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TRIBUTAÇÃO DO "SOFTWARE DE PRATELEIRA

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LOBO & IBEAS
ADVOGADOS

Constitui objeto deste trabalho o estudo da incidência do ICMS ou do ISS sobre o chamado "software de prateleira".

Designa-se por "software de prateleira" ("canned software") o "software" concebido e elaborado para a generalidade de certo tipo de usuário (e não em vista das especiais necessidades de um determinado usuário), que é gravado em série, em uma certa quantidade de veículos materiais (discos, disquetes, fitas), veículos materiais esses que são mantidos em estoque e colocados à disposição dos interessados em usar o software".

O "software de prateleira" é um dos polos da classificação de "software", que tem no outro lado o "software por encomenda". Neste último caso, o "software" é produzido em função das específicas necessidades do usuário, mediante prévia encomenda deste.

Não há dúvida sobre a incidência do ISS (e portanto não do ICMS) na comercialização do "software por encomenda". Quanto à comercialização do "software de prateleira", há entendimentos relevantes no sentido de que incide o ICMS, embora, na prática, o ISS venha sendo recolhido na grande maioria das operações. É de se registrar também um terceiro entendimento no sentido de que nenhum dos citados impostos incide na hipótese.

As decisões, que concluem pela incidência do ICMS sobre o "software de prateleira" têm como premissa que as operações de comercialização desse tipo de "software" no mercado varejista seguem o modelo geralmente adotado por outras obras intelectuais gravadas em série para comercialização em massa, no varejo, como é o caso, por exemplo, dos livros e dos discos fonográficos.

Em tais casos, o autor, ou quem lhe sucede na titularidade dos direitos autorais, autoriza o editor ou a gravadora a utilizar a obra, mediante a sua reprodução em uma certa quantidade de veículos materiais (livros ou discos), geralmente percebendo um "royalty" por unidade vendida. Obtida a licença do autor, o editor ou a gravadora fabricam um produto, cujas unidades são colocadas à venda no mercado. Esse produto é basicamente constituído pelo veículo material, beneficiado pela gravação ou impressão da, obra intelectual. A obra intelectual seria, assim, como que um insumo intangível empregado na fabricação do produto (p.ex.: livro ou disco fonográfico).

Não se tem posto em dúvida a incidência do ICMS em tais casos. Os livros, fitas e discos fonográficos tem sido considerados mercadorias, ficando sujeitas ao ICMS as operações relativas à respectiva circulação, salvo os casos de imunidade ou isenção.

Uma vez gravada em uma série de unidades de veículos materiais e assim comercializada, a obra pode ser livremente usada pelo detentor do veículo material, independentemente de autorização do autor. É o que dispõe a "contrario sensu" o parágrafo único do artigo 30 da Lei nº 5.988/73 e observa com muita agudeza José de Oliveira Ascensão ao propor que, em matéria de direito autoral, o termo "utilização" (que sempre implica autorização do autor) não compreende a noção de "uso privado", que é livre e independente de autorização.

Assim, diríamos que, na hipótese acima referida, o direito autoral em si não é objeto de circulação econômica, quando o veículo material, com a obra gravada, é comercializado. Foi-o antes, quando o autor autorizou o editor ou gravador a utilizar a obra intelectual na produção do livro, disco ou fita. Por isso mesmo, a incidência do ICMS no caso tem sido pacificamente aceita, porquanto se trata da circulação de uma verdadeira mercadoria, bem tangível destinado à mercancia, ou seja, o livro, o disco ou a fita, com a obra intelectual gravada. A obra intelectual - bem intangível protegido pelo direito autoral - não é, no caso, objeto de circulação econômica, pois o vendedor do veículo material ao entregá-lo ao adquirente, não está autorizando a utilização da obra intelectual ali gravada, cujo uso privado, por quem o detiver, é, de resto, livre.

Todavia, quando se trata de comercialização de "software de prateleira", os usos do mercado tem adotado um modelo operacional substancialmente diferente.

Nesse caso, o autor cede ou licencia a utilização de seus direitos autorais ao distribuidor. Este, por sua vez cede ao varejista, ou diretamente ao usuário final, o direito não exclusivo de utilizar o "software" (obra intelectual), mediante certas condições, que veremos a seguir. Para o efeito de ensejar a utilização do "software", como contratado, o usuário recebe um exemplar da obra, ou seja, uma unidade do veículo material, com a obra gravada.

A licença ao usuário final é formalizada mediante um contrato impresso no exterior da embalagem, na qual o "software" é oferecido ao varejo. Em caracteres bem visíveis, figura uma advertência no sentido de que a abertura do envelope implica adesão aos termos do contrato. Esse contrato entre outras cláusulas e condições, dispõe que (i) a licença é concedida para a utilização do "software" em um único terminal de um único computador, sendo proibida a tiragem de cópias, exceto para "back-up"; (ii) o meio físico só poderá ser transferido a terceiros em função de uma cessão da licença contratada e desde que o cessionário concorde em obrigar-se pelas cláusulas e condições do contrato; (iii) a qualquer tempo o usuário poderá unilateralmente pôr termo ao contrato de licença, simplesmente destruindo o meio físico em seu poder; (iv) o autor licenciante só poderá extinguir a licença no caso de inadimplemento de qualquer das obrigações incumbentes ao usuário, caso em que o usuário se compromete a destruir o meio físico em seu poder.

Esse modo de comercializar o "software de prateleira", que pode parecer estranho a quem toma por modelo a comercialização de livros, fítas e discos fonográficos, se explica pelo fato de o "software", de regra, representar um valor utilitário, capaz de ser empregado diretamente na execução de atividades produtoras de renda.

Registre-se também, que tal modo de comercializar não deverá causar estranheza a quem estiver atento ao fato de que "software" é coisa principal em relação a seu veículo físico, como aliás dispõe claramente o inciso 111 do artigo 62, combinado com o artigo 614 do Código Civil.

Expostos assim os fatos, passamos a tecer nossos comentarmos:

  1. O entendimento no sentido de que a comercialização de "software de prateleira" é objeto de incidência do ICMS vem sendo adotado pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, desde junho de 1987, quando foi decidida a Consulta nº 691/87. Antes disso, o Tribunal de Impostos e Taxas, também de São Paulo, por sua Sétima Câmara, já fundamentara uma decisão afirmando que o "software por encomenda" está sujeito ao ISS, mas o "software de prateleira" se submete à incidência do ICMS. É importante notar que ambas as decisões dirigiram suas conclusões a hipóteses diversas daquela última acima descrita, que corresponde ao modelo efetivamente mais adotado no mercado e que é objeto de exame neste trabalho. A resposta à consulta, baseou-se em uma exposição dos fatos que qualificava a consulente como editora de "software" e não esclarecia o modo de comercialização adotado, sequer aludindo a contrato de licença com o usuário final. O acórdão do Tribunal de Impostos e Taxas, após declarar que, em tese, o ICMS incide sobre o "software de prateleira", deu provimento ao recurso do contribuinte porque não encontrou no processo prova de que, no caso, se tratava efetivamente de comercialização desse tipo de "software".
  2. A partir da Emenda Constitucional 18/68, que reformou o Sistema Tributário Brasileiro, os impostos passaram a ser identificados pelo fato econômico sobre o qual incidem, classificando-se em (i) impostos sobre a renda, (ii) impostos sobre o patrimônio, (iii) impostos sobre a produção e a circulação e (iv) impostos sobre o comércio exterior.

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    Tanto o ICMS quanto o ISS são impostos que incidem sobre a circulação, concebida pela ciência econômica como uma grande galáxia giratória formada pela movimentação da imensa quantidade e variedade de bens econômicos que gravitam no mercado, em uma sucessão de trocas, desde a produção até o consumo.

    Neste ponto, convém deter o curso da exposição para recordar que todo bem, no sentido econômico, resulta do exercício de uma atividade humana. Da atividade humana podem resultar bens tangíveis ou bem intangíveis. Quando o sapateiro fabrica um sapato, exerce uma atividade de que vai resultar um bem tangível, o qual, se destinado ao comércio, se designa como mercadoria. Quando um médico examina um doente e lhe prescreve um remédio, está realizando uma atividade de que resulta um bem intangível, ou seja, a utilidade economicamente apreciável e portanto remunerada, de propiciar cura aos males físicos do cliente. Daí se conclui que percorrem o sistema circulatório da economia, tanto bens tangíveis (mercadorias), como bens intangíveis (serviços).

    Nos países em que mais se desenvolveu a tributação sobre a circulação econômica, como é o caso dos membros da Comunidade Econômica Européia, existe apenas um imposto (o Imposto sobre o Valor Adicionado), que incide igualmente sobre a circulação de mercadorias e serviços. No Brasil, entretanto, a Constituição Federal criou três impostos incidentes sobre a produção e a circulação, o IPI, o ICMS e o ISS, atribuindo sua cobrança, respectivamente, à União, aos Estados e aos Municípios.

    Não são satisfatoriamente nítidas as limitações do campo de incidência de cada um desses impostos, o que tem gerado controvérsias e perplexidades de não pequena monta.

    Até o ponto em que se afirma que o ICMS incide sobre operações relativas a circulação de mercadorias e que o ISS incide sobre os serviços, o problema não apresenta dificuldades. A prática, ao desligar-se das abstrações, exige maiores detalhamentos, com a abordagem, entre outras, das seguintes questões:

    Em primeiro lugar, é necessário bem entender o que significa "serviços" para efeitos de ISS, já que, em Direito, o termo conota com a obrigação de exercer uma atividade em beneficio de outrem e, em Economia, são serviços os bens intangíveis em geral.

    Em segundo lugar, a distinção entre circulação de mercadorias e circulação de serviços, que, em abstrato, parece adequada e cômoda, na prática se afigura tormentosa, porquanto muito freqüentemente, mediante uma única operação, circulam inseparavelmente mercadorias e serviços. Como, então, repartir o substrato econômico da operação, para fazer sobre ela incidir o ICMS em relação ao que for circulação de mercadoria e o ISS em relação ao que for circulação de serviço?

  4. Penetrando em maior profundidade no problema posto pela primeira questão acima, verificamos que os serviços circulam mediante dois tipos de operações.

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    Em algumas operações, alguém se obriga perante outrem a executar uma atividade, da qual resultará uma utilidade economicamente apreciável para esse outrem.

    Nesse caso, salvo quando houver cessões de direito, o serviço é consumido imediatamente após a sua produção, que é previamente contratada. O serviço apenas cintila na galáxia circulatória, sendo consumido no elo seguinte ao da produção. Esse tipo de operação, que é o mais comum, ou, pelo menos, o de mais notória ocorrência, é disciplinado pelo Direito através dos contratos de locação de serviços e de empreitada, nos quais um dos contratantes assume perante o outro uma obrigação de fazer.

    Não se deve olvidar, todavia, que, freqüentemente, os serviços circulam mediante operações de outro tipo, em que a atividade criadora é exercida "a priori" para produzir e estocar um bem intangível (a utilidade economicamente apreciável). Neste caso, o objeto da operação de circulação não é a atividade produtora da utilidade; é a própria utilidade, já criada por uma atividade humana, que precedeu à operação. Este épor exemplo, o caso da locação de coisa móvel, objeto inconteste de incidência pelo ISS, que sempre constituiu um tormento para aqueles que renitem em transpor para o âmbito do ISS o conceito civilista de serviço. De se notar que, em tais casos, é o bem intangível que circula, sendo objeto de troca como utilidade apreciável economicamente. freqüentemente o bem intangível precisa de um veículo material para ser estocado e circular, tal como acontece com o "software", no caso em exame.

    Reconheça-se que alguns doutrinadores de respeito discordam do acima exposto e permanecem no entendimento de que o ISS incide sobre a prestação de serviços, sendo portanto indispensável uma relação obrigacional de fazer, precedente à operação ( cf. Marçal Justen Filho - O Imposto sobre Serviços na Constituição, ed. Rev. Tribunais, S.P., 1985, pg. 77 e segs.). A razão está, entretanto, com Bemardo Ribeiro de Moraes, que no seu clássico tratado sobre o ISS (Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços, ed. Rev. Tribunais. S.P., 1975, pags. 81 e segs.), observa que o ISS, segundo os expressos termos da Constituição, não recai sobres a prestação de serviços, mas sim sobre os serviços, entendidos como bens intangíveis. O entendimento esposado por Bemardo Ribeiro de Moraes tem sido consagrado pelo Supremo Tribunal Federal em decisões reiteradas, julgando legítima a incidência do ISS sobre a locação de coisas móveis.

  6. A segunda questão acima proposta tem sido também fonte de constantes tormentas na doutrina e na jurisprudência do ICMS e do ISS. Dado que, no mundo concreto, freqüentemente a utilidade que constitui o objeto de uma única operação e constituída inseparavelmente por bens tangíveis e intangíveis, como separá-los e atribuir-lhes os respectivos valores, para o efeito de ensejar a incidência cumulativa do ICMS, que compete ao Estado, e do ISS, que compete ao Município? Exemplo típico desse caso é o fornecimento de alimentação e bebidas em bares e restaurantes, onde coexistem inseparavelmente, na mesma operação de circulação, mercadorias (os alimentos e bebidas) e serviços (a assistência dos garçons, o uso de toalhas, talheres, guardanapos, a música ambiente, a decoração, etc.).

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    No direito vigente, a matéria está resolvida pelas seguintes regras: (i) se o serviço está previsto na lista de serviços sujeitos ao ISS, aprovada pela Lei Complementar nº 56/87, o ISS incide sobre o valor total da operação, não incidindo portanto o ICMS sobre a componente mercadoria, salvo nos casos excepcionais em que a própria lista o determina (cf. Dec. Lei nº 406/68, art. 8º, § 1º, recepcionado pela Const. de 1988); (ii) se o serviço não está previsto na lista, o ICMS incide sobre o valor total da operação, não incidindo, portanto o ISS sobre o componente serviço (cf. Const. Fed. art. 155. I, b).

  8. Feitas essas considerações, cabe concluir que o ISS (e não o ICMS) incide sobre a operação em exame.

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    Primeiro, porque na operação em exame circula um bem intangível, ou seja, o direito autoral sobre o "software". Com efeito, o objeto da operação não é a venda de um veículo material beneficiado com a gravação de um "software", para que o adquirente, tendo o direito de usar, fruir e dispor do meio material, possa exercer a faculdade do livre uso privado da obra intelectual nele gravada. Muito ao contrário, o negócio jurídico ajustado no caso tem exatamente o objetivo de evitar esse efeito. Sublicencia-se o "software" ao usuário final precisamente para denegar-lhe a faculdade de livre uso. Pretende-se que o usuário final utilize a obra intelectual apenas nas condições autorizadas. Assim, portanto, o veículo material não é objeto principal da operação de circulação nem pode ser considerado em si como mercadoria. Na verdade é um mero veículo, como procedentemente se o designa; é transferido à posse do usuário final apenas para que a utilidade econômica em circulação, isto é, o "software", possa ser utilizado na forma do contrato de licença. De se notar que essa forma de comercializar o "software de prateleira" não pode ser qualificada como modalidade atípica, escolhida para evitar incidência tributária. Em todo mundo, inclusive em países nos quais o imposto incide igualmente sobre mercadorias e serviços, esse modelo é adotado.

    Segundo, porque, o "software" é previsto na lista aprovada pela Lei Complementar nº 56, de 15.12.87, entre os serviços sujeitos a tributação pelo ISS. Com efeito, o item 23 da lista contempla os serviços de programação, sendo pacífico que o "software" se considera um serviço de programação (cf Bemardo Ribeiro de Moraes, op. cit., pag. 207).

    Terceiro, porque o fato de a operação em exame não configurar uma obrigação de exercer uma atividade voltada à criação de uma utilidade economicamente apreciável em nada contribui para afastar a incidência do ISS. Como vimos, o ISS incide sobre serviços, assim consideradas as utilidades imateriais economicamente apreciáveis, ou melhor, os bens intangíveis, sendo desimportante o fato de a respectiva atividade criadora ser exercida no momento da circulação, ou ter sido exercida em momento pretérito.

    Quarto, porque, se por hipótese se considerasse mercadoria o veiculo material, ainda assim não incidiria no caso o ICMS, mas apenas o ISS, por força da regra do art. 8º, § 1 do Dec. Lei nº' 406/68, recepcionada pela Constituição de 1988.


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Retirado de http://www.seprorj.org.br/associados/parecer/parec02.htm