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Número de vereadores: Resolução TSE n.º 21.702/04 x
Leis orgânicas municipais
Renato Bernardi *
O resultado do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 197.917 causou
grande celeuma nos meios jurídicos do País.
No exercício de sua competência recursal,
A partir de tal julgamento, movido por representação formulada pelo
Procurador Geral Eleitoral, “Objetivando assegurar a observância da orientação
emanada da Corte Suprema, não apenas, evidentemente, para o município de Mira
Estrela, mas para todos os municípios brasileiros, e considerando, ainda, a
proximidade das eleições municipais, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, invocando
as competências dessa Corte Superior previstas no art. 23 do Código Eleitoral,
propõe a edição de ato normativo que estabeleça prazo razoável às Câmaras
Municipais para adaptação das respectivas leis orgânicas, visando o pronto
atendimento dos parâmetros de fixação do número de Vereadores” (1) o Tribunal Superior Eleitoral
editou a Resolução n.º 21.702, baixando instruções sobre o número de vereadores
a eleger segundo a população de cada município.
Por tal Resolução, baixada nos termos do disposto no inciso IX, do art. 23,
do Código Eleitoral (Lei n.º 4.737/65), o Tribunal Superior Eleitoral
determinou que, nas eleições municipais deste ano, a fixação do número de
vereadores a eleger observará os critérios declarados pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento do RE nº 197.917 (art. 1o), sendo que até 1º de junho de
2004, o Tribunal Superior Eleitoral verificará a adequação da legislação de
cada município ao disposto no art. 1º e, na omissão ou desconformidade dela,
determinará o número de vereadores a eleger (art. 2o).
Assim posta a questão, discute-se se o Tribunal Superior Eleitoral teria
poderes para determinar aos Municípios a adequação das respectivas Leis
Orgânicas ao julgado no Recurso Extraordinário n.º 197.917.
Para a correta compreensão da questão, mister sejam relembradas algumas
particularidades do controle brasileiro de constitucionalidade e da competência
do Tribunal Superior Eleitoral.
Em primeiro lugar, frise-se que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal o
foi em sede de controle difuso de constitucionalidade. Sendo assim, a decisão relativa ao município
de Mira Estrela não teria a aptidão de lançar seus efeitos sobre as Leis
Orgânicas dos demais municípios brasileiros, haja vista que a eficácia de tal
decisão opera-se somente entre as partes do processo, sem a produção de efeitos
vinculantes. A esse respeito, inexiste
discussão na Doutrina e na Jurisprudência pátrias. Assim, por não terem as
decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal
A propósito, “oportuno frisar que o Tribunal de Justiça de São Paulo mantém
– ou ao menos mantinha - o entendimento firme e reiterado de que a fixação do
número de vereadores era matéria inserida no campo da autonomia dos municípios.
Assim, bastaria que as Leis Orgânicas obedecessem aos números mínimo e máximo
de edis traçados pelo artigo 29, VI, da CF/88 para que tais normas fossem tidas
como constitucionais”. (2)
Apenas a título de lembrança, fechadas as portas para a discussão da matéria
em nível de ação direta de inconstitucionalidade, ante a competência do Supremo
Tribunal Federal estampada no art. 102, inciso I, letra “a”, nada impede que a
matéria venha a ser discutida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade, via argüição de descumprimento de preceito fundamental
(art. 102, § 1o, da Constituição Federal, c.c. art 1o, da Lei n.º 9.882/99).
Estabelecido que a decisão do Recurso Extraordinário n.º 197.917 não irradia
efeitos fora do limite dos autos, resta analisar se o Tribunal Superior
Eleitoral teria competência para estabelecer o número de vereadores de cada
Município brasileiro.
A meu ver, respeitados entendimentos diversos, a resposta é negativa.
Consoante dispõe o artigo 23, inciso IX, do Código Eleitoral (Lei n.º
4.737/65), e o artigo 105, “caput”, da Lei n.° 9.504/97, que estabelece normas
para as eleições, tem o Tribunal Superior Eleitoral a atribuição de expedir
Resoluções e Instruções visando a regulamentar o Código Eleitoral e as
disposições da própria Lei das Eleições, advertindo-se que as Resoluções do
Tribunal Superior Eleitoral têm força de Lei Federal, mas restringem-se à
regulação da legislação eleitoral, tão somente, ficando claro que citadas
Resoluções, ainda que com força de Lei, estão dispostas em patamar inferior à
Constituição Federal, que estabelece, com todas as letras, no inciso IV, do
art. 29, competir ao Município, por meio de sua Lei Orgânica, dispor sobre o
respectivo número de Vereadores.
Observe-se que a possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral editar
Resoluções a respeito de assuntos eleitorais não contraria a Constituição
Federal, mas o conteúdo da Resolução n.º 21.702 é materialmente
inconstitucional, por ferir de morte a autonomia Municipal que, não se pode
negar, não é matéria eleitoral.
Se a Lei Orgânica Municipal não observa a proporcionalidade estabelecida no
inciso IV, do art. 29, da Constituição Federal, tal como definida pelo
julgamento do Recurso Extraordinário n.º 197.917, somente o Poder Judiciário,
diante de um caso concreto, com eficácia entre as partes (controle difuso de
constitucionalidade), é que pode corrigir o erro, exatamente como ocorreu com a
Lei Orgânica do Município de Mira Estrela. Em conseqüência, é de se concluir que uma
Resolução do Tribunal Superior Eleitoral que, mesmo dispondo de força de Lei,
não está inserida como medida de controle de constitucionalidade de leis e atos
normativos no Brasil, instrumento hábil a preservar a supremacia da
Constituição Federal, não se presta a tal fim.
Permitir-se que a Resolução n.º 21.702 do Tribunal Superior Eleitoral, que
tem “status” de Lei Federal, amolde as Leis Orgânicas Municipais ao resultado
do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 197.917 seria classificar a
Constituição Federal Brasileira como flexível, já que permitida seria sua
alteração por procedimento despido de especialidade, reservado à legislação
ordinária, o que, é inegável, contraria toda a Doutrina e Jurisprudência Constitucional
Brasileiras, que conferem às Constituições Brasileiras – exceto a de 1824 – o
caráter de rígidas, exigindo, para sua alteração, um processo solene, especial
e dificultoso, diverso daquele exigido pela legislação ordinária ou
complementar.
Não se podendo perder de vista, ainda, a independência entre os Poderes,
estatuída no art. 2o, da Constituição Federal, pois, em última analise, o Poder
Judiciário estaria definindo regras de composição do Poder Legislativo.
Nem se argumente que a Lei Orgânica flagrantemente inconstitucional poderia
ser descumprida, o que tornaria legítima a aplicação do disposto no art. 2o, da
Resolução 21.702 (o Tribunal Superior Eleitoral verificará a adequação da
legislação de cada município ao disposto no art. 1º e, na omissão ou
desconformidade dela, determinará o número de vereadores a eleger), haja vista
que o descumprimento de lei inconstitucional pode ocorrer – com moderação - por
parte dos Poderes Executivo e Legislativo (TJSP, Apelação n.º 220.155-1; RDP
5/234; RDA 82/358; Adin 221/DF). No
entanto, considerando-se que a função típica do Poder Judiciário é aplicar a
lei ao caso concreto, não lhe cabe negar-lhe cumprimento, mas, de acordo com os
instrumento processuais vigentes, declarar-lhe ou não a inconstitucionalidade.
Aliás, se a questão que se debate, quando diluída em uma lide, é estranha à
competência da Justiça Eleitoral, parece até intuitivo que dela não poderá
cuidar o C. TSE por meio de resoluções e instruções.(3)
A adequação espontânea do número de Vereadores, alterando-se a Lei Orgânica
para compatibilizá-la ao resultado do julgamento do Recurso Extraordinário n.º
197.917, ainda que nos termos do disposto no art. 2o, da Resolução n.º 21.702,
seria mera liberalidade do Poder Legislativo Municipal.
Por outro lado, perfeitamente possível o questionamento judicial da matéria
no exercício do controle concentrado de constitucionalidade, por meio do qual
um dos legitimados pelo art. 103 da Constituição Federal pode questionar a
Resolução 21.702 do Tribunal Superior Eleitoral, ato normativo primário com
força de Lei Federal que, sem status constitucional, viola o a Separação dos
Poderes (art. 2o, da Constituição Federal) e a Repartição Constitucional de
Competência (art. 29, inciso IV, da Constituição Federal).
Todavia, a questão dificilmente chegará às portas do Poder Judiciário. A
decisão criou um alvoroço no Congresso Nacional, que instalou uma Comissão para
tentar aprovar antes das eleições municipais deste ano uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC n.º 71/2003) para tentar barrar a decisão do Judiciário. Tal espécie legislativa, se aprovada, dará
nova redação ao inciso IV, do artigo 29 da Constituição Federal, definindo o
número máximo dos Vereadores em relação à população do Município.(4)
Posto isso, à vista da importância da matéria, aguarda-se que a questão seja
solucionada - senão pela promulgação de Emenda Constitucional alterando o
inciso IV, do art. 29, da Constituição Federal - à luz das disposições
constitucionais e dos ensinamentos doutrinários pátrios atinentes ao controle
de constitucionalidade e à repartição constitucional de competência, que, como
se afirmou, apontam para a impossibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral,
por Resolução, fixar o número de Vereadores nos Municípios brasileiros, a uma
por ter a decisão do Supremo Tribunal Federal sido proferida em sede de
controle difuso de constitucionalidade, com eficácia somente entre as partes e,
a duas, ante o fato de que a Constituição Federal reservou aos Municípios, e
não ao Tribunal Superior Eleitoral, o poder de fixar o número de componentes do
Poder Legislativo Municipal (art. 29, inciso IV).
Referências:
[1] Petição nº 1.442 - classe 18ª -
Distrito Federal (Brasília).
2 ANDRADE, Marcelo. Novos critérios para fixação do número de vereadores nos
municípios brasileiros.
http://www.maismigalhas.com.br/mig_imprimir_sem_imagem.aspx?cod=4369. capturado
em 14/04/2004.
3 ANDRADE, Marcelo. Artigo citado.
4 http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=117463 capturado em
19/04/2004.
* Procurador do Estado de São Paulo; Mestre
BERNARDI, Renato. Número de vereadores: Resolução TSE
n.º 21.702/04 x Leis orgânicas municipai
Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br.
Acesso no dia 27/07/06