A quaestio iuris prende-se ao fato de se ter ou não a
condição de segurado, quando do óbito, para dar direito
à pensão por morte aos dependentes do falecido, assim que
regularmente inscritos.
O nó górdio é a divergência de posicionamentos
encontrados. Bastando ver, por exemplo, que em Parecer de nossa lavra,
ligado à DIVISÃO DO SEGURO SOCIAL DO INSS/MS (Memo nº
06.700.0/222/96), pugnamos pela desnecessidade, conquanto, o Parecer PGC/059/95
(Procuradoria-Geral do INSS/DF), bateu-se pela manutenção
da qualidade de segurado até a data do óbito, para gerar
pensão por morte.
II - DA ANÁLISE SOBRE A MATÉRIA
II.1 - Do preâmbulo
Toda observação, para ser tida na conta de científica,
haverá de pautar-se sobre bases objetivas e, no mundo jurídico,
necessário que se perquira o sistema normativo-positivo peculiar
ao tema investigado.
Neste tanto, o art. 102, da Lei nº 8.213/91, e o art. 240,
do Decreto nº 611/92, assim dispõem:
Art. 102 - A perda da qualidade de segurado após
o preenchimento de todos os requisitos exigíveis para a concessão
de aposentadoria ou pensão não importa em extinção
do direito a esses benefícios.
Art. 240 - A perda da qualidade de segurado não implica
a extinção do direito à aposentadoria ou pensão,
para cuja obtenção tenham sido preenchidos todos os requisitos.
Por outro lado, a Orientação Normativa da Previdência
Social nº 13/95, em seu item 3, estabelece que:
Será indevida a concessão da pensão
cujo óbito tenha ocorrido após a perda da qualidade de segurado,
por não ter havido o preenchimento de todos os requisitos dentro
do período de graça.
II.2 - Da obediência da Administração Pública
à Lei
No regime da Consolidação das Leis da Previdência
Social, ao tempo do Decreto nº 89.312/84, a pensão por morte
exigia uma carência de 12 (doze) meses, conforme preconizava o então
art. 47.
Na atualidade, por sua vez, o art. 26, inciso I, da Lei nº
8.213/91, dispensa a carência como requisito para a consecução
do prefalado benefício previdenciário [pensão por
morte].
Em assim sendo, não tem pertinência, para a obtenção
do suso mencionado benefício previdenciário, o gizado no
art. 15 da Lei de Benefícios, isto porque, se inexiste carência
não se tem, igualmente, como falar na perda da qualidade de segurado.
Fica sem sentido, destarte, aludir-se à qualidade de segurado se
o diploma legal, no átrio da pensão por morte, faz ouvidos
moucos à carência. Ou seja, frente ao expendido acima, chega-se
a uma destas conclusões:
1ª) enquadra-se alguém como segurado (desde que
tenha laborado por um tempo mínimo - segurado obrigatório;
ou, ainda, haja sido inscrito como segurado facultativo);
2ª) ou esta pessoa jamais será havida como segurado
(porque não trabalhou em regime ligado à Previdência
Social ou não se filiou na epígrafe de segurado facultativo).
O que não se pode cogitar, repisa-se, É VISLUMBRAR
UMA PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO NO QUE TANGE À PENSÃO
POR MORTE, HAJA VISTA QUE INEXISTE CARÊNCIA.
Entender-se, por curial, de forma diversa é, exatamente,
tornar inócuo o art. 102 da Lei de Benefícios. Vejamos: se
é essencial a qualidade de segurado, quando da morte, como sendo
um dos requisitos da pensão, porque tal dispositivo legal gizou
esta locução: "A perda da qualidade de segurado (...) não
importa em extinção do direito"? Ora, se perdeu a qualidade
de segurado, de regra geral, não mais estaria ligado ao Regime Geral
da Previdência Social, então, porque o art. 102, em tela,
estaria dando cobro a alguém que não mais estivesse agasalhado
pelo sistema da Previdência Social? Estaria o dispositivo legal referido
em desacordo com o contexto da lei de regência?
Divisa-se, isto sim, que interpretado sistematicamente os arts.
26, inciso I, combinado com o 102, ambos da mesma Lei, conclui-se que o
art. 15, do Diploma Legal de Benefícios, não se aplica à
pensão por morte. Somente assim é que se poderá dizer
que houve uma exegese contextualizadora.
Assim sendo, os pressupostos para a pensão por morte
são os seguintes:
a) óbito do segurado (que, para este fim, desde
que comprovado o vínculo laboral ou mesmo a condição
de segurado facultativo, sempre estará como integrado ao Regime
Geral da Previdência Social);
b) declaração judicial de morte presumida do
segurado;
c) condição de dependência do pretendente.
Tais requisitos para a pensão por morte, como é
de conhecimento geral, estão insertos no art. 74 da Lei nº
8.213/91.
No sentido da legislação peculiar, e somente assim
poderia fazê-lo (cf. Constituição Federal, art. 84,
inciso IV, parte final), o Regulamente de Benefícios, em seu art.
240, deixou claro o assentado pelo art. 102 da Lei nº 8.213/91.
Infelizmente, a Orientação Normativa de nº
13/95, já mencionada, não tem qualquer fundamento de validade,
uma vez que deixa de encontrar engate lógico no ordenamento jurídico
e, bem por isso, haverá de ser desprezada, ou, tecnicamente falando,
não deverá incidir sobre nenhum caso concreto.
Na linha do entendimento supradito, encontra-se a lição
doutrinária de MICHEL TEMER, que, como luva, serve à hipótese
vertente, pois veja-se:
"Figuremos exemplo esclarecedor: o Chefe de Seção
de uma repartição pública indefere requerimento por
mim formulado. Expediu ele comando individual. Sendo assim, devo verificar
se tal preceito firmado por aquele agente público é consoante
com normas superiores. Devo compatibilizar aquela ordem com a Portaria
de Diretor de Divisão; esta com a Resolução do Secretário
de Estado; a Resolução com o Decreto do Governador; este
com a Lei Estadual; a Lei Estadual com a Constituição do
Estado (se se tratar de Federação); esta com a Constituição
Nacional. Tudo para verificar se os comandos expedidos pelas várias
autoridades, sejam executivas ou legislativas, encontram verticalmente
suporte para a sua validade’
(Elementos de Direito Constitucional, Malheiros Editores, 10ª
ed., p. 21 - sem negrito no original)
De efeito, não se tem como entender aplicável
a dita Orientação Normativa, que afronta - diretamente -
os arts. 102, da Lei nº 8.213/91, e 240, do Regulamento de Benefícios.
Data maxima venia, a mesma sorte haverá de ser
reservada ao Parecer PGC/059/95 (também lembrado no exórdio
deste trabalho), dado que a interpretação sistêmica
aponta para rumo diverso, como dantes alinhado.
II.3 - Da índole da pensão por morte
A pensão por morte, como a própria designação
deixa entrever, tem um caráter extremamente assistencialista, donde,
por isso mesmo, houve a excepcionalidade, para ela, do período de
carência (cf. art. 26, I, da Lei nº 8.213/91).
Posicionamento oposto, com certeza, retiraria o cunho assistencial
do dito benefício [pensão por morte], igualitarizando-o à
generalidade das prestações do INSS.
Logo, o caráter de excepcionalidade da pensão
por morte recomenda uma hermenêutica particular à ela, sob
pena de estar acometendo-a à vala comum dos benefícios previdenciários.
Essa condição, digamos assim, de "social" da pensão
por morte é que gerou a preocupação do legislador
previdenciário, insculpindo a regra do art. 102, da lei de regência.
E, para arrematar, é de bom alvitre deixar assentado
que a pensão por morte é dirigida a pessoas que, em bastas
vezes, estão à beira da marginalização social,
já que foram vitimadas por um acontecimento infausto (falecimento
de quem presumidamente sustentava o lar), e acompanhadas de uma numerosa
prole, na generalidade das ocorrências.
Desta feita, tal benefício é dirigido à
alguém que é dependente daquele que, em algum momento de
sua vida, fora filiado ao Regime da Previdência Social. E, ainda
mais, a qualidade de segurado, como é óbvio, é uma
condição personalíssima, e, em vista disso, como a
sua falta poderia atingir outrem, que se encontra no pólo de dependente?
Como alguém poderia ser penalizado por um não-agir de outrem?
Já se pode transferir condições de inflingência
a terceiros e estranhos à relação de segurado?
II.4 - Dos posicionamentos jurisprudenciais sobre a pensão
por morte
Desde o passado, quando se exigia 12 (doze) contribuições
para se ter direito à pensão por morte, a jurisprudência
se inclinava neste sentido:
"Demonstrado que do falecido se descontaram contribuições
mensais em número superior a 12 (doze) , é devida a pensão
a seus dependentes, pois implementados os requisitos, não prescrevendo
o benefício, - mesmo após a perda da qualidade de segurado"
(Revista da Previdência Social, nº 161, abril de 1994, p.
301; sem destaques na fonte).
"Para o preenchimento da carência prevista no art.
47 da CLPS de 84, não é necessário que as 12 contribuições
efetuadas pelo de cujus sejam obrigatoriamente as últimas
anteriores à sua morte"
(Repertório IOB de Jurisprudência, nº 23/96 - 1ª
Dezembro -, 2/11870).
Já, contemporaneamente, o entendimento das nossas Cortes
é no rumo de que:
"A pensão por morte, benefício cuja concessão
independe de carência, e que pode ser concedido mesmo após
a perda da qualidade de segurado, não exige prova do exercício
de atividade laborativa nos últimos três anos"
(Revista Síntese Trabalhista, nº 86, agosto de 1996, p.
96 - destacou-se).
III - DA CONCLUSÃO
Por imperativo do art. 37, caput, da Constituição
Federal, a Administração Pública está jungida
à legalidade e, com isso, não tem como deixar de aplicar
as normas jurídicas que tratem da matéria alusiva, que, no
caso em apreço, são os arts. 26, inciso I, e 102, da Lei
nº 8.213/91, onde não se tem qualquer exigência de continuidade
da condição de segurado para que os dependentes dele façam
jus à pensão por morte.
Demais disso, a natureza muito mais assistencialista da pensão
por morte, acrescido do fato de ser ela devida a dependentes do falecido,
desautorizam qualquer interpretação que venha de exigir a
manutenção da qualidade de segurado do "de cujus", quando
do respectivo óbito.
E-mail do autor: e.sandim@zaz.com.br
Retirado do site: www.jus.com.br