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Carlos Fernando do Nascimento*
Trata o presente trabalho da impossibilidade
da atualização dos valores das multas de trânsito da forma como está
estabelecida no Código de Trânsito Brasileiro, CTB – Lei nº 9.503, de 23 de
setembro de 1997, art. 258 – in verbis:
Art. 258. As infrações punidas com multa
classificam-se, de acordo com sua gravidade, em quatro categorias:
I - infração de natureza gravíssima, punida
com multa de valor correspondente a 180 (cento e oitenta) UFIR;
II - infração de natureza grave, punida com
multa de valor correspondente a 120 (cento e vinte) UFIR;
III - infração de natureza média, punida com
multa de valor correspondente a 80 (oitenta) UFIR;
IV - infração de natureza leve, punida com
multa de valor correspondente a 50 (cinqüenta) UFIR.
§ 1º Os valores das multas serão corrigidos
no primeiro dia útil de cada mês pela variação da UFIR ou outro índice legal de
correção dos débitos fiscais.
§ 2º Quando se tratar de multa agravada, o
fator multiplicador ou índice adicional específico é o previsto neste Código.
Expressamente, o CTB definiu a Unidade Fiscal
de Referência – Ufir – como indexador dos valores das multas de trânsito,
visando manter a capacidade punitiva da Administração frente aos administrados,
atualizando seus valores mês a mês por força do indexador. De outra forma, com
o passar do tempo, o valor da pena pecuniária se deterioraria, deixando de se
consubstanciar em elemento de desestímulo ao cometimento de infrações àquele
regramento.
Instituída pelo art. 1º da Lei nº 8.383, de
30 de dezembro de 1991, a Ufir foi criada para garantir ao fisco a manutenção
do poder arrecadatório da Administração Fazendária Federal, diante do
agravamento do quadro inflacionário, e da efetiva punição pela aplicação de
multas de qualquer natureza, mantendo o caráter desestimulador da penalidade.
Vejamos:
Art. 1° Fica instituída a Unidade Fiscal de
Referência (Ufir), como medida de valor e parâmetro de atualização monetária de
tributos e de valores expressos em cruzeiros na legislação tributária federal,
bem como os relativos a multas e penalidades de qualquer natureza.
Neste ponto cabe destacar a falha existente
no CTB ao indicar que a atualização dos valores das multas se daria pela Ufir
ou "outro índice legal de correção dos débitos fiscais". A Ufir não é
um índice, é um indexador de natureza monetária que, frisando, tinha o objetivo
de atualizar o valor monetário do tributo. A atualização da Ufir era obtida
através de uma cesta de índices – INPC, IGP, IGP-DI e IPC – mas era expressa em
forma de valor monetário, uma unidade monetária.
A diferenciação entre índice e indexador
nasce justamente do fato do indexador ser expressão monetária de valor,
enquanto o índice reflete uma variação de determinado valor ou valores. No caso
em tela, o indexador Ufir era atualizado periodicamente por um índice definido,
visando atualizar o valor monetário expresso.
Alterado o cenário econômico nacional, com o
Plano Real, a Ufir teve seu fim em 26 de outubro de 2000, pela Medida
Provisória nº 1.973-67, quando a sua expressão monetária era de R$ 1,0641 (um
real e seiscentos e quarenta e um milésimos). Os valores expressos em Ufir
deveriam ser convertidos para Real com base neste último quantum.
Assim, as multas previstas no CTB passaram a
ser valoradas da seguinte forma: gravíssima, R$ 191,54; grave, R$ 127,69;
média, 85,13; leve, R$ 53,20. Estes valores foram positivados pela Resolução nº
136, de 2 de abril de 2002, do Contran. Nada mais fez o Contran que converter
os valores previstos no CTB, em Ufir, para o valor em moeda corrente.
O problema surge então da necessidade legal
de atualização destes valores, como determina o art. 258, §1º, do CTB. Isto
deveria se dar pelo índice legal de atualização de débitos fiscais,
mensalmente, índice este que não está definido claramente na legislação.
Para a identificação de qual seria este
índice, devemos compreender o mens legislatori que revestiu a
determinação de atualização por outro parâmetro na ausência da Ufir. Cabe
esclarecer que a interpretação via mens legislatori procura entender o
que o legislador queria dizer, independente do que realmente acabou registrando
no texto da norma jurídica.
Sendo a Ufir indexador que buscava a correção
monetária dos valores das multas, o interesse do legislador seria o de
salvaguardar o instrumento punitivo da desvalorização da moeda. Violaria este
interesse estabelecer a correção por qualquer outro índice que implicasse, além
de corrigir seu valor, em aumento real do montante da penalidade, considerado
adequado pelo legislador quando da feitura do CTB.
O índice utilizado para a correção dos
débitos fiscais hoje é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e
Custódia – Selic. Sua aplicação na atualização dos valores das multas de
trânsito é inviável por sua definição. Vejamos [01]:
É a taxa apurada no Selic, obtida mediante o
cálculo da taxa média ponderada e ajustada das operações de financiamento por
um dia, lastreadas em títulos públicos federais e cursadas no referido sistema
ou em câmaras de compensação e liquidação de ativos, na forma de operações
compromissadas. Esclarecemos que, neste caso, as operações compromissadas são
operações de venda de títulos com compromisso de recompra assumido pelo
vendedor, concomitante com compromisso de revenda assumido pelo comprador, para
liquidação no dia útil seguinte. Ressaltamos, ainda, que estão aptas a realizar
operações compromissadas, por um dia útil, fundamentalmente as instituições
financeiras habilitadas, tais como bancos, caixas econômicas, sociedades
corretoras de títulos e valores mobiliários e sociedades distribuidoras de
títulos e valores mobiliários.
A compra e venda compromissada funciona
quando uma instituição financeira vende, pelo Selic, títulos públicos
comprometendo-se a recomprá-los em prazo determinado, por um preço maior do que
o da venda. Daí a denominação da operação. O ágio existente entre o valor da
venda e o da recompra é a remuneração do capital empregado pelo comprador.
Verifica-se, portanto, que a Selic possui
natureza de juros remuneratórios que representam a retribuição pela utilização
do capital alheio, não servindo como parâmetro para a atualização monetária de
valores. A idéia desta taxa seria desestimular o contribuinte a aplicar nas
operações em bolsa o valor que deveria ser recolhido aos cofres públicos, cuja
multa pelo não pagamento seria menor do que os lucros que poderiam ser
auferidos no mercado.
Sob esta ótica, incabível a utilização da
Taxa Selic na atualização dos valores das multas previstas no CTB, entendendo
que a função da atualização prevista no Código seria a de manter o caráter
punitivo da penalidade, impedindo a sua perda de valor frente à desvalorização
da moeda.
No contexto histórico da feitura do CTB –
alta inflação e constante desvalorização da moeda – uma das medidas para
atualizar os valores cobrados pela Administração, mantendo seu valor real, era
a indexação. Contudo, não se faz mais presente o cenário que motivou tal
iniciativa. Houve a chamada "desindexação da economia" desaparecendo
o indexador que atualizava o valor das penalidades.
Neste ponto devemos atentar para o fato de
que a proposta colocada pelo legislador na norma era a da indexação para
garantir o efetivo valor da multa, impedindo que, por conta da desvalorização
da moeda, seu valor caísse a um nível a partir do qual o Administrado não teria
qualquer pudor em desrespeitar a legislação, pois o custo pelo desrespeito
seria de tal forma baixo que ele se sentiria disposto a pagar. Citando Foucault
"encontrar para um crime o castigo que convém é encontrar a desvantagem
cuja idéia seja tal que torne definitivamente sem atração a idéia de um
delito".
Assim, as normas punitivas têm que estar
apoiadas na efetividade da punição e no impacto que esta punição terá sobre o
infrator. Se ao infringir a norma o infrator tem consciência de que a possibilidade
de punição é pequena, não há desestímulo, ainda que a pena seja alta. Na mesma
vereda, se, infringida a norma, a probabilidade de punição seja alta, porém os
efeitos da punição sejam baixos, a conduta reprovável prevalece, pois o preço
do descumprimento é baixo e não desmotivador.
Sob está celeuma, entendo desnecessário o
debate sobre o valor do índice de reajuste dos valores das multas. Não há
índice possível a ser aplicado sobre os valores definidos no Código, pois o
parâmetro indicado por aquela norma não reflete hoje a idéia de atualização
monetária antes exercida pela Ufir.
Repisando, o índice que corrige o débito
fiscal é a Taxa Selic. A utilização de qualquer outro atualizador – IGP-M, IPCA
etc. – que não a Ufir ou a Taxa Selic é ilegal, pois a Lei manda que seja a
Ufir ou o índice que atualiza os débitos fiscais. Mas a Selic já foi
demonstrada como incabível, sob a ótica da atualização monetária.
Diante disto, não há como alterar os valores,
atualizando-os. Não cabe ao Contran determinar o valor das multas ou qual seria
o índice de sua atualização. Não cabe ao órgão regulamentador definir novos
valores e/ou novo índice – já que inexistente na atual conjuntura econômica os
indexadores – que incidirão para majorar aquilo que foi firmado pela norma
legal.
Ex positis, devido à natureza do instrumento jurídico utilizado para o
estabelecimento dos valores das penas, é inadmissível outra via senão a da
edição de lei em sentido formal. A concretização de novos valores deve,
obrigatoriamente, passar pela modificação do artigo 258 do Código de Trânsito.
Aproveitando a oportunidade e a conveniência,
deveria ser observada a efetividade dos valores das multas no eficaz
desestímulo ao infrator. Após dez anos da instituição do CTB caberia até mesmo
avaliar se o valor das penalidades, que se pretende simplesmente atualizar, é
viável para cumprir o papel de afastar a idéia da infração.
Tratar-se-ia da reavaliação e da adequação
dos valores das multas, não de simples reajuste. Sabe-se que esta é a tarefa
mais árdua e necessitará de amplo debate, com ânimos acirrados tanto no sentido
de endurecer as penas, quanto no de minorá-las. Contudo, possivelmente seria a
mais legítima e tecnicamente correta.
Nota
01 http://www.bcb.gov.br/?SELICDESCRICAO. Disponível em 23/11/2007.
* Especialista em Direito e Processo Administrativo pela Universidade
Candido Mendes. Especialista em Regulação de Serviços de Transportes Terrestres
pela Escola Politécnica da UFRJ. Bacharel em Direito pela Universidade Cândido
Mendes (2004). Advogado. Atualmente é Especialista em Regulação lotado na
Agência Nacional de Transportes Terrestres, Brasília, e membro titular da Câmara
Temática do Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito. Atua na área do
Direito Administrativo, especialmente em Processo Administrativo, Direito do
Trânsito e Regulatório
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10720
Acesso em: 25 ago.
2008.