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Da obrigatoriedade de isenção de taxa de inscrição para os
reconhecidamente pobres em edital de concurso para o provimento de cargos
públicos
Frederico Augusto Leopoldino Koehler*
1. Introdução ao tema
O presente
artigo visa à discussão acerca da legalidade da ausência de previsão de isenção
de taxa para os comprovadamente pobres nos editais de concursos para o
provimento de cargos públicos, fato este que vem se tornando regra nos editais
dos últimos certames realizados.
Analisarei,
em primeiro lugar, se o Ministério Público Federal possui legitimidade para a
interposição de ação civil pública com o fito de defender os interesses
referidos, pleiteando a obrigatoriedade de previsão da isenção de taxa de
inscrição nos editais de concursos públicos.
Ainda num
plano preliminar, abordarei o problema de saber se o Poder Judiciário está
autorizado a modificar regras editalícias ou se estaria adentrando indevidamente
no mérito administrativo.
Posteriormente,
será examinado o mérito da matéria em apreço, tecendo as nossas considerações e
conclusões a respeito da questão posta.
2.
Legitimidade do Ministério Público Federal à propositura de ação civil pública
para tutela dos interesses em questão
A pergunta
inicial que se faz é se o Ministério Público Federal possui legitimidade para a
interposição de ação civil pública com o fito de defender os interesses
referidos, ou seja, pugnando pela inclusão, no edital do concurso, da isenção
de taxa de inscrição.
Percebe-se,
de logo, que o direito discutido não é individual homogêneo, mas sim um
interesse difuso. Vejamos.
Faz-se de
extrema relevância trazermos a doutrina de Hugo Nigro Mazzilli sobre a matéria
[1]. Segundo o renomado autor, interesses difusos compreendem grupos menos
determinados de pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas, são pessoas
indetermináveis) entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso.
São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de pessoas
indetermináveis, unidas por pontos conexos.
A expressão
interesses coletivos, por sua vez, refere-se a interesses transindividuais, de
grupos, de classes ou categorias de pessoas. Interesses individuais homogêneos,
por fim, são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou
determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum,
normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato.
Ora, eventual
procedência de ação ajuizada pelo Parquet beneficiaria a quem? Às pessoas
comprovadamente pobres que desejarem se inscrever em concursos para o
provimento de cargos públicos. Esse grupo é formado, como se vê, de pessoas indetermináveis.
Não há como saber quantos indivíduos carentes no Brasil desejam se inscrever em
concursos públicos e que serão beneficiados pela ação referida.
Daí se aduz
que a lide trataria de interesses difusos, para cuja defesa o Ministério Público
está incontestavelmente legitimado.
E mesmo que
assim não fosse, entendo que o Ministério Público está legitimado à defesa de
interesses individuais homogêneos – e não só dos que tratem de relações de
consumo - que tenham significação fundamental para a coletividade (significação
que está presente no caso versado, que trata do acesso de pessoas carentes ao
emprego público), isto é, quando for atendida a finalidade institucional e
social do órgão ministerial, com espeque no art. 127 da Constituição Federal.
Nesse
sentido, trago à baila novamente a lição autorizada de Hugo Mazzilli, in verbis
[2]:
"No
tocante aos interesses difusos, em vista de sua natural dispersão, justifica-se
sua defesa pelo Ministério Público. Já no tocante à defesa de interesses
coletivos e interesses individuais homogêneos, é preciso distinguir.
A defesa de interesses de meros grupos determinados ou determináveis de pessoas
só se pode fazer pelo Ministério Público quando isso convenha à coletividade como
um todo, respeitada a destinação institucional do Ministério Público.
Exatamente
dentro dessa linha, assim dispõe a Súmula n. 7, do Conselho Superior do
Ministério Público paulista: ´O Ministério Público está legitimado à defesa de
interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade,
como (...)´.
Negar
o interesse geral da sociedade na solução de litígios coletivos de larga
abrangência ou repercussão social, e exigir que cada lesado comparecesse a
juízo em defesa de seus interesses individuais, seria desconhecer os
fundamentos e objetivos da ação coletiva ou da ação civil pública.
(...).
Convindo
à coletividade como um todo a defesa de um interesse difuso, coletivo ou
individual homogêneo, não se há de recusar ao Ministério Público assuma sua
tutela."
(grifos
constantes no original)
Assim,
vislumbra-se a legitimidade do Ministério Público Federal para figurar no pólo
ativo da lide hipoteticamente referida.
3. O Poder
Judiciário, as regras editalícias e o mérito administrativo
É necessário
verificar-se se a atuação do Poder Judiciário no caso em pauta ocasionaria
intromissão indevida no mérito administrativo.
Entendo que o
pleito de obrigatoriedade de previsão de isenção de taxa para os
comprovadamente pobres nos editais de concursos para o provimento de cargos
públicos não interfere em qualquer juízo de conveniência ou oportunidade da
Administração Pública. O que se pretende é a obtenção da máxima eficácia de
normas constitucionais em benefício de indivíduos carentes que pretendam
ingressar no serviço público.
Portanto,
reputo inaplicável ao caso em pauta o argumento de que o Poder Judiciário não
poderia intervir na matéria referida sob pena de ingerência no mérito
administrativo.
4.
Enfrentamento da questão meritória
O cerne do
artigo reside em saber se é lícita a realização de concursos públicos com
previsão editalícia que proíba a concessão de isenção total ou parcial do valor
da taxa de inscrição, ou mesmo em que não exista previsão editalícia prevendo a
isenção para os comprovadamente pobres.
Sobre a
acessibilidade aos empregos, cargos e funções públicas, a Constituição Federal
dispõe o seguinte:
"Art.
5º. (...).
XIII
- é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas
as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Art.
6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000)
Art.
37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I
- os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros
que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros,
na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II
- a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em
concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza
e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração;
(Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Art.
170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...).
VIII
- busca do pleno emprego;" (grifou-se)
Vê-se,
portanto, que a Carta Magna exalta, em diversos dispositivos, a importância do
trabalho, erigindo-o como direito social e garantindo a todos os cidadãos o
livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas.
Contudo, o
acesso a cargos e empregos públicos só se dá por meio de aprovação em concurso
público. Faz-se necessário, portanto, para imprimir eficácia ao comando
constitucional, assegurar que todos os cidadãos possam prestar concurso
público.
E foi
precisamente com a intenção de prover essa garantia de acesso aos cargos e
empregos públicos a todos os cidadãos que o legislador editou o artigo 11 da
Lei nº 8.112/90, in verbis:
"Art.
11. O concurso será de provas ou de provas e títulos, podendo ser realizado em
duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de
carreira, condicionada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado
no edital, quando indispensável ao seu custeio, e ressalvadas as hipóteses de
isenção nele expressamente previstas. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de
10.12.97)"
(grifou-se)
Tal comando
legal prevê de forma explícita que o edital disporá sobre o pagamento de taxas
para a inscrição, ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente
previstas. Há, portanto, a obrigação legal de fixarem-se no edital as
hipóteses de isenção da taxa de inscrição para o concurso público.
Ademais, não
é razoável a argumentação de que a possibilidade de isenção de taxa de
inscrição ocasionaria prejuízo econômico que inviabilizaria a realização dos
concursos públicos, à medida em que: 1) já foram executados, sem qualquer
problema, inúmeros certames com a previsão de isenção para as pessoas carentes;
2) o valor da taxa de inscrição a ser fixada já levaria em consideração um
número estimado de isenções.
Acresce a
todo o afirmado a necessidade de consideração, no caso em pauta, dos
fundamentos constitucionais da República Federativa do Brasil, in verbis:
"Art.
1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...).
II
- a cidadania;
III
- a dignidade da pessoa humana;
(...).
IV
- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;"
A vedação de
isenção de taxa de inscrição em concurso público afronta literalmente tais
princípios. A fim de ressaltar a força normativa dos princípios, trago à baila
a lição de Luís Roberto Barroso [3]:
"Os
princípios, como se percebe, vêm de longe e desempenham papéis variados. O que
há de singular na dogmática jurídica da quadra histórica atual é o
reconhecimento de sua normatividade." (grifou-se)
Corroborando
toda a fundamentação expendida, passo a transcrever os seguintes julgados dos
Tribunais Regionais Federais da Primeira e Quinta Região sobre o tema versado:
"Origem:
TRF - PRIMEIRA REGIÃO
Classe: REOMS - REMESSA EX OFFICIO EM MANDADO DE SEGURANÇA -
200434000006051
Processo: 200434000006051 UF: DF Órgão Julgador: QUINTA TURMA
Data da decisão: 5/11/2004 Documento: TRF100204294
Fonte DJ DATA: 25/11/2004 PAGINA: 48
Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento à remessa oficial.
Ementa
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TAXA DE INSCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO, NO
EDITAL, DAS HIPÓTESES DE ISENÇÃO.
1.
A cobrança de taxa de inscrição para realização de concurso público está
prevista no art. 11 da Lei nº 8.112/90, que ressalva hipóteses de isenção
previstas no edital.
2.
Garante-se isenção ao candidato que não tem condições econômicas de arcar com
referida taxa, se omisso o edital a respeito.
3.
Remessa oficial improvida." (grifos nossos)
*
* *
"Origem:
TRF - PRIMEIRA REGIÃO
Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 199934000023686
Processo:
199934000023686 UF: DF Órgão Julgador: SEXTA TURMA
Data da decisão: 14/9/2001 Documento: TRF100120259
Fonte DJ DATA: 14/11/2001 PAGINA: 308
Relator(a) JUIZ DANIEL PAES RIBEIRO
Decisão A Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa
oficial.
Ementa
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TAXA DE INSCRIÇÃO.
LEGALIDADE
(LEI N. 8.112/90, ART. 11). ISENÇÃO.
1.
Embora seja legal a cobrança de taxa para inscrição em concurso público (Lei n.
8.112/90, art. 11), ilegal se mostra disposição editalícia que veda a concessão
de isenção, "seja qual for o motivo alegado", por contrariar não
apenas o dispositivo legal mencionado, que prevê, expressamente, casos de
isenção, mas, também, preceitos constitucionais que asseguram a todos igualdade
de livre acesso aos cargos públicos.
2.
Segurança concedida.
3.
Sentença confirmada
4.
Apelação e remessa oficial, desprovidas." (grifos nossos)
*
* *
"Origem:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Classe: AC - Apelação Civel – 330816
Processo: 200181000169262 UF: CE Órgão Julgador: Terceira Turma
Data da decisão: 25/11/2004 Documento: TRF500091375
Fonte DJ - Data::28/02/2005 - Página::598 - Nº::39
Relator(a) Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro
Decisão UNÂNIME
Ementa
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR. CARÊNCIA DE AÇÃO POR AUSÊNCIA DE
INTERESSE. PROCESSO. UTILIDADE RECONHECIMENTO. CONCURSO PÚBLICO. TAXA DE
INSCRIÇÃO. ISENÇÃO. CANDIDATO CARENTE. POSSIBILIDADE.
1.
Interesse processual e por conseqüência a utilidade do processo que se
reconhece, em razão da necessidade de provimento jurisdicional a amparar o bem
jurídico pleiteado.
2.
A isenção de taxa de inscrição aos candidatos carentes é assegurada pelo
princípio do amplo acesso aos cargos públicos (inciso I, do art. 37 da CF/88).
3.
Precedentes jurisprudenciais deste Tribunal.
4.
Preliminar de carência de ação não acolhida.
5.
Apelação improvida." (grifos nossos)
*
* *
"Origem:
TRIBUNAL - QUINTA REGIAO
Classe: AG - Agravo de Instrumento – 34847
Processo: 200105000082540 UF: CE Órgão Julgador: Terceira Turma
Data da decisão: 27/05/2004 Documento: TRF500083752
Fonte DJ - Data::20/08/2004 - Página::1066 - Nº::161
Relator(a) Desembargador Federal Manuel Maia
Decisão UNÂNIME
Ementa
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. ESTADO DE
POBREZA. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DE TAXA DE INSCRIÇÃO. ISENÇÃO GARANTIDA POR
DECISÃO JUDICIAL.
I
- O princípio constitucional da acessibilidade aos cargos e empregos públicos
garante a inscrição em concurso público de candidato reconhecidamente pobre,
sem que para tanto possa ser exigido o recolhimento de taxa de inscrição.
II
- Agravo de instrumento a que se nega provimento." (grifos nossos)
Destarte,
impõe-se reconhecer a obrigatoriedade de previsão de isenção de taxa para os
comprovadamente pobres nos editais de concursos para o provimento de cargos
públicos.
5. Limites
da eficácia do decisum
Ainda resta
uma relevante questão a ser abordada: quais os limites da eficácia de julgado
que viesse a reconhecer a obrigatoriedade de isenção de taxa várias vezes
citada?
A Medida
Provisória n° 1.570-5/97 (posteriormente convertida na Lei nº 9.494/97),
alterou a redação do artigo 16 da Lei nº 7.347/85, passando a estabelecer o
seguinte:
"Art.
16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência
territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar
outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."
Tal
dispositivo, entretanto, é flagrantemente inconstitucional, como será
demonstrado.
Em primeiro
lugar, referida norma encontra-se eivada de inconstitucionalidade formal, uma
vez que foi veiculada por meio de medida provisória sem urgência e sem
relevância, até porque se trata de alteração processual na Lei de ACP, que
vigia desde 1985, não sendo razoável aceitar-se que a urgência teria surgido
repentinamente em 1997.
Em segundo
lugar, o dispositivo em questão é materialmente inconstitucional, pois viola,
dentre outros, o direito constitucional de ação e o acesso à justiça, os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade das leis e, especialmente, o
princípio da isonomia, uma vez que estaria criando discriminações entre
indivíduos, quanto aos efeitos da coisa julgada, sem qualquer razão plausível.
Analisemos o que alguns doutrinadores pátrios lecionam a respeito do tema.
José Marcelo
Menezes Vigliar escreve o seguinte a esse respeito [4]:
"Se
o interesse é essencialmente indivisível e o da modalidade difuso, como limitar
os efeitos da coisa julgada a determinado território? Ainda: quando o dano
for de proporção tal (como por exemplo o chamado dano regional, ou seja, aquele
que atinge mais de uma comarca ou até mais de um Estado-membro) que vá além dos
limites de uma determinada comarca (foro, já que é a isso que a medida deve
estar se referindo), como se aplicaria o preceito?". (grifou-se)
Francisco
Antônio de Oliveira, por sua vez, afirma que viu na alteração do art. 16 :[5]
"um
retrocesso inominável, uma vez que se pretende dar à ação civil pública o mesmo
tratamento que é dado à defesa dos direitos individuais. É evidente que os
interesses transindividuais não poderão ter seus efeitos circunscritos à base
territorial, sob pena de neutralizar os efeitos da ação civil pública, posto
que, v. g., num derramamento de petróleo em Santos, com o espraiamento dos
danos por todo o litoral, a ação deveria ser proposta em cada comarca, o que é
um absurdo, com a possibilidade de sentenças diversas sobre o mesmo tema".
(grifou-se)
Em acréscimo,
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam que [6]:
"De
outra parte, o Presidente da República confundiu limites subjetivos da coisa
julgada, matéria tratada na norma, com jurisdição e competência, como se, v.
g., a sentença de divórcio proferida por juiz de São Paulo pudesse valer no Rio
de Janeiro e nesta última comarca o casal continuasse casado! O que importa é
quem foi atingido pela coisa julgada material. (...). Qualquer sentença
proferida por órgão do Poder Judiciário pode ter eficácia para além de seu
território. Até a sentença estrangeira pode produzir efeitos no Brasil,
bastando para tanto que seja homologada pelo STF. Assim, as partes entre as
quais foi dada a sentença estrangeira são atingidas por seus efeitos onde quer
que estejam no planeta Terra. Confundir jurisdição e competência com limites
subjetivos da coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do direito".
(grifou-se)
Por fim,
Rodolfo de Camargo Mancuso, argumenta [7]:
"Tudo
assim reflui para que a resposta judiciária, no âmbito da jurisdição
coletiva, desde que promanada de juiz competente, deve ter eficácia até onde se
revele a incidência do interesse objetivado, e por modo a se estender a todos
os sujeitos concernentes, e isso, mesmo em face do caráter unitário desse tipo
de interesse, a exigir uniformidade do pronunciamento judicial".
(grifou-se)
Outrossim,
mesmo que a alteração do artigo 16 da Lei da ACP fosse constitucional, restou
inócua e sem qualquer eficácia, porque o legislador não alterou outro artigo
que rege a eficácia subjetiva da coisa julgada nas ações coletivas, qual seja,
o art. 103 do CDC. Este último dispositivo, por força do art. 117 do CDC,
aplica-se a todas as ações civis públicas e não somente àquelas que versem
sobre relações de consumo.
Nesse exato
sentido, Hugo Nigro Mazzilli :[8]
"A
Lei 9.494/97 confundiu competência com coisa julgada. A imutabilidade erga
omnes de uma sentença não tem nada a ver com a competência do juiz que profere
a sentença. A alteração legislativa que a Lei 9.494/97 provocou no art. 16
da LACP é inócua e incoerente, até mesmo porque o CDC não foi alterado nesse
particular, e sua disciplina é de aplicação integrada e subsidiária em matéria
de ação civil pública. Além do mais, o juiz tem que ter competência absoluta
para decidir uma ação civil pública; não se trata de competência
territorial". (grifou-se)
Rodolfo de
Camargo Mancuso sustenta idêntico posicionamento [9]:
"Felizmente,
como antes acenado, o sistema processual que rege a jurisdição coletiva em
matéria de interesses metaindividuais forma um todo integrado e
intercomplementar: na parte processual do CDC distinguem-se as eficácias erga
omnes e ultra partes da coisa julgada, em função do tipo de interesse metaindividual
objetivado (art. 103, incisos e parágrafos, e art. 104) e, bem assim, faz-se o
discrímen entre os danos local, regional e nacional (art. 93 e incisos),
autorizando-se, por fim, o traslado de todo esse conjunto para o âmbito da Lei
7.347/85 (cf. art. 117 do CDC, que para tal acrescentou um artigo – n. 21 – à
Lei 7.347/85)."
Resulta do
afirmado, portanto, que a decisão judicial que reconhecesse a ilegalidade de
edital sem a previsão de isenção de taxa de inscrição para as pessoas
comprovadamente pobres, seria válida e eficaz em todo o território nacional,
sem quaisquer limitações.
6.
Conclusão
Diante de
todo o exposto, chegamos às seguintes conclusões, com os quais encerramos nosso
trabalho:
1) o
Ministério Público Federal é legitimado para figurar no pólo ativo da lide em
que se discuta a legalidade da ausência de previsão de isenção de taxa para os
comprovadamente pobres nos editais de concursos para o provimento de cargos
públicos;
2) é
inaplicável ao caso em pauta o argumento de que o Poder Judiciário não poderia
intervir na matéria referida sob pena de ingerência no mérito administrativo;
3) existe a
obrigatoriedade de previsão de isenção de taxa para os comprovadamente pobres
nos editais de concursos para o provimento de cargos públicos;
4) a decisão
judicial que reconhecesse a ilegalidade de edital sem a previsão de isenção de
taxa de inscrição para as pessoas comprovadamente pobres, seria válida e eficaz
em todo o território nacional, sem quaisquer limitações.
NOTAS
[1] MAZZILLI,
Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente,
consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16.
ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 48-52.
[2] MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit.
Pp. 92-94
[3]
Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro
(Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In Revista Diálogo
Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 6,
setembro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso
em: 30 de novembro de 2005.
[4] VIGLIAR,
José Marcelo Menezes. Ação civil pública. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p.
112-113.
[5] OLIVEIRA,
Francisco Antônio de. Da ação civil pública: instrumento de cidadania. Revista
LTr, vol. 61, n. 7, jul. 1997, p. 895.
[6] NERY
JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil
comentado e legislação extravagante. 8. ed., nota 13 ao art. 16 da Lei nº
7.347/85, p. 1456.
[7] MANCUSO,
Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do
patrimônio cultural e dos consumidores. 8. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 296.
[8] MAZZILLI, Hugo Nigro. A
defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
1999, p. 287.
[9] MANCUSO,
Rodolfo de Camargo. Op. cit.,
p. 299.
*juiz federal substituto do Tribunal Regional Federal da 5ª Região,
mestrando em Direito Público
KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Da obrigatoriedade de isenção de taxa de inscrição para os reconhecidamente pobres em edital de concurso para o provimento de cargos públicos . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1191, 5 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9008>. Acesso em: 05 out. 2006.