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A natureza jurídica dos
conselhos fiscais de profissões regulamentadas
Ronaldo Pinheiro de Queiroz*
CONSIDERAÇÃO INICIAL
O
presente artigo tem a finalidade de traçar algumas linhas acerca da natureza
jurídica dos conselhos fiscais de profissão regulamentada.
A
importância do estudo se mostra presente, tendo em conta que as mais diversas
profissões liberais têm seu órgão de fiscalização específico, que serve de
sustentáculo para toda uma atividade profissional e que sem dúvida resvala a
sua atuação na própria sociedade, pela repercussão da atuação dos respectivos
profissionais.
A
discussão acerca da natureza jurídica dos conselhos, que foi alvo de
controvérsias durante um bom tempo, sem dúvida contribuiu para a falta de
uniformidade na conduta, postura e funcionamento dos vários conselhos, o que
trouxe severos transtornos para sua disciplina jurídica.
DA
NATUREZA JURÍDICA
Os
conselhos fiscais de profissões regulamentadas são criados por meio de lei
federal, em que geralmente se prevê autonomia administrativa e financeira, e se
destinam a zelar pela fiel observância dos princípios da ética e da disciplina
da classe dos que exercem atividades profissionais afetas a sua existência.
Não
raro, na própria lei de constituição dos conselhos vem expresso que os mesmos
são dotados de personalidade jurídica de direito público, sendo que outras leis
preferem apontá-los, desde logo, como autarquias federais.
Acontece
que, mesmo com essa regulamentação clara, a natureza jurídica dos conselhos
profissionais sempre foi alvo de controvérsias.
Várias
são as naturezas jurídicas apontadas para os conselhos de fiscalização, como
autarquias de natureza especificamente corporativa, autarquias especiais,
autarquias sui generis,
entidades paraestatais ou até mesmo entidades dotadas de personalidade jurídica
de direito privado.
A
natureza privatística dos conselhos profissionais
ganhou força com a edição da Lei 9.649, de 27 de maio de 1998, na qual se
previu que os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão
exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante
autorização legislativa.
Essa
lei, contudo, foi impugnada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade
1.717-6/DF, ajuizada em conjunto pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B –,
pelo Partido dos Trabalhadores – PT – e pelo Partido Democrático Trabalhista –
PDT.
Em
sede de cautelar, no dia 22 de setembro de 1999, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal, por maioria de votos, suspendeu a eficácia dos dispositivos impugnados
[1] da Lei 9.649/98.
No
dia 07 de novembro de 2002, o mérito da ADIN 1.717-6/DF foi julgado, tendo como
Relator o Ilustre Ministro Sydney Sanches, que transcreveu, na fundamentação do
seu voto, trecho por ele averbado em sede de cautelar, quando disse que:
"...
não me parece possível, a um primeiro exame, em face de nosso ordenamento
constitucional, mediante a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22,
XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, a
delegação, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange
até poder de polícia, de tributar e punir no que concerne ao exercício de
atividades profissionais."
Importante
salientar, por oportuno, que antes mesmo do julgamento da referida ADIN, o
Supremo Tribunal Federal já tinha enfrentado o tema no Mandado de Segurança n.º 22.643-9-SC, Relator Ministro Moreira Alves, por votação
unânime, em que se decidiu que:
"(...)
– Os Conselhos Regionais de Medicina, como sucede com o Conselho Federal, são
autarquias federais sujeitas à prestação de contas ao Tribunal de Contas da
União por força do disposto no inciso II do artigo 71 da atual
Constituição."
Cabe
destacar trecho do voto condutor do Relator, na passagem onde diz que:
"Esses
Conselhos – o Federal e os Regionais – foram, portanto, criados por lei, tendo
cada um deles personalidade jurídica de direito público, com autonomia
administrativa e financeira. Ademais, exercem eles a
atividade de fiscalização de exercício profissional que, como decorre do
disposto nos artigos 5º, XIII, 21, XXIV, e 22, XVI, da Constituição Federal, é
atividade tipicamente pública. Por preencherem, pois, os requisitos de
autarquia, cada um deles é uma autarquia, embora a Lei que os criou declare que
todos, em seu conjunto, constituem uma autarquia, quando, em realidade, pelas
características que ela lhes dá, cade um deles é uma
autarquia distinta."
Antes
disso, o antigo Tribunal Federal de Recursos (TRF) havia reconhecido a natureza jurídica de autarquia federal com relação ao
Conselho Regional dos Representantes Comerciais de Brasília (Ministro Moacir
Catunda, AI 40.892-DF, AI 40.907-DF, DJU 03.09.1980). O Superior Tribunal de
Justiça, ratificando o posicionamento do TRF, editou a Súmula 66, dizendo que
Compete à Justiça Federal processar e julgar execução fiscal promovida por
conselho de fiscalização profissional, no entendimento de que, sendo autarquias
federais, as ações em que são autores ficam afetas à Justiça Federal.
Ora,
o desfecho do tema não poderia ser diferente, pois basta um simples cotejo com
o Decreto-Lei n.º 200/67, Estatuto da Reforma
Administrativa Federal, no seu art. 5º, para verificarmos que os conselhos de
fiscalização das profissões liberais se enquadram perfeitamente na forma de
autarquias. Segue o artigo:
Art.
5º. Para os fins desta lei, considera-se:
I
– Autarquia – o serviço autônomo criado por lei, com personalidade jurídica,
patrimônio próprio, para executar atividades típicas da Administração Pública,
que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e
financeira descentralizada.
Todos
os conselhos profissionais são criados por lei, dotando-os de personalidade
jurídica. Citem-se, a título de exemplo, os conselhos federais de farmácia e
de medicina, criados respectivamente pelas Leis 3.820/60 e
3.268/57.
As
atividades são típicas da Administração Pública. Os conselhos são órgãos
delegados do Estado para o exercício da regulamentação e fiscalização das
profissões liberais. A delegação é federal tendo em vista que, segundo a
Constituição da República, a teor do art. 21, XXIV, compete à União Federal
organizar, manter e executar a inspeção do trabalho, atividade típica de Estado
que foi objeto de descentralização administrativa,
colocando-a no âmbito da Administração Indireta, a ser
executada por autarquia, pessoa jurídica de direito público criada para esse
fim.
Além
disso, os conselhos de fiscalização são detentores de autonomia administrativa
e financeira, característica essencial de uma autarquia, cujo patrimônio,
próprio deles, é constituído pela arrecadação de contribuições sociais de
interesse das categorias sociais, também chamadas de contribuições parafiscais, tendo nítido caráter tributário. Nesse ensejo,
cabe enfatizar que, já que as contribuições possuem natureza tributária,
segundo o art. 119 do Código Tributário Nacional, "sujeito ativo titular
da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para
exigir o seu cumprimento."
Assim,
não há arrimo para dúvidas de que os conselhos de fiscalização das profissões
liberais têm natureza jurídica de autarquia e, como tal, devem se portar.
A
questão de ser uma autarquia especial, sui generis, corporativa ou outra nomenclatura que se queira
empregar não desnatura a essência de pessoa jurídica de direito público, que
está atrelada aos diversos princípios e normas que regem a Administração
Pública.
Há
quem defenda, contudo, que os conselhos não seriam autarquias por ausência de
supervisão ministerial a consubstanciar a tutela ou controle administrativo dos
entes descentralizados pelo ente central.
Acontece
que a supervisão ministerial não constitui fator essencial para caracterizar um
ente como autarquia. Ora, nos casos de descentralização administrativa, a regra
é a autonomia dos entes descentralizados e a exceção é o controle destes
últimos pela administração central, somente quando previstos em lei e nos
estreitos limites desta.
A
supervisão ministerial está prevista no art. 19 do Decreto-lei 200/67.
Como
esse controle é uma exceção e está previsto em lei, nada obsta que lei
posterior que crie um ente descentralizado deixe de prever tal controle, sem
que com isso exclua esse ente da administração indireta ou desfigure sua
natureza.
A
propósito, o professo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO (In: Curso de Direito
Administrativo. 14 ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 141), em nota de rodapé
de sua obra, quando comenta o controle das autarquias, assim se manifestou:
"’É
verdade, entretanto, que como este diploma não tem força jurídica superior a
qualquer outra norma de nível legal, a lei que ulteriormente venha a criar uma
determinada autarquia pode configurar-lhe um âmbito de liberdade mais ou menos
extenso do que o estabelecido no Decreto-lei 200, pois, como é claro, lei
posterior que revoga a anterior quando com ela incompatível."
Assim,
não há como fugir da condição de autarquia pelo simples fato de não haver
supervisão ministerial.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Diante
disso, a partir da constatação da natureza jurídica de autarquia federal dos
conselhos federais, e tomando-a como premissa primária, as conseqüências
jurídicas daí decorrentes ficam afetas ao regime jurídico administrativo,
trazendo para os conselhos as mesmas prerrogativas e restrições da
administração pública indireta.
Daí
em diante, pode-se concluir que esses entes têm as mesmas vantagens e
privilégios da administração, mas também têm os mesmos ônus, devendo realizar
concurso público para admissão de seu pessoal, seguir as regras do regime
jurídico do pessoal que estabelecer, realizar licitação, dentre outros consectários
desse regime de caráter publico.
Os
conselhos que ainda se portam como entidades privadas deverão se adequar
estrutural e funcionalmente para usar a roupagem de autarquia federal, a fim de
não perderem a legitimidade de seus atos, pois, se não se conduzirem dessa
forma, estarão desrespeitando a própria Constituição.
NOTA
1.
Os dispositivos impugnados da Lei 9.649/98 foram o art. 58, caput e os
parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º. À exceção do § 3º, considerado
prejudicado em face da modificação do texto original da constituição pela
Emenda Constitucional n. 19/98, todos os demais foram suspensos.
*Procurador da República no Distrito Federal, mestrando em Direito pela PUC/SP
QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. A natureza jurídica dos conselhos fiscais de profissões regulamentadas . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1211, 25 out. 2006. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9082 >. Acesso em: 05 nov. 2006.