis de aplicação obrigatória , vez que, ao terem sido acolhidos pelo ordenamento jurídico, foram juridicionarizados, quais sejam os princípios: a) da realização da receita, b) do confronto das despesas com as receitas e com os períodos contábeis, c) o da competência e d ) o da prudência. Também viola princípios constitucionais inafastáveis, a saber, os princípios da: a) da supremacia da constituição, b) do devido processo legal, c) da capacidade contributiva.

Tanto a Ciência Contábil quanto a Jurídica estabeleceram tais regras visando resguardar o patrimônio do contribuinte, seja pessoa física ou jurídica, de modo a se evitar assim a apuração de um lucro fictício, que não esteja de acordo com a real situação patrimonial do sujeito passivo da obrigação tributária.

  1. Do Direito
2.1. Dos Princípios Contábeis

Cabe discorrer a respeito da obrigatoriedade do legislador ordinário, ao elaborar a legislação infra-constitucional, se vincular aos referidos princípios contábeis.

Inicialmente cumpre assinalar que os princípios contábeis legítimos, entendidos como preceitos básicos e fundamentais de uma doutrina, têm como escopo principal em sua aplicação defender a fidelidade das demonstrações patrimoniais dos entes jurídicos, sendo imutáveis, quaisquer que sejam as circunstâncias de tempo e lugar em que a doutrina é estudada.

A razão desta imutabilidade decorre do fato de que a Contabilidade fornece conhecimentos com cunho científico, e não meramente técnicos.

O Conselho Federal de Contabilidade, ao emitir a Resolução CFC nº 774/94, dando interpretação à Resolução CFC nº 750/93, aprovou Apêndice sobre os Princípios Fundamentais de Contabilidade, contendo comentários sobre o conteúdo dos enunciados, com a finalidade de se extrair uma melhor compreensão dos temas neles disciplinados.

Estes esclarecimentos iniciam-se, justamente, definindo a Contabilidade como Ciência Social, em seguida fixam os limites do seu campo de atuação, demonstram a relevância dos princípios fundamentais como sustentáculo do sistema, e tratam dos objetivos da contabilidade, neles inserindo um tratamento específico ao patrimônio.

" 1- A Contabilidade como Conhecimento

1.1 - A Contabilidade como ciência social.

A Contabilidade possui objeto próprio - o Patrimônio das Entidades - e consiste em conhecimentos obtidos por metodologia racional, com as condições de generalidade, certeza e busca das causas, em nível qualitativo semelhante às demais ciências sociais. A Resolução alicerça-se na premissa de que a Contabilidade é uma ciência social com plena fundamentação epistemológica. Por consequência, todas as demais classificações - método, conjunto de procedimentos, técnica, sistema, arte, para citarmos as mais correntes - referem-se a simples facetas ou aspectos da Contabilidade, usualmente concernentes a sua aplicação prática, na solução de questões concretas.

1.2 - O Patrimônio objeto da Contabilidade

O objeto delimita o campo de abrangência de uma ciência, tanto nas ciências formais quanto nas factuais, das quais fazem parte as ciências sociais. Na Contabilidade, o objeto é sempre o Patrimônio de uma Entidade, definido como um conjunto de bens, direitos e de obrigações para com terceiros, pertencente a uma pessoa física, a um conjunto de pessoas, como ocorre na sociedades informais, ou a uma sociedade ou instituição de qualquer natureza, independentemente da sua finalidade, que pode, ou não, incluir o lucro.

O essencial é que o patrimônio disponha de autonomia em relação aos demais patrimônios existentes, o que significa que a Entidade dele pode dispor livremente, claro que nos limites estabelecidos pela ordem jurídica e, sob certo aspecto, da racionalidade econômica e administrativa.

1.3 - Os princípios Fundamentais de Contabilidade

Os Princípios Fundamentais de Contabilidade representam o núcleo central da Própria Contabilidade, na sua condição de ciência social, sendo a ela inerentes. Os princípios constituem vigas-mestras de uma ciência, revestindo-se dos atributos de universalidade e veracidade, conservando validade em qualquer circunstância. No caso da Contabilidade, presente seu objeto, seus Princípios Fundamentais de Contabilidade valem para todos os patrimônios, independentemente das Entidades a que pertencem, as finalidades para as quais são usados, a forma jurídica da qual são revestidos, sua localização, expressividade e quaisquer outros qualificativo da qual são revestidos, desde que gozem da condição de autonomia em relação aos demais patrimônios existentes.

Nos princípios científicos jamais pode haver hierarquização formal, dado que eles são os elementos predominantes na constituição de um grupo orgânico, proposições que se colocam no início de uma dedução, e são deduzidos de outras dentro do sistema. Nas ciências sociais, os princípios se colocam como axiomas, premissas universais e verdadeiras, assim admitidas sem necessidade de demonstração, ultrapassando pois a condição de simples conceitos.

O atributo da universalidade permite concluir que os princípios não exigiriam adjetivação, pois sempre, por definição, se referem à Ciência da Contabilidade no seu todo. Dessa forma, o qualificativo "fundamentais" visa, tão-somente, a enfatizar sua magna condição. Esta igualmente elimina a possibilidade de existência de princípios identificados, nos seus enunciados, com técnicas ou procedimentos específicos, com o resultado obtido na aplicação dos princípios propriamente ditos a um patrimônio particularizado. Assim, não podem existir princípios relativos aos registros, às demonstrações ou à terminologia contábeis, mas somente ao objeto desta desta, o Patrimônio. Os princípios, na condição de verdades primeiras de uma ciência jamais serão diretivas de natureza operacional, característica essencial das normas, expressões de direito positivo, que a partir dos princípios estabelecem ordenamentos sobre o " como fazer", isto é, técnicas, procedimentos, métodos, critérios, etc., tanto nos aspectos substantivos, quanto nos formais. Dessa maneira, alcança-se um todo organicamente integrado, em que, com base nas verdades gerais, se chega ao detalhe aplicado, mantidas a harmonia e coerência do conjunto.

Os princípios simplesmente são e, portanto, preexistem às normas, fundamentando e justificando a ação, enquanto aquelas a dirigem na prática. No caso brasileiro, os princípios estão obrigatoriamente presentes na formulação das Normas Brasileiras de Contabilidade, verdadeiros pilares do sistema de normas, que estabelecerá regras sobre a apreensão, o registro, relato, demonstração e análise das variações sofridas pelo patrimônio, buscando descobrir suas causas, de forma a possibilitar a feitura de prospecções sobre a Entidade e não podem sofrer qualquer restrição na sua observância.

1.4 - Dos objetivos da Contabilidade

O objetivo científico da Contabilidade manifesta-se na correta apresentação do Patrimônio e na apreensão e análise das causas das suas mutações. Já sob a ótica pragmática, a aplicação da Contabilidade a uma Entidade particularizada, busca prover os usuários com informações sobre aspectos de natureza econômica, financeira e física do Patrimônio da Entidade e suas mutações, o que compreende registros, demonstrações, análises, diagnósticos e prognósticos expressos sob a forma de relatos, pareceres, tabelas, planilhas e outros meios."

O legislador reconheceu o caráter científico da contabilidade ao determinar no art. 177 da Lei 6.404/76, que regula a constituição e o funcionamento das Sociedades Anônimas, que: "a escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.

§ 1º - as demonstrações financeiras do exercício em que houver modificação de métodos ou critérios contábeis, de efeitos relevantes, deverão indicá-la em nota e ressaltar esses efeitos. "

Analisados, portanto, sob um enfoque científico, e, principalmente, reconhecida a importância de sua obediência pelo ordenamento jurídico em vigor, com a finalidade de se obter uma informação tão justa quanto possível sobre a situação patrimonial de determinada empresa, conclui-se que os princípios fundamentais da Contabilidade inspiram e fundamentam a ação, o comportamento; enquanto as normas, por sua vez, sob a luz dos princípios, dirigem a ação, são proposições com carga de ordem e comando, leis que se não forem obedecidas levam risco ao comportamento.

O Conselho Federal de Contabilidade, quando editou a Resolução 750/93, adotou princípios fundamentais cujos teores estão de acordo com o direcionamento dado à matéria pelo Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade ( IASC) que, em ação conjunta com a Federação Internacional de Contadores ( IFAC) ( cujos membros são os mesmos), tem como objetivos precípuos:

- convencer os governos e os grupos que emitem normas contábeis dos seus países de que as demonstrações contábeis publicadas devem cumprir as Normas Internacionais de Contabilidade em todos os seus aspectos substanciais;

- convencer as autoridades que controlam os mercados de valores, e as comunidades industriais e de negócios, que as demonstrações contábeis publicadas devem cumprir as Normas Internacionais de Contabilidade, em todos os seus aspectos substanciais, e que essas demonstrações contenham divulgação referente a esse cumprimento;

- propiciar a aceitação e a observância das Normas Internacionais de Contabilidade a nível internacional."

A IASC alinhou o Regime de Competência como pressuposto básico, assim enunciando-o na obra " Normas Internacionais de Contabilidade" :

" A fim de atingir seus objetivos, as demonstrações contábeis são preparadas conforme o regime contábil de competência. Sendo assim, os efeitos das transações e outros eventos são reconhecidos quando ocorrem ( e não quando o numerário ou seu equivalente é recebido ou pago) e são lançados nos registros contábeis e reportados nas demonstrações contábeis dos períodos a que se referem. As demonstrações contábeis preparadas pelo regime de competência informam aos usuários não somente sobre transações passadas envolvendo o pagamento e recebimento de caixa, mas também sobre obrigações de pagamento no futuro e sobre recursos que serão recebidos no futuro. Dessa forma, apresentam informações sobre transações passadas e outros eventos que são mais úteis aos usuários na tomada de decisões econômicas." Na verdade tal regramento surge da conjugação dos princípios que norteiam o reconhecimento das receitas e despesas exposto pela IASC deste modo Norma Internacional de Contabilidade - NIC 18, pg. 237 e segts.

Receita

A receita é definida na Estrutura Conceitual para a Preparação e Apresentação das Demonstrações Contábeis como aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil sob a forma de entrada ou incrementos de ativos ou diminuição de passivos, que resultam no aumento do patrimônio líquido, distinguindo-se do incremento que resulta das contribuições de capital dos proprietários da empresa. A definição da receita abrange tanto receita como lucros. A receita surge no curso das atividades normais de uma empresa e é designada por uma variedade de nomes, inclusive vendas, honorários,juros, dividendos e royalties. O objetivo desta Norma é prescrever o tratamento contábil da receita que resulta de certo tipos de transações e eventos.

A primeira questão que surge na contabilização da receita é determinar quando a receita deve ser reconhecida. O reconhecimento se dá, quando é provável que os futuros benefícios econômicos fluirão para a empresa e que tais benefícios possam ser mensurados com segurança. Entretanto, quando surge uma incerteza sobre a possibilidade de cobrança de uma importância já contabilizada como receita, a importância incobrável ou a importância a respeito da qual a recuperação deixou de ser provável é reconhecida como despesa, e não como ajuste da receita originalmente reconhecida.

A receita e a despesa referentes à mesma transação ou outro evento são reconhecidas simultaneamente; este processo é comumente designado como confronto ou casamento das receitas e despesas. As despesas, inclusive garantias e outros custos a serem incorridos depois do embarque das mercadorias, podem normalmente ser medidas com segurança, quando as outras condições para reconhecimento da receita tenham sido satisfeitas. Todavia, a receita não pode ser reconhecida, quando as despesas não podem ser medidas com segurança; em tais circunstâncias, quaisquer importâncias já recebidas pela venda das mercadorias são contabilizadas como passivo.

Aprofundando a análise da estrutura conceitual que devem obedecer as demonstrações contábeis, o referido órgão elenca a confiabilidade como característica qualitativa, esclarecendo que: Para ser útil, a informação deve ser confiável. A informação tem a qualidade de confiabilidade quando está livre de erros relevantes, e podem os usuários depositar confiança como representando fielmente aquilo que ela diz representar ou poderia razoavelmente esperar-se que represente.

A informação pode ser relevante, porém tão inconfiável em sua natureza ou representação que o seu reconhecimento pode ser um erro potencial.

Integrando a confiabilidade, enquanto atributo que tornam as demonstrações contábeis úteis para os usuários, destaca-se a prudência cujo teor pode ser assim entendido segundo a mencionado instituição internacional: " Aqueles que preparam as demonstrações contábeis, entretanto, têm que se haver com as incertezas que inevitavelmente envolvem certos eventos e circunstâncias, tais como a possibilidade de cobrança de contas a receber duvidosas, a vida útil provável da fábrica e equipamentos e o número de reclamações cobertas por garantias que possam ter sido dadas. Tais incertezas são reconhecidas pela divulgação da sua natureza e extensão e pelo exercício de prudência no preparo das demonstrações contábeis. A prudência consiste na inclusão de certa dose de cautela na formulação dos julgamentos necessários na elaboração de estimativas em certas condições de incertezas, no sentido de que ativos ou receitas não sejam superestimados e passivos ou despesas não sejam subestimados. Entretanto, o exercício da prudência não permite, por exemplo, a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas, a subavaliação deliberada de ativos ou receitas, a superestimação deliberada de passivos ou despesas, pois as demonstrações contábeis deixariam de ser neutras e, portanto, não teriam a qualidade da confiabilidade." Conforme pode-se inferir no início da obra "Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações - Aplicável também às demais sociedades", o IPECAFI adotou tais preceitos emanados da IASC. " Primeiramente, transcrevemos o estudo elaborado pelo IPECAFI - Instituto Brasileiro de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, aprovado e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Contadores - IBRACON e referendado pela CVM - Comissão de Valores Mobiliários, relativo à conceituação dos Princípos Fundamentais de Contabilidade, emitido em 1.986.

Pela sua relevância para a profissão e para o mercado, tal documento é aqui reproduzido na íntegra. Além disso, por representar um documento oficial, não foram feitas quaisquer alterações que visassem sua atualização."

O PRINCÍPIO DA REALIZAÇÃO DA RECEITA

ENUNCIADO: " A receita é considerada realizada e, portanto, passível de registro pela Contabilidade, quando produtos ou serviços produzidos ou prestados pela Entidade são transferidos para outra Entidade ou pessoa física com a anuência destas e mediante pagamento ou compromisso de pagamento especificado perante a Entidade produtora..."

A Contabilidade apresenta grande necessidade de objetividade e de consistência em seus princípios e procedimentos, que podem ter reflexos até na área do Direito.

(...)

Considera-se que o Princípio da Realização da Receita escolhe, como ponto normal de reconhecimento e registro da receita nos livros da empresa, aquele em que produtos e serviços são transferidos ao cliente. Este ponto é praticamente coincidente, muitas vezes com o momento da venda. A Contabilidade assim o faz porque:

    1. a transferência do bem ou serviço normalmente se concretiza quando todo, ou praticamente todo, o esforço para obter a receita já foi desenvolvido;
(...)

c) nesse ponto já se conhecem todos os custos de produção do produto ou serviço transferido e outras despesas ou deduções da receita diretamente associáveis ao produto ou serviço (...). Os desembolsos com tais despesas podem ocorrer e até ocorrem, após a transferência, mas o montante é conhecido ou razoavelmente estimável já no ato da transferência.

O PRINCÍPIO DO CONFRONTO DAS DESPESAS COM AS RECEITAS E COM OS PERÍODOS CONTÁBEIS

ENUNCIADO: " Toda despesa diretamente delineável com as receitas reconhecidas em determinado período, com as mesmas deverá ser confrontada; os consumos ou sacrifícios de ativos ( atuais ou futuros), realizados em determinado período e que não puderam ser associados à receita do período nem às dos períodos futuros, deverão ser descarregados como despesa do período em que ocorrerem..."

É importante notar que a base do confronto não está relacionada ao montante dos recursos efetivamente recebido em dinheiro ou pago, no período, mas às receitas reconhecidas ( ganhas), nas bases já mencionadas, e às despesas incorridas ( consumidas) no período.

Assim, podemos consumir ativos pagos no mesmo período ou adquiridos em períodos anteriores. Pode ocorrer o caso de sacrifícios de ativos, no esforço de propiciar receita, cujos desembolsos efetivos somente irão ocorrer em outro exercício, ou de se incorrer em despesas a serem desembolsadas posteriormente ( sacrifício de ativo no futuro, ativo que pode nem existir hoje).

Somente um motivo muito forte e preponderante pode fazer com que um gasto deixer de ser considerado como despesa do período, ou através do confronto direto com a receita ou com o período. Se somos conservadores no reconhecimento da receita, devemos sê-lo, em sentido oposto, com a atribuição de despesas.

É importante esclarecer que os princípios da realização da receita e de confrontação das despesas são, em conjunto, também conhecidos por Regime de Competência.

O Conselho Federal de Contabilidade ( CFC) expressamente acatou estas regras, estabelecendo na resolução Nº 750/93, de 29 de dezembro de 1.993, que " Seção VI - O PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA - Art. 9: As receitas e despesas devem ser incluídas na apuração do resultado do período em que ocorrerem, sempre simultaneamente quando se correlacionarem, independentemente de recebimento ou pagamento Conforme já foi mencionado, posteriormente o CFC emitiu a Resolução nº 774, dando interpretação à Resolução CFC nº 750/93, por meio de um apêndice que comenta o cerne dos princípios ora analisados, ressaltando a importância de sua necessária aplicação com a finalidade dos usuários da informação contábil, dentre eles os administradores de empresa e o próprio Fisco, terem uma correta interpretação do estado patrimonial de uma entidade, de maneira a não superavaliá-lo, e tão pouco substimá-lo, onde a matéria foi exposta deste modo: " 2.6.1 - As variações patrimoniais e o Princípio da Competência.

A compreensão do cerne do Princípio da Competência está diretamente ligada ao entendimento das variações patrimoniais e sua natureza. Nestas encontramos duas grandes classes: daquelas que somente modificam a qualidade ou a natureza dos componentes patrimoniais, sem repercutirem no montante do Patrimônio Líquido, e das que o modificam. As primeiras são denominadas de " qualitativas", enquanto as segundas são chamadas de " quantitativas", ou " modificativas".

A Competência é o Princípio que estabelece quando um determinado componente deixa de integrar o patrimônio, para transformar-se em elemento modificador do Patrimônio Líquido. Da confrontação entre o valor final dos aumentos do Patrimônio Líquido - usualmente denominadas "receitas" - e das suas diminuições - normalmente chamadas de "despesas" -, emerge o conceito de "resultado do período": positivo, se as receitas forem maiores do que as despesas; ou negativo, quando ocorrer o contrário.

Observa-se que o Princípio da Competência não está relacionado com recebimentos ou pagamentos, mas com o reconhecimento das receitas geradas e das despesas incorridas no período.

    1. - Alguns comentários sobre as despesas
As despesas, na maioria das vezes, representam consumpção de ativos, que tanto podem ter sido pagos em períodos passados, no próprio período, ou ainda virem a ser pagos no futuro.

A aplicação correta da competência exige mesmo que se provisionem, com base em fundamentação estatística, certas despesas por ocorrer, mas indiscutivelmente ligadas à venda em análise.

    1. Alguns detalhes sobre as receitas e seu reconhecimento
A receita é considerada realizada no momento que há a venda de bens e direitos da Entidade - entendida a palavra "bem" em sentido amplo, incluindo toda sorte de mercadorias, produtos, serviços, inclusive equipamentos e imóveis - , com a transferência da sua propriedade para terceiros, efetuando estes o pagamento em dinheiro ou assumindo compromisso firme de fazê-lo num prazo qualquer.

2.7- O Princípio da Prudência

(...)

2.7. 1 - Aspectos Fundamentais

A aplicação do Princípio da Prudência - de forma a obter-se o menor Patrimônio Líquido, dentre aqueles possíveis diante de procedimentos alternativos de avaliação - está restrita às variações patrimoniais posteriores às transações originais com o mundo exterior, uma vez que estas deverão decorrer de consenso com os agentes econômicos externos ou da imposição destes. Esta é a razão pela qual a aplicação do Princípio da Prudência ocorrerá concomitantemente com a do Princípio da Competência, conforme assinalada no § 2º, quando resultará, sempre, variação patrimonial quantitativa negativa, isto é, redutora do Patrimônio Líquido.

A Prudência deve ser observada quando, existindo um ativo ou um passivo já escriturados por determinados valores, segundo os Princípios do Registro pelo Valor Original e da Atualização Monetária surge dúvida sobre a ainda correção deles. Havendo formas alternativas de se calcularem os novos valores, deve-se optar sempre pelo que for menor do que o inicial, no caso de ativos, e maior, no caso de componentes patrimoniais integrantes do passivo. Naturalmente, é necessário que as alternativas mencionadas configurem, pelo menos à primeira vista, hipóteses igualmente razoáveis. A provisão para créditos de liquidação duvidosa constitui exemplo da aplicação do Princípio da Prudência, pois sua constituição determina o ajuste, para menos, de valor decorrente de transações com o mundo exterior, das duplicatas ou de contas a receber. A escolha não está no reconhecimento ou não da provisão, indispensável sempre que houver risco de não-recebimento de alguma parcela, mas, sim, no cálculo do seu montante.

No reconhecimento de exigibilidades, o Princípio da Prudência envolve sempre o elemento incerteza em algum grau, pois havendo certeza, cabe simplesmente, o reconhecimento delas, segundo o Princípio da Oportunidade.

A aplicação do Princípio da Prudência não deve levar a excessos, a situações classificáveis como manipulações do resultado, com a consequente criação de reservas ocultas. Pelo contrário, deve constituir garantia de inexistência de valores artificiais, de interesse de determinadas pessoas, especialmente admistradores e controladores, aspecto muito importante nas Entidades integrantes do mercado de capitais, impedindo-se a prevalência de juízos puramente pessoais ou de outros interesses."

Não é demais ressaltar que os princípios da realização da receita e do confronto das despesas com as receitas e com os períodos contábeis receberam tratamento particularizado nos § 1º e § 2º do art 187, inserido na Seção V - Demonstração do Resultado do Exercício / Capítulo XV - Exercício Social e Demonstrações Financeiras - da Lei 6.404/76, adquirindo, portanto, caráter de juridicidade. " Art. 187. A demonstração do resultado do exercício discriminará:

§ 1º Na determinação do resultado do exercício serão computados:

as receitas e os rendimentos ganhos no período, independentemente da sua realização em moeda;

b) os custos, despesas, encargos e perdas, pagos ou incorridos, correspondentes a essas receitas e rendimentos.

 

2.2.- Da Tributação de Lucro Fictício

O legislador ordinário, na medida em que estabelece sérias restrições à dedução das provisões na composição do lucro líquido do exercício, cria artificialmente, sem nenhum embasamento legal e desprovido de qualquer alicerce científico, renda fictícia, distorcendo o conceito de lucro estabelecido na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, entendido como acréscimo patrimonial obtido em determinado período, de modo a desnaturar a essência do aspecto material embutido na " hipótese de incidência" dos tributos ora enfocados.

Este repúdio do legislador ordinário ao conceito de lucro determinado pelo direito privado conflita ainda com as disposições do art. 109 e 110 do CTN, vez que, por intermédio de uma presunção jurídica, passa a considerar como renda aquilo que na verdade representa um decréscimo patrimonial suportado pelo entidade sujeita à tributação do IR e CSSL.

Estas normas estão assim redigidas:

" Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

Art.110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

Finalmente, os equívocos em que incidiram o art. 13, I da Lei 9.249/95 e o art. 14 da Lei 9.430/96 violaram os princípios constitucionais da supremacia da Constituição, do "substantive due process of law" e da capacidade contributiva, adiante examinados, pois concederam ao Poder Público a faculdade de utilizar arbitrariamente uma ficção baseada em presunção " ex legi" que traz como consequência nefasta a dilapidação do patrimônio do contribuinte pessoa jurídica, de modo a afrontar as normas jurídicas e contábeis que regem a matéria.

Discorrendo brilhantemente sobre a questão, em monografia denominada " Limites à Modificação do Lucro Líquido para Fins Tributários", publicada pela editora Dialética na obra " Grandes Questões Atuais do Direito Tributário", Rutnéa Navarro Guerreiro adverte os estudiosos do direito tributário e os profissionais que atuam na área para os vícios que ainda permeiam a ação fiscal do Poder Tributante, adquiridos durante o período autoritário e dos quais nossos legisladores e governantes ainda não se libertaram totalmente, apesar das inovações e avanços democráticos contidos na atual Carta Magna.

A insigne jurista observa com sua habitual perspicácia que, a pretexto de aumentar a arrecadação tributária, a atividade estatal legislativa modifica inconstitucionalmente o conceito de lucro líquido ao restringir a dedutibilidade de despesas operacionais incontestáveis ordenando a tributação de lucro fictício. Transcrevemos a seguir as lições da mestre

"2.2.1. O LUCRO LÍQUIDO COMO BASE DE CÁLCULO DE TRIBUTOS"

Dentre outras formas possíveis de apuração de acréscimo patrimonial, quis o legislador ordinário que as bases de cálculo do Imposto de Renda devido pelas pessoas jurídicas - IR-PJ ( lucro real) e, posteriormente, da Contribuição Social sobre o Lucro - CSL fossem apuradas a partir do lucro líquido, e que este fosse determinado com observância dos preceitos da lei comercial, independentemente do tipo societário sob o qual esteja constituída a pessoa jurídica contribuinte desses tributos.

Essa regra está clara e expressamente enunciada no Decreto-lei nº 1.598/77, servindo de matriz legal ao artigo 197 do vigente Regulamento do Imposto de renda ( RIR/94), aprovado pelo Decreto nº 1.041, de 11.01.94, que no seu artigo 220 a confirma nos seguintes termos:

" Art. 220. Ao fim de cada período-base de incidência do imposto, o contribuinte deverá apurar o lucro líquido do exercício mediante a elaboração, com observância das disposições da lei comercial, do balanço patrimonial e da demonstração de lucros ou prejuízos acumulados ( Decreto-lei nº 1.598/77, artigo 7º, § 4º, e Lei 7.450/85, artigo 18).

§ 1º O lucro líquido do período-base deverá ser apurado com observância das disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1.976 ( Decreto-lei nº 1.598/77, artigo 67, XI, e Lei nº 7.450/85, artigo 18)."

(...)

A opção pelos preceitos da lei comercial, para formar a estrutura básica do lucro real, tem consequências teóricas e práticas relevantes. Significa, inicialmente, o reconhecimento dos princípios fundamentais de contabilidade, do regime de competência para registrar as mutações patrimoniais, e dos critérios de avaliação dos elementos patrimoniais previstos pelos artigos 177 e seguintes da Lei nº 6.404/76, que é a lei comercial que contém preceitos para apuração do lucro líquido.

Para efeito de arrecadação dos tributos incidentes sobre o resultado da pessoa jurídica ( IR-PJ e CSL), o balanço e demais demonstrações devem ser elaborados de forma a determinar o lucro líquido com observância das disposições da Lei nº 6.404/76, a partir do qual será determinado o lucro tributável, dimensionando assim o aspecto material das hipóteses de incidência, que são as bases de cálculo desses tributos.

Como é sobeja e inquestionavelmente conhecido, os fatos geradores do IR-PJ e da CSL, por serem tributos que incidem sobre o resultado empresarial, só podem ter como base de cálculo um acréscimo patrimonial disponível.

No que respeita ao IR-PJ , a Constituição Federal de 1.988, ao repartir as competências tributárias, define, em seu artigo 153, inciso III, que compete privativamente à União cobrar imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza . Por seu turno, o CTN, que é lei complementar tributária, em seu artigo 43, com base na competência haurida no artigo 146, III, " a" da Constituição Federal, prevê que o fato gerador do Imposto de renda é aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda - assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos - e de proventos de qualquer natureza - assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito anterior.

Da simples leitura dos dispositivos acima citados, é forçoso concluir que a Constituição e a Lei Complementar impõem, sem dúvida, uma expressa limitação ao legislador ordinário: o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza há de ser cobrado sobre acréscimo patrimonial e jamais sobre o próprio patrimônio. Tal limitação é igualmente acatada pelo Supremo Tribunal Federal - STF, conforme manifestação do Ministro Carlos Mário Velloso no julgamento do Recurso Extraordinário nº 117.887-6/SP, como mencionado em nosso artigo antes referido, assim como á ceita, em uníssono, pela doutrina pátria ( vide Hugo de Brito Machado, in " Temas de Direito Tributário", II, RT, 1994, p. 198).

Por outro lado, o constituinte originário conferiu competência tributária à União para instituir contribuição social tendo como fato gerador o lucro dos empregadores, conforme artigo 149 combinado com o artigo 195, I, da Constituição Federal. Tal Contribuição Social sobre o Lucro ( CSL) foi criada pela Lei 7.689/88, que considerou com base de cálculo o valor do resultado do exercício antes da provisão para o Imposto de Renda, ajustado por adições e exclusões ( artigo 2º).

Cumpre observar, desde logo, que as adições e exclusões estabelecidas pela lei ordinária que disciplina a CSL não podem levar à tributação, tal como no IR-PJ, de resultado econômico que não signifique acréscimo patrimonial, sob pena de se admitir uma completa alteração, pela lei infraconstitucional, de um conceito cujo núcleo intangível encontra-se constitucionalmente definido.

Lucro é sempre acréscimo patrimonial. É impossível conceber o contrário. O conceito de lucro é marcado pela idéia de fruto, de resultado econômico positivo. É, como afirma de De Plácido e Silva ( in " Vocabulário Jurídico" , Forense, III, p. 967), " toda vantagem ou utilidade que se possa tirar de uma coisa, ou de um negócio; (...) significa a diferença entre o capital empregado e aquilo que ele produziu, dentro de certo tempo."

Assim, segundo a disciplina constitucional, somente podem representar fatos geradores do IR-PJ e da CSL os resultados econômicos positivos que efetivamente representem acréscimo patrimonial disponível.

O lucro líquido é a mais comumente aceita evidência de acréscimo patrimonial auferido por empresas, como decorrência da aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza, que constitua acréscimo patrimonial disponível.

Não é, pois, sem motivo justificável que o legislador tributário, para definir o lucro real - base de cálculo do IR-PJ - toma como ponto de partida o lucro líquido apurado na forma da lei comercial e sobre ele determina quais as adições, exclusões ou compensações que deverão ser feitas para determinar a base de cálculo do tributo. A mesma sistemática se verifica na determinação da base de cálculo da CSL.

Paulo de Barros Carvalho ( in " Curso de Direito Tributário", Saraiva, 4ª ed., pp 226-227), de forma magistral, expõe a importância da base de cálculo para o perfeito delineamento normativo do aspecto material da hipótese de incidência ou da regra matriz tributária ( como prefere o autor), verbis:

" Temos para nós que a base de cálculo é a grandeza instituída na consequência da regra- matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária. Paralelamente, tem virtude de confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo. A versatibilidade categorail desse instrumento jurídico se apresenta em três funções distintas: a) medir as proporções reais do fato; b) compor a específica determinação da dívida; e c) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição contida no antecedente da norma."

A questão crucial, portanto, reside em definir como deve ser apurado esse acréscimo patrimonial para fins de determinação das bases de cálculo do IR-PJ e da CSL. Para tanto, parece-nos elementar que devemos partir da definição de patrimônio, na medida em que uma empresa, considerada objetivamente, nada mais é do que um patrimônio afeto ao desempenho de atividades econômicas.

Por patrimônio entende-se o " conjunto de bens, direito e obrigações, apreciáveis economicamente, isto é, em dinheiro, pertencentes a uma pessoa, natural ou jurídica, e constituindo uma universalidade." ( De Placido e Silva, ob. Cit., p.1131).

Logo, traços marcantes da definção de patrimônio são a universalidade e a totalidade diante dos quais deve ser concebido

Acréscimo patrimonial corresponde sempre ao crescimento do patrimônio, apurado em um determinado lapso de tempo. E, como disse André Martins de Andrade ( " A Ilegitimidade das Limitações à Compensação de Prejuízos Fiscais" , in " Imposto de Renda - Alterações Fundamentais", Dialética, 1.996, p. 32):

" Acréscimo patrimonial significa um incremento de patrimônio. Esta é uma realidade que a ninguém é dado negar e que é inalterável pelo legislador, sob pena de um dia admitir-se que a lei possa modificar a natureza das coisas."

Por último, a par das limitações de índole constitucional, é necessário observar que os artigos 109 e 110 do CTN impedem o legislador tributário de desnaturar o conceito de lucro real como construído no Direito Privado. O próprio STF, analisando o conteúdo normativo do artigo 110 do CTN, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 94.580-RS, em voto da lavra do Ministro Moreira Alves assim resumiu a questão:

" Essa norma proíbe a lei tributária ordinária de, na configuração do fato gerador de tributo por ela instituído, apartar-se da definoção, do conteúdo e do alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado de que se tenha utilizado a Constituição Federal para definir ou limitar competência tributária." ( RTJ nº 117, p. 657).

2.2.2 As Deformações do Lucro Líquido

A interferência das normas tributárias no âmbito da escrituração mercantil ocorre, quase sempre, por iniciativa do legislador tributário. Muitas vezes, contudo, é mera manifestação de entendimento da administração fiscal, por intermédio de portarias, instruções e pareceres normativos.

Exemplificando, e como o ponto mais evidente das distorções possíveis, temos a questão da dedutibilidade de uma despesa ou um encargo, que está condicionada apenas ao atendimento de ser necessária e usual aos negócios empresariais, conforme artigo 242 do RIR/94, verbis:

Art. 242. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora ( Lei 4.506/65, art. 47).

§ 1º. São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa.

§ 2º. As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa ( Lei nº 4.506/64, art. 47, § 2º)." ( grifamos)

Ignorando as condições acima, e em decorrência da prerrogativa que se atribui, o legislador ordinário, em atenção a exigências da administração tributária, ao legislar sobre o lucro líquido, acaba estabelecendo profundas distorções neste resultado. ( grifamos)

(....)

2.2.3 Os Princípios Constitucionais Infringidos

Parece-nos não haver dúvida de que dispositivos legais desse talante, ao afrontar o conceito de renda e de lucro como acréscimo patrimonial disponível ( grifamos) ( arts. 153, II, e 195, I da CF; arts. 43 a 45, 109 e 110 do CTN), atentam flagrantemente contra:

1. o princípio da supremacia da Constituição ( art. 1º, CF);

2. o princípio da capacidade contributiva ( art. 145, § 1º, CF);

3. o princípio do substantive due process of law ( art. 5º, LIV, CF).

2.2.3.1 O princípio da supremacia da Constituição

A supremacia das disposições constitucionais é decorrência inelutável do Estado Democrático de Direito ( art. 1º, CF) segundo o qual devem ser expungidos do ordenamento jurídico todo e qualquer ato normativo que não guarde estreita consonância ( congruência material) com as regras e princípios constitucionalmente estabelecidos.

Em matéria tributária, a Constituição Federal tratou de estabelecer minuciosamente os princípios e regras constitucionais que devem nortear - limitando - o exercício do poder de tributar.

As limitações constitucionais ao poder de tributar objetivam, em última análise, proteger o patrimônio dos contribuintes contra as investidas do Estado munido de potestade tributária. Daí a forma meticulosa pela qual são expressos os princípios e regras relativas ao exercício da competência tributária estatal.

Em um Estado Democrático de Direito, o Estado deve ser servo e fiel cumpridor do conteúdo normativo estabelecido na Constituição. Cabe precipuamente ao Estado zelar pela garantia e eficácia do princípio das disposições constitucionais.

Nesse contexto, a incompatibilidade de uma norma jurídica com a Constituição Federal somente pode ser interpretada como uma anomalia, uma patologia, para a qual a própria Constituição prevê o remédio ao organizar estruturalmente o aparelho estatal em três distintos poderes, cabendo a cada qual uma função específica de modo que reste assegurada a liberdade do cidadão.

Hans Kelsen, atento ao problema causado por essa anomalia, julga tão grave a existência de lei inconstitucional que expressamente prevê a responsabilidade dos responsáveis por este fato: " se o governo edita decretos destes sob outras condições que não as determinadas pela Constituição podem ser por isso responsabilizados e punidos os membros do governo que editam o decreto." ( ob. Cit., p.291).

Com efeito, o Poder Judiciário - e o controle de constitucionalidade das leis por este exercido - é o remédio que a ordem constitucional prevê contra a possibilidade de ingerências inconstitucionais pelo poder constituinte originário, assegurando o princípio da supremacia da força normativa da Constituição.

Konrad Hesse chama a atenção para a importância da manutenção e do fortalecimento da força normativa da Constituição: " A resposta à indagação sobre se o futuro do nosso estado é uma questão de poder ou um problema jurídico, depende da preservação e do fortalecimento da força normativa da Constituição, bem como de seu pressuposto fundamental, a vontade da Constituição. Esta tarefa foi confiada a todos nós." ( A Força Noirmativa da Constituição, trad. Gilmar Ferreira Mandes, Sérgio Fabris Editor, Porto Alegre, 1991, p.32).

Entre nós, José Afonso da Silva afirma que " o Estado Democrático de Direito se funda na legitimidade de uma Constituição rígida, emanada da vontade popular, que, dotada de supremacia, vincule todos os poderes e os atos deles provenientes , com as garantias de atuação livre de regras da jurisdição constitucional" ( Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., Malheiros, p. 110).

Assim sendo, quando o Estado impõe exigências relativas ao IR-PJ e à CSL em flagrante desrespeito ao perfil constitucional desses tributos, que só podem ser cobrados sobre acréscimo patrimonial disponível, está impondo exigências que colidem frontalmente com o princípio da supremacia da força normativa das disposições constitucionais, decorrência inelutável do Estado Democrático de Direito ( art. 1º da CF). E está lesando violentamente a Constituição.

Há várias formas de violação aos princípios constitucionais. Todavia é a edição de normas contrárias à Constituição a mais potencialmente lesiva das agressões constitucionais, como reconhece Edmar Oliveira Andrade Filho ( " Controle de Constitucionalidade de Leis e Atos Normativos", 1ª edição, Dialética, p. 17), verbis:

" Quando o legislador age " ultra vires" , isto é, indo além do sua competência marcada na Constituição, viola com muito mais vigor o princípio da supremacia da Constituição, um dos pressupostos do Estado de Direito." ( grifamos)

Fica cristalinamente evidenciado que o princípio da supremacia da Constituição impõe ao legislador ordinário limites impeditivos da deformação do perfil constitucional de tributos. Isso, em se tratando de IR-PJ e CSL, significa a impossibilidade de exigir tais tributos sobre qualquer valor que não corresponda a acréscimo patrimonial disponível para o contribuinte.

2.2.3.2 O princípio capacidade contributiva

Ao impedir a dedutibilidade das despesas necessárias na determinação das bases de cálculo de tributos incidentes sobre o lucro e renda, o legislador tributário acaba por tributar lucro e renda fictícios, inexistentes, desrespeitando frontalmente o princípio da capacidade contributiva estabelecido constitucionalmente,

O acréscimo patrimonial objeto da tributação, em obediência ao princípio da capacidade contributiva, não pode ser distorcido pela desconsideração de despesas que não representam qualquer liberalidade, nem decorrem da prática de ato ilícito, sob pena de tributar-se manifestação de riqueza aparente, nominal, fictícia, sem qualquer conteúdo ou substância econômica, ou seja: sem correspondência com a realidade fática.

Hugo de Brito Machado, analisando a utilização das presunções e ficções no Direito tributário, assim resume a questão:

" Aliás, admitir-se o emprego ilimitado de presunções absolutas e ficções legais seria permitir ao legislador a desobediência pura e simples da Constituição. Com absoluta propriedade, disse o Ministro Luiz Galloti, em seu voto ( vencido) proferido no RE nº 71.758, que " se a lei pudesse chamar de compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição."

É inadmissível, portanto, o emprego de ficções legais, ou de presunções legais absolutas, para modificar conceitos utilizados, em norma de posição hierárquica superior."

( Caderno de Pesquisas Tributárias, vol, 9, pp. 262-263).

Cumpre neste passo, lembrar as sempre sábias lições do saudoso Gilberto de Ulhôa Canto ( in " Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 9, p.5), verbis:

" Na ficção, para efeitos pragmáticos a norma atribui a determinado fato, coisa, pessoa ou situação, características ou natureza que no mundo real não existem nem podem existir. Na presunção, a regra é estabelecida dentro dos limites da realidade possível, inferida de fatos semelhantes já ocorridos e, que, portanto, são não só possíveis como até prováveis." ( grifos nossos).

Na realidade, ao determinar que despesas inquestionáveis devam ser tributadas pelo IR-PJ e pela CSL, o legislador tributário estabelece a tributação sobre acréscimo patrimonial fictício, uma vez que as bases de cálculo assim apuradas não exprimem o efetivo acréscimo patrimonial disponível, apto a dar nascimento às obrigações tributárias relativas a esses tributos. Consequentemente, age em afronta à Constituição.

2.2.3.3 O princípio do devido processo legal

Por seu turno, o princípio do devido processo legal, também é ignorado quando o legislador ordinário ultrapassa os limites constitucionais.

Esse princípio se funda na exigência de que o estado, no exercício do seu poder - especialmente o legislativo -, além de obedecer a ritos procedimentais, o exerça de forma racional, razoável e proporcional aos fins que busca alcançar, de modo a maximizar o exercício dos direitos indiviuduais. Se assim é, este princípio constitucional tem sido sistematicamente descumprido por nosso legislador tributário.

Como já dissemos, essa exigência de razoabilidade e proporcionabilidade do exercício do poder estatal atinge o Estado principalmente no exercício da sua função legislativa, representando importante indicador da constitucionalidade dos atos legislativos.

Helenilson Cunha Pontes ( " A dedutibilidade das despesas tributárias e o Substantive Due Process of Law in Revista Dialética de Direito Tributário 24:56 e 57), ensina:

 

" Assim, é sabido que o due processo of Law; atualmente, mais do que uma garantia processual, contém em si também uma dimensão material representada pelo direito dos indivíduos de não serem privados de sua liberdade ou de seus bens sem motivos razoáveis e proporcionais aos fins buscados pela atuação estatal.

Na realidade a garantia do substantive due process of Law representa um limite ontológico, imanente ao próprio poder estatal, na medida em que garante os indivíduos também contra o arbítrio do Estado no exercício da função normativa, seja legislativa, seja regulamentar.

Logo, o poder estatal, em um Estado Democrático de Direito, nasce limitado sob um duplo aspecto: um, por assim dizer, formal, representado pela garantia da representação popular na formulação da lei, exigência preenchida pela edição de lei formal; e um de indisfarçavel caráter material, consubstanciado na razoabilidade, racionalidade e proporcionalidade. O princípio da legalidade, assim, é reforçado pelo princípio do " substantive due process of Law."

(...)

Em outras palavras, o estado de Direito exige, por força do princípio "due process of Law" que os atos estatais ( atos normativos em especial) observem em si mesmos um mínimo de razoabilidade e proporcionalidade, consubstanciando, assim, verdadeiro princípio de vedação ao arbítrio.

O Estado pode - e deve - normatizar as mais diversas situações da realidade, mas para que tal normatização permaneça dentro do quadro traçado constitucionalmente, deve obedecer, além de todo o rol de limitações constitucionais específicas à matéria regulada, um princípio de caráter material, imanente ao próprio exercício do poder estatal, qual seja a razoabilidade ínsita ao princípio do substantive due process of Law.

Atráves deste princípio o que se exige é um mínimo de racionalidade, proporcionalidade, em uma palvar: de justa causa, para a atuação estatal notadamente aquela que disciplina direitos e liberdades individuais." ( grifos do original e nossos).

A jurisprudência pátria já expressamente aceitou essa concepção do princípio do substantive due process of Law, conforme manifestação do STF ( ADIN 1158-8-AM), em julgamento no qual foi relator o Ministro Celso de Mello, que afirmou:

" Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição - deve se entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável.

A essência do "substantive due process of law" reside na necessidade de proteger direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.

Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal." ( grifos do original e nossos).

A norma tributária não está apartada do substantive due process of Law. De fato, ainda segundo Helenilson Cunha Pontes ( trabalho citado), " o legislador tributário, além de submeter-se às expressões limitações constitucionais ao poder de tributar inseridas sistematicamente no Sistema Tributário Nacional, deve ainda respeito ao princípio do " substantive due process of Law, representado pela exigência de razoabilidade, racionalidade e proporcionalidade dos comandos normativos em matéria tributária.

Antonio Roberto Sampaio Dória ( in " Direito Constitucional Tributário e Due Process o Law", Forense, Rio de Janeiro, 1986, nota 59, pp. 151-152) ensina estar o legislador tributário obrigado a observar rigorosamente o substantive due process of Law, no que tange às discriminações que estabelece, sobretudo ao definir a base de cálculo dos tributos:

" O princípio da igualdade, aplicando-se a todos os elementos em que se desdobra a obrigação tributária, deve ser observado também na definição, pelo legislador, da base de cálculo do tributo, assim como na eventual determinação dos critérios ou métodos para sua mensuração financeira.

Ilustrando a hipótese, suponha-se que o legislador mandasse incluir, no valor de certas mercadorias, para efeito de incidência do IPI, importâncias relativas a fretes, embalagens, juros, etc., mas delas excluísse o valor tributável de outras categorias de produtos. A discriminação arbitrária e, por consequência, inconstitucional transpareceria vivamente desta distinção, salvo se razões substanciais permitissem a classificação pretendida."

3. Doutrina

Natanael Martins, em artigo denominado " Restrições à dedução de provisões e despesas ( a propósito do art. 13 da Lei 9.249/95)", publicado na obra Imposto de Renda - Alterações Fundamentais -, editora Dialética, acolhe o entendimento ora esposado, esclarecendo que

2. O Conceito de Renda como Base de Incidência do IRPJ

A questão da correta determinação do lucro como base de incidência do imposto de renda impõe, obviamente, em sua determinação, a consideração de todas as despesas que contribuíram para a sua formação, longe de ser meramente acadêmica ou fato afeto à ciência contábil ou econômica, é assunto perfeitamente afeto à ciência do direito, pois se a base de cálculo do imposto sobre a renda, como o próprio nome sugere, são a renda e proventos de qualquer natureza auferidos pelo contribuinte ( CF, art. 153, III e CTN, arts. 43 e 45), evidentemente o intérprete e aplicador do direito deve debruçar-se sobre esse fato eleito como tributável e buscar-lhe o exato conteúdo, já que somente se pode gravar, a título desse tributo, o que efetivamente representar acréscimo patrimonial ( lucro ou renda).

Isso porque, não há dúvida alguma de que, sem acréscimo patrimonial, não há renda ou lucro. Rubens Gomes de Souza, que ao lado de Gilberto de Ulhôa Canto, foi um dos autores do Código Tributário Nacional, não deixa dúvida a propósito da certeza desse pressuposto, dando inclusive a visão histórica do assunto;

" 20 - Assim, a comissão de 1964 julgou mais adequado, à função prática de definir o fato gerador do imposto, dar ênfase ao requisito da aquisição da disponibilidade. Mas nem por isso, repito, o requisito de tratar-se de riqueza nova foi repudiado; pelo contrário, não só ele está implícito no conceito de disponibilidade, como já disse, mas também expresso no art. 43, nº I, onde se diz que a renda é um Produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, e no art. 43, nº II, onde se diz que os proventos de qualquer natureza são os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. A propósito, vale sublinhar que essa redação do inciso II implica que também a renda, de que trata o inciso I, é um acréscimo patrimonial, como já está dito pela palavra produto constante desse inciso.

Pela análise da definição do CTN à luz dos meus trabalhos anteriores que, como disse, a inspiraram, vê-se que a parte essencial do conceito de rendimento é a que foi acrescentada ao que já constava da legislação anterior; ou seja, o requisito de tratar-se da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de um elemento de riqueza que venha aumentar o patrimônio produtor" ( Rubens Gomes de Sousa, " Pareceres - I, Imposto de Renda", IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e Editora Resenha Tributária, São Paulo, 1ª edição, 1975, pp. 70 e 117).

Gilberto de Ulhôa Canto, mais recentemente, em parecer inédito, na mesma linha de pensamento de Rubens Gomes de Souza, de forma didática, assim abordou a questão:

" 3.19 - Portanto, para que possa ocorrer o fato gerador do IR no sistema tributário nacional é absolutamente necessário que se verifique aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de acréscimo de patrimônio pelo contribuinte, e isso se verifica, no caso de pessoas jurídicas, ou ( i) pela aquisição de valores isoladamente considerados como riqueza de per si sós - casos em que mesmo pessoas jurídicas são tributadas pelo sistema de retenção na fonte pagadora, ou (ii) pela indicação, em conta de resultado, de valor positivo ( excedência de valores ativos sobre valores passivos) levantada ao cabo do período-base de determinação".

O eminente Ministro Cunha Peixoto, no RE nº 89.791-7, ao analisar o conceito de renda e proventos de qualquer natureza, deixa claro o pensamento da Suprema Corte a propósito da matéria, dispensando comentários:

" Na verdade, por mais variado que seja o conceito de renda, todos os economistas, financistas e juristas se unem em um ponto: renda é sempre um ganho ou acréscimo de patrimônio."

Assim apurar corretamente o resultado de cada período-base das pessoas jurídicas necessário, inclusive, para a correta mensuração do patrimônio empresarial, é questão fundamental, seja perante o Direito Tributário seja perante o Direito Societário, para se evitar a dilapidação do patrimônio empresarial, o que fatalmente ocorreria, pois a título de tributo incidente sobre a renda ( lucro) , estar-se-ia entregando parcelas do patrimônio. E, dado que o que se tributa é o acréscimo patrimonial, não pode a lei, a nenhum pretexto, direta ou indiretamente, sob pena de descaracterizar a hipótese de incidência do imposto de renda constitucionalmente prevista, aumentar o resultado do que seria o montante efetivamente tributável ( lucro ou renda), criando base de cálculo diversa da versada na Constituição e no CTN.

A propósito da relação de pertinência que a base de cálculo deve guardar em relação ao fato gerador e a consequência dessa não observância, adverte Amílcar Araújo Falcão em sua insuperável abordagem sobre o " Fato Gerador da Obrigação Tributária":

" Também o fato gerador é decisivo para a definição da base de cálculo do tributo, ou seja, daquela grandeza econômica ou numérica sobre a qual se aplica a alíquota para obter o quantum a pagar.

Essa base de cálculo tem de ser uma circunstância inerente ao fato gerador, de modo a afigurar-se como sua verdadeira e autêntica expressão econômica.

É certo que nem sempre há absoluta identidade entre uma e outra. Dizem os escritores que tal simultaneidade ou identidade perfeita entre fato gerador e base de cálculo só é encontrada nos impostos sobre a renda e sobre o patrimônio.

Não obstante, é indispensável configurar-se uma relação de pertinência ou inerência da base de cálculo ao fato gerador: tal inerência ou pertinência afere-se, como é óbvio, por este último.

De outro modo, a inadequação da base de cálculo pode representar uma distorção do fato gerador e , assim, desnaturar o tributo." ( Forense, 5ª Edição, pp. 78/79).

3. A determinação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas ( IRPJ)

3.1 Base de cálculo

Nos termos do Código Tributário Nacional:

" Art. 44 - A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido da renda ou dos proventos."

Ao caso em espécie, a regra de tributação é a baseada no lucro real.

Porém, como bem observa Mitsuo Narahashi em excelente estudo sobre a matéria ora em debate, publicado na Revista de Imposto de Renda - CEFIR, nº 310, de maio de 1.993, às páginas 25 a 33:

" Não se pode atribuir a real qualquer outro significado que não seja aquele registrado nos léxicos, isto é, aquele que é efetivo, verdadeiro, de fato, sob pena de distorcer o imposto que deve recair tão-somente sobre a renda e proventos de qualquer natureza.

Então, segundo as disposições da Lei 6404/76, o lucro real é aquele apurado de acordo com a demonstração do resultado, e que a lei comercial denomina lucro líquido. Esse lucro é o lucro real, efetivo, de fato, posto que possa não ser perfeitamente exato, em face das dificuldades para o seu levantamento, criadas principalmente pelo regime inflacionário em que vive o país. Apelidar de real qualquer outro tipo de lucro, por meio da legislação fiscal, é uma afronta ao CTN e à Constituição.

(...)

Em seguida, mostrando os limites do legislador ordinário, arremata Mitsuo Narahashi:

" Por outro lado, não pode o legislador restringir despesas e custos necessários à obtenção do rendimento ( receita), nem das pessoas físicas nem das pessoas jurídicas. Eventualmente pode impugnar despesas que não se relacionem com a obtenção da receita.

3.2 O Regime de Competência como Critério de Determinação do Lucro Real.

O CTN, art. 43, admite que tanto a disponibilidade econômica como a jurídica possam servir de base de cálculo do imposto de renda, ficando a cargo do legislador ordinário a escolha do critério.

Não obstante a divergência de opiniões existentes na doutrina, quanto à distinção entre disponibilidade econômica e jurídica, havendo até os que prefiram aboli-las, argumentando que se confundem, é certo que o legislador, para determinação do " quantum" tributável, pode escolher o regime de caixa ou de competência.

Segundo José Luiz Bulhões Pedreira, reconhecidamente a maior autoridade em matéria de imposto de renda e co-autor da Lei das Sociedades por Ações ( 6.404/76):

" No regime de caixa, as receitas e os custos são reconhecidos nas contas de resultado quando - respectivamente - recebidas e pagos em dinheiro. Esse regime é o mais antigo e tradicional, e oferece como vantagens a simplicidade da escrituração que o adota e a segurança de posição mais conservadora, que somente reconhece a existência de lucro que já está efetivamente à disposição da sociedade empresária, em condições de ser por ela utilizado nas suas atividades. Pode conduzir, entretanto, a distribuição irregular do lucro entre os períodos anuais de determinação, pois é função apenas dos recebimentos e pagamentos em moeda - sem levar em conta a época em que ocorreram os demais atos do processo de formação e realização do lucro ( grifo nosso. ) Além disso, nesse regime não há necessariamente emparelhamento entre a receitas e os custos incorridos para ganhá-las." ( Finanças e Demonstrações Financeiras da Companhia. Ed. Forense, 1.989, p. 485).

(...)

Já em relação às pessoas jurídicas, a aplicação do regime de caixa, senão critério impossível de se implementar, certamente traria dificuldades enormes se se levar em conta as constantes mutações que o patrimônio empresarial sofre a cada instante.

Daí porque o legislador ordinário, dentro do espírito e da faculdade que o CTN lhe outorgou, a teor do que dispõe o art. 6º, § 1º, do Decreto-lei 1.598/77, c.c. art. 177 e 186, § 1º da Lei das S.As., escolheu o regime de competência como critério de determinação da base de cálculo do imposto de renda, até por ser o critério que se impõe na apuração do lucro do ponto de vista societário e contábil.

Ainda segundo Bulhões Pedreira,

" O objetivo do regime do competência é distribuir o resultado da sociedade empresária entre os exercícios sociais, segundo critério que atribua a cada período o resultado que lhe compete, ou cabe, em termos de lucro ganho no período ou prejuízo originário de fato nele ocorrido." ( ob. cit., p. 487).

Do regime de competência emergem dois princípios, prescritos no parag. 1 do art. 187 da Lei das Sociedades por Ações, de obrigatória observância, " verbis":

" 1- Na determinação do resultado do exercício serão computados:

    1. as receitas e os rendimentos ganhos no período, independentemente de sua realização em moeda; e
b) os custos, despesas, encargos e perdas, pagos ou incorridos, correspondentes a essas receitas e rendimentos."

O primeiro princípio é o da escolha do ganho, ao invés de recebimento de moeda, como momento em que o lucro deve ser reconhecido nas contas de resultado. O segundo, denominado " emparelhamento de receitas e custos", prescreve que os custos ( das saídas) devem ser computados no mesmo período de determinação em que é reconhecido o rendimento ou a receita a que correspondem ( Bulhões Pedreira, ob. cit. P. 489).

Demais disso, determina ainda a Lei das S.As. como critérios de avalição do passivo da sociedade empresária, cujos preceitos na apuração do lucro real são de obrigatória observância, " ex vi", do disposto no parag. 1 do art 6 do Decreto-lei 1.598/77, o seguinte:

" Art. 184 - No balanço, os elementos do passivo serão avaliados de acordo com os seguintes critérios:

I - as obrigações, encargos e riscos, conhecidos ou calculáveis, inclusive imposto de renda a pagar com base no resultado do exercício, serão computados pelo valor atualizado até a data do balanço;

    1. as obrigações em moeda estrangeira, com cláusula de paridade cambial, serão convertidas em moeda nacional à taxa de câmbio em vigor na data do balanço;
    1. as obrigações sujeitas a correção monetária serão atualizadas até a data do balanço."
Portanto, o regime de competência, critério legal de apuração dos resultados das sociedades anônimas e de todas as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, aliado, ainda, aos critérios de avaliação de passivos, impõe que às receitas ganhas se emparelhem os custos e despesas correspondentes e as provisões cabíveis, bem como determina a apropriação das despesas gerais ( gastos não relacionados diretamente com as receitas ganhas) à medida que pagas ou incorridas, tudo como decorrência lógica de um dos mais importantes princípios que norteia a contabilidade, de obrigatória observância na determinação do lucro líquido ( Lei das S.As., art. 177, c.c. art. 187, 1) e , consequentemente, do lucro real ( Decreto-lei 1.598/77, art. 6, parag. 1), denominado de princípio de confronto das despesas com as receitas e com os períodos contábeis, assim expresso perante a contabilidade:

" Toda a despesa diretamente delineável com as receitas reconhecidas em determinado período, com as mesmas deverá ser confrontada; os consumos ou sacrifícios de ativos ( atuais ou futuros), realizados em determinado período e que não puderam ser associados à receita do período nem às dos períodos futuros, deverão ser descarregados como despesa do período em que ocorrerem..." ( Normas e Práticas Contábeis no Brasil, FIPECAFI - Arthur Andersen, Editora Atlas, 1991, p. 59).

Lucro, portanto, ponto de partida para a determinação do lucro real, base de cálculo do imposto de renda, é a diferença entre receitas e os custos e despesas. A sua correta determinação pressupõe, necessariamente, que às receitas apropriadas sejam apostas os custos diretamente imputáveis, bem como as despesas gerais incorridas, pagas ou não.

Vale dizer, restringir, ainda que temporalmente, custos/despesas efetivos, à evidência, implica a desnaturação da base de cálculo do imposto de renda que, como já dito, somente pode incidir sobre acréscimos patrominiais efetivamente verificados e não sobre custos/despesas contabilizados como redutores das receitas auferidas, constituindo-se, pois, regras claramente inconstitucionais.

O legislador pode e deve, como assinalado por Mitsuo Narahashi ( ob. cit.). " impugnar despesas que não se relacionam com a obtenção de receita", mas não pode " tributar o que não é lucro, não é renda," em clara ofensa à Constituição e ao CTN.

A lei ordinária não pode, portanrto, de forma alguma, desnaturar os conceitos salvaguardados pelo legislador constituinte e complementar, valendo a pena anotar a advertência do Ministro Luiz Gallotti, proferido no RE n 71758/GB:

"... é certo que podemos interpretar a lei, de modo a arredar a inconstitucionalidade.Mas, interpretar interpretando e, não mudando-lhe o texto, e menos ainda, criando, um imposto novo, que a lei não criou.

Como sustentei muitas vezes, ainda no Rio, se a lei pudesse chamar de compra o que não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição.

Ainda há poucos dias, numa carta ao eminente Ministro Prado Kelly, a propósito de um discurso seu sobre Milton Campos, eu lembrava a frase de Napoleão:

" Tenho um amo implacável, que é a natureza das coisas." ( RTJ 66/165).

Conclusão

A interpretação e aplicação do disposto no art. 13 da Lei 9.249/95, como visto, sob pena de ofensa à Constituição e ao CTN, não pode ser feita à revelia das normas estruturais do imposto de renda.

Nesse contexto, o fato de o caput do artigo 13 ressalvar a aplicação do disposto no artigo 47 da Lei 4.506?64 ( que dispõe serem operacionais, logo dedutíveis na apuração do lucro real, as despesas necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora, entendidas como necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa e, como operacionais, as usuais ou normais no tipo de transaçoes, operações ou atividades da empresa), que em verdade descreve princípio ínsito na determinação da renda tributável, certamente não pode conduzir o legislador, muito menos o aplicador e intérprete do direito, a negar a dedutibilidade de despesas necessárias à produção ou comercialização, vale dizer, à obtenção da renda.

Assim sendo, de plano verifica-se ser no mínimo discutível o legislador, no inciso I do artigo 13, ter assegurado a dedutibilidade de apenas algumas provisôes, quando se sabe que para a adequada mensuração do lucro contábil outras provisões são ordinariamente exigíveis. Não obstante seja razoável atribuir-se ao legislador a tarefa de explicitar as provisões dedutíveis, dado que normas em branco dificultariam imensamente a atuação das autoridades de fiscalização, o certo é que nos parece impróprio negar a dedutibilidade de provisões notoriamente verificáveis e economicamente mensuráveis, especialmente as exigidas pela legislação societária na avaliação de ativos, que sempre tiveram a sua dedutibilidade assegurada.

 

O eminente Ives Gandra da Silva Martins, em monografia entitulada " A Lei nº 9.249/95 e a Provisão para Devedores Duvidosos", publicada pela Dialética na obra " Imposto de Renda - Alterações Fundamentais" , ao tratar especificamente das restrições impostas pela Lei 9.249/95 à constituição e dedução no Imposto de Renda e CSLL das Provisões para Créditos de Liquidação Duvidosa também se pronuncia neste sentido, assim lecionando O problema que se coloca está na definição do fato gerador do I. Renda.

A " aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica", a que faz menção o artigo 43, não ocorre na inexistência de disponibilidade, isto é, sempre que não tiver, o beneficiário da renda ou provento, disponibilidade que acresça a seu patrimônio, não terá gerado a obrigação de pagar o correspondente imposto.

Ora, na provisão para devedores duvidosos a própria expressão já define que se trata de uma " não disponibilidade". Em outras palavras, o legislador ordinário quando cuida das provisões para credores duvidosos, com elasticidade maior na lei anterior e menos na atual, cuida de recursos que deveriam compor a " disponibilidade econômica ou jurídica" do contribuinte, mas não a compõem, pois os que prometeram pagar, não pagaram.

À evidência, se a promessa de pagamento não ocorre, tornando " duvidosa" a palavra do devedor e " incerto" o pagamento, a própria " disponibilidade" futura goza da mesma incertitude, razão pela qual deixa de se conformar a hipótese de imposição de imposto sobre a renda, `a falta de " aquisição" e de " disponibilidade" econômica ou jurídica.

Nas próprias operações financeiras tendo por objeto o desconto de duplicatas, o emitente credor é obrigado a restituir à instituição financeira as importâncias relativas ao desconto de títulos não honrados, no respectivo vencimento - os chamados devedores duvidosos - de maneira que tais operações financeiras sequer podem ser trazidas à baila para efeitos de representarem a garantia de uma disponibilidade atual, decorrente da negociação do título, pois a substituição do título tira da " disponibilidade " futura tal característica pela " desfazimento" da garantia.

Em outras palavras, o não pagamento tempestivo do título correspondente à obrigação não gera nem " aquisição", nem " disponibilidade" , portanto, não pode gerar o imposto sobre renda inexistente.

Ora, a provisão para credores duvidosos, que é imposição da própria lei comercial ( a lei das S/As cuida pormenorizadamente da matéria) para efeitos de descaracterização dos lucros, não pode ser tributada por duas razões, resultando, a meu ver, seja no direito anterior, seja no atual, inconstitucionais as limitações propostas pela legislação ordinária.

O primeiro aspecto que denota esse vício diz respeito à necessidade de o direito tributário respeitar os institutos de direito privado, princípio exposto nos artigos 109 e 110 do CTN, assim redigidos:

"

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

À evidência, pode o legislador tributário dar efeitos peculiares aos institutos de direito privado, mas não alterar seus conceitos explícitos ou implícitos na Constituição. E não há instituto de direito privado que não esteja implícito ou explícito na Constituição Federal.

Tavares Paes lembra que o artigo 109 " é complementado pelo art. 110. Procura o art. 109 estabelecer os lindes entre o direito tributário e o privado e, como o afirma o Prof. Ruy Barbosa Nogueira, " teve dupla finalidade: afastou estes como meio supletivo da integração da lei fiscal e deixou esclarecido o aspecto das relações que o direito tributário mantém com o direito privado, ou seja, quando as categorias de direito privado estejam apenas referidas na lei tributária, o intérprete há de ingressar neste para bem compreendê-las, porque neste caso elas continuam sendo institutos, conceitros e formas de puro direito privado, porque não foram alteradas pelo direito tributário, mas incorporadas, e portanto, vinculantes deste" ( Curso, cit., p. 94) ( Comentários ao Código Tributário Nacional, 3 ed., ed. Saraiva, 1.986, pp. 121/122).

Ora, se a lei ordinária declara que o que não ingressa, que o que não acresce, o que não é disponibilidade, nem representa qualquer espécie de aquisição, não é lucro, nem é renda, não há como, a legislação específica - que, de resto sequer alicerce tem no CTN - , considerar por " ficção" renda, ingresso, disponibilidade, aquisição, acréscimo, fluxo, a " inadimplência". Em outras palavras, haveria uma mudança do conceito do direito privado do que seja " provisão para devedores duvidosos", transformando a legislação do imposto de renda em " induvidosa" o que nitidamente é " duvidoso", em " entrada" o que não é, em " disponibilidade" o que é " indisponível" e em " aquisição o que não se " adquire" .

O segundo aspecto a que me referi atrás, é, pois decorrencial. A " ficção" não é fato gerador do imposto sobre a renda. Não pode a legislação tributária criar hipóteses de incidência contra a Constituição e a lei complementar. Não há imposição sobre operações inexistentes ou sobre base econômica nenhuma.

Já o IX Simpósio Nacional de Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária, com a participação de mais de 200 especialistas de todo o Brasil integrantes dos quadros da magistratura, das Fazendas Públicas federal, Estaduais e Municipais, do Ministério Público, advogados, professores de direito tributário, decidiu que:

" Na ficção, a lei atribui a determinado fato, coisa pessoa ou situação caracteristica ou natureza que, no mundo real, não existem nem podem existir.

Os lançamentos de tributos com base em presunções " hominis" ou indícios ( ressalvados os indícios veementes quando proporcionam certeza quanto aos fatos), sempre que ocorrer incerteza quantos aos fatos, não se compatibilizam com os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. As presunções legais relativas podem ser adotadas pelo legislador desde que sejam estabelecidas no âmbito da competência tributária respectiva.

Por ficção não se pode considerar ocorrido o aspecto material do fato imponível, pois ou se estará exigindo tributo sem fato gerador ou haverá instituição de tributo fora da competência outorgada pela Constituição. O mesmo se aplica à instituição da presunção absoluta pois, de sua aplicação, poderá resultar exigência de tributo sem fato gerador ( unânime)."

Se se admitisse que a lei ordinária pudesse criar " ficções jurídicas" para definir hipóteses de imposição, à evidência, estaríamos perante a anulação absoluta das garantias constitucionais e do elenco fechado de tributos e impostos expostos no texto supremo. Qualquer legislador poderia criar fatos geradores tirados da sua imaginação. Poderia considerar " renda" o olhar apaixonado de uma noiva para o noivo, pois, para ele, tal olhar valeria mais do que qualquer riqueza material. E o céu do surrealismo tributário, a lembrar Dali, magritte, Delvaux ou Max Ernst, não teria limite.

Gilberto de Ulhôa Canto esclarece: " É, pois, evidente que o legislador não pode, através de ficções, elaborar regras que ele não poderia de forma direta, porque em desacordo com as disposições constitucionais e, no caso do Brasil, também, com as leis complementares elaboradas nos termos e para os fins prescritos no 1 do art. 18 da Constituição Federal.

O CTN cuidou de fixar de modo expresso a proibição referida no item que precede, e fê-lo de modo abrangente de todas as possíveis modalidades em virtude das quais as normas fictas ou baseadas em presunções pudessem ser elaboradas: " Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e ao alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal e do Municípios, para definir competências tributárias."

Pelo dispositivo transcrito as ficções e as presunções que impliquem em modificar a competência impositiva são proibidas. Por exemplo, não poderia prevalecer lei estadual que, para efeitos pragmáticos de incidência do imposto sobre a transmissão de bens e direitos imobiliários, definisse as embarcações como imóveis, porque ela estaria instituindo regra baseada na ficção de que é imóvel um bem que na realidade material é móvel, realidade esta que a Constituição Federal pressupôs ao atribuir aos Estados competência para o referido imposto." ( Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 9, Presunções no Direito Tributário, Ed. Resenha Tributária/Centro de Extensão Universitária, 1991, 2 tiragem, pp. 8/9).

À evidência, pelos princípios da estrita legalidade, tipicidade fechada e reserva absoluta da lei formal, o princípio da legalidade pressupõe absoluta conformação da lei ordinária ao tipo da lei complementar e esta, aquele exposto como princípio na lei suprema.

Com efeito, em direito tributário, só é possível estudar o princípio da legalidade, atráves da compreensão de que a reserva da lei formal é insuficiente para a sua caracterização. O princípio da reserva da lei formal permitiria uma certa discricionariedade, impossível de admitir-se, seja no direito penal, seja no direito tributário.

Como bem acentua Sainz de Bujanda ( hacienda y derecho, Madrid, 1963, vol. 3, p. 166), a reserva da lei no direito tributário não pode ser apenas formal, mas deve ser absoluta, devendo a lei conter não só o fundamento, as bases do comportamento, a administração, mas- e principalmente - o próprio critério da decisão no caso concreto.

É exigência da " lex scripta", peculiar à reserva formal da lei, acresce-se da "lex stricta" , própria da reserva absoluta. É Alberto Xavier quem esclarece a proibição da discricionariedade e da analogia, ao dizer ( ob. cit., p. 39): E daí que as normas que instituem sejam verdadeiras normas de decisão material ( Sachentscheiddungsnormen), na terminologia de Werner Flume, porque, ao contrário do que sucede nas normas de ação ( handlungsnormen), não se limitam a autorizar o órgão de aplicação do direito a exercer, mais ou menos livremente, um poder, antes lhe impõem o critério da decisão concreta, predeterminando o conteúdo de seu comportamento.

Yonne Dolácio de Oliveira, em obra por nós coordenada ( Legislação tributária, tipo legal) tributário, in Comentários ao CTN, Bushatsky, 1.974, v. 2, p. 138), alude ao princípio da estrita legalidade para albergar a reserva absoluta da lei, no que encontra respaldo nas obras de Hamilton Dias de Souza ( Direito Tributário, Bushatsky, 1.973, vol.2 ) e Gerd W. Rothmann ( O princípio da legalidade tributária, in Direito Tributário, 5 Coletânea, coordenada por Ruy Barbosa Nogueira, Bushatsky, 1973, p. 154). O certo é que o princípio da legalidade, atráves da reserva absoluta de lei, em direito tributário permite a segurança jurídica necessária, sempre que seu corolário consequente seja o princípio da tipicidade, que determina a fixação da medida da obrigação tributária e os fatores dessa medida a saber: a quantificação exata da alíquota, da base de cálculo ou da penalidade.

É evidente, para concluir, que a decorrência lógica da aplicação do princípio da tipicidade é que, pelo princípio da seleção, a norma tributária elege o tipo de tributo ou da penalidade; pelo princípio do " numerus clausus" veda a utilização da analogia; pelo princípio do exclusivismo torna aquela situação fática distinta de qualquer outra, por mais próxima que seja; e finalmente, pelo princípio da determinação conceitua de forma precisa e objetiva o fato imponível, com proibição absoluta às normas elásticas ( Res. Tributária, 154: 779-82, Sec. 2.1, 1980)" ( Curso de Direito Tribuitário, ed. Saraiva, 1.982, pp. 57/58).

 

Ora, a Lei 9.249/95, no seu artigo 13, ao limitar a dedutibilidade da provisão para devedores duvidosos, tratou como " ficção jurídica" a " vedação", para considerar que as provisões estariam sujeitas à tributação do imposto sobre a renda, o que vale dizer, considerou que a " inadimplência" é a " adimplência", que a " indisponibilidade" é " disponibilidade" , que " a não aquisição" é aquisição".

Parece-me, pois, rigorosamente inconstitucional o artigo 13, inciso I, da Lei 9.249/95, na parte que restringiu a provisão para devedore duvidosos, pois violentando de forma inequívoca e cristalina o disposto no artigo 43 do CTN.

4. Conclusão e Jurisprudência

Quando, no âmbito tributário, o legislador ordinário edita normas afastando a aplicação de princípios fundamentais da contabilidade e princípios jurídicos insculpidos na Constituição Federal, como os malfados arts. 13 da Lei 9.249/95 e 14 da Lei 9.430/96, na medida em que passa a tributar o patrimônio das pessoas jurídicas que não correspondem a um efetivo acréscimo patrimonial advindo do desenvolvimento de suas atividades, invariavelmente, invade, em detrimento do contribuinte, esfera de competência onde sua atuação lhe é vedada, pois passa a violar seu direito de propriedade, cuja observância foi alçada a nível de norma constitucional, conforme prescrito no art. 5º, inc. XXII da atual Carta Magna:

" Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

.....

XXII - é garantido o direito de propriedade."

Tal violação contraria o princípio da vedação ao confisco contido no inc. IV do art. 150 do texto constitucional, inserido na Seção II - DAS LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR -. Este preceito foi expressamente consagrado no texto constitucional como garantia individual do contribuinte em face dos abusos do Poder Público, cuja aplicabilidade é imediata, servindo de instrumento para que sejam respeitados o seu patrimônio, a sua renda e demais formas de exteriorização da sua riqueza contra a " voracidade" do Fisco.

Este é o entendimento que Hugo de Brito Machado dispensa à matéria em sua notável obra Curso de Direito Tributário,

A Constituição Federal estabelece que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, utilizar tributo com efeito de confisco. Não obstante seja problemático o entendimento do que seja tributo com efeito de confisco, certo é que o dispositivo constitucional pode ser invocado sempre que o contribuinte entender que o tributo, no caso , lhe está confiscando os bens.

Cabe ao Judiciário dizer quando um tributo é confiscatório. A regra constitucional, no mínimo, deu ao Judiciário mais um instrumento de controle da voracidade fiscal do Governo, cuja utilidade certamente fica a depender da provocação dos interessados, e da independência e coragem dos magistrados, especialmente dos que integram o Supremo Tribunal Federal.

Já no regime constitucional anterior alguns tributaristas sustentavam ser inadmissível o tributo confiscatório, posto que isto implicaria negar o direito de propriedade, especialmente dos que integram o Supremo Tribunal Federal."

Considerando-se que o ordenamento jurídico é um todo homogêneo e harmônico, coerente em suas premissas basilares, verificamos que tal preceito funciona como supedâneo para os princípios da capacidade contributiva e do devido processo legal em matéria tributária, cuja afronta insurge-se ainda contra a supremacia hierárquica da Constituição.

Colocado o tema das provisões sob este prisma, os princípios fundamentais da contabilidade visam precisamente resguardar o direito de propriedade da pessoa jurídica na medida em que a finalidade principal desta Ciência é fornecer valiosas informações aos administradores, acionistas e ao próprio Fisco sobre a verdadeira situação patrimonial da entidade sob o risco de assim não o fazendo, o lucro ou prejuízo apurados em conta de resultado não passarem de mero simulacro. Dentre estas normas destacam -se a da prudência, a da realização da receita e a do confronto das receitas e despesas com os períodos contábeis, senda que as duas últimas, em conjunto, confluem para a formação do regime de competência, com base no qual são constituídas as provisões, e cuja juridicidade já foi reconhecida pelos tribunais pátrios

IR - DECADÊNCIA - PRAZO - CONTAGEM - TERMOS INICIAL E FINAL; REGIME DE COMPETÊNCIA - IMPOSTO APURADO COM BASE NO LUCRO REAL

(...)

O regime econômico ou de competência recomendado pela legislação comercial na apuração de ações ( Lei nº 6. 404/76, art. 177) foi encampado pela lei tributária para todas as pessoas jurídicas que pagam o imposto de renda com base no lucro real ( Decreto-lei nº 1.598/77, art. 6 º C do 1º CC - mv, no mérito - nº 106-05.933 - Rel. Cons. José Carlos Guimarães - j. 06.10.93 - DOU 1 11.03.97, p 4.644 - ementa oficial).

IMPOSTO DE RENDA - REGIMES DIVERSOS PARA A APURAÇÃO DA DESPESA DE TRIBUTOS E DO LUCRO OPERACIONAL - DISTORÇÃO ( grifamos)

Remessa " Ex Officio" nº 95.04.14361-0-SC

Relator: Juiz Gilson Dipp

Partes A: Curt Schroeder S/A Ind. e Com. e Outros

Parte R: Delegado da Receita Federal em Joinville

Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Joinville/SC

Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Joinville/SC

Advogados: Glauco Heleno Rublick e Outro Cezar Saldanha Souza Júnior

Conforme o art. 7º da Lei nº 8.541/92, as obrigações referentes a tributos ou contribuições somente serão dedutíveis, para fins de apuração do lucro real, quando pagas, ou seja, com observância do regime de caixa.

Segundo a legislação do imposto de renda, essa dedução afeta a apuração do lucro operacional que, por sua vez, compõe o lucro líquido do periodo-base, o qual, ajustado por adições, exclusões ou compensações, define o lucro real, base de cálculo eleita pelo art. 44 do CTN.

Isso significa que a referida espécie impositiva é calculada em relação à renda ou aos proventos verificados num determinado lapso temporal, denominado período-base. Esse sistema implica no chamado regime de competência, prevendo as leis fiscais que a determinação do lucro real seja percebida da apuração do lucro líquido de cada período- base com observância das leis comerciais, e que os valores competentes a outro período-base, adicionados ou excluídos em relação ao lucro líquido do período-base em apuração, sejam excluídos ou adicionados na determinação do lucro real do período-base a que competirem, com atualização monetária.

Nessas circunstâncias, a sentença sob reapreciação merece ser confirmada porquanto o adoção de regimes diversos para a apuração da despesa relativa aos tributos ou contribuições e do lucro operacional enseja distorção a refletir-se no lucro real, compromentendo a aplicação do art. 44 do CTN, e também, do art. 43 do mesmo Código, que é lei complementar à Constituição. Isso porque a base de cálculo é a quantificação do elemento material do fato gerador da obrigação tributária.

 

Farta jurisprudência reconheceu, por ocasião do debate acerca das limitações impostas à constituição de Provisão para Devedores Duvidosos em instituições financeiras, que a despesa a que corresponde em conta de resultado, de acordo com o método das partidas dobradas, representa encargo operacional, podendo, portanto, serem deduzidas, na apuração do lucro real IMPOSTO DE RENDA - PROVISÃO PARA CRÉDITOS DE LIQUIDAÇÃO DUVIDOSA - LIMINAR CONCEDIDA

( Despacho do Juiz Oliveira Lima, Presidente do TRF da 3 região) Mandado de Segurança nº 95.03.062330-8165398

Impte.: Banco Sudameris Brasil S.A, e Outros

Adv.: Vinicius Branco

Impdo.: Juízo Federal da 3ª Vara SP

fls. 83

Vistos, etc.

Ao cuidar desta matéria, assim se pronunciou o Juiz André Custódio Nekatschalow, ao apreciar a inicial do MS. 95.0041938-6:

" O art. 43, " caput, da Lei 8.981/20.01.95, estabelece que as importâncias necessárias à formação de provisão para créditos de liquidação duvidos ( PDD) podem ser registradas como custo ou despesa operacional. ( grifamos)

Fixada tal premissa, o dispositivo passa a disciplinar a maneira pela qual se apura o saldo da provisão para devedores duvidosos ( PDD), rebelando-se a impetrante contra o § 4º que determina a apuração de um percentual, baseado na relação entre as perdas efetivas dos três últimos anos e a somatória dos créditos da mesma espécie no ano-calendário correspondente.

Ora uma vez estabelecido, em texto de lei, que a provisão para devedores duvidosos sujeita-se ao tratamento de despesa operacional , é plausível que o seu respectivo montante, registrado em conformidade com a Resolução BACEN 1.748/30.08.90, obrigatória para a impetrante, seja deduzida na apuração do Imposto de Renda, com supedâneo no art. 242 do Regulamento do Imposto sobre a Renda. ( grifamos)

Ensina Carlos Maximiliano: " Se existe antinomia entre a regra geral e a peculiar, específica, esta, no caso particular, tem a supremacia. Preferem-se as disposições que se relacionam mais direita e especialmente com o assunto de que se trata " ( grifamos) Maximiliano, Carlos - Hermenêutica e aplicação do direito, 9ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 135, nº 140).

No caso, há regra geral de que a provisão para devedores duvidosos constitui [ sic ] recebe o tratamento de despesa operacional ( grifo nosso) ( " caput" do art. 43 da Lei 8.981/20.01.95) havendo em seguida disposições aparentemente contraditórias relativamente ao montante do saldo da provisão ( parágrafos do art. 43 e Resolução BACEN 1.748/30.08.90): não se resolve a contradição pelo patamar normativo, pois, ainda que de nível inferior, a Resolução do Banco Central ( que igualmente tem base legal) se ocupa especificamente da instituição financeira, devendo prevalecer." ( fls, 80/81).

IMPOSTO DE RENDA - PROVISÃO PARA DEVEDORES DUVIDOSOS - ENCARGO OPERACIONAL

( Despacho do Juiz Américo Lacombe, do TRF da 3ª Região)

AG-SP 96.03.022692-0 37058

( 94.0027492-0)

Relator: Juiz Américo Lacombe

Agrte: Banco Pontual S/A

Advs: Vinicius Branco e Outros

Agrdo.: União Federal ( Fazenda Nacional)

Advs.: Fernando Netto Boiteux e Helenilson C. Pontes

Interes.: Juízo Federal da 11ª Vara São Paulo

Sec Jud SP

Sexta Turma - 4º Andar

Vistos,

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Banco Pontual S/A, com fundamento nos arts. 522 e seguintes do CPC, com a redação da Lei nº 9.139, de 30.11.1995, contra decisão interlocutória do MM. Juízo federal da 11ª Vara em São Paulo, com o escopo de conferir efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto perante aquele juízo.

Aduz o agravante, em síntese, que:

- impetrou mandado de segurança perante a 11ª Vara Federal, visando a suspensão da exigibilidade de qualquer crédito tributário que venha a ser constituído em razão da dedução dos encargos correspondentes a Provisão para Devedores Duvidosos ( PDD).

(...)

Já tive a oportunidade de me pronunciar a respeito da questão aqui debatida, firmando posição no sentido de que a Provisão para Devedores Duvidosos constitui encargo operacional e não acréscimo patrimonial ou renda, não podendo, portanto, sobre ele incidir imposto de renda. Ademais, não há a disponibilidade dos valores transferidos para a P.D.D., sendo, portanto, passíveis de dedução. Ademais não há a disponibilidade dos valores transferidos para a P.D.D, sendo, portanto passíveis de dedução, de acordo com o art. 43 do CTN. Assim, as limitações contidas no art. 43, § 4º, da Lei 8.981/95, contrariam tanto o art. 43 do CTN como o princípio constitucional da capacidade contributiva, patenteando o fumus boni iuris.

 

Como assevera o Professor Hely Lopes Meirelles, in Mandado de Segurança, 3ª edição, Editora Revista dos Tribunais, página 71, " o efeito dos recursos, em mandado de segurança, é somente o devolutivo porque o suspensivo seria ao caráter urgente e autoexecutório da decisão mandamental." Contudo, excepcionalmente, como in casu, há que se emprestar o efeito suspensivo, como tem entendido a jurisprudência dominante, para que não venha, a final, tornar inexequível a decisão favorável.

Não promovendo o recolhimento referente ao P.D.D., sofrerá o agravante as cominações de estilo por parte do Fisco, vez que não está mais amparado por tutela judicial, restando-lhe a inadimplência ou ,se solver a exação, o árduo caminho do solve et repete, exsurgindo o periculum in mora.

Pelo exposto, concedo o pleito nosa termos da exordial, a fim de que seja dado efeito suspensivo à apelação interposta, conforme previsto no art. 558 do C.P.C.

IMPOSTO DE RENDA - PROVISÃO PARA CRÉDITOS DE LIQUIDAÇÃO DUVIDOSA - ABRANGÊNCIA

Apelação Cível nº 90.01.02756-3 - Minas Gerais

Relator: Juiz Cândido Ribeiro

Remte: Juízo Federal da 2ª Vara - MG

Apelante: Liz Participações Ltda.

Advogados: Djalma de Souza Vilela e Outro

Procurador: Renato Martins Prates

Apelado: Os Mesmos

Ementa

Tributário. Repetição de Indébito. Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa. Abrangência. Juros Compensatórios. Lei nº 4.506/64, Arts 60 e 61, § 2º.CTN, Art. 167, Caput, e Parágrafo Único.

1. A provisão para créditos de liquidação duvidosa, nos termos do art. 60 da Lei nº 4.506/64, podem ser registrados no grupo de despesas operacionais.

2. Em conformidade com o § 2º do art. 61 da Lei nº 4.506/64, apenas as vendas com reserva de domínio e os créditos com garantia real estão excluídos dos créditos passíveis de enquadramento como liquidação duvidosa. Portanto, detêm essa qualificação as aplicações no mercado financeiro e os empréstimos a empresas do mesmo grupo econômico. ( grifamos)

IMPOSTO DE RENDA - PROVISÃO PARA CRÉDITOS EM LIQUIDAÇÃO - DEDUÇÃO

( DESPACHO da Juíza Salette Nascimento,do TRF da 3ª Região)

Mandado de Segurança nº 95.03.082742-6 167735

Impte.: Banco Itamarati S/A

Advs.: Cláudio Roberto Barata e Outro

Impdo.: Juízo Federal da 15ª Vara SP

Fls. 50/51

Vistos, etc.

1- Banco Itamarati S/A impetra o presente writ contra ato de jurisdição do MM. Juiz Federal da 15ª Vara indeferitório de liminar em Mandado de Segurança objetivando, em síntese e preventivamente, assegurar o direito de deduzir nos resultados tributáveis de 1.995 o montante da provisão para créditos em liquidação constituídos nos termos da Lei nº 4.595/64 e Resolução CMN nº 1.748/90, sem submeter-se às regras restritivas estabelecidas pelo art. 43 da Lei 8.981/95. Idêntica é a pretensão deduzida neste writ.

Do exame sumário da hipótese, compatível com o momento processual, tenho que afloram os requisitos alinhados no art. 7º, II, da Lei 1.533/51 à concessão da postulada medida "initio litis".

Dispõe o caput do art. 43 da Lei 8.981/95 que as importâncias necessárias à formação de provisão para créditos de liquidação duvidosa podem ser registradas como custos ou despesas operacionais.

Prevendo o caput do dispositivo em apreço que as importâncias necessárias à formação de provisão para créditos de liquidação duvidosa sujeita-se ao tratamento de despesas operacionais é aceitável que o respectivo montante registrado nos termos da Resolução nº 1.748 do Bacen seja deduzido na apuração do Imposto sobre a Renda, ex vi do art. 242 do RIR. ( grifamos)

As tributações abrigadas no § 4º do art. 43 da Lei 8.981/95 não se conformam com os parâmetros traçados pelo art. 43 do CTN, com força de lei complementar e recepcionada pela Carta de 1.988.

Isto posto, concedo a liminar nos termos do pedido.

IMPOSTO DE RENDA - PROVISÃO PARA DEVEDORES DUVIDOSOS - DEDUÇÃO - LIMINAR CONCEDIDA.

( Despacho do Juiz Oliveira Lima, Presidente do TRF da 3ª Região)

Mandado de Segurança

nº 95.03.104392-1 169627

Imptes.: Banco Mercantil de São Paulo S/A e Outros

Advs.: Roberto Quiroga Mosquera e Outros

Impdo.: Juízo Fedeal da 19ª Vara SP

Fls. 94

Vistos, etc.

Banco Mercantil de São Paulo S/A e outras insurgem-se contra o r. despacho do MM. Juízo Federal da 19ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo que negou seu pedido liminar, consistindo na autorização de deduzir, para todos os fins tributários, a chamada Provisão para Devedores Duvidosos ( PDD), baixada pela Resolução nº 1.748, de 30.08.1990, pelo Bacen, provisão não facultativa, mas vinda de órgão fiscalizador das atividades financeiras nacionais, sendo um encargo. ( grifamos)

Cabe salientar que sobre a questão em pauta o Execelentíssimo Juiz Américo Lacombe traduziu-a com esmero, que corroboro, assim se referindo:

"É indubitável que tal provisão subsume-se à noção de despesa operacional fixada pelo artigo 47 da Lei 4.506/64, atualmente consolidado no artigo 242, do vigente RIR, baixado pelo Decreto nº 1.041, de 11.1994.

Parece-me, portanto, à primeira vista, que as limitações contidas no artigo 43, § 4º do C.T.N. que é Lei Complementar, bem como o princípio constitucional da capacidade contributiva" ( grifamos)

Pelo exposto, concedo a liminar, pois estão presentes os elementos ensejadores do writ, consubstanciando-se o fumus boni iuris pela eventual inconstitucionalidade da provisão atacada e o periculum in mora exsurge da possibilidade das impetrantes sofrerem autuação fiscal.

 

IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO - PROVISÃO PARA DEVEDORES DUVIDOSOS - LIMINAR MANTIDA

( Despacho do Juiz Oliveira Lima, Presidente do TRF da 3ª Região)

Suspensão de Segurança nº 96.03.022944-0 9 nº orig. 96.00021520)

Reqte.: União Federal ( Fazenda Nacional)

Adv.: Dirceu Antonio Pastorello

Reqdo.: Juízo Federal da 1ª Vara São Paulo Sec. Jud. SP

Interes.: The First National Bank of Boston e Outro

 

A União Federal requer a Suspensão da eficácia da execução da liminar concedida pela MM. Juíza Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo, em Mandado de Segurança, pela qual autorizou aos impetrantes deduzir da base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro, ano-base de 1995 e seguintes, as despesas relativas à constituição das Provisões para Devedores Duvidosos, como prevista na Resolução nº 1.748 do Conselho Monetário Nacional e modificações posteriores, facultando à União proceder ao lançamento dos valores por ela não aceitos exclusivamente para evitar a decadência.

Alega a requerente que a concessão de liminares como a ora atacada, de juízo provisório e perfunctório propicia a disseminação de ações idênticas o que levaria a uma brutal queda de arrecadação e consequente prejuízo ao já combalido Tesouro Nacional.

Aduz que, além da ameaça de grave lesão à economia, tal liminar desafia a ordem pública, eis que impede a ação e o dever, constitucionalmente previsto, do cumprimento da arrecadação de impostos.

No quadro processual do pedido de suspensão, descabe discutir quer o mérito da impetração, quer a juridicidade da liminar atacada, mas tão-somente verificar se presentes estão as ameaças de lesão à ordem, à saúde e à economia públicas, pressupostos estes inscritos no artigo 4º da Lei nº 4.348/64.

O argumento de disseminação de ações idênticas não tem como prevalecer, eis que prestigiar tal entendimento significaria criar óbices ao exercício da cidadania e do livre acesso ao judiciário, garantia constitucional e indistintamente atribuída a todos como meio de obter a tutela jurisdicional.

Ademais, nos números fornecidos pela própria requerente ( fl. 11 dos autos), qual seja, de 39 mandados de segurança impetrados ao longo de cinco meses, não se vislumbra o efeito devastador na receita pública que pretende ela imprimir e eventual sucessão de ações sobre a matéria, que justificasse a pretendida suspensão.

Não se pode desconsiderar também a cautela adotada pelo juízo monocrático no sentido de preservar a União da decadência de seu direito ao crédito fiscal, facultando-lhe o lançamento de valores discutíveis.

No tocante à alegação de lesão à ordem jurídica/administrativa estabelecida para a ação da Administração Pública, descabe atribuir-se a este instituto significado de norma legal, em razão de discussão de sua validade na esfera judicial.

Se assim fosse, os atos legislativos de duvidosa constitucionalidade não poderiam ser objeto de questionamento pela simples razão de paralisação de seus efeitos no âmbito administrativo, ainda que provisória.

Sobrepondo-se ao " dever constitucionalmente previsto do cumprimento da arrecadação de impostos para manutenção dos serviços públicos" ( fl. 14 dos autos) está o direito de submeter-se ao crivo do Poder Judiciário a idoneidade das leis a serem aplicadas no exercício desta função administrativa.

Pelo exposto e por não ver patente o alegado perigo de lesão à ordem e à economia públicas, indefiro o pedido de suspensão.

Tendo em vista que a indedutibilidade das provisões veiculada no inc.I do art. 13 da lei 9.249/95 e a vedação à constituição da Provisão para Crédito de Liquidação Duvidosa contida no art. 14 da Lei 9.430/96 são uma situação particularizada no bojo de ambos os diplomas legais e funcionam na verdade como ato administrativo " sob as vestes de um aparato legal", a pessoa jurídica que estiver apurando a base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL com base no lucro real poderá se utilizar do mandado de segurança para afastar a lesão perpetrada pelo Fisco ao seu patrimônio, sendo insustentável, nesta situação específica, a alegação de que não cabe mandado de segurança contra lei em tese.

Em " Comentários à Lei do Mandado de Segurança", 4ª edição, publicada pela editora Forense, José Cretella Júnior defende este posicionamento:

" De fato, a lei em tese, realmente em tese, é insuscetível de ser infirmada pelo mandado de segurança, mas a pseudo-lei -em- tese, texto legislativo geral e impessoal, na aparência, mas encobrindo endereço determinado, certo, específico, pode ser atacado pelo remédio heróico, que anulará o ato lesivo, sempre que, ao ser editado, atingir direito líquido e certo do cidadão.

O problema, no entanto, não é tão simples quanto se afigura à primeira vista, porque inúmeras vezes a lei, proposição geral e impessoal que deveria ser, acaba por atingir restrito número de casos, e até um só caso, jamais cogitado ( ou cogitado ) pelo legislador. Deve então o particular atingido suportar sozinho todo o dano?

Ou caberia, na hipótese, a aplicação do princípio genérico da responsabilidade pública - o princípio da repartição dos ônus e encargos sociais?

O Estado deve responder por atos danosos, que emanados de lei inconstitucional, quer decorrentes de lei constitucional.

Em questões de mandado de segurança, é frequente o emprego da expressão lei em tese, para configurar situação toda especial que, durante certa época, de acordo com jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal, seria invulnerável ao emprego do remédio heróico. A proposíção categórica " não cabr mandado de segurança contra lei em tese" ( RT 229: 367; RF 113: 402; RF 128: 165) passou a ser um dogma do direito, nesse campo porque se o Poder Judiciário decretasse a nulidade de uma lei, em abstrato, atentaria contra a independência dos poderes. Com efeito, sempre foi pacífico o entendimento de que o mandado de segurança não era recurso de natureza declaratória, jamais podendo ser empregado para a decretação da inconstitucionalidade de uma lei em tese.

Em dois casos, porém, o aludido dogma comporta exceções: primeiro, quando se tratar de lei auto-executável ( self-enforcing), lei executória por si mesma; depois, quando o texto legal, embora impessoal abstrato, objetivo na aparência, atinge de modo inequívoco uma única e exclusiva pessoa, enquadrando-a ( RT 235: 554).

A lei em tese - lei formal e regulamentar, decreto-geral - é norma abstrata, objetiva, insuscetível de lesar direitos individuais, contrapondo-se à lei de efeito concreto, que traz em si, o alvo desejado, atingindo, pois, em cheio, situações jurídicas individuais específicas, o que lhe abre o flanco para o mandado de segurança ( Castro Nunes, Do Mandado de segurança, 5 ª ed., 1.956, ps. 120-1. Cf. 7ª ed., 1967, ps. 92-6).

Desse modo, se a lei, em tese, na aparência, enquadra, na realidade, certo e determinado caso, o Estado é responsável civilmente pelos danos causados, quer se trate de providência intencional, quer o ato tenha sido editado sem intenções específicas ( nosso Tratado de direito administrativo, 1970, vol. 8, p. 260).

Inúmeras vezes, promulgada a lei, percebe-se que uma ou várias de suas disposições feriram os direitos de um cidadão em especial.

Dirigida, às vezes, a determinado setor, acaba prejudicando terceiros, nem sequer cogitados pelo legislador. Funcionou para uns " como lei " ( a generalidade), para outros, " como lei com endereço calculado" ( ato administrativo), como aconteceu, certa vez, na França, no clássico caso La Fleurette, que acarretou a responsabilidade do Estado por texto de lei que, visando ao equilíbrio geral e impessoal do mercado de laticínios, acabou prejudicando uma firma determinada, por proibir a todos o emprego de certo tipo de glicose ( nosso Tratado de direito administrativo, 1970, vol. 8, p. 94)."

A seguir o jurista elenca remansosa jurisprudência acolhendo seu entendimento, dentre as quais destacamos alguns trechos de acórdãos: " Não cabe mandado de segurança contra lei em tese, mas se a lei apenas o é formalmente, sendo do ponto de vista material um ato administrativo, aquele remédio é cabível." ( TJRN, voto vencido do Des. Seabra Fagundes, in RF 132: 511).

Em regra, não cabe mandado de segurança contra lei em tese, mas o princípio comporta exceções, desde que se trata de lei executória por si mesma, ou quando o texto legal, embora impessoal, atinge inequivocamente uma única e exclusiva pessoa." ( TJMG, in RT 235:554).

Impetrado mandado de segurança contra texto de lei, emanado do Poder Legislativo, cumpre indagar se realmente a norma é geral e impessoal, ou se, sob a forma ou capa de lei, abriga, na verdade, ato administrativo, hipótese em que se concede a ordem, como os julgados brasileiros vinham timidamente entendendo, primeiro, sob a forma de votos vencidos ( RF 132:511, e AJ 94: 184), depois, confirmando tal entendimento por unanimidade, até tornar-se hoje tese pacífica: " em regra, não cabe mandado de segurança contra lei em tese, mas o princípio comporta exceções, desde que se trate de lei executória por si mesma, ou quando o texto legal, embora pessoal, atinge inequivocamente uma única e exclusiva pessoa" ( TJMT, in RT 235: 554).

" Cabe mandado de segurança contra ato do legislativo, desde que a lei tenha efeitos imediatos, independente de ato da administração" ( TJSP, in RT 242:314).

Continuando, Cretella Junior conclui que: Quando, portanto, sob a forma de lei, regulamento ou portaria se encobre ato materialmente administrativo, de aplicação imediata, independetemente de executor, auto-aplicável pois, nessa hipótese, a autoridade coatora será a autoridade que produziu aquele ato, seja o Poder Legislativo, seja o Poder Executivo, ou mesmo, em caso de formação complexa os poderes que participaram de sua elaboração." ( Celso Agrícola Barbi, Do mandado de segurança, 2ª ed., 1966, p. 87)." Em relação às provisões, a via mandamental pode assegurar preventivamente o direito do contribuinte recolher a menor o imposto devido, antes que efetivamente desembolse a despesa provisionada, proporcionando-lhe assim a postergação de um desembolso de caixa, o que lhe possibilitará um melhor giro de capital.

O Fisco pode argumentar no sentido de que o contribuinte, imbuído de má-fé, pode criar mecanismos artificiosos para provisionar valores que na verdade terão como contrapartida despesas que não correspondem à realidade, recolhendo assim imposto a menor do que o devido, tendo sido elaborados os dispositivos de lei ora questionados com o intuito de se dificultar a prática ilícita de evasão fiscal por parte do contribuinte.

No entanto, em se tratando de recolhimento de Imposto de Renda e CSLL com base no lucro real, os princípios contábeis e jurídicos analisados são de indiscutível validade conforme foi demonstrado, não visando beneficiar nem a pessoa jurídica faltosa e tão pouco propiciar uma ação estatal arbitrária na arrecadação de tributos, mas sim tributar a renda do contribuinte que efetivamente corresponda a um acréscimo patrimonial proveniente de suas atividades empresariais.

Cabe ao Poder Tributante desenvolver uma melhoria em sua atividade fiscalizadora mesmo que a implantação de um sistema eficiente lhe seja mais oneroso, e não pura e simplesmente penalizar ilegalmente o contribuinte que está agindo com boa-fé.

 
 

 Retirado de:
http://www.tributario.com/