A exigência do PBQP-H
em licitações
Daniel
Zampieri Barion *
Sumário:1. Introdução; 2. O que é o PBQP-Habitat?; 3.
Argumentos contrários à exigência do certificado do PBQP-H; 4.
Argumentos favoráveis à exigência do certificado do PBQP-H; 5. Decisões
sobre o tema; 6. Medidas contra a exigência do certificado; 7.
Conclusão.
1.Introdução
Muito se tem discutido sobre a exigência do certificado do
Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H), nos
editais de licitações para contratação de serviços de engenharia civil.
Há os que o defendem fervorosamente (especialmente os que
o detêm), e os que o repudiam com igual fervor (principalmente os que não o têm
e não estão em condições de adquiri-lo).
Deixando de lado os interesses que envolvem a exigência do
certificado, aqui, analisar-se-ão os argumentos jurídicos da admissão e da
inexigibilidade dessa exigência, traçando um quadro geral sobre o assunto, sem
a pretensão de pôr fim à discussão.
2.O que é o PBQP-Habitat?
Segundo informações obtidas no site www.cidades.gov.br/pbqp-h
<http://www.cidades.gov.br/pbqp-h>, o PBQP-Habitat se propõe a
organizar o setor da construção civil em torno de duas questões principais: a melhoria
da qualidade do habitat e a modernização produtiva, através da "qualificação
de construtoras e de projetistas, melhoria da qualidade de materiais, formação
e requalificação de mão de obra, normalização técnica, capacitação de
laboratórios, aprovação técnica de tecnologias inovadoras, e comunicação e
troca de informações. Desta forma, espera-se o aumento da competitividade no
setor, a melhoria da qualidade de produtos e serviços, a redução de custos e a
otimização do uso dos recursos públicos. O objetivo de longo prazo é criar um
ambiente de isonomia competitiva que propicie soluções mais baratas e de melhor
qualidade para a redução do déficit habitacional no país e, em especial, o
atendimento das famílias consideradas de menor renda."
O PBQP-H decorre do compromisso firmado pelo Brasil em
razão da assinatura da Carta de Istambul (Conferência do Habitat II - 1996).
Ainda de acordo com o site antes referido, o "Programa
foi instituído em 18 de dezembro de 1998, com a assinatura da a Portaria n.
134, do então Ministério do Planejamento e Orçamento, instituindo o Programa
Brasileiro da Qualidade e Produtividade na Construção Habitacional - PBQP-H.
No ano 2000 foi estabelecida a necessidade de uma
ampliação do escopo do Programa, que passou a integrar o Plano Plurianual (PPA)
e a partir de então englobou também as áreas de Saneamento e Infra-estrutura
Urbana. Assim, o "H" do Programa passou de "Habitação" para
"Habitat", conceito mais amplo e que reflete melhor sua nova área de
atuação."
3.Dos argumentos contrários à exigência de
certificado do PBQP-H
O primeiro argumento contrário à exigência do certificado
do PBQP-H nas licitações é a restrição da competitividade do certame, pois o
elevado custo para a obtenção do certificado nos níveis D, C, B e A (sendo este
o mais alto, e, também, o mais caro) impede que algumas empresas recebam a
certificação desejada, o que significa a inabilitação da licitante e, por
conseguinte, o impedimento de participar das fases posteriores do procedimento
licitatório.
Diante disso, sustentam os que são contrários ao PBQP-H
que a exigência do certificado vai de encontro ao disposto no artigo 3° da Lei
8.666/93 e suas alterações, que dispõe: "A licitação destina-se a garantir
a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a
proposta mais vantajosa para a administração (...)." Grifamos.
A idéia é bem simples: quanto mais propostas, mais
escolhas a Administração tem; tendo mais opções, pode escolher a proposta mais
vantajosa. Raciocinando em sentido contrário, cada vez que o número de
licitantes diminui, a Administração fica mais longe de escolher a melhor
proposta, na medida em que as licitantes detentoras do certificado exigido pelo
edital, cônscias de que haverá um número reduzido de licitantes, elevam o preço
da proposta.
Outro argumento levantado contra a exigência do
certificado encontra sustentação na redação do artigo 37, XXI, da Constituição
Federal, abaixo transcrito:
"Art. 37 - A administração pública direta e indireta
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as
obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de
licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes,
com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as
exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do
cumprimento das obrigações." Sem destaques
Nesse sentido, a Lei 8.666/93 estipula no artigo 30
que:
"Art. 30. A documentação relativa à
qualificação técnica limitar-se-á a:
(...)
II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade
pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto
da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal
técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem
como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se
responsabilizará pelos trabalhos;
§ 1° A comprovação de aptidão referida no inciso II do
caput deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será
feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou
privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, limitadas
as exigências a:
I - capacitação técnico-profissional: comprovação do
licitante de possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da
proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela
entidade competente, detentor de atestado de responsabilidade técnica por
execução de obra ou serviço de características semelhantes, limitadas estas
exclusivamente às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto
da licitação, vedadas as exigências de quantidades mínimas ou prazo máximos;
II - (...) vetado"
Segundo os defensores da não-exigência do certificado,
tanto a Lei Maior como a Lei 8.666/93 impedem que outras exigências além das já
expressamente previstas nesta lei sejam incluídas no edital de uma licitação,
sob pena de afrontar o princípio da legalidade.
Desse modo, tendo em vista que o inciso II do § 1° do
artigo 30 foi vetado e que este inciso referia-se à capacitação
técnico-operacional, isto é, da empresa, não se pode exigir nenhuma comprovação
nesse sentido, apenas dos profissionais da empresa (capacitação
técnico-profissional), prevista no inciso I.
Ademais, mesmo que se pudesse exigir a comprovação
técnico-operacional, não poderia o edital exigir especificamente o certificado
do PBQP-H, na medida em que o § 1° do artigo 30 limita à exigência de
"atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou
privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes".
É dizer: o órgão licitador não poderia ir além do texto legal, que só exige
atestados, e exigir o certificado em comento.
4.Dos argumentos favoráveis à exigência de
certificado do PBQP-H
De outro lado, os que defendem a manutenção da exigência
de certificado do PBQP-H nas licitações contrapõem-se aos argumentos mencionados
acima com os expostos a seguir.
O primeiro argumento é o de que o PBQP-H acirra a
competitividade entre as empresas da construção civil. Nesse passo, seguindo o
parecer da Professora Doutora da USP, Cristiane Derani, disponível no site www.cidades.gov.br/pbqp-h
<http://www.cidades.gov.br/pbqp-h>, "o PBQP-H auxilia
os procedimentos licitatórios, ao informar devidamente o poder público sobre a
qualidade dos produtos e serviços de que necessitam. Na competição do processo
licitatório, a comprovação da conformidade pela certificação do PBQP-H,
tranqüiliza a decisão estatal que, na busca pelo menor preço, não abre mão da
conformidade necessária." Esta professora, conclui que "a razão do
Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade na Construção Habitacional
está na necessidade de que a sociedade deve desenvolver competitividade."
Também sustentam os defensores da exigência do certificado
que, não obstante o veto do inciso II do § 1° do artigo 30, a comprovação
técnico-operacional é sim exigível, bastando, para tanto, interpretar a Lei
8.666 sistematicamente, ou seja, a exigência desta comprovação decorre da
primeira parte do artigo 30, II c/c § 1° e no artigo 33, III, todos da Lei
Geral Licitatória.
Aduzem, outrossim, que o rol de exigências de habilitação
não é exaustivo. O que o legislador quis foi indicar quais exigências não podem
deixar de ser exigidas no procedimento licitatório; porém, cada certame deve
estabelecer as exigências inerentes às peculiaridades do objeto licitado,
devendo a Administração Pública decidir sobre a extensão e o conteúdo dos
requisitos que serão exigidos.
5.Decisões sobre o tema
Como visto, o tema é incipiente e complexo. Os argumentos
de ambos os lados são variados e, em geral, consistentes.
Essa divergência se reflete na jurisprudência dos
Tribunais de Contas dos Estados.
A maior evidência de que não há unanimidade sobre o tema
pode ser encontrada no Tribunal de Contas do Distrito Federal, onde, até abril
de 2003, não havia um posicionamento tranqüilo sobre o tema. Com a decisão
ordinária n° 1.876/2003 (Processo TCDF n° 644/2002), a jurisprudência dessa
corte parece ter sido uniformizada, nos seguintes termos: "O Tribunal,
por maioria, (...) decidiu: (...) b) considerar procedente a exigência de adesão
ao Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade no Habitat no Distrito
Federal – PBQP-H – em editais de licitação da Administração distrital".
Em sentido contrário, o Tribunal de contas do Estado de
São Paulo entende que a exigência do certificado do PBQP-H deve ser afastada do
certame (Acórdãos TC 017524/026/04, de 11.06.2005 e TC 1819/008/05, de
01.09.2005).
No Poder Judiciário, a questão também não é pacífica.
A 2ª Vara da Seção Judiciária de Cuiabá, Estado do Mato
Grosso, já teve a oportunidade de manifestar-se sobre um mandado de segurança
em que, liminarmente, requereu-se a exclusão da exigência do certificado do
PBQP-H, ocasião em que denegou o pedido urgente, mantendo a exigência no
instrumento convocatório (Processo 2005.36000045013), cuja decisão foi
confirmada no mérito.
Outra sorte teve pedido idêntico formulado no mandado
de segurança n° 1.504/98 perante o Juízo da 4ªVara da Fazenda Pública da
Capital do Estado de São Paulo. Nesta ocasião, o pedido urgente foi deferido.
6.Medidas contra a exigência do certificado
Para os que não concordam com a exigência do certificado
do PBQP-H e se deparam com a mesma em algum edital de licitação, primeiro é
preciso impugná-lo, valendo-se do artigo 41, § 1°, da Lei 8.666/93.
Caso não consiga retirá-la do instrumento convocatório
através da impugnação, das duas uma:
a)ou espera a inabilitação, e recorre administrativamente
(art. 109, I, "a", Lei 8.666/93);
b)ou impetra mandado de segurança contra a decisão sobre a
impugnação.
É possível, também, que a licitante abra mão da impugnação
editalícia e, antes da abertura do certame, impetre o mandado de segurança a
fim de excluir a exigência do certificado.
Outra alternativa é impetrar mandado de segurança após a
inabilitação, havendo ou não recurso.
Vê-se, portanto, que são várias as opções de impugnação à
exigência do certificado PBQP-H. Todavia, estamos que a Administração, quando
exige o certificado, dificilmente concordará em excluí-lo do instrumento
convocatório administrativamente (impugnação editalícia ou recurso
administrativo), tornando-se a impugnação judicial (mandado de segurança) a
derradeira alternativa do licitante inconformado.
7.Conclusão
Posto isso, estamos que a exigência do certificado PBQP-H
é válida na medida em que estabelece um critério objetivo na aferição da
qualidade das empresas que atuam na construção civil. Todavia, tal qual está
posta essa exigência, de fato, está restringindo o mercado às empresas de maior
porte afastando as consideradas pequenas.
Portanto, ao que parece, a redução do valor para a
obtenção do certificado pode ser a saída para o problema na medida em que não
afastaria a exigência do mesmo e permitiria a obtenção por aqueles que não o
detém ainda.
* Advogado em
Cuiabá (MT), consultor jurídico e professor universitário.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8487>. Acesso em: 09 jun. 2006.