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A exeqüibilidade das propostas nas licitações de menor
preço para a contratação de obras e serviços de engenharia
Gisele Clozer Pinheiro Garcia*
A Lei 8.666/93,
consoante seu art. 48, contempla as hipóteses de desclassificação das propostas
apresentadas pelas empresas que participam de certames licitatórios.
A primeira
situação ensejadora da desclassificação de uma oferta refere-se ao
desatendimento das exigências contidas no edital de licitação.
Nem poderia ser
diferente, a par do princípio da vinculação ao ato convocatório, previsto no
art. 3º da Lei 8.666/93, que determina à Administração o dever de observar as
exigências da peça editalícia, no curso de todo o procedimento.
A segunda hipótese
de desclassificação está atrelada ao preço apresentado pelo licitante, que deve
ser compatível com os de mercado.
Logo, impõe-se a
desclassificação da proposta com preço inexeqüível ou superfaturado.
Veja que, a rigor
da lei, não é só o preço excessivo que enseja a desclassificação da proposta.
Também o preço muito baixo produz igual resultado, na medida em que reste demonstrado
que o licitante não dispõe de meios para bem adimplir o contrato.
Especificamente
quanto à inexeqüibilidade da oferta, temos que, após as alterações empreendidas
pela Lei 9.648/98, hoje há uma forma objetiva de apuração da exeqüibilidade das
propostas, nas licitações de menor
preço, quando o objeto licitado tratar-se de obra ou serviço de engenharia.
Nesse sentido,
determina o art. 48, §§1º e 2º da Lei 8.666/93, o seguinte:
"§1º do 48. Para os efeitos do disposto no inc. II deste artigo,
consideram-se manifestamente inexeqüíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de
engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta
por cento) do menor dos seguintes valores:
a)média aritmética dos valores das propostas superiores a 50%(cinquenta
por cento) do valor orçado pela Administração, ou
b)valor orçado pela Administração.
§2º do art. 48. Dos licitantes classificados na forma do parágrafo
anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento)
do menor valor a que se referem as alíneas a e b, será exigida
garantia adicional, dentre as modalidades previstas no §1º do art. 56, igual a
diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da
correspondente proposta (grifo nosso).
Acerca da exegese
do texto em epígrafe, imaginemos o seguinte exemplo hipotético:
Numa determinada
licitação de menor preço para a contratação de serviços de engenharia, as
propostas dos licitantes apresentaram os seguintes valores:
Empresa A – R$948.165,76
Empresa B – R$999.314,00
Empresa C - R$1.731.549,42
Empresa D - R$1.675.087,79
Empresa E – R$1.612.935,19
O valor orçado pela Administração foi de
R$1.896.331,55.
Conforme o texto
legal em epígrafe, deveriam ser consideradas inexeqüíveis as propostas cujos
valores fossem inferiores a 70% do menor dos seguintes valores:
a) média
aritmética dos valores das propostas superiores a 50% do valor orçado pela
Administração;
B) valor orçado
pela Administração
Por conseguinte,
temos que apurar se o menor valor é o constante da alínea "a" ou o da
"b".
Para o cálculo da
alínea "a", precisamos aferir, inicialmente, quais ofertas são
superiores a 50% do valor orçado. Pois bem, 50% de R$1.896.331,55 equivale a
R$948.165,75. Verifica-se que todas as propostas apresentadas são superiores a
este valor, sendo computadas, portanto, sem exceção, no cálculo da média
aritmética.
A média aritmética
das cinco propostas (obtida pela soma delas – que perfaz R$6.967.052,2 – e a
divisão do resultado pelo número de ofertas –5) atinge o montante de
R$1.393410,4.
Portanto, nos
termos da lei, considerar-se-á o valor de R$ 1.393410,4 para aplicação do
percentual de 70%, já que é o menor valor, nos termos da alínea "a" e
"b" do dispositivo legal em tela.
Destarte, 70% de
R$1.393410,4 perfaz R$975.387,28.
Equivale a dizer
que as propostas inferiores a R$975.387,28 devem ser consideradas inexeqüíveis
e, no caso em exame, a proposta da empresa A está aquém deste valor.
Logo, segundo os
critérios da lei, a empresa A deve ser desclassificada, uma vez que sua
proposta encontra-se inexeqüível.
Por outro lado,
faz-se mister verificar se as demais propostas, não obstante o fato de serem
exeqüíveis, deveriam sujeitar-se à apresentação de garantia adicional, consoante
o art. 48, §2º do Estatuto.
Será exigível
garantia da proposta inferior a 80% de R$1.393410,4 que corresponde a
R$1.114.728,3 e a empresa B, diga-se, apresentou proposta aquém deste limite,
no montante de R$999.314,00, sendo, portanto, o caso de ter exigir-se garantia
adicional.
Verifiquemos,
então, como proceder a fim de aferir o montante de garantia a ser reclamada.
O cálculo
corresponde, pela lei, ao valor obtido da diferença entre o obtido no §1º (
R$975.387,28) e o da respectiva proposta (R$999.314,00), o que atinge o
montante de R$23.926,72, que é o valor da garantia adicional a ser prestada.
Trata-se de
garantia adicional, portanto, pode ser cumulada com a garantia de 5% (cinco por
cento) prevista no art. 56 da Lei 8.666/93, observado o rol de modalidades
definidos neste dispositivo.
Por fim, resta
esclarecer se, não obstante aplicada esta fórmula e aferida, por tais
critérios, a inexeqüibilidade da oferta, a mesma pode vir a ser classificada,
diante da existência de outros elementos que denotem a possibilidade de
execução do ajuste a contento.
Quer nos parecer
que sim, tratando-se a fórmula em epígrafe de uma presunção relativa de
inexeqüibilidade. Vale dizer, a proposta é, de acordo com a lei, inexeqüível, a
não ser que, em determinado caso concreto, o licitante possa fazer prova em
contrário e atestar que sua proposta é perfeitamente executável.
Nesse sentido,
entende Marçal Justen Filho que:
"Não se
afigura defensável, porém, transformar em absoluta a presunção do § 1º. Se o
particular puder comprovar que sua proposta é exeqüível, não se lhe poderá
interditar o exercício do direito de apresentá-la. É inviável proibir o Estado
de realizar contratação vantajosa. A questão é de fato, não de direito. Incumbe
o ônus da prova da exeqüibilidade ao particular. Essa comprovação poderá fazer
em face da própria Administração, pleiteando-se a realização de diligência para
tanto" (cf. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos,
5ª ed., ver. e amp., Dialética, 1998, p. 439).
Mas, neste caso, a
Administração deve cercar-se das cautelas de estilo, demonstrando amplamente no
processo todos os elementos que contribuíram para afastar a presunção de
inexeqüibilidade, assim fundamentando a opção pela aceitação da oferta.
Em tempo, frise-se
que a lei é expressa ao ditar que o dispositivo legal em comento aplica-se,
apenas, nas licitações de menor preço,
cujo objeto seja a realização de obras
ou serviços de engenharia. De tal sorte que, em se tratando de licitação
para a compra de bens ou prestação de outros serviços, bem como nos certames
cujo tipo adotado seja melhor técnica
ou técnica e preço, o critério
matemático acima não é aplicável, mas permanece a necessidade de se aferir,
tendo em vista os preços médios de mercado, a aceitabilidade dos preços,
consoante o inc. II do art. 48 da Lei de Licitações.
A este respeito,
diz Jessé Torres Pereira Júnior:
"O critério
matemático serve ao julgamento de licitações do tipo ‘menor preço’, mas não se
mostra adequado para o julgamento das licitações dos tipos "técnica e
preço" e ‘melhor técnica’, nos quais é imperiosa a avaliação das propostas
técnicas em separado das propostas de preço, segundo critérios igualmente
técnicos, que, nada obstante objetivos, não se podem resumir ao confronto de preços,
posto que a técnica responde, nesses casos, pela qualidade, a ser examinada
antes dos preços, mas em conjugação com estes. Quanto às licitações para as
compras, a inadequação do critério residiria em que as regras do mercado de
bens e produtos seguem parâmetros de custo diversos daqueles que presidem a
execução de obras e serviços de engenharia, onde a logística desempenha, não
raro, papel relevante, cuja eficiência também se mede pelo custo
operacional" (cf. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração
Pública, 6ª ed., Renovar, 2003, p. 501).
De todo modo, seja
por critérios aritméticos específicos, seja pelas condições mercadológicas
aferidas, por força da lei, não pode a Administração se abster de verificar a
exeqüibilidade das ofertas apresentadas nos certames licitatórios, já que preço
excessivamente baixo, ao contrário do que possa parecer em primeira análise,
não é uma vantagem àquele que contrata, mas certamente um enorme problema na
fase de execução da avença, já que, por certo, o contratado não logrará êxito
em bem adimplir sua prestação, ocasionando, não raro, prejuízos de monta ao
cumprimento do objeto colimado.
* Advogada em Campinas (SP), especialista em
Direito Tributário pela PUC/Campinas.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10925
Acesso em: 14 out.
2008.