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Retenção de Contribuição Previdenciária na Fonte
Comentários sobre a Ordem de Serviço nº 203/99
   
Autores: Abel Simão Amaro e Adriana Gravina Stamato
Data: fevereiro/1999

Em meio a tantas mudanças no cenário econômico e fiscal, as novas regras atinentes ao recolhimento das contribuições previdenciárias por parte das empresas contratantes de prestadores de serviço e cooperativa de trabalho vêm gerando muita polêmica e chamando a atenção do meio jurídico.

Tais regras foram estabelecidas pela Ordem de Serviço nº 203, expedida pela Divisão de Arrecadação e Fiscalização do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (“INSS”) em 29/01/99, com vigência a partir de 01/02/99. Referida Ordem de Serviço substituiu a anterior, de nº 195, de 10/12/98, e regulamentou o artigo 31 e seus §§, da Lei nº 8.212/91, dispondo sobre os procedimentos para arrecadação e fiscalização da retenção da contribuição previdenciária pelos tomadores de serviços efetuados mediante cessão de mão-de-obra.

Por meio desta medida, pretende-se acabar — ou ao menos reduzir — com a sonegação das contribuições previdenciárias, bastante comum no setor de serviços em razão da informalidade das relações contratuais. Entretanto, para alcançar os fins almejados, o governo deve antes se preparar para enfrentar, nas cortes judiciais, o questionamento acerca da legalidade de tal imposição, o que certamente deverá ocorrer, tantas e tamanhas são as ilegalidades cometidas.

1. Serviços abrangidos pela Ordem de Serviço

Antes de examinar quais os serviços que foram contemplados pela Ordem de Serviço nº 203/98, cabe inicialmente verificar o que dispõe a Lei nº 9.711, de 20.11.98, que alterou a redação do artigo 31 e seus parágrafos, da Lei nº 8.212, de 24.07.91 (Lei Básica do Custeio da Previdência Social), estabelecendo para as empresas contratantes de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, a obrigatoriedade de reter 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura, recolhendo esta importância aos cofres previdenciários, em nome da empresa cedente de mão-de-obra.

Para efeitos desta lei, a cessão de mão-de-obra foi definida como sendo “a colocação à disposição do contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com a atividade-fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação”. Para exemplificar o conceito, o legislador incluiu entre os serviços considerados como cessão de mão-de-obra, os serviços de limpeza, conservação e zeladoria; vigilância e segurança; empreitada de mão-de-obra; contratação de trabalho temporário, permitindo, ainda, que outros serviços fossem estabelecidos em regulamento.

Note-se, portanto, que o legislador, ao elaborar referida lista de serviços, conferiu-lhe caráter meramente exemplificativo, nada obstando que outros serviços, desde que enquadrados dentro da definição de cessão de mão-de-obra, fossem estabelecidos em regulamento, ficando, então, sujeitos à incidência da contribuição previdenciária.

Pela interpretação dos dispositivos legais 1, é forçoso concluir que, mesmo nos serviços prestados por meio de trabalho temporário e de empreitada de mão-de-obra, a principal característica do contrato de prestação de serviços deve ser a cessão de mão-de-obra. Portanto, nem todo trabalho temporário ou empreitada de mão-de-obra pode ser enquadrado como cessão de mão-de-obra para efeitos da retenção na fonte da contribuição; é imperioso que o serviço prestado caracterize-se pela colocação de mão-de-obra à disposição do contratante para que se possa cogitar da exigência da exação, conforme estabelecido pela Lei nº 9.711/98.

No entanto, como era de se esperar, a boa técnica jurídica não foi devidamente observada e, extrapolando os limites delineados pelo legislador ordinário, a autarquia previdenciária, em sua Ordem de Serviço nº 195, de 10.12.98, adotou conceituações bastante amplas e imprecisas, tornando viável, em tese, a exigência da retenção da contribuição previdenciária para outros serviços que não fossem caracterizados pela cessão de mão-de-obra.

Visando reparar as imperfeições da referida Ordem de Serviço, foi expedido novo regulamento que, infelizmente, ao estabelecer novas definições e conceitos, apenas se afastou ainda mais da Lei nº 9.711/98.

Isto porque, repita-se, consoante estabelecido pela Lei nº 9.711/98, apenas os serviços caracterizados como cessão de mão-de-obra estão sujeitos ao recolhimento da contribuição previdenciária pela empresa tomadora. Sendo assim, qualquer outro serviço que tenha como objeto, por exemplo, a prestação do serviço propriamente dito, não pode ser incluído em qualquer regulamento sobre o assunto, não estando, pois, sujeito ao recolhimento antecipado da contribuição.

Entretanto, ao invés de seguir essa orientação, a Ordem de Serviço optou por enumerar os serviços sujeitos à retenção. Sendo assim, nas hipóteses de cessão de mão-de-obra, foram incluídos os serviços de limpeza, conservação, zeladoria, vigilância e segurança, inclusive quando prestados em regime de trabalho temporário.

Quanto à empreitada de mão-de-obra — por assim entendida a contratação de empresa prestadora de serviço para executar serviços relacionados ou não com a atividade-fim da empresa contratante, nas dependências desta ou de terceiros — a Ordem de Serviço elencou, dentre outros, os seguinte serviços: cessão de mão-de-obra, coleta de lixo, copa, digitação e processamento de dados, elevadores, extensão ou manutenção de linhas elétricas e telefônica, portarias, recepção e telefonia, inclusive telemarketing. Para esses serviços, é necessário, ainda, que sejam prestados sem qualquer fornecimento de material, e que não exijam da prestadora a utilização de equipamentos próprios ou de terceiros, exceto aqueles da empresa contratante.

Por outro lado, foram dispensadas da retenção na fonte os contratos de empreitada que tenham por objeto a utilização de conhecimentos ou capacidades especiais da contratada, tais como consultoria, desenvolvimento, instalação e manutenção de software, serviço de acesso e manutenção de página na Internet, escrituração e serviço contábil, entre outros.

Adicionalmente, foram também criadas regras próprias para as empreitadas de mão-de-obra vinculadas à construção civil. E, finalmente, quanto às cooperativas de trabalho, foram excluídas somente as de seguro e de plano de saúde.

Conforme se verifica, a atual Ordem de Serviço nada mais é que uma “colcha de retalhos”, que visa atender aos interesses de diferentes grupos, tendo sido elaborada segundo critérios econômicos, e não jurídicos.

Com efeito, muitos dos serviços incluídos na Ordem de Serviço nº 203/99 não poderiam tê-lo sido, pois, como visto, não preenchem o pressuposto legal de serem caracterizados como cessão de mão-de-obra. É o caso, por exemplo, dos serviços de extensão ou manutenção de linhas elétricas e telefônicas, de redes de águas, esgotos e gás, nos quais não é suficiente que se coloque, à disposição do contratante, a mão-de-obra disponível para a prestação desses serviços, sendo necessário, para fins de alcançar o objeto do contrato, que o serviço seja efetivamente prestado. Em tais casos, a exigência de retenção da contribuição previdenciária é ilegal, devendo ser repelida pelos meios disponíveis ao contribuinte.

2. Compensação das importâncias retidas na fonte

Afora toda a discussão quanto aos serviços sujeitos ou não à contribuição previdenciária, outra questão importante diz respeito à possibilidade de a prestadora compensar a importância recolhida quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de pagamento dos segurados.

Com efeito, a Ordem de Serviço nº 203/99 prevê que o estabelecimento da empresa cedente poderá compensar o valor consignado como retenção na nota fiscal com as quantias que deveriam de fato ser recolhidas a título de contribuições dos segurados.

No entanto, há uma grande diferença entre esses valores: enquanto o valor retido pela empresa tomadora é, como regra, 11% (onze por cento) do valor do serviço prestado, o valor efetivamente devido pela cedente de mão-de-obra, a título de contribuições previdenciárias, é de 20% (vinte por cento) sobre o total das remunerações pagas ou creditadas aos seus segurados.

Devido a essa diferença, é provável que, em muitos casos, o valor retido seja maior que o efetivamente devido pela empresa prestadora do serviço, que deverá, nessa hipótese, pleitear junto ao INSS a restituição dos valores recolhidos a maior.

Esse mecanismo de compensações e restituições tem gerado muitas críticas, pois espera-se que, na prática, sejam criadas distorções e dificuldades, principalmente para as empresas que possuam poucos segurados empregados ou que ainda, não tenham segurados empregados, como acontece, por exemplo, com muitas cooperativas de trabalho.

3. Princípio da isonomia e da legalidade

As regras da Ordem de Serviço nº 203/99 também tem sido criticadas por ferirem dois princípios básicos do direito tributário nacional, quais sejam, o princípio da legalidade e o princípio da isonomia.

Com efeito, sustenta-se que a exigência do recolhimento antecipado da contribuição previdenciária somente poderia ser instituída através de lei complementar, que seria o instrumento adequado para a criação de novas contribuições, conforme expressamente determinado pela Constituição Federal (artigo 195, § 4º).

Entretanto, este argumento carece de fundamento, em vista das modificações introduzidas pela Emenda Constituicional nº 20, de 15.12.98, que alterou a redação do artigo 195, da Constituição Federal, possibilitando que a contribuição previdenciária devida pelos empregadores pudesse também ser incidente sobre a receita ou faturamento. Portanto, consideramos que a legislação ora em comento não instituiu novo tributo, mas apenas estabeleceu nova forma de arrecadação da contribuição já prevista.

Adicionalmente, argumenta-se que, ao estabelecer as “listas” de serviços sujeitas à retenção na fonte da contribuição previdenciária, foi ferido também o princípio da isonomia, tendo em vista que determinados serviços foram dispensados de tal exação, enquanto outros, não o foram. De fato, a mencionada Emenda Constitucional nº 20/98, permitiu que as contribuições sociais tivessem alíquotas e bases de cálculos diferenciadas em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra, mas não previu que determinadas atividades econômicas pudessem ser dispensadas de tais contribuições.

4. Procedimentos para a retenção da contribuição previdenciária

A Ordem de Serviço nº 203/99 é razoavelmente clara ao dispôr sobre o procedimento para retenção da contribuição previdenciária. Em linhas gerais, consiste em reter o equivalente a onze por cento do valor bruto da nota fiscal, fatura ou recibo de prestação de serviços, e recolher a importância retida até o dia 02 do mês subsequente ao da emissão do respectivo documento, em nome da empresa cedente de mão-de-obra, por meio de GRPS (Guia de Recolhimento da Previdência Social) ou GPS (Guia da Previdência Social). Cabe salientar que, novamente, o regulamento excedeu os limites do dispositivo legal, uma vez que a Lei nº 9.177/98 refere-se apenas à nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, nada dispondo a respeito de recibos, donde se pode concluir que as empresas dispensadas da emissão de nota fiscal ou fatura não estariam sujeitas à retenção da contribuição previdenciária.

O valor a ser retido deve ser destacado na nota fiscal, fatura ou recibo emitido pela cedente, podendo ser compensado pelo respectivo estabelecimento da empresa cedente de mão-de-obra, quando do recolhimento das contribuições à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos segurados a seu serviço.

Cumpre anotar que, caso não seja feito o destaque do valor retido, presume-se devidamente feita a retenção, assumindo a empresa cedente dos serviços o ônus decorrente da omissão. A falta do destaque do valor da retenção constitui infração ao § 1º, do artigo 31, da Lei nº 8.212/91, ensejando a lavratura de Auto de Infração pela fiscalização.

Ademais, há ainda outras exigências de caráter contábil e fiscal a serem cumpridas pela tomadora de serviço, como por exemplo, manter arquivados, de forma adequada, todas as notas fiscais faturas e recibos, ordenados por empresa cedente e segundo a ordem cronológica.


1 LEI Nº 8.212, DE 24.07.1991

Artigo 31, com a redação dada pela Lei nº 9.711, de 20.11.98:

“Art. 31: A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da mão-de-obra, observado o disposto no § 5º do artigo 33. 

§ 1º: O valor retido de que trata o caput, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, será compensado pelo respectivo estabelecimento da empresa cedente de mão-de-obra, quando do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos segurados a seu serviço.

§ 2º: Na impossibilidade de haver compensação integral na forma do parágrafo anterior, o saldo remanescente será objeto de restituição.

§ 3º: Para os fins desta Lei, entende-se como cessão de mão-de-obra a colocação, à disposição do contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com a atividade-fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação.

§ 4º: Enquadram-se na situação prevista no parágrafo anterior, além de outros estabelecidos em regulamento, os seguintes serviços:
I – limpeza, conservação e zeladoria;
II – vigilância e segurança;
III – empreitada de mão-de-obra;
IV – contratação de trabalho temporário, na forma da Lei nº 6.019, de 03.01.74.

§ 5º: O cedente de mão-de-obra deverá elaborar folhas de pagamento distintas para cada contratante.”

 

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