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As diversas origens dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos e os seus regimes jurídicos
Leonardo
Ribeiro Pessoa
advogado no Rio de Janeiro (RJ), professor de
Direito Empresarial e Tributário, mestre em Direito Empresarial e Tributário
Sumário:
Introdução. 1. A Distinção entre os "bens vinculados" à prestação dos
serviços públicos e os "bens reversíveis". 2.As diversas origens dos
bens vinculados à prestação dos serviços Públicos. 3. Os regimes jurídicos dos
bens vinculados à prestação dos serviços públicos. 4. Responsabilidade pela
manutenção, alienação e penhora dos bens vinculados. 5. Conclusão. 6.
Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Como
bem salientado pela professora Dinorá Adelaide Musetti Grotti (1), cada povo
diz o que se deve considerar por serviço público em consonância com seu
respectivo sistema jurídico. A professora adverte, ainda, que a definição de
uma dada atividade como sendo serviço público remete ao plano da concepção sobre
o Estado e seu papel. Nota-se, portanto, que se está no plano da escolha
meramente política, que pode estar fixada na Constituição do país, na
legislação infraconstitucional vigentes em um dado momento histórico.
O
professor Marcos Juruena Villela Souto (2) define serviço público como sendo a
atividade cuja realização é assegurada, regulada e controlada pelo Estado em
face de sua essencialidade ao desenvolvimento da sociedade, exigindo, pois, uma
supremacia na sua disciplina.
É
cediço que tais serviços, considerados públicos, podem ser prestados pelos
órgãos da Administração Direta, pela via da criação de autarquias, empresas
públicas, sociedades de economia mista e fundações ou pela delegação à
particulares via concessões ou permissões.
Os
dois autores, acima mencionados, destacam que o Estado brasileiro, ao longo dos
anos, organizou o desempenho de seus serviços públicos sob diversas
modalidades. Destacam esses autores que, originariamente, só se conhecia a
prestação direta pelo Estado, valendo-se dos órgãos que compõem o seu próprio
aparato administrativo. Num segundo momento, segundo os mesmos autores, até
1930, teve grande voga a concessão a favor de pessoas privadas, tendo como
objeto social a prestação de serviço público. É perceptível que em setores como
transporte ferroviário, energia elétrica, telecomunicações, por exemplo, a
presença estatal é quase exclusiva na a partir da Segunda Guerra Mundial.
Os
autores supracitados salientam que, a partir da década de 90, a divulgação
internacional das propostas de privatização chega ao Brasil e as empresas
estatais deixam de ser a única alternativa para prestação dos serviços
públicos. Vale lembrar, ainda, que a insuficiência de recursos estatais para
manutenção de serviços públicos adequados também contribuiu para o novo formato
dos serviços públicos, como, também, muito bem destacados pelos autores
mencionados.
Os
autores acima mencionados deixam a lição de que a descentralização de
atividades anteriormente cometidas ao Estado vem se desenvolvendo, por
delegação atribuindo competências às entidades privadas, com preferência para a
concessão de serviços públicos.
O
objeto do presente estudo, portanto, é a concessão de serviço público às
entidades privadas e o deslinde das questões inerentes aos bens vinculados à
prestação dos serviços públicos.
Inicia-se
o estudo com a análise de alguns aduzimentos sobre o conceito dos bens
vinculados, no ordenamento jurídico brasileiro, bem como os diversos
entendimentos exarados pelos doutrinadores sobre o regime jurídico dos ditos
bens.
Também
são colacionadas lições sobre a responsabilidade pela manutenção, alienação e
penhora dos bens vinculados.
Por
fim, é apresentada uma síntese conclusiva sobre o tema, sem a preocupação de
inovar, mas apenas com o intuito de contribuir para a melhor compreensão dos
novos institutos jurídicos decorrentes das novas relações jurídicas
constituídas na seara da prestação dos serviços públicos através de empresas
privadas.
1.
A distinção entre os "bens vinculados" à prestação dos serviços
públicos e os "bens reversíveis"
O
professor português Pedro Gonçalves (3) destaca, com maestria, a importância de
se observar que a gestão do serviço público, como o exercício de qualquer outra
atividade econômica, pressupõe o uso de meios de que o concessionário se serve
para cumprir as suas obrigações contratuais. O professor enumera, ainda, como
exemplos: dos meios humanos, o pessoal que a empresa concessionária
"vincula" à concessão, ou meios materiais, isto é, de bens utilizados
na gestão do serviço público.
Os
ditos bens incorporados na concessão, vinculados à gestão do serviço público,
compreendem, portanto, o conjunto de bens imóveis (terrenos, edifícios,
infra-estruturas complexas, como redes de água ou de telecomunicações) e móveis
(materiais, máquinas, equipamentos, aparelhagens, mobiliário, material
circulante) utilizados na prestação do serviço público concedido.
Quanto
ao tema "bens vinculados", é interessante notar que todos os
doutrinadores pesquisados afirmam que os bens vinculados são todos aqueles
necessários à prestação do serviço pública. Ocorre, contudo, ao que parece, que
os doutrinadores não fazem qualquer distinção entre "bens vinculados"
e "bens reversíveis". O professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto
(4), por exemplo, utiliza os adjetivos "vinculado" e
"reversível" como sinônimos.
Tal
entendimento parece ser errôneo, pois, nem todos os bens utilizados pela
concessionária na prestação do serviço público são de extrema necessidade para
o funcionamento do serviço e, conseqüentemente, não devem ser transferidos, ao
final da concessão, ao poder concedente.
Vale
destacar que na legislação não há dispositivo que defina "bens
vinculados", contudo os incisos II, V e VII, do artigo 31, da Lei n.°
8.987, 13 de fevereiro de 1995 (Lei das Concessões e Permissões), mencionam,
entre os encargos da concessionária, que incumbe à mesma "manter em dia
o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão"; "permitir
aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos
equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros
contábeis" e "zelar pela integridade dos bens vinculados à
prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente",
respectivamente.
Percebe-se,
portanto, que o legislador fez menção expressa aos bens vinculados à prestação
dos serviços públicos, sem, contudo, declinar um conceito legal. É fácil notar,
ainda, que o legislador não afirma que os bens vinculados são aqueles
necessários à prestação do serviço público e nem, muito menos, que os ditos
bens serão todos reversíveis.
Conclui-se,
pelo já exposto, que os bens vinculados são todos aqueles utilizados pela
concessionária para a realização dos serviços públicos concedidos, não se
confundindo com os bens reversíveis, pois estes são aqueles bens vinculados
"extremamente" necessários à prestação do serviço público e que por
força dos princípios da continuidade, regularidade e atualidade da prestação do
serviço público deverão reverter (serão transferidos) ao poder concedente para
que a prestação do serviço não sofra uma solução de continuidade. Mais adiante,
no presente trabalho, serão trazidas as lições de autores renomados que
explicam cada um dos princípios mencionados.
É
importante fixar o entendimento de que os bens vinculados à prestação dos
serviços públicos, só passam a categoria de bens reversíveis, a partir do
momento que o poder concedente estabelece que terminados bens são da
"essência" da prestação dos serviços concedidos, isto é, sem os ditos
bens a concessionária não poderá prestar um serviço público continuo, atual e
regular.
Para
corroborar o acima exposto, se faz necessário observar como o legislador usou o
adjetivo "reversível", nos textos legais. Por exemplo, na Lei n.°
8.987/95 é possível observar o artigo 18, inciso X, da Lei n.° 8.987/95 –
"Art. 18. O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente,
observados, no que couber, os critérios e as normas gerais de legislação
própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: (...) X – a
indicação dos bens reversíveis." -, o artigo 23, inciso X, da mesma
lei – "Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as
relativas: (...) X – aos bens reversíveis." -, o artigo 35, §§ 1° e 3°
- "Art. 35. Extingue-se a concessão por: (...) § 1°. Extinta a
concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e
privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e
estabelecido no contrato. (...) § 3°. A assunção do serviço autoriza a ocupação
das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens
reversíveis.", o caput do artigo 36 da lei em foco – "Art.
36. A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das
parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados
ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a
continuidade e atualidade do serviço concedido."
Na
Lei n.° 9.472/97, o artigo 93, XI – "Art. 93. O contrato de concessão
indicará: (...) XI – os bens reversíveis, se houver;", o caput do
artigo 101 da lei em referência – "Art. 101. A alienação, oneração ou
substituição de bens reversíveis dependerá de prévia aprovação da Agência."
Na
Lei n.° 9.427/96, o artigo 14, inciso V – "Art. 14. O regime econômico
e financeiro da concessão de serviço público de energia elétrica, conforme
estabelecido no respectivo contrato, compreende: (...) V – indisponibilidade,
pela concessionária, salvo disposição contratual, dos bens considerados
reversíveis.", o caput do artigo 18 – "Art. 18. A ANEEL
somente aceitará como bens reversíveis da concessionária ou permissionária do
serviço público de energia elétrica aqueles utilizados, exclusiva e
permanentemente, para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica."
Analisando-se
os dispositivos legais supracitados, pode-se concluir, salvo melhor juízo, que
os bens reversíveis são espécie do gênero bens vinculados à prestação dos
serviços públicos. Frise-se que, conforme expressamente indicado pelo inciso
XI, do artigo 93, da Lei n.° 9.472/97, a existência de bens reversíveis não é
obrigatória. Deve-se concluir, portanto, que, em determinadas concessões,
existem bens vinculados à prestação dos serviços públicos que por razões de
cunho político e/ou financeiro não são arrolados pelo poder concedente como
sendo bens reversíveis. Esse raciocínio, embora pareça simples, não encontra
eco na doutrina pesquisada.
Vale
destacar que parte relevante da doutrina, portanto, ao que parece, entende que
os bens vinculados à prestação do serviço público são necessariamente reversíveis,
pois a vinculação de tais bens decorre do princípio da continuidade da
prestação do serviço público.
De
qualquer forma, independentemente do entendimento que se adote, o presente
estudo tem por finalidade analisar o gênero bens vinculados à prestação de
serviços públicos, portanto, englobando-se, portanto, tanto os bens
reversíveis, quanto os bens não reversíveis, mas apenas vinculados à prestação
dos serviços públicos.
Para
melhor esclarecer a questão, vale trazer a lição do professor Luiz Alberto
Blanchet (5):
"A doutrina francesa discerne dos ‘biens de
retour’ que devem compulsoriamente ser entregues ao poder concedente ao final
da concessão, e os ‘biens de reprise’, conforme, respectivamente, devam
retornar obrigatoriamente ao poder concedente ao término da concessão, ou
apenas possam (a critério do poder concedente e mediante indenização) ser
revertidos. Nosso direito, embora não distinga as duas espécies, dispensa
tratamento semelhante conforme o valor do bem já tenha ou não sido amortizado
no momento da extinção da concessão.
A concessão pode extinguir-se por vários meios
conforme se verá à análise do art. 35. Um destes meios é a reversão, que ocorre
quando expira o prazo de vigência do contrato de concessão. Findo o prazo
contratualmente estipulado, o concessionário automaticamente perde o direito de
executar o serviço, o qual retorna ao poder concedente, ocasião em que os bens
vinculados à execução do objeto da concessão devem ser revertidos ao titular
concedente.
Sempre houve divergências a respeito dos bens que
devem ser revertidos. A opinião predominante é no sentido de que somente os
bens necessários à prestação do serviço concedido, e para esse fim efetivamente
utilizados, deveriam ser revertidos ao poder concedente, conforme, aliás,
entende também o Supremo Tribunal Federal. Este é o posicionamento mais
condizente com o princípio da permanência, ou continuidade, do serviço, pois se
os bens efetivamente utilizados na prestação adequada do serviço já são
suficientes para preservar a continuidade de sua prestação, a reversão dos
demais bens é supérflua, e de qualquer modo terá sido paga com recursos
públicos antes da concessão (se já existentes ou adquiridos pelo poder
concedente, para utilização na prestação do serviço), durante (dissolvido o seu
curto no valor da tarifa), ou ao final da concessão mediante indenização ao
concessionário (se assim estiver previsto no contrato). Como não é facultado ao
administrador público empregar recursos públicos em coisas desnecessárias, nada
justifica a reversão de bens desnecessários para assegurar a permanência do
serviço. A indenização constitui-se em obrigação do Poder Concedente, no caso
de serviços de energia elétrica, como garantia integrante do regime
econômico-financeiro da concessão, consoante dispõe a Lei n.° 9.427/96, em seu
art. 14, inc. II.
A predefinição dos bens reversíveis anteriormente à
elaboração das propostas pelos interessados, além de evitar impasses futuros,
possibilita a cotação de valores mais reais, pois o proponente não precisará
introduzir em sua cotação reservas destinadas a neutralizar os efeitos
econômicos de eventuais surpresas ao término da concessão.
Idêntico efeito produzirá a definição sobre a gratuidade
ou onerosidade da reversão. Se no edital de licitação ficar estabelecido que
pela reversão dos bens ao poder concedente nada será devido ao concessionário,
este naturalmente incluirá em sua proposta o custo desta gratuidade. Esta é a
razão da exigência contida no inc. X deste artigo."
O
professor Marçal Justen Filho (6) esclarece que todos os bens públicos
utilizados pelo concessionário são reversíveis, já os bens privados podem ser
reversíveis ou não reversíveis, dependendo da vida útil dos ditos bens.
Destarte, os aduzimentos do professor Marçal corroboram para o entendimento de
que os bens reversíveis são espécie do gênero bens vinculados à prestação do
serviço público.
É
importante firmar, portanto, o entendimento de que os bens reversíveis são
espécie do gênero bens vinculados à prestação dos serviços públicos e tais bens
serão sempre aqueles necessários (sem os quais não é viável a prestação do
serviço) à prestação do serviço público, não obstante, o poder concedente, por
razões políticas e/ou financeiras, possa definir se existirão bens reversíveis,
bem como quais serão esses bens. São exemplos comuns de bens que devem sem
arrolados como reversíveis nos contratos de concessão, na lição do professor
Celso Antônio Bandeira de Mello (7): a) os vagões ferroviários, as locomotivas,
os pátios de manobras, as estações de embarque e desembarque de passageiros ou
carga, os trilhos etc, para as concessionárias de transporte ferroviário; b) os
diques, os cais de embarque e desembarque em um porto marítimo, os pequenos
ramais ferroviários de transporte, os armazéns, as dragas marítimas etc, para
as concessionárias de serviços portuários; c) as barcas, os terminais de
passageiros etc, para a concessionária de transporte por barcas etc.
2.
As diversas origens dos BENS VINCULADOS à prestação dos serviços públicos
Quanto
à origem dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos, é importante
destacar que os mesmos podem ser incorporados na concessão pelo poder
concedente ou adquiridos ou construídos pelo concessionário. Os bens
vinculados, portanto, podem ser de propriedade da concessionária, da empresa
pública, ou outra pessoa jurídica da administração indireta ou, até mesmo, de
uma pessoa jurídica da administração direta. Destarte, todos os bens,
independentemente de suas origens podem ser vinculados à prestação do serviço
público.
Para
corroborar a afirmação acima, é importante trazer a lição do professor
português Pedro Gonçalves (8):
"A variedade de situações, que leva a doutrina a
distinguir três categorias de bens afectos à gestão do serviço público
concedido (bens de regresso, bens a transferir e bens próprios do
concessionário), não elimina um elemento comum a todos eles: o tratar-se de
bens afectos à concessão."
O
professor Hely Lopes Meirelles (9), também é da mesma opinião:
"(...) a reversão só abrange os bens, de qualquer
natureza, vinculados à prestação do serviço. (...)".
O
professor Marcos Juruena Villela Souto (10) também contribui para elucidar a
questão, ao afirmar que:
"Diversa é a situação dos bens imóveis cedidos à
empresa para execução das atividades previstas no seu objeto social.
A cessão é uma situação interna dos bens imóveis, na
qual não acontece a transferência da propriedade; daí esses bens, que ainda
pertencem à Administração, serem regidos pelo regime jurídico de direito
público, apesar de se encontrarem na posse da empresa.(...)
(...) Os Programas de Reforma do Estado estão calcados
na Desestatização, que tem nas privatizações, concessões e alienação de bens de
empresas em liquidação as suas molas mestras; em alguns casos, ocorre a
privatização da empresa estatal exploradora de serviço público com concomitante
outorga da concessão desse serviço noutras, pode haver extinção da empresa,
venda de patrimônio e concessão de serviço.
Situações há, porém, nas quais o serviço é concedido e
a empresa estatal continua a existir, exercendo funções de subconcedente, de
fiscalização técnica do serviço ou de administração do patrimônio de sua
propriedade (transferido ao concessionário que fica, assim, desobrigado de
adquiri-lo e de se remunerar desse investimento pela cobrança da tarifa; esta,
por sua vez, torna-se mais módica para o usuário)."
Marçal
Justen Filho é enfático ao afirmar que: "os bens utilizados no
desenvolvimento da concessão enquadram-se em dois grandes grupos. O primeiro é
constituído pelos bens públicos e o segundo pelos bens privados." (11)
O
professor Marçal Justen Filho (12) esclarece, ainda, que os bens públicos
relacionados com a concessão poderão ser de uso comum do povo, bens de uso
especial e bens dominicais.
Analisando-se
os entendimentos dos diversos autores, até agora colacionados, é necessário
concluir que os bens utilizados pelas concessionárias na prestação dos serviços
públicos podem ser de diversas origens. Quanto às origens dos bens vinculados à
prestação dos serviços públicos, verificar-se que existem:
3.
OS REGIMES JURÍDICOS DOS BENS VINCULADOS À PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
Para
elucidar a questão do regime jurídico dos bens vinculados à prestação dos
serviços públicos, é salutar compreender que os bens utilizados (na posse
direta das concessionárias) possuem diversas origens, conforme explanado acima.
A
doutrina, contudo, está dividida entre os que afirmam veementemente que todos
os bens vinculados à prestação dos serviços públicos são públicos, logo,
obedecem ao regime jurídico de direito público (corrente doutrinária
majoritária) e os que distinguem as diversas origens dos bens utilizados na
prestação dos serviços públicos, diferenciando os regimes jurídicos conforme a
natureza dos respectivos bens.
O
professor Marçal Justen Filho (20) traz importante reflexão sobre o tema:
"O Direito produz um tratamento jurídico unitário
para o conjunto de bens aplicados à prestação do serviço delegado. Ainda que se
trate de uma pluralidade de bens e direitos, alguns públicos e outros privados,
a disciplina jurídico considera tais bens em seu conjunto, inclusive para
reconhecer a titularidade jurídica do concessionário.
Essa questão é muito peculiar e não tem sido bem
resolvida no âmbito do Direito Administrativo. É inquestionável que alguns bens
aplicados à prestação do serviço público são inquestionavelmente públicos.
Transfere-se ao concessionário apenas a ‘posse’ direta sobre eles – se é que
tal se poderia cogitar de posse em sentido próprio."
É
evidente que a controvérsia não é discussão inútil. A aplicação do regime
jurídico de direito público ou privado será o responsável pela viabilidade
econômica de uma concessão de serviço público, envolvendo inúmeros interesses,
inclusive o público, pois, caso as concessões não atraiam a iniciativa privada,
os serviços públicos não poderão ser prestados de forma adequada.
Para
rechaçar a corrente doutrinária que defende que a totalidade dos bens
vinculados à prestação dos serviços públicos obedecem ao regime de direito
público, é importante observar os seus fundamentos, conforme se fará a seguir.
Inicialmente,
é importante demonstrar os dispositivos legais que aparentemente sustentam o
raciocínio da corrente doutrinária em comento.
O
artigo 65 do Código Civil ("são públicos os bens do domínio nacional
pertencentes à União, aos Estados, ou aos Municípios. Todos os outros são
particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem") era o
dispositivo legal que fornecia o conceito de bens públicos.
O
dito dispositivo, interpretado ao pé da letra, deixa claro que até os bens das
autarquias seriam privados – o que é um engano. No entanto, evidentemente, tal
preceito não serve de base para a definição dos bens das entidades da Administração
Indireta, uma vez que, em 1916, quando foi promulgado o Código Civil, não se
cogitava das mesmas. Frise-se que o artigo 98 do novo Código Civil já menciona
que "são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas
jurídicas de direito público interno; todos os outros serão particulares, seja
qual for a pessoa a que pertencerem".
Já
o artigo 66, II, do antigo Código Civil, que definia os bens de uso especial,
trazia importante subsídio, pois deixava claro que eram bens públicos dessa
natureza "os edifício ou terrenos aplicados a serviço ou
estabelecimento federal, estadual ou municipal". O artigo 99, II, do
novo Código Civil, prescreve que são bens públicos "os de uso especial,
tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da
administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas
autarquias".
Interpretando
os artigos supracitados do antigo Código Civil, a professora Maria Sylvia
Zanella Di Pietro (21) traz a seguinte lição:
"Ora, dentre as entidades da Administração
Indireta, grande parte presta serviços públicos; desse modo, a mesma razão que
levou o legislador a imprimir regime jurídico publicístico aos bens de uso
especial, pertencentes à União, Estados e Municípios, tornando-os inalienáveis,
imprescritíveis, insuscetíveis de usucapião e de direitos reais, justifica a
adoção de idêntico regime para os bens de entidades da Administração Indireta
afetados à realização de serviços públicos.
É precisamente essa afetação que fundamenta a
indisponibilidade desses bens, com todos os demais corolários.
Com relação às autarquias e fundações públicas, essa
conclusão tem sido aceita pacificamente. Mas ela é também aplicável às
entidades de direito privado, com relação aos seus bens afetados à prestação de
serviços públicos.
É sabido que a Administração Pública está sujeita a
uma série de princípios, dentre os quais o da continuidade dos serviços
públicos. Se fosse possível às entidades da Administração Indireta, mesmo
empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviços
públicos, alienar livremente esses bens, ou se os mesmos pudessem ser
penhorados, hipotecados, adquiridos por usucapião, haveria uma interrupção do serviço
público. E o serviço é considerado público precisamente porque atende às
necessidades essenciais da coletividade. Daí a impossibilidade da sua
paralisação e daí a sua submissão a regime jurídico publicístico.
Por isso mesmo, entende-se que, se a entidade presta
serviço público, os bens que estejam vinculados à prestação do serviço não
podem ser objeto de penhora, ainda que a entidade tenha personalidade jurídica
de direito privado.
Também pela mesma razão, não podem as entidades
prestadoras de serviços públicos alienar os seus bens afetados a essa
finalidade, sem que haja a prévia desafetação; embora a Lei n.° 8.666, de
21.06.1993, só exija autorização legislativa para a alienação de bens imóveis
das autarquias e fundações, encontra-se, às vezes, em leis esparsas
concernentes à prestação de serviços públicos concedidos, norma expressa
tornando inalienáveis os bens das empresas concessionárias, sem a prévia
autorização do poder concedente.
Portanto, são bens públicos de uso especial os bens
das autarquias, das fundações públicas e os das entidades de direito privado
prestadoras de serviços públicos, desde que afetados diretamente a essa
finalidade."
A
conclusão da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro é taxativa, isto é, ela
entende que os bens utilizados por empresas privadas prestadores de serviços
públicos são bens públicos de uso especial, pois estão afetados ao serviço
público e, portanto, devem obedecer ao regime jurídico de direito público, com
todas as suas restrições.
Seguem
o mesmo raciocínio da professora Di Pietro, os professores José Arthur Diniz
Borges (22); Hely Lopes Meirelles (23); Celso Antônio Bandeira de Mello (24);
Odete Medauar (25), entre outros.
Para
os autores mencionados acima, em síntese, os bens vinculados à prestação do
serviço público devem obedecer ao regime jurídico de direito público. Destarte,
no entender desses autores, os bens vinculados seriam bens que, em razão de sua
destinação ou afetação a fins públicos, estariam fora do comércio jurídico de
direito privado; vale dizer que, enquanto mantivessem essa afetação, não
poderiam ser objeto de qualquer relação jurídica regida pelo direito privado,
como, por exemplo, compra e venda, doação, permuta, hipoteca, penhor, comodato,
locação, posse ad usucapionem etc. Se isto já não decorresse da própria
afetação desses bens, a conclusão seria a mesma pela análise dos artigos 67, 69
e 756 do antigo Código Civil, segundo os mesmos autores, pois o primeiro artigo
estabelece a inalienabilidade dos bens públicos, nos casos e forma que a lei
prescrever, o segundo determina serem coisas fora do comércio as insuscetíveis
de apropriação e as legalmente inalienáveis; e o terceiro dispõe que só as coisas
alienáveis podem ser objeto de penhor, anticrese ou hipoteca.
Vale
destacar, ainda, que, segundo esse entendimento, deve-se aplicar o artigo 100
da Constituição Federal, que exclui a possibilidade de penhora de bens
públicos, ao estabelecer processo especial de execução contra a Fazenda
Pública.
Em
síntese, os adeptos dessa corrente doutrinária defendem que a origem e a
natureza dos bens vinculados continuam sendo públicas; sua destinação continua
sendo de interesse público, mas apenas sua administração é transferida a uma
entidade de personalidade jurídica de direito privado, que os utilizará na
forma da lei; tanto assim que – advertem esses autores -, na extinção da
empresa, os bens vinculados devem reverter ao patrimônio estatal. Percebe-se
claramente, portanto, que os autores acima citados parecem confundir os
institutos, utilizando erroneamente a expressão "bens vinculados",
quando na verdade as características que mencionam dizem respeito aos
"bens reversíveis".
O
professor Marcos Juruena Villela Souto (26), discorda dos autores acima
citados, afirmando o seguinte:
"O patrimônio afetado ao serviço, se
integralizado no capital social da empresa estatal, se submete, na lição de
CAIO TÁCITO, ao regime jurídico de direito privado, ainda que doutas vozes
sustentem tratar-se de bem público sob administração especial. (...)"
O professor Marcos Juruena Villela Souto ressalta
muito bem que o Decreto-lei n.° 200, de 25.02.1967, em seu artigo 5°, procurou
estabelecer distinções entre as autarquias, empresas públicas e sociedades de
economia mista, a saber:
"I. autarquia – o serviço autônomo, criado por
lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar
atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor
funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada;
II. empresa pública – a entidade dotada de
personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital
exclusivo da União, criada por lei para exploração de atividade econômica que o
governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência
administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em
direito;
III. sociedade de economia mista – a entidade dotada
de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração
de atividade econômica, sob forma de sociedade anônima, cujas ações com direito
a voto pertençam, em sua maioria, à União ou entidade da administração
indireta."
O
professor Caio Tácito (27) - citado pelo mestre Marcos Juruena Villela Souto -,
analisando a situação dos bens transferidos pelo Município de São Paulo à
Empresa Municipal de Urbanização – EMURB, a título de integralização do capital
social, sustenta que tal patrimônio perde sua característica original; não
existindo distinção de tratamentos em razão de a integralização se operar em
dinheiro ou em imóveis. Embora afetados a um interesse público, os bens, na
opinião do professor, desligam-se do patrimônio do município e passam a compor
o patrimônio da empresa, podendo ser utilizados, onerados ou alienados na forma
estatutária.
Concordando
com a posição adotada pelos professores Caio Tácito e Marcos Juruena e
discordando dos demais autores supracitados, tem-se o magistério do professor
José dos Santos Carvalho Filho (28):
"Segundo clássica lição de HELY LOPES MEIRELLES,
os bens das entidades paraestatais também se consideram bens públicos. Eis as
palavras do renomado publicista: ‘Quanto aos bens das entidades paraestatais
(empresas públicas, sociedades de economia mista, serviços autônomos etc),
entendemos que são, também, bens públicos com destinação especial e
administração particular das instituições a que foram transferidos para
consecução dos fins estatutários’.
Baseia-se o autor no fato de que tais bens são
públicos em sua origem e em seus fins, e que apenas a sua administração é que é
confiada à entidade paraestatal. Ressalva adiante, porém, que os referidos bens
são sujeitos à oneração e sujeitam-se à penhora por dívidas da entidade,
podendo, ainda, ser alienados na forma como o dispuserem seus estatutos.
O ensinamento do grande autor, entretanto, se nos
afigura contraditório. Se incide sobre tais bens a normatividade básica
atribuída aos bens privados, fica difícil caracterizá-los como bens públicos
pela só circunstância de provirem de pessoas de direito público e de terem a
finalidade de atender os fins institucionais da entidade.
Com todo o respeito que merece o grande autor,
permitimo-nos discordar de seu entendimento. Parece-nos, ao contrário, que os
bens das pessoas administrativas privadas, como é o caso das empresas públicas,
sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado, devem ser
caracterizados como bens privados, mesmo que em certos casos a extinção dessas
entidades possa acarretar o retorno dos bens ao patrimônio da pessoa de direito
público de onde se haviam originado. O fator que deve preponderar na referida
classificação é o de que as entidades têm personalidade jurídica de direito
privado e, embora vinculadas à Administração Direta, atuam normalmente com a
maleabilidade própria das pessoas privadas.
Por conseguinte, o regime jurídico dos bens das
pessoas privadas da Administração será, em princípio, o aplicável às demais
pessoas privadas. Pode ocorrer que, excepcionalmente, a lei instituidora da
pessoa administrativa disponha de modo diverso, criando alguma regra especial
de direito público. Essa norma, é claro, será derrogatória da de direito
privado, mas os bens continuarão a ser considerados como privados.
Como sucede, em regra, com as pessoas privadas, a
alienação e a oneração de seus bens devem atender ao que dispõem os respectivos
regulamentos.
Aliás, não custa lembrar que a Lei n.° 6.404/76, que
dispõe sobre as sociedades anônimas, prevê, no artigo 242, que os bens de
sociedades de economia mista, entidades integrantes das pessoas administrativas
privadas, são normalmente executáveis e penhoráveis. Ora, se a própria lei os
reconhece como sujeitos à penhora é porque, obviamente, não podem ser
qualificados como bens públicos."
Analisando
as lições dos ilustres professores, é fácil perceber que os bens que passam a
integrar, inicialmente, o patrimônio das empresas públicas e sociedades de
economia mista provêm geralmente da pessoa federativa instituidora. Tais bens,
enquanto pertenciam a esta última, tinham a qualificação de bens públicos.
Quando, todavia, são transferidos ao patrimônio daquelas entidades, passam a
caracterizar-se como bens privados, sujeitos à sua própria administração. Sendo
bens privados, não são atribuídas a eles as prerrogativas próprias (ou
restrições) dos bens públicos, como a imprescritibilidade, a impenhorabilidade,
a alienabilidade condicionada etc.
Resta
evidente, portanto, que a conservação, proteção e os casos de alienação e
oneração desses bens (vinculados) é disciplinada pelos estatutos das
concessionárias de serviços públicos.
Deve-se
concluir, neste diapasão, que, se as empresas públicas e as sociedades de
economia mista possuem seu patrimônio sob o regime jurídico de direito privado,
maior razão existe para ser este o regime jurídico dispensado ao patrimônio
pertencente às concessionárias privadas prestadoras de serviços públicos.
Em
síntese, os adeptos desta corrente doutrinária defendem que, o Poder Público ao
criar uma empresa pública ou de economia mista, não transfere bens para compor
seu capital a título de mera administração, mas sim de alienação, com
autorização na lei para criar a despesa gerada pela integralização do capital
(29).
Destarte,
conforme bem salientado pelo professor Marcos Juruena (30), os bens que
integram o patrimônio de empresas públicas ou de economia mista, quer sejam
prestadoras de serviços públicos ou não, compreendidos tantos os empregados no
serviço público como os patrimoniais disponíveis, são privados, que obedecem,
salvo peculiaridades (de controle), ao regime jurídico de direito privado. São
assim considerados, no dizer de Marcos Juruena, porque, apesar da sua
destinação ser ainda de interesse público, a sua administração é efetuada por
uma entidade de direito privado, que irá utiliza-los de acordo com a lei
instituidora e do estatuto regedor da instituição.
O
professor Diogo de Figueiredo (31), contudo, embora seja possível enquadrá-lo
como adepto da corrente doutrinaria acima citada, afirma que:
"Expirado o prazo da concessão, os bens
vinculados ao serviço se integram ao patrimônio público. É a solução normal do
contrato pelo advento do seu termo (v. art. 35, I, da Lei n.° 8.987, de 13 de
fevereiro de 1995).
Na hipótese de desfazimento do vínculo contratual,
pelo advento do termo do contrato, ou, se o caso, pelo implemento de condição
resolutiva, os bens afetos ao serviço público, que eram de domínio resolúvel
enquanto no patrimônio privado do concessionário, retornam ao domínio do Poder
Concedente, com ou sem indenização, conforme tenham ocorrido os pressupostos
contratuais da amortização do capital investido pelo concessionário."
As
considerações do professor Diogo de Figueiredo parecem não abarcar as hipóteses
de transferência de bens vinculados de origem de empresas públicas e sociedades
de capital misto, pois estas jamais seriam do domínio público, mas sim do
privado. É importante observar, ainda, que o ilustre doutrinador afirma que os
bens vinculados "retornam" ao domínio público, deixando claro
que durante a concessão ditos bens permanecem sob a propriedade privada.
Ocorre, contudo, que o professor Diogo de Figueiredo não declina maiores
considerações sobre os bens que retornam para concessionárias sucessoras das
anteriores (no caso de extinção da concessão), bem como passa ao largo do
problema dos bens adquiridos e utilizados durante o contrato de concessão, sem
nunca terem passado pelo domínio público. Aliás, em verdade, é preciso entender
que só serão bens de propriedade resolúvel, aqueles adquiridos pela
concessionária e que sejam arrolados como bens reversíveis. Neste ponto, é
importante lembrar, o professor Diogo de Figueiredo, como já exposto, utiliza
os adjetivos "vinculado" e "reversível" como sinônimos – o
que parece ser um equívoco.
O
professor Marçal Justen Filho (32), reconhecendo a dicotomia entre os bens
públicos e privados utilizados pela concessionária, afirma o seguinte:
"(...) Quanto a esses bens públicos, incumbe ao
particular promover sua manutenção, conservação e aperfeiçoamento. Uma vez
encerrada a concessão, a posse desses bens será retomada pela entidade
concedente e, se for o caso, transferida para novo concessionário. Quando se
trata de concessão precedida de obra pública, o particular executa-a e, após,
passa a utiliza-la para fins de prestação do serviço público. Nota-se que,
concluída a obra e cumpridas as formalidades de fiscalização de sua correção,
ela se integra no domínio público. O concessionário permanece na posse do bem,
sem solução de continuidade, mas a propriedade é pública.
Mas há também bens privados, aplicados à prestação do
serviço público. São bens integrantes do patrimônio do próprio concessionário
(em princípio). Esses bens se sujeitam a um regime jurídico especial. Não são
bens públicos porque não integram o domínio do poder concedente. No entanto,
sua afetação à prestação do serviço produz a aplicação do regime jurídico dos
bens públicos. Logo, esses bens não são penhoráveis nem podem ser objeto de
desapossamento compulsório por dívidas do concessionário.
(...) A instrumentalidade dos bens à satisfação de
interesses coletivos impede a incidência do regime jurídico usual e comum,
aplicável aos bens isoladamente considerados.
É necessário, então, estabelecer uma diferenciação
entre bens úteis e bens necessários à prestação do serviço público. Há alguns
que facilitam, mas não são indispensáveis à referida prestação. Outros, por seu
turno, são essenciais a tanto.
A essencialidade do bem à prestação do serviço produz
sua submissão a esse regime jurídico próprio e inconfundível, dotado de
características e peculiaridades próprias. Todos os bens passam a ter um regime
próprio de direito público, ainda que se trate de bens de propriedade original
do concessionário. A afetação do bem à satisfação da necessidade coletiva
impede a aplicação do regime de direito privado comum. Não é possível, por
isso, o concessionário invocar seu domínio para dar ao bem o destino que bem lhe
aprouver. Nem poderia pretender usar e fruir do bem como bem entendesse.
Portanto e ainda que se configurem bens privados, não é possível cogitar da sua
penhorabilidade ou alienabilidade, sem prévia desafetação – a qual se fará por
ato formal do poder concedente, depois de verificada a viabilidade da
continuidade do serviço público sem sua utilização."
Percebe-se
que o professor Marçal Justen Filho entende que todos os bens necessários à
prestação do serviço público devem obedecer ao regime público,
independentemente de sua origem priva ou pública.
Embora
não se pretenda fazer aqui uma comparação entre os ordenamentos jurídicos de
Portugal e do Brasil, é interessante trazer, mais uma vez, a contribuição
doutrinária do professor português Pedro Gonçalves (33) que, ao se referir ao
regime jurídico dos bens vinculados à prestação do serviço público leciona o
seguinte:
"(...) tais bens têm origem diversa: podem ser
incorporados na concessão pela Administração concedente ou adquiridos ou
construídos pelo concessionário. Por outro lado, os últimos, embora adquiridos
ou construídos pelo concessionário, não são necessariamente dele, já que podem
pertencer, ab initio, à Administração; quando não seja esse o caso, podem ainda
ter de ser para ela transferidos no termo da concessão. A variedade de
situações, que leva a doutrina a distinguir três categorias de bens afectos à
gestão do serviço público concedido (bens de regresso, bens a transferir e bens
próprios do concessionário), não elimina um elemento comum a todos eles: o
tratar-se de bens afectos à concessão."
Analisando
a totalidade da obra do professor Pedro Gonçalves percebe-se que ele utiliza a
trilogia de origem francesa (biens de retour, biens de reprise e biens
propres), para estabelecer os regimes jurídicos aplicáveis aos diversos
bens utilizados na prestação do serviço público.
Trazendo
o entendimento alienígena para o nosso ordenamento jurídico, parece claro que
os bens vinculados à prestação dos serviços públicos podem ser: a) bens que ao
final da concessão devem retornar ao poder concedente, pois jamais deixaram de
ser públicos (os ditos bens são regidos pelo regime de direito público); b)
bens que devem ser transferidos ao poder concedente, embora de propriedade da
empresa concessionária de serviços públicos, para que não haja uma solução de
continuidade na prestação dos serviços públicos (tais bens são regidos pelo
regime de direito privado, embora de propriedade resolúvel da concessionária)
e, por último, c) bens próprios da concessionária que embora vinculados ao
serviço prestado, não são essenciais ao serviço, podendo a concessionária
livremente dispor dos bens durante e após a concessão (tais bens, por maior
razão, são regidos pelo regime de direito privado).
A
jurisprudência pátria corrobora os aduzimentos acima, demonstrando que o
entendimento predominante no judiciário brasileiro é de que os bens de
propriedade de concessionárias de serviços públicos devem seguir o regime
privado. Senão vejamos duas decisões exemplares:
Vale
citar, ainda, uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal - STF sobre o
regime público dos bens utilizados pelas concessionárias, mas que continuam sob
o domínio público.
Inicialmente,
é interessante trazer à baila o ocorrido com a demanda em lume, conforme se
passa a expor.
A
Companhia Docas do Estado de São Paulo, delegatária dos serviços do Porto de
Santos, ajuizou ação com o desiderato de ver-se exonerada da exigência do IPTU
e da Taxa de Conservação e Limpeza de Logradouros, de Remoção de Lixo
Domiciliar e de Iluminação Pública, lançados sobre os imóveis que compõem o
acervo patrimonial do referido porto, integrantes do patrimônio da União, de
que a recorrente tem a guarda, responsabilidade e gestão.
Nas
decisões de primeira e segunda instância o Poder Judiciário entendeu que a
imunidade recíproca (art. 150, VI, a, da CF) não poderia ser aplicada aos bens
em referência, já que a União deliberou ceder seu patrimônio a terceiro, pessoa
jurídica de direito privado, para exploração de atividade que lhe compete.
Entendeu-se que a imunidade não é transferida, com o seguinte entendimento:
"(...) Não há dúvida de que, por força da letra
a, do inciso VI, do art. 150, da Constituição Federal, o Município não pode
instituir imposto sobre o patrimônio da União. Porém a imunidade constitucional
no dispositivo referido e ratione personae. Significa dizer que há imunidade
enquanto a União tiver a posse direta do imóvel. Se, a qualquer título, aquela
posse for transferida a pessoa diversa daquelas discriminadas no dispositivo
constitucional retro referido, desaparece a imunidade. A apelante, pessoa
jurídica de direito privado, não goza da imunidade ora tratada. A imunidade
recíproca, como já dito, e intuito personae e, por isso, se a União delibera
ceder seu próprio a terceiro, pessoa jurídica de direito privado, para
exploração de atividade que lhe compete, a imunidade não é transferida.
(...)"
Em
sede de Recurso Extraordinário, o ministro relator, Ilmar Galvão proferiu o
seguinte voto:
"No que concerne ao IPTU, é manifesta a ofensa do
acórdão ao dispositivo constitucional de letra a do inciso VI do artigo 150,
que prevê a imunidade recíproca de impostos entre as pessoas de direito
público.
No presente caso, é incontroverso que os imóveis
tributados são do domínio público da União, encontrando-se ocupados pela
recorrente em caráter precário, na qualidade de delegatária dos serviços de
exploração do porto e tão-somente enquanto durar a delegação.
(...) Neste caso, tratando-se de bem público de uso
especial, é fora de dúvida que se acha acobertado pela imunidade
constitucional, sendo insuscetível de tributação pelo IPTU." (RE n.° 253394 – SP. Rel. Mins.
Ilmar Galvão – Primeira Turma do STF. Julgamento realizado em 26.11.2002,
publicado no D.O.U. em 11.04.2003)
Quanto
ao regime jurídico dos bens vinculados à prestação de serviços públicos, com
fulcro em todos os aduzimentos acima transcritos, é forçoso concluir que:
4.
Responsabilidade pela manutenção, alienação e penhora dos bens vinculados
Quanto
à manutenção, alienação e penhor dos bens vinculados à prestação de serviços
públicos, é importante destacar que, independentemente do regime jurídico
aplicável, todos esses bens devem ser administrados em consonância com os
princípios da continuidade, regularidade e atualidade dos serviços públicos.
Os
professores Luiz Alberto Blanchet (34) e Marcos Juruena Villela Souto (35)
esclarecem, com muita propriedade, que pelo princípio da continuidade deve-se
entender que a prestação do serviço público deve ser permanente. É possível
extrair das lições dos mestres, ainda, que o princípio da regularidade indica
que a prestação do serviço público, além de ser contínua, deve conservar os
padrões de qualidade adequada e que o princípio da atualidade compreende a
modernidade das técnicas, dos equipamentos, das instalações, bem como a
melhoria e expansão dos serviços prestados.
Vale
destacar que os princípios acima mencionados foram positivados no artigo 6° da
Lei n.° 8.987, de 13.02.1995, que impõe à toda concessão ou permissão a
observância da prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários.
O
§ 1°, do mesmo artigo, define o que seja serviço adequado: "é o que
satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,
atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas".
Quanto
aos bens vinculados, segundo o artigo 31 da Lei de Concessões e Permissões,
incumbe ao concessionário:
"(...)
II – manter em dia o inventário e o registro dos bens
vinculados à concessão;
VII – zelar pela integridade dos bens vinculados à
prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente."
Evidentemente,
os supracitados dispositivos tratam daqueles bens que, mediata ou
imediatamente, contribuem de forma exclusiva e permanente para a prestação do
serviço concedido, isto é, todos os bens necessários à prestação do serviço
(para alguns, conforme já citado no presente trabalho, são bens reversíveis).
A
preservação, não só da integridade, como também das condições de utilização ou
funcionamento, é pressuposto indelével da prestação adequada do serviço, em
especial no que tange à continuidade. Há, contudo, ainda outros encargos
relacionados com os bens vinculados ao serviço, impostos ao concessionário, e
não previstos no artigo 31, como, por exemplo, as inovações orientadas pela
busca permanente da modernidade dos equipamentos e das instalações para
assegurar a atualidade do serviço, que é um dos aspectos de sua adequada
prestação, nos termos do artigo 6°, § 2°.
A
Lei de Concessões e Permissões, no inciso VII, do artigo 31, estabelece que os
bens devem ser segurados adequadamente. Neste ponto, perceber-se que o
legislador criou uma obrigação de segurar os bens vinculados, como forma de
garantir o princípio da continuidade do serviço, logo, a adequação é relativa à
necessidade de reposição do bem em tempo suficiente para que sua falta não
provoque paralisações na execução do serviço.
Tem-se,
por último, o inciso VIII (captar, aplicar e gerir os recursos financeiros
necessários à prestação do serviço). O professor Toshio Mukai (36) salienta
que esses recursos, em sua maioria, são provenientes das tarifas cobradas pelas
concessionárias, contudo, podem constituir-se em fontes alternativas de
receitas. A captação, a aplicação e a gestão desses recursos, segundo o mesmo
autor, são de responsabilidade da concessionária, que, nesse aspecto, atua como
soberana desses recursos, podendo dispor como melhor lhe convir, desde que não
infrinja as cláusulas contratuais e a legislação.
Na
Lei n.° 9.472, de 16.07.1997 (instituidora da ANATEL), em seu artigo 93, inciso
IX, estabelece que o contrato de concessão indicará os direitos, as garantias e
as obrigações dos usuários, da Agência e da concessionária.
Já
na Seção III – Dos bens, da lei em comento temos os seguintes artigos:
"(...) Art. 100. Poderá ser declarada a utilidade
pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão, de bens
imóveis ou móveis, necessários à execução do serviço, cabendo à concessionária
a implementação da medida e o pagamento da indenização e das demais despesas
envolvidas.
Art. 101. A alienação, oneração ou substituição de
bens reversíveis dependerá de prévia aprovação da Agência."
É
importante notar que, no artigo 101, o legislador deixou consignado que a
concessionária, embora seja proprietária (propriedade resolúvel) de alguns dos
bens reversíveis, não poderá dispor dos ditos bens sem que o poder concedente
se manifeste com antecedência. Tal constatação, salvo melhor juízo, reforça a
idéia de que os princípios da continuidade, regularidade e atualidade
justificam uma mitigação do direito a propriedade.
Na
Lei n.° 9.427, de 26.12.1996 (instituidora da ANEEL), também há dispositivos
sobre a responsabilidades sobre os bens vinculados. Senão vejamos:
"(...) Art. 14 O regime econômico e financeiro da
concessão de serviço público de energia elétrica, conforme estabelecido no
respectivo contrato, compreende:
(...)II – a responsabilidade da concessionária em
realizar investimentos em obras e instalações que reverterão à União na
extinção do contrato, garantida a indenização nos casos e condições previstos
na Lei n.° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e nesta Lei, de modo a assegurar a
qualidade do serviço de energia elétrica;
(...)
V – indisponibilidade, pela concessionária, salvo
disposição contratual, dos bens considerados reversíveis.
(...)
Art. 18. A ANEEL somente aceitará como bens reversíveis
da concessionária ou permissionária do serviço público de energia elétrica
aqueles utilizados, exclusiva e permanentemente, para produção, transmissão e
distribuição de energia elétrica."
Pode-se
concluir, portanto, que a concessionária prestadora de serviços públicos deve
ser responsabilizada pela manutenção e atualização dos bens vinculados à
prestação de serviços públicos, tudo em conformidade com os princípios da
continuidade, regularidade e atualidade dos serviços públicos, tudo devidamente,
como se vê, positivado na legislação supracitada.
Quanto
à alienação e penhora dos bens vinculados à prestação de serviços públicos,
percebe-se que o concessionário não poderá dispor plenamente de tais bens.
Como
já demonstrado no presente trabalho, a concessionária utiliza bens que se
encontram divididos entre bens regidos pelo regime jurídico de direito público
e bens regidos pelo regime jurídico de direito privado. Quanto aos bens regidos
pelo regime jurídico de direito público, não devem restar dúvidas de que a
concessionária não poderá dispor dos ditos bens, pois a ela não pertencem –
sendo certo que terá o dever legal e contratual de conservar da melhor forma
possível os bens que se encontram em sua posse direta. Quanto aos bens regidos
pelo regime jurídico de direito privado, há duas situações: a) a concessionária
terá a propriedade plena dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos,
podendo dispor livremente dos bens não reversíveis, mas apenas vinculados à
prestação dos serviços públicos, desde que não haja a solução de continuidade
do serviço ou qualquer outro anomalia no serviço; b) terá a propriedade
resolúvel dos bens reversíveis e, portanto, não poderá dispor livremente dos
ditos bens, sem que antes se manifeste o poder concedente. Em ambas as
situações, contudo, parece ser evidente que a concessionária prestadora de
serviços públicos terá que respeitar os princípios da atualidade, regularidade
e continuidade dos serviços públicos, sob pena de descumprimento do contrato de
concessão e dos dispositivos legais acima transcritos.
No
caso de penhora de bens vinculados, portanto, o concessionário, também, não
poderá onerar os bens de sua propriedade – seja ela plena ou resolúvel -, de
forma a prejudicar ou pôr em risco a prestação dos serviços públicos. Cite-se
como exemplo, o ocorrido com a concessionária Barcas S/A, no Rio de Janeiro,
que desejava autorização da Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos
do Estado do Rio de Janeiro – ASEP/RJ, para dar em garantia seus imóveis,
instalações e embarcações. A conclusão exarada pelo Ilustre Procurador do
Estado do Rio de Janeiro Sérgio Nelson Mannheimer (37), no parecer n.° 01/2002,
foi no sentido da impossibilidade de tal oneração dos ditos bens, justamente, por
mácula ao princípio da continuidade dos serviços prestados pela concessionária
em referência. É interessante notar que o ilustre procurador opinou pela
possibilidade da hipoteca das embarcações novas – que seriam construídas com o
financiamento -, pois assim, em caso de inadimplência da concessionária a
oneração recairia apenas sobre as embarcações novas, o que não inviabilizaria a
continuidade e regularidade do serviço.
No
caso de alienação, a concessionária também deverá observar os princípios da
atualidade, regularidade e continuidade, pois é certo que jamais poderá alienar
um bem em prejuízo da prestação do serviço concedido. Vale lembrar, que os bens
reversíveis, por serem de propriedade resolúvel da concessionária, só poderão
ser alienados com autorização do poder concedente. Cite-se como exemplo, o
parecer de Maurício Portugal Ribeiro (38), que traz os diversos percalços
suportados por uma concessionária de serviços públicos que desejava vender um
imóvel no qual se situavam bens reversíveis. O caso é emblemático, pois, o
imóvel embora vinculado à prestação do serviço público, não era arrolado no
contrato como sendo um dos bens reversíveis. Tal omissão trouxe a dúvida e a
incerteza sobre a necessidade ou não de autorização do poder concedente para
alienação do dito bem.
CONCLUSÃO
Quanto
à distinção entre os "bens vinculados" à prestação dos serviços
públicos e os "bens reversíveis", é importante concluir, embora não
seja pacífico o entendimento, que os bens reversíveis são espécie do gênero
bens vinculados, isto porque, conforme restou comprovado, a legislação utilizou
as duas expressões com sentidos diversos e não como sinônimos, como alguns
doutrinadores defendem.
Deve-se
concluir, ainda, que são diversas as origens dos bens vinculados à prestação
dos serviços públicos, embora a doutrina não dedique muita atenção a tal fato.
Tal percepção é salutar para entendimento do instituto. Os bens vinculados à
prestação dos serviços públicos podem ser do domínio público; bens de
propriedade das empresas públicas e sociedades de economia mista e bens de
propriedade da concessionária prestadora dos serviços públicos.
Seguindo
o raciocínio da diversidade de origens dos bens vinculados à prestação dos
serviços públicos, é forçoso perceber que os bens de propriedade dos entes
públicos continuam sob o regime jurídico de direito público, enquanto os bens
de propriedade das empresas públicas e sociedades de economia mista, cedidos à
concessionária, continuam sob o regime jurídico de direto privado e, por
último, os bens adquiridos pelas concessionárias devem obedecer ao regime
jurídico de direito privado, embora possam sofrer algumas limitações decorrentes
da aplicação dos princípios da continuidade, regularidade e atualidade dos
serviços públicos.
Quanto
à responsabilidade da concessionária pela manutenção, alienação e penhora dos
bens vinculados à prestação dos serviços públicos, é certo que as ditas
obrigações decorrem dos princípios acima mencionados, positivados na legislação
em comento. Destarte, a concessionária só poderá alienar ou onerar os bens de
sua propriedade, quando tal procedimento não pôr em risco a prestação dos
serviços públicos concedidos.
NOTAS
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