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Luiz Cezar P. Quintans*
Muito se fala no
Brasil da necessidade de captação de recursos externos para incrementar a
economia nacional, muito se fala em projetos geradores de empregos, muito se
fala na retomada do processo industrial para que os empresários deixem a
ciranda financeira e voltem a investir localmente na produção.
Muito
do que se espera de um "Brasil novo" é a estabilidade nas relações
jurídicas. Tudo que o investidor quer, seja ele brasileiro ou estrangeiro é um
jogo com regras muito claras, sem que ocorram mudanças durante o jogo, ainda
que se queira - com a mudança - aperfeiçoar o "campeonato".
A
falta de segurança jurídica é um dos maiores entraves aos investimentos na
produção e ao ingresso de novos capitais no país. Muitas normas, especialmente,
as normas indiretas, tais como instruções normativas e resoluções, simplesmente
preferem ignorar normas constitucionais de irretroatividade (veja CF art. 5º,
inciso XXXVI), para regularem determinadas matérias administrativas e
tributárias que não possuíam nenhuma regulamentação ou possuem regras pouco
abrangente. Muitas dessas normas, simplesmente, são editadas alcançando
períodos anteriores a elas mesmas. Isso sem falar no desrespeito à própria
hierarquia da legislação, invertendo e comandando conceitos e definições por
atos que seriam explicativos e operacionais.
Uma
das formas de garantir a manutenção de regras equilibradas seria a criação das
chamadas "tax stability clauses" nos contratos administrativos
firmados entre particulares e entidades públicas, e em especial nos contratos de
concessão para a exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, gás
natural, minerais, recursos hídricos, entre outros. A "cláusula de
estabilidade tributária" poderia permitir que os licitantes,
posteriormente chamados concessionários, tivessem como orçar os projetos, sem
surpresas, sem serem atingidos por nova carga tributária, sem novos impostos,
novos preços públicos, novas contribuições de intervenção de domínio econômico,
novas contribuições compensatórias, novas licenças ou qualquer outro tipo de
imposição financeira para satisfazer o equilíbrio dos cofres públicos. A
"tax stability clause" é uma maneira possível de se obter
estabilidade, segurança jurídica em uma relação econômica e comercial entre os
entes públicos e a iniciativa privada.
Vários
países adotam, para determinados setores produtivos, o compromisso de manter
por um determinado período de tempo uma regra tributária fixa, até que o setor
se estabilize, produza receitas, gere empregos, etc. Poderíamos citar exemplos
de países como a Rússia, o Cazaquistão, a Tanzânia, o Peru, a Guiana, que
possuem estabilização tributária em algumas atividades econômicas, mas, um belo
exemplo a seguir, em uma economia que já é madura, é o do Senado Norte
Americano que criou recentemente, em abril último, para o setor de
telecomunicações, especificamente, para a internet, uma isenção tributária de
quatro anos, (veja comentários em: http://www.ffis.org/misc/042604.htm).
Certamente,
não é simples a adoção dessa regra no Brasil, o nosso atual ordenamento
jurídico impede a aplicação da "cláusula de estabilidade tributária".
O dispositivo inibidor é o artigo 123 do Código Tributário Nacional - CTN, que
menciona: "Salvo disposições de lei em contrário, as convenções
particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não
podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do
sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes"
Assim,
se o Estado cria uma nova obrigação tributária no país, mesmo que um dos
contratantes seja um ente público, a Fazenda Pública, irá exigir o cumprimento
dessa obrigação. Em outras palavras, a convenção particular não poderá se
sobrepor aos interesses públicos. Isso seria muito louvável, se o poder
público, por outro lado, não tivesse autonomia para mudar a carga tributária no
meio da vigência de um contrato de concessão (ato jurídico perfeito), alterando
economicamente a relação entre Estado e o particular. Apenas a título de
exemplo, aconteceu recentemente com a edição das leis 10.833/2003 e
10.865/2004, ambas tratando de PIS e COFINS; e com a Contribuição de
Intervenção no Domínio Econômico – CIDE pelas Leis no
10.336/2001 e Lei nº 10.168/2000.
No
cenário jurídico nacional, já não se pode nem citar como exemplo o casamento
como um contrato rígido, irrevogável, que merece ser protegido, porque o atual
Código Civil – Lei n. 10.406/2002, prevê a possibilidade de alteração do regime
de bens no casamento (§ 2º do art. 1.639 do CC). A questão de ordem atual é
justamente essa: Os empresários querem participar de acordos onde as regras
sejam imutáveis e cristalinas enquanto durar o acordo.
Considerando
a legislação atual, por exemplo, nos contratos firmados entre as Agências
Reguladoras e as empresas concessionárias, não se pode estabelecer cláusulas
tributárias que impeçam o aumento da carga tributária, porque essa regra entre
as partes não será considerada pela Fazenda Pública, seja ela Federal, Estadual
ou Municipal.
É
importante ressaltar que não se está questionando diretamente a existência do
artigo 123 do CTN, que admitimos ser plausível a sua aplicação para
determinadas hipóteses (ex: na relação de cobrança de IPTU contra o
proprietário do imóvel, mesmo que este tenha transferido a obrigação ao
locatário do bem). A solução, para os contratos público-privados, seria
instituir uma Lei Complementar mencionando que, quando os contratos privados
tivessem como uma das partes contratantes os entes públicos, incluindo as
autarquias e agências reguladoras, a Fazenda Pública fica obrigada a observar
essas convenções particulares específicas. De acordo com a necessidade de
determinadas atividades econômicas poderiam existir Leis Complementares
específicas, por prazo determinado, fixando, de forma estável, tributos, suas
alíquotas, bases de cálculos e hipóteses de incidência. Outra solução seria
diretamente através de Emenda Constitucional, no mesmo sentido, modificando o
artigo 150 da Carta Magna, limitando o poder de tributar em determinadas
situações contratadas em favor do desenvolvimento econômico de determinados
segmentos da economia.
É
fundamental lembrar que várias atividades econômicas têm um prazo de maturação
inicial muito longo. A de exploração de petróleo, por exemplo, é de cerca de
oito anos, no mínimo, antes do início de qualquer resultado lucrativo. São
vários anos de investimentos pesados em pesquisa, desenvolvimento, estudo e
exploração antes de qualquer proveito positivo. Em contrapartida, essas
atividades podem gerar muitos empregos diretos e indiretos, diversas atividades
econômicas no entorno e, certamente, pagamento de tributos à Fazenda Pública. A
solução está na velocidade das mudanças e na coragem para modificar os
paradigmas atuais de procedimentos administrativos, de tributação e de legislar
para curtos períodos
*advogado
tributarista e comercialista no Rio de Janeiro (RJ), titular do Quintans &
Advogados Associados
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/
Acesso em: 27 fev. 2007.