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Advocacia Pública:
audiência de seus membros pelo TCU
Airton Rocha Nóbrega
Constata-se,
não raro, que o Tribunal de Contas da União tem adotado conduta no sentido de
determinar a audiência de membros da advocacia pública a respeito de
atos que, no exclusivo entender daquela Corte, deveriam ter assumido forma
diversa ou adotado solução que se mostraria mais adaptada às convicções
firmadas no âmbito daquele Tribunal, embora sequer consiga firmar, em cada caso
concreto, uma orientação pacífica e que se possa adotar com segurança ao longo
do tempo, como normalmente ocorre na esfera do Poder Judiciário onde as súmulas
de jurisprudência transformam-se em verdadeiras leis e se projetam como
regra quase que absoluta por longo período de tempo.
A
despeito dessa efêmera condição de determinados julgados prolatados, permite-se
aquela Corte de Contas não só discutir e divergir de orientações jurídicas, mas
ainda sustentar entendimento que se volta a imputar responsabilidades aos
membros da advocacia pública como se investido estivesse de poderes bastantes
para cominar-lhes sanções por supostos despautérios cometidos,
decorrentes estes não da verificação real de um fato lesivo ao erário público,
mas apenas embasado em divergência de interpretação levado a efeito pela Corte.
Ora!
É necessário rememorar, a respeito de questão tão delicada e que termina por
colocar em posição de confronto funções distintas e constitucionalmente
reguladas, que a competência do TCU restringe-se à análise de atos de gestão,
envolvendo a utilização de recursos públicos e não a fiscalizar o exercício das
atividades cometidas à advocacia pública.
Nesse
sentido é o que estatui o texto constitucional em vigor, assim como a Lei nº
8.443, de 16 de julho de 1992. Prevê-se em tais disposições normativas de
modo claro e inquestionável, e, em especial, no bojo de sua Lei Orgânica, que
ao Tribunal de Contas compete:
Art.
1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos
termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei:
I.julgar
as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,
bens e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da
administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e
mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a
perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário;
II.proceder,
por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional, de suas Casas
ou das respectivas comissões, à fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial das unidades dos poderes da União e
das entidades referidas no inciso anterior;
III.apreciar
as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, nos termos do art.
36 desta lei;
IV.acompanhar
a arrecadação da receita a cargo da União e das entidades referidas no inciso I
deste artigo, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de demonstrativos
próprios, na forma estabelecida no regimento interno;
V.apreciar,
para fins de registro, na forma estabelecida no regimento interno, a legalidade
dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e
indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público
federal, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como
a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as
melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;
VI.efetuar,
observada a legislação pertinente, o cálculo das quotas referentes aos fundos
de participação a que alude o parágrafo único do art. 161 da Constituição
Federal, fiscalizando a entrega dos respectivos recursos;
VII.emitir,
nos termos do § 2º do art. 33 da Constituição Federal, parecer prévio sobre as
contas do Governo de Território Federal, no prazo de sessenta dias, a contar de
seu recebimento, na forma estabelecida no regimento interno;
VIII.representar
ao poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados, indicando o ato
inquinado e definindo responsabilidades, inclusive as de Ministro de Estado ou
autoridade de nível hierárquico equivalente;
IX.aplicar
aos responsáveis as sanções previstas nos arts. 57 a 61 desta lei;
X.elaborar
e alterar seu regimento interno;
XI.eleger
seu Presidente e seu Vice-Presidente, e dar-lhes posse;
XII.conceder
licença, férias e outros afastamentos aos ministros, auditores e membros do
Ministério Público junto ao Tribunal, dependendo de inspeção por junta médica a
licença para tratamento de saúde por prazo superior a seis meses;
XIII.propor
ao Congresso Nacional a fixação de vencimentos dos ministros, auditores e
membros do Ministério Público junto ao Tribunal;
XIV.organizar
sua Secretaria, na forma estabelecida no regimento interno, e prover-lhe os
cargos e empregos, observada a legislação pertinente;
XV.propor
ao Congresso Nacional a criação, transformação e extinção de cargos, empregos e
funções de quadro de pessoal de sua secretaria, bem como a fixação da
respectiva remuneração;
XVI.decidir
sobre denúncia que lhe seja encaminhada por qualquer cidadão, partido político,
associação ou sindicato, na forma prevista nos arts. 53 a 55 desta lei;
XVII.decidir
sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a respeito de
dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes
a matéria de sua competência, na forma estabelecida no regimento interno.’’
(Grifou-se).
Apreciar
atos de gestão e julgar contas de gestores e administradores é o
que se comete ao Tribunal de Contas da União - TCU, nada havendo nas
disposições legais vistas que admita, ainda que de forma remota, o exercício de
fiscalização e a responsabilização, por atos enunciativos praticados,
aos membros da advocacia pública.
E
é bom que se diga que advogado não é gestor e ao emitir um
pronunciamento jurídico não se equipara a tanto. Não gerencia contratos e não
fiscaliza a sua execução. Presumir que estaria a tanto equiparado, por
presunção de que possa estar estimulando com parecer jurídico o
cometimento de irregularidades contraria princípios comezinhos que se prestam a
orientar e a fundamentar o próprio Estado democrático de direito. Crimes,
irregularidades e anormalidades não se presumem. Devem ser apontados de modo
claro, acusando-se os responsáveis e buscando a necessária reparação.
O
que se constata em boa parte das situações em que isso ocorre é que, examinado
o processo em seus aspectos formais, emitiu o parecerista um pronunciamento
fundamentado a respeito de elementos que lhe foram ofertados e, sem qualquer
dúvida a respeito, firmou clara orientação no sentido de estar caracterizada a
hipótese em lei prevista. Não se lhe imputa qualquer irregularidade ou ofensa
ao erário público, até porque não se teria como agir desse modo.
Em
tal contexto, não se acha submetido à imputação de qualquer cominação, menos
ainda por esfera incompetente para isso, como é o caso da Colenda Corte de
Contas, como já proclamado com acerto pelo Egrégio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL –
STF, em aresto que, apenas para ilustrar, vai a seguir transcrito:
EMENTA:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO.
PROCURADOR: PARECER. C.F., art. 70, parág. único, art. 71, II, art. 133.
Lei nº 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX.
I.Advogado de empresa estatal que,
chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação,
mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas
da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que
decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato
administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa
a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem
estabelecidas nos atos de administração ativa. Celso Antônio Bandeira de Mello,
"Curso de Direito Administrativo", Malheiros Ed., 13ª ed., p.
377.
II..O
advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus
clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato
ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159;
Lei 8.906/94, art. 32.
III.Mandado de Segurança deferido.
MANDADO
DE SEGURANÇA 24.073-3 DISTRITO FEDERAL. RELATOR: MIN.
CARLOS VELLOSO. IMPETRANTES:
RUI BERFORD DIAS E OUTROS - ADVOGADO: LUÍS ROBERTO BARROSO - IMPETRADO:
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – Julgado em 06.11.2002 –Decisão unânime.
Como
visto, afirma o Colendo STF a impossibilidade de responsabilização de advogado
por não haver ele praticado ato que se inclua na esfera de competência daquela
Corte, chamando a atenção para o fato de que não detém o parecer jurídico a
natureza de ato administrativo, o que, aliás, constitui conceito básico em
direito administrativo.
Adite-se,
ainda, que o advogado desfruta de imunidade e da garantia de inviolabilidade
estampada no bojo do art. 133 da Constituição Federal por seus atos e
manifestações, o que afasta a pretensão, especialmente nessa esfera, de
qualquer reprovação seguida de cominação de sanção, ainda que mínima.
É
comum, todavia, detectar-se atitudes que, na melhor das hipóteses, somente
podem enquadrar-se como tentativas de intimidação, perpetradas não só por
juízes mas por autoridades outras, todas elas rechaçadas pelo próprio Poder
Judiciário.
É
necessário, pois, que se respeite a Constituição Federal e que se preserve o
que ali a respeito se estatui, sem que se veja afetada a autonomia e a isenção
técnica que se defere ao advogado em prol de seus próprios clientes, sejam eles
pessoas comuns ou não.
Demais
disso, é preciso asseverar que, quando ocorre a verificação de irregularidade
cometida por advogado público vinculado aos quadros da União, a
competência para apurar e punir não é de órgão de controle, interno ou externo,
mas única e exclusivamente, sob o aspecto funcional, da ADVOCACIA-GERAL DA
UNIÃO – AGU, instituição que é detentora de competência constitucional
tanto quanto o Tribunal de Contas da União, cada qual em determinada área.
Não há como pretender-se que essa Corte se sobreponha, de forma absoluta, aos
demais órgãos e entes que, criados pela Constituição Federal, detêm competência
específica.
Registre-se,
apenas para ilustrar o que ora se afirma, que a Advocacia-Geral da União, no
âmbito federal, "é a instituição que, diretamente ou através de órgão
vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos
termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento,
as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo"
(art. 131).
Os
Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, pelo que estampa a norma,
exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas
unidades federadas (art. 132), orientando internamente a prática dos atos
administrativos, com independência e isenção técnica e sem temores de
intimidação, menos ainda por órgãos que não detenham competência para isso.
Firmando
de modo direto e objetivo a competência dos órgãos jurídicos e, portanto,
de seus integrantes, estatui-se, no bojo da Lei Complementar 73, de 10 de
fevereiro de 1993, que é atribuição das Consultorias Jurídicas as que vão a
seguir descritas:
Art.
11.Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos
Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias
da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas,
compete, especialmente:
I.assessorar
as autoridades indicadas no caput deste artigo;
II.exercer
a coordenação dos órgãos jurídicos dos respectivos órgãos autônomos e entidades
vinculadas;
III.fixar
a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos
normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação
quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
IV.elaborar
estudos e preparar informações, por solicitação de autoridade indicada no caput
deste artigo;
V.assistir
a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos
atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão
ou entidade sob sua coordenação jurídica;
VI.examinar,
prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior
das Forças Armadas:
a)os
textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou
instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados;
b)os
atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de
licitação."
Embora
óbvio, não se tem que dizer que esse rol de atividades não se acha inserido no
art. 71 e seguintes da vigente Constituição Federal e tampouco consta na Lei
8.443/92. Portanto, análise de assuntos jurídicos, de modo amplo, cabe não ao
controle, externo ou interno, mas aos órgãos jurídicos da administração.
Advogados públicos e auditores cumprem missões distintas, sem que se possa
deformar isso, pois não há espaço para tanto no conjunto normativo.
E
principalmente há se proclamar e reconhecer que uma categoria não está
submetida ao controle e supervisão da outra. Cada um na sua posição específica,
ou como diria o caboclo sem cultura e analfabeto, mas muito mais
sapiente que muito intelectual letrado e inútil: "cada macaco no seu
galho".
A
questão alusiva à fiscalização das atividades funcionais é regulada, no bojo da
Lei Complementar 73/93, que, ao dispor acerca das competências conferidas à
Corregedoria-Geral da Advocacia Geral da União, estabelece:
Art.
5º.A Corregedoria-Geral da Advocacia da União tem como atribuições:
I.fiscalizar
as atividades funcionais dos Membros da Advocacia-Geral da União;
II.promover
correição nos órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União, visando à
verificação da regularidade e eficácia dos serviços, e à proposição de medidas,
bem como à sugestão de providências necessárias ao seu aprimoramento;
III.apreciar
as representações relativas à atuação dos Membros da Advocacia-Geral da União;
IV.coordenar
o estágio confirmatório dos integrantes das Carreiras da Advocacia-Geral da União;
V.emitir
parecer sobre o desempenho dos integrantes das Carreiras da Advocacia-Geral da
União submetidos ao estágio confirmatório, opinando, fundamentadamente, por sua
confirmação no cargo ou exoneração;
VI.instaurar,
de ofício ou por determinação superior, sindicâncias e processos
administrativos contra os Membros da Advocacia-Geral da União."
É,
portanto, competência legal especificamente conferida à Corregedoria-Geral da
AGU exercer a fiscalização funcional dos atos praticados por seus membros, bem
como, entendendo isso cabível, instaurar sindicâncias e processos disciplinares
contra os mesmos.
A
questão é, portanto, de cunho legal e não podem ser olvidadas nem mesmo por
órgão de tamanha importância como o Tribunal de Contas da União que, no
desempenho de suas atribuições, encontra limite na lei.
Em
suma, pode-se afirmar que o membro da advocacia pública ao atuar em determinado
caso concreto, emite pronunciamento jurídico fundamentado à luz da situação que
lhe foi encaminhada e não está, em tal circunstância, adstrito à observância de
orientação ou deliberações do TCU, a quem não se comete a função de interpretar
leis, mas sim de fiscalizar contas e atos de gestão, especialmente considerando
o aspecto da economicidade.
Também
é necessário dizer que, ao atuar, está o advogado resguardado por garantia
constitucional que deve ser preservada e não pode ser objeto de questionamento
pelo TCU, por não ser este órgão detentor de competência para apurar
irregularidades supostamente cometidas por membros da advocacia pública e menos
ainda para aplicar-lhes qualquer penalidade, menos ainda de conteúdo
pecuniário.
A
advocacia pública deve ter plena consciência de que lhe cabe legalmente
exercitar uma função relevante e indispensável à regular gestão da coisa
pública e que consultorias jurídicas e procuradorias-gerais não constituem
sucursais de órgãos de controle, interno ou externo. Devem os advogados firmar
a interpretação da lei a ser seguida por tais órgãos e não o contrário.
NÓBREGA, Airton Rocha. Advocacia Pública: audiência de seus membros pelo TCU. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1112, 18 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8657>. Acesso em: 18 jul. 2006.