® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

A CONTRIBUIÇÃO DOS INATIVOS, À LUZ DO DIREITO CONSTITUCIONAL

(A tese da constitucionalidade foi REJEITADA pelo STF, ADIn nº 2.010/99)



 
 
 

BRUNO MATTOS E SILVA
Procurador do INSS junto aos Tribunais Superiores

 
 

Vários juristas têm se posicionado pela inconstitucionalidade da instituição de contribuição social sobre os proventos de aposentadorias e pensões dos inativos do serviço público federal. Em linhas gerais, os argumentos são os seguintes: 

  • aposentados e pensionistas não são trabalhadores. Portanto, não estão enquadrados nos incisos do art. 195, da CF, de modo que a instituição da contribuição social teria de ser feita por meio de lei complementar, nos termos dos art. 195, § 4º e do art. 154, I, da CF;
  • a contribuição é paga para que se possa, no futuro, aposentar. Quem já está aposentado, portanto, não deve pagar.
  • essa contribuição seria "retroativa", pois a ocorrência de ato jurídico de concessão de aposentadoria teria sido perfeito e anterior à data da lei que instituiu a contribuição, de modo que a aposentadoria - ato jurídico perfeito - não poderia ser atingido pela nova contribuição.
  • Vamos analisar, de forma pormenorizada, esses três aspectos.
     
     

    1.Da exigência de lei complementar.

    É de meridiana clareza que aposentado não é trabalhador.

    Contudo, com advento da Emenda Constitucional nº 20, ficou mantida redação do caput do art. 195, mas foi alterada a redação do seu inciso segundo, que ficou com o seguinte teor: "Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos (...), e das seguintes contribuições sociais: (...) II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;"

    A discussão assim, passa muito ao longe de ser o aposentado um trabalhador ou não, haja vista expressa disposição constante da EC nº 20/98, no sentido da possibilidade de ser custeada a seguridade social também por meio de contribuição dos segurados da previdência social.

    Portanto, o ponto central da questão é a da validade da Emenda Constitucional que alterou a redação do art. 195, II, da CF, o que veremos a seguir:
     
     

    1.1.Da validade da EC nº 20/98 no tocante à redação dada ao art. 195, II, da CF.

    Como é pacífico que normas oriundas do poder constituinte derivado podem ser inconstitucionais, vamos analisar se a nova redação dada ao art. 195, II, da CF, é constitucional ou não.

    Formalmente, não resta dúvida quanto à constitucionalidade, posto que a norma em questão é uma emenda constitucional. Vamos analisar, assim, a questão sob seu aspecto material, vale dizer, se houve qualquer contradição ao núcleo imodificável da Constituição, vale dizer, se o art. 195, II, da CF é uma cláusula pétrea.

    Antes de mais nada, para analisar essa questão, é preciso interpretar as redações anterior e atual do art. 195, II, da CF, de acordo com a moderna teoria do Direito Constitucional. Com efeito, é princípio específico da interpretação constitucional o princípio da unidade, que é "uma especificação da interpretação sistemática, e impõe ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas. Deverá fazê-lo guiado pela grande bússola da interpretação constitucional: os princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou decorrentes da Lei Maior." (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Editora Saraiva, São Paulo, 2ª edição, 1998, p. 182)

     No próprio caput do art. 195 da Constituição Federal encontramos um princípio setorial da seguridade social. Esse artigo dispõe: "Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta (...)". À toda evidência, os inativos fazem parte da sociedade. E, de acordo com o princípio esculpido no caput do art. 195, também devem contribuir, de forma direta e indireta, para o custeio da seguridade social.

    Bem se vê, portanto, que o inciso II, do art. 195, em sua nova redação, ficou em sintonia muito maior com o princípio de custeio da seguridade social estabelecido pela ordem constitucional do que estava em sua redação anterior.

    De todo modo, vejamos se o art. 195, II, seria uma cláusula pétrea. Diz o art. 60, § 4º, da Constituição Federal: "Art. 60. (...) § 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais."

    É evidente que a EC nº 20/98 não se enquadra nos nenhum dos três primeiros incisos. Vejamos, todavia, se ela se enquadra no inciso IV, que trata dos direitos e garantias individuais conferidos ao cidadão pela Constituição Federal de 1988.

    Não é difícil concluir que os direitos e garantias individuais aos quais o art. 60, § 4º se refere são os constantes do art. 5º, da Constituição Federal. Esses direitos e garantias, portanto, não podem ser abolidos, exatamente porque o constituinte os considerou fundamentais. Daí o local da Constituição em que eles estão inscritos: no "Título II - DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS."

    No elenco dessas disposições não consta que os proventos de aposentadoria não podem ser tributados.

    Ainda que se deseje entender que a redação do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal, não se refere apenas aos direitos e garantias mencionados pelos incisos do art. 5º, mas sim a todo e qualquer direito conferido pela Constituição, ainda assim, não se achará nenhum dispositivo que proíba a tributação de proventos de aposentadoria.

    Não se irá achar no texto constitucional vigente até a data de entrada em vigor da EC nº 20/98, é verdade, qualquer permissão expressa no sentido de ser possível a criação da contribuição social em questão; desse modo, fazia-se necessário essa permissão (instituição) constitucional ou a criação do tributo por lei complementar. Optou-se pela instituição do tributo por emenda constitucional, de modo que ele pôde ser criado, posteriormente, por lei ordinária.
     
     

    2.Da inexistência de violação do direito adquirido.

    Mas vamos imaginar, tal como fazem alguns autores, que a emenda constitucional não possa violar qualquer direito adquirido.

    Trata-se de uma interpretação ultra-extensiva do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal. Mas como alguns autores de primeira magnitude o admitem, embora cometendo, com a devida venia, um equívoco, vamos analisar essa questão.

    Inicialmente, salta aos olhos que a própria Constituição Federal afirmou que apenas a lei não pode prejudicar o direito adquirido: está no art. 5º, inciso XXXVI: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

    Quanto às normas infralegais, o dispositivo não se aplica. E nem precisa, pois o inciso II, do mesmo artigo, já as impede de alterar o direito: "II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

    Por outro lado, a redação do art. 60, § 4º, IV, não determina que não seja objeto de emenda constitucional aquela tendente a violar "o direito adquirido"; muito ao revés, sua redação é explícita ao afirmar que não pode ser objeto de emenda constitucional a tendente a abolir "direito e garantias individuais"; data venia, a distinção é gritante. Mas, conforme dito acima, vamos admitir, por hipótese, que a emenda constitucional não possa violar o direito adquirido.

    Pergunta-se: há algum direito adquirido, por parte dos inativos, de não serem tributados? À toda evidência, não havia, até o advento da lei que criou a contribuição em questão, nenhuma determinação no sentido de que eles fossem tributados, o que, data venia, não constitui nenhum "direito" adquirido a que tal contribuição não seja criada. Ou seja, o fato ter inexistido, no passado, lei determinando a tributação, não criou um "direito adquirido" a não edição dessa lei posteriormente.

    Apenas a título de exemplo: pode um município que jamais cobrou IPTU de seu munícipes, passar a fazê-lo por lei municipal ordinária a partir de agora (respeitado o princípio da anterioridade)? É evidente que sim, pois o IPTU está previsto na Constituição Federal.

    E a contribuição dos inativos: até então não estava prevista na Constituição Federal; agora está. Qual o fundamento jurídico do suposto direito adquirido a uma "imunidade" ou a uma "isenção" dos proventos de aposentadoria dos inativos do serviço público federal? Há alguma previsão legal posterior à CF/88?

    Não há. Ainda que houvesse, data venia, não subsiste mais, em razão do advento da EC nº 20/98, conforme exposto acima.
     
     

    3.Da questão da "retroatividade" da lei.

    A lei que instituiu a contribuição social dos inativos não está retroagindo, pois não atinge fatos geradores pretéritos, não tributando os proventos de aposentadoria recebidos antes de sua vigência.

    Atingem sim, fatos geradores decorrentes de atos jurídicos pretéritos (quais sejam tais atos jurídicos: concessões de aposentadorias anteriormente ao advento da lei). Isso não é data venia, retroação da lei.

    Que se queira sustentar que a lei não é válida por violar um suposto direito adquirido, que é mera conseqüência do ato jurídico perfeito, até se admite. Agora, pretender dizer que a lei está retroagindo é, data venia, uma heresia jurídica imperdoável.

    O que ocorre é exatamente isso: a lei não está violando o direito adquirido à não tributação da aposentadoria, pois tal não existe. Não viola, igualmente, o direito adquirido à aposentadoria, pois tal continua existindo; não viola o ato jurídico perfeito de concessão da aposentadoria, exatamente porque o direito adquirido que dele adveio continua existindo: a aposentadoria continua sendo paga.

    O que se tenta, na realidade, agora por via reflexa, é dizer que há direito adquirido à não tributação. Essa afirmação, pelas razões acima expostas, não se sustenta, embora seja até razoável a sua discussão.
     
     

    Conclusão.

     Portanto, embora não seja razoável instituir uma contribuição social incidente sobre proventos de aposentadorias, a bem da verdade é que ela é constitucional. Ela é, portanto, apenas reprovável e maléfica, na opinião do subscritor deste artigo (o que vale muito pouco ou quase nada; meras opiniões individuais não são suficientes para tornar leis inválidas, embora alguns "iluminados" recusem-se a aceitar isso); mas é constitucional, pois o Judiciário não pode adentrar no mérito legislativo.

    Assim, a conclusão deste artigo é exatamente essa: a contribuição em questão, infelizmente, não é inconstitucional, podendo ser cobrada.
     

    Retirado de http://www2.rantac.com.br/users/jurista/inativ.htm