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Telecentros
comunitários - Uma resposta à "exclusão digital"
Autor: Fredric Michael Litto
No passado, quando os
"coronéis" do Brasil não queriam que novas idéias inconvenientes
chegassem aos seus territórios de mando, fizeram tudo para que nem a estrada de
ferro nem a telegrafia chegassem perto. Meu amigo David Thornburg
gosta de citar, neste contexto, o cientista inglês Francis Bacon, que já em
1601 asseverou que informação e conhecimento representam poder, observando
ainda o fato de muitas pessoas deterem o poder e não quererem compartilhá-lo.
As palavras exatas de Bacon eram: "Nada destrói a autoridade tanto quanto
o intercâmbio desigual e inoportuno de poder, quando for estendido demais ou
relaxado demais". Isto é, quando compartilhamos o conhecimento com outras
pessoas, estamos compartilhando o poder também.
Estamos testemunhando uma nova
era, na qual o equivalente moderno da estrada de ferro ou da telegrafia, a Internet,
pode e deve ser usado para realizar o intercâmbio da informação e do
conhecimento, e com isso compartilhar o poder entre todos os usuários-cidadãos. Uma maneira de fazer isso é a
implantação de sistemas de "telecentros
comunitários", uma via de duas mãos usada pelos cidadãos para comunicar
entre si e com os órgãos governamentais que existem para servir a sociedade.
Um "telecentro"
é um lugar físico, de fácil acesso público, que oferece
gratuitamente serviços de informática e telecomunicações, num contexto de
desenvolvimento social, econômico, educacional e pessoal. Sua concepção
se baseia na crença de que "o cidadão tem o seu poder aumentado quando tem
acesso ao conhecimento".
Telecentros
representam uma ferramenta para diminuir a crescente distância entre cidadãos
"ricos em conhecimento" e aqueles "não-ricos em
conhecimento". A literatura científica sobre Telecentros
revela centenas de exemplos de projetos nessa linha de desenvolvimento
comunitário na África, na Ásia e na América Latina nos últimos dez anos. De
fato, o termo "Telecentro" é aceito hoje
como o nome mais geral para englobar projetos parecidos, com nomes tão variados
como "cabines públicas", "centros comunitários de
tecnologia", "centros comunitários de acesso", "centros de
conhecimento na aldeia", "infocentros",
e "clubes digitais".
O Brasil agora está se juntando a
outros países latino-americanos onde
Telecentros
já estão em funcionamento inicial e experimental: Peru tem 190 centros; México,
5; Paraguai, 8; El Salvador,
100; Colômbia e Equador também têm projetos em andamento.
Telecentros
têm muitas conseqüências positivas e estrategicamente importantes para o cidadão:
- acesso fácil à informação
necessária para o cidadão levar a vida para frente com dignidade;
- oportunidades para fortalecer a
capacitação profissional dos cidadãos através de educação à distância;
- aumento das oportunidades para
auto-expressão local.
Telecentros
normalmente oferecem uma combinatória de serviços de tecnologias
de
informação e comunicação não-local, tais como acesso pleno à Internet e à Rede
Mundial de Sites WWW, bem como aplicações de
tele-medicina e tele-educação.
O conteúdo típico de sites de informação comunitária (local), em Telecentros inclui acervos e serviços sobre:
- dados históricos da comunidade
e dados demográficos e etnográficos;
- mapas indicando os limites
municipais e estaduais, e a localização de propriedades públicas e
particulares;
- acesso a repartições
governamentais (com instruções de como conseguir documentos como alvarás e
licenças, sem a ajuda de intermediários como despachantes);
- informações sobre localização,
horários e serviços de centros de saúde, transporte local, educação e programas
governamentais;
- quando a zona rural estiver
incluída no programa de acesso: preços de safras e insumos agrícolas, controle
de pragas, extensão agrícola; e regulamentos florestais e de fauna silvestre;
- anúncios classificados de
oferta de empregos, ou de pessoas se oferecendo como empregados;
- anúncios de reuniões
comunitárias como associações "amigos do bairro";
- jornal do bairro, com
notificações de casamentos, nascimentos, mortes, reuniões de igrejas, etc.
- local para publicar poemas,
lembranças e opiniões políticas dos membros da comunidade.....
tudo isso eletronicamente e gratuitamente.
Em geral, os Telecentros
servem para fortalecer a participação da população em debates de política
pública, melhorar a administração de recursos municipais e estaduais, dar apoio
a empresários de pequeno porte, criar novas oportunidades para aprendizagem e
permitir comunicação fácil entre todas as organizações locais em comunidades
beneficiadas com sua presença.
Em 13 de julho de 2000 o
Instituto Florestan Fernandes de São Paulo, "think-tank"
do Partido dos Trabalhadores, inaugurou os primeiros cinco "pontos de
presença", de um futuro grupo de noventa e seis Telecentros,
no bairro de Capão Redondo, um setor da periferia da cidade conhecido por sua
extrema violência e, paradoxalmente, por ter o maior número de centros
comunitários na metrópole.
Em cada um desses cinco centros,
com a ajuda de empresas do porte da Microsoft, Gateway,
3Com e Mitsca, foram instalados dez
microcomputadores, redes locais e impressoras, com conexão à Internet. O Centro Universitário Adventista, parceiro da vizinhança,
está fornecendo acesso à rede, e já foram treinados 20 monitores e 30 agentes
de rede, como multiplicadores. Mais cinco centros foram instalados em setembro,
além de um conjunto de serviços informacionais, como
uma agência de notícias local e classificados de empregos e
de oferta de mão-de-obra. O projeto se chama sampa.org, e o seu site está gerando
10.000 sessões de uso por mês.
No dia 16 de novembro de 2000, o
Governador de São Paulo, Mário Covas, inaugurou o primeiro "infocentro" de uma rede que até o fim de 2001 deve
incluir setenta locais na Grande São Paulo e mais sessenta locais no interior
do Estado. Esse projeto chama-se Acessa São Paulo: deve beneficiar 3,5 milhões
de paulistas, tem um orçamento de R$ 4,8 milhões e parcerias com empresas como
Microsoft, Hewlett-Packard e a Telefônica. Localizado num conjunto habitacional
também na periferia sul da cidade, no bairro Jardim São Luís, esse primeiro
centro já está sendo utilizado para capacitar jovens e adultos em informática,
para uso da Internet e para geração de informação local. Goiânia e Porto Alegre
foram citadas na inauguração como cidades planejando sistemas similares.
Deve ficar claro que esse
movimento de estender acesso à informática e à Internet representa um caminho
no qual não há retorno e que provavelmente mudará, a longo
prazo, e relação entre o cidadão e o Estado, municipal, estadual e
federal. Daqui em diante será mais fácil para grupos
de cidadãos com interesses específicos se organizarem para agir de forma a ter
o maior impacto possível.
Também significa que legisladores
eleitos não terão mais a liberdade total de que gozaram até agora, mas, sim,
serão obrigados a consultar, via rede, os membros da sua base eleitoral antes
de votar contra ou favor de qualquer medida, e obrigados, também, a prestar
contas constantemente à comunidade que representam. Na medida em que Telecentros crescem entre nós, haverá cada vez menos
excluídos e haverá cada vez mais oportunidades para todos os cidadãos terem
acesso facilitado à educação continuada, localmente, via redes nacionais e
internacionais.
Mas para dar certo, o
planejamento e execução dos acervos informacionais
têm de respeitar os interesses e as preferências dos cidadãos que serão os
usuários principais desses sistemas. Estou orgulhoso que a Escola do Futuro da
USP, onde trabalho, está participando do
desenvolvimento de ambos os projetos em São Paulo.
Mas estamos cientes de que em
nossa ajuda é necessário evitar a criação de um projeto no qual a Universidade
chega na comunidade com "a solução" pronta para ser aplicada no
tocante ao "design" da informação, o desenvolvimento do conteúdo e
seu uso. Como um agente "de fora" da comunidade, tanto a Universidade
quanto qualquer agência governamental têm de seguir uma política que evite um
controle "de cima para baixo".
Organizações locais devem ser
envolvidas e comprometidas com o sucesso do projeto desde o seu início,
incluindo responsabilidade para o "design", operação e produção de
conteúdo. A estratégia apropriada para essa transferência de
tecnologia têm de ser voltada para o desenvolvimento local de capacidade
e autonomia.
Será nosso trabalho ensinar aos
cidadãos locais as técnicas e habilidades necessárias, bem como os aspectos
organizacionais nesse tipo de empreendimento, para depois servir como agência
de apoio continuado. Mas o trabalho de selecionar, captar e transformar a
informação, além da criatividade na continuação e expansão de cada Telecentro será dos vizinhos.
Se informação é poder, eles terão
nas suas mãos, daqui em diante, uma arma muito forte
para defender os membros de sua comunidade, acelerar o desenvolvimento local em
todos os setores, comunicando para o mundo afora seus desejos, suas esperanças
e suas conquistas.
Fredric Litto é coordenador científico da Escola do Futuro da USP.
Retirado de: http://www.lidec.futuro.usp.br