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A Era da Informação realmente demanda um
conhecimento livre
Se na Era Digital, informação é
poder, então realmente não faz sentido que apenas alguns tenham acesso a ela.
Software Livre não é apenas uma opção à hegemonia das grandes empresas
proprietárias: ele traz consigo um conceito essencial para o desenvolvimento da
Sociedade da Informação, que precisa, urgentemente, ser entendido e incentivado
Por Daniela Matielo, Repórter Brasil
Cheguei cedo ao amplo auditório
da sala A601, preocupada em conseguir um bom lugar
para um debate que prometia estar, não apenas lotado, mas repleto de discussões
polêmicas sobre temas com bastante destaque ultimamente: software livre, copyrights e inclusão digital.
Admito que trazia comigo, já de
início, certa indisposição para com o tema: jamais colocaria em xeque a
importância do software livre, porém acreditava que a
inclusão digital ia muito além dele e que, por sua importãncia,
ela poderia, sim, ser feita através de softwares proprietários e até mesmo
financiada pelas empresas desenvolvedoras desses, que
por sua vez não eram assim tão vilãs quanto pregavam os defensores da
tecnologia livre.
Pelos verbos no passado, vocês
podem adivinhar que o que foi dito na palestra mexeu, de fato, com minhas
opiniões sobre o assunto. Então deixem-me explicar o
que se sucedeu.
Novos modelos
O preâmbulo da palestra foi feito
por Cláudio Prado, secretário do Ministério da Cultura, que fez as vezes de mediador e logo de sáida
deu o tom do que viria a seguir: “Esta mesa é formada por pessoas que acreditam
na necessidade de novos modelos de gestão na era digital”. As pessoas em
questão eram, nada mais nada menos, do que Manuel Castells,
Gilberto Gil, Lawrence Lessig,
John Perry Barlow e
Christian Ahlert. E todos, realmente, tinham
argumentos difíceis de refutar sobre o assunto. Mas vamos por partes.
Contradições da Era da Informação
O primeiro a falar foi Manuel Castells, autor do famoso livro “Sociedade em Rede”. Eu já
ouvira falar muito sobre ele, e lera um pouco de sua obra, mas jamais havia
encontrado a figura pessoalmente. E digo “figura” de forma afetuosa, pois
simpatia extrema foi o complemento indiscutivel de
sua palestra e que cativou o auditório enquanto ele expunha sua visão sobre a
Era da Informação. Sua fala foi tão entusiasmada que nem mesmo uma infeliz
disputa de som com a sala ao lado foi capaz de tirar sua energia: com paciência
e bom humor, ele discorreu sobre suas idéias, e os problemas que o afligem.
Castells
começou sua exposição tratando da relação entre informação e poder na Era da
Informação. Explicou que estamos passando atualmente por um processo de
transformação multidimensional e que, como todo processo, este pode ser tanto includente como excludente, e que não existe um caminho
único em que ocorrem as transformações. Muitas delas, são,
inclusive, contraditórias.
O autor retomou, então, a própria
criação da Internet para falar sobre o controle de conteúdo. Adiantou que
acreditava que existiam coisas que não apenas deviam, como precisavam ser
controladas, como por exemplo a pornografia infantil,
que sem dúvida alguma necessitava ser combatida.
Na história da Internet,
entretanto, o que ocorreu foi exatamente o oposto: uma falta de controle. Por
ter sido criada como uma estratégia militar para evitar a centralização da
informação, controlar o que é publicado na rede é extremamente difícil, senão
impossível. Essa característica garantiu condições para que, através de uma
impressionante demonstração de autogestão, os próprios usuários da rede fossem
também seus produtores, transformando a Internet em um espaço social de livre comunicação.
Castells
colocou que o controle do que existe na rede é, hoje, uma das mais importantes
questões políticas em discussão. Na China e em outros países são feitas
tentativas bastante ofensivas, mas nem sempre efetivas, de tentar controlar o
que existe online. Entretanto, a ausência de
controle, pelo que disse Manuel Castells, parece
estar na própria essência da Internet.
O professor passou então a falar
sobre software livre. Pessoalmente, achei graça em sua afirmação de que quando
opomos software livre a software proprietário não estamos, necessariamente,
opondo, por exemplo, capitalistas e anarquistas. Provavelmente, disse ele,
existem muitos anarquistas dentro mesmo da própria Microsoft, mas por outro
lado, existem muitos capitalistas que estão percebendo a importância da
utilização do software livre. Tomando como exemplo o próprio Linux, que serve sempre de bandeira para o debate: hoje em
dia, ele é mais robusto do que o Windows, e mais estável. E, além disso, sua
capacidade evolutiva é muito maior, uma vez que o programa permite acesso a seu
código fonte e milhares de pessoas em todo o mundo estão pensando o seu
desenvolvimento.
Manuel Castells
terminou sua apresentação emocionada com uma declaração que, reconheço, fez
balançar minhas convicções sobre a não essencialidade do software livre: “Nem
toda propriedade é um roubo. Porém, a propriedade é um roubo quando exclui os
não-proprietários do processo de desenvovimento
social.”(...) “Informação é poder. Comunicação é
contra-poder.”
Remixing
O segundo a se apresentar foi Lawrence Lessig, criador do
conceito de Creative Commons.
Em oposição ao espanhol apaixonado que Castells representou,
Lessig se assemelhava mais à minha imagem do yuppie americano: óculos, cabelos claros penteados para
trás, semi oculto pelo laptop e com um discurso
preparado para convencer multidões. É necessário admitir que ele obteve sucesso
em sua empreitada.
Sua apresentação foi simples e
linear: tudo o que criamos no mundo é feito através de um processo de
“re-mistura” ou remix, como ele repetidamente
enfatizou: ao escrevermos um texto, ao ensinarmos, enfim, em quase tudo o que
criamos existe um processo de se utilizar do que já
existe para criar algo novo. E o mais importante de tudo isso é que esse
processo sempre foi livre, gratuito. Ou FREE, como ele imprimiu no datashow pelo menos cem vezes durante os trinta minutos de
sua explanação.
Lessig
mostrou, então, para um público já conquistado, uma série de vídeos disponíveis
online e produzidos por amadores a partir de imagens
diversas, alcançando o ponto alto com o clip de “Endless Love”, “interpretado” por
George Bush e Tony Blair, que pode ser encontrado, por
exemplo, no site da _About_.
Entre os risos e aplausos da
platéia, Larry lançou a sua idéia: aquele vídeo
também fora produzido através de um processo de remix.
A diferença é que, nesse caso, ele era ilegal. Ou seja, para fazer algo que
sempre fora gratuito, agora era necessário permissão.
Foi nesse contexto, então, que
surgiu o Creative Commons:
uma forma de garantir ao autor o direito de marcar sua obra como livre: a
autoria é mantida, porém a distribuição é gratuita. Lessig
explicou que a explicação de Creative
Commons pode ser encontrado no site
em três camadas: a primeira voltada aos seres humanos, a segunda aos
advogados e a terceira às máquinas. Dessa forma, garante ele,
é possível ter certeza de que os direitos do autor estão assegurados dentro da
lei e ele pode escolher a forma como prefere realizar a distribuição de seu
trabalho.
Lessig
também trouxe um exemplo com o qual eu não pude deixar de me impressionar. Ele
contou que dez anos atrás, na África, foi constatado que mais de 30 milhões de pessoas
morreriam de Aids nos anos seguintes. Os governos africanos, sem dinheiro para
pagar as altas patentes americanas, decidiram buscar alternativas mais baratas,
como por exemplo importar os remédios de outros
países. Na época, o governo Clinton declarou que, caso isso fosse feito, a
África sofreria pesadas sanções econômicas e que era necessário proteger o
direito às patentes.
“Daqui a alguns anos, nossos
filhos olharão para trás e nos perguntarão: Como isso pode acontecer? Como
milhões de pessoas morreram sendo que poderiam ter sido salvas se não fosse
essa ridícula proteção às patentes?” O auditório ficou em silêncio. Eu também
não consegui pensar em como iria responder.
BBC Online
Archive
O próximo a falar, com o desafio
de manter atento um público que já se tornara fã de carteirinha de Lawrence Lessig,
foi Christian Ahlert. Christian foi um dos protragonistas do início de um processo histórico: a
digitalização dos arquivos da BBC, a TV estatal britânica. “Depois de ouvir a
palestra de Larry, eu fico feliz em poder dizer que
existe gente que faz isso”, ele começou, um pouco timidamente, porém usando o
gancho de forma eficaz.
Chris
contou que há mais ou menos 2 anos e meio atrás, a BBC
percebeu, através de pesquisas, que sua audiência estava caindo e que,
portanto, ela não estava cumprindo com seu principal objetivo que era atingir o
máximo de pessoas possível. Nessa época, através de um processo não exatamente
suave, como ele me confidenciou posteriormente, a BBC decidiu colocar uma
grande parte de todo o seu conteúdo online, em um
gigantesco arquivo digital. Para isso, Chris procurou
Larry e foi decidido que todo esse conteúdo seria
disponibilizado sob a licença de Creative Commons.
Chris
não falou muito, mas parecia bastante convicto de suas idéias. “Nós não somos
mais exatamente consumidores. Hoje, fazemos o download
e modificamos o conteúdo. E, dessa forma, fazemos parte do processo de criação.”
Windows doesn't
dance
Em seguida foi a vez de John Perry Barlow, ex-letrista do Grateful Dead e co-fundador do Electronic Frontier Foundation. Barlow começou com um
elogio rasgado aos brasileiros, afirmando que, para ele, o país é a capital da
esperança e que se destaca do que ele costuma chamar de “Generica”,
uma América que se rende frente aos interesses das multinacionais.
Elogiou, então, a nossa música, e
naturalmente foi com a música que ele ilustrou sua apresentação sobre
propriedade intelectual.
John disse a música não é um
substantivo e que portanto não pode ser possuída. “A
música é um verbo, é a relação do músico com o seu público”. Como a cultura, a
música pertence ao coletivo da sociedade, uma idéia que, segundo ele, está
bastante difundida no Brasil. Eu pensei alguns segundos sobre isso e achei que,
de fato, a afirmação fazia sentido. Ninguém pensaria e
pedir direitos autorais sobre a capoeira por aqui.
Barlow
falou então que existem dois tipos de globalização: aquela entre as companhias
multinacionais e aquela “peer-to-peer” e que ele
prefere a segunda. O grande problema é que a primeira trabalha na contramão da
segunda, pois as empresas ainda funcionam em uma economia de escassez: quanto
mais raro é um produto, maior o seu valor.
A propriedade intelectual,
todavia, não funciona como um bem material, ele explicou. No caso de um bem
físico, depois de vendê-lo para alguém, não mais se possui o bem. Com a
propriedade intelectual, por outro lado, com a música, isso não ocorre: não se
possui menos uma música depois de vendê-la. Ela continua sendo sua! Portanto, a
lógica da nova economia não é a da escassez, mas sim a do compartilhamento. “A
propriedade é o modelo errado para coisas que você continua possuindo.”
Um idealista
Por último falou Gilberto Gil,
aplaudido como músico, arrancando suspiros de fãs presentes que provavelmente
pouco entendiam sobre o que era falado ali. Acho que parte de minha
indisposição para com ele vem dessa sua dupla função. Porém, depois de tantos
elogios vindos de gente que eu aprendera, bastante rapidamente, a respeitar,
decidi que ouviria seu discurso com a mente aberta. E não me decepcionei.
Gil não acrescentou muito ao que
já havia sido dito. Comprovou, em sua fala, o que os outros haviam repetido
várias vezes, de que o Brasil era um exemplo na luta pelo software livre.
Defendeu sua importância. Disse que se tivesse que escolher entre o anti e o
pró, escolhia o pró, e que é isso que está fazendo: está fazendo!
Falou poeticamente, como apenas
um músico pode fazer, e sobre coisas grandes, de forma que apenas ministros
falam. Mas terminou com uma afirmação que não pode deixar de me fazer sorrir:
disse que além de músico e ministro, seu espírito é hacker. E não cracker, ele ressalva, e quem entende o que ele quer dizer
sabe a diferença que ele reforça. Mas Gil explica: hackers
criam, renovam, pesquisam e compartilham informações. E é com esse tom que Gil
começou e encerrou sua fala, se não de todo conquistando minha simpatia, com
certeza me convencendo de suas boas intenções em sua luta dentro do governo.
Por fim
Depois que Gil falou, foi aberto
um espaço para perguntas. Infelizmente, muita gente querendo fazer propaganda
das próprias bandeiras, e outras fazendo reinvindicações
que com certeza estariam melhor em outro momento. De tudo que foi dito,
entretanto, uma declaração de Lessig em resposta a
uma pergunta sobre como fica a ética em todo esse processo precisa ser
destacada. E eu acho que foi isso que realmente me convenceu. Ele disse algo
mais ou menos assim:
“Você perguntou sobre ética. Você
vê, eu sou muito fã de Gilberto Gil, mas existe um outro brasileiro que também
admiro, ele se chama Mangabeira Unger. Unger uma vez apresentou um conceito que eu acho que se
aplica bastante bem aqui: a falsa necessidade. Veja, eu não sou a favor que se
distribua conteúdo gratuitamente na Internet contra a vontade dos autores. Eu
não sou a favor dessas redes de distribuição de músicas peer-to-peer.
Entretanto, acho que devíamos nos perguntar qual é a ética de um sistema que
restringe o livre acesso a uma informação que pode salvar milhões de vidas na
África. Estamos falando, aqui, de uma falsa necessidade.”
Termino, então, meu texto, com a
conclusão que prometi em meu primeiro artigo: o software proprietário é uma
falsa necessidade. Ele não precisa existir e sua existência é uma afronta a nova lógica da Era da Informação. Como regeu Lessig no final de sua apresentação: FREE SOFTWARE!
Observação: Este artigo traz, ao
longo do texto, diversos links
para o Wikipedia, um moderno exemplo de construção
coletiva de conhecimento. Apesar de muitos links
estarem em inglês, basta alguns minutos para traduzi-los e disponibilizá-los
online. Contribua você tambem.
Retirado de: http://www.novae.inf.br