® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
A natureza contratual do vínculo entre o servidor público
e o Estado
Juliana Brina Corrêa Lima de Carvalho
Advogada, Aluna do
curso de Pós Graduação Lato Sensu em Controle da Administração Pública, junto
ao Centro de Atualização em Direito/ MG, em convênio com a Universidade Gama
Filho/ RJ
--------------------------------------------------------------------------------
1. INTRODUÇÃO
A natureza jurídica do vínculo formado entre o Estado e
o servidor estatal ocupante de cargo público (1) tem sido, tradicionalmente,
definida pela doutrina como estatutária, cujo regime seria unilateralmente
estabelecido e alterado pelo Estado sempre que necessário à consecução do
interesse público. Tal concepção surge durante a formação do Estado liberal e
tem, pois, como fundamento, a dogmática jurídico-administrativa tradicional,
cujo eixo situa-se na doutrina do ato administrativo, igualmente marcado pela
unilateralidade.
Motivada pelas lições inovadoras de Florivaldo Dutra de
ARAÚJO (1998), Luísa Cristina Pinto e NETTO (2003) e Teresa Cristina de SOUZA
(2004), esta monografia pretende problematizar a natureza jurídica da relação
de função pública, com o objetivo de demonstrar a maior adequação da concepção
contratual de tal vínculo no modelo participativo-consensual instaurado pelo
Estado Democrático de Direito.
Para delinear este estudo, a monografia trabalha com
dados secundários, consubstanciados nas doutrinas nacional e estrangeira, por
meio de investigação interdisciplinar de tipo jurídico-teórico e comparativo.
Adotam-se duas abordagens metodológicas: a dogmática, fundada na análise da
natureza e do regime jurídico do vínculo agente-Estado; e a zetética, com base
na problematização de tal vínculo em face do paradigma do Estado Democrático de
Direito.
Inicialmente, far-se-á breve exposição das teorias que
buscam explicar o vínculo formado entre o servidor e o Estado. Em seguida, serão
articuladas as teorias que se debruçaram sobre a natureza do vínculo
empregado-empregador, no Direito do Trabalho, de forma que se possa elaborar um
paralelo entre estas e aquelas desenvolvidas no Direito Administrativo para
explicar a relação servidor-Estado. Por fim, buscar-se-á demonstrar a
fragilidade dos argumentos que fundamentam a teoria estatutária, bem como será
sustentada a melhor adequação da contratualidade do mencionado vínculo em face
do paradigma constitucional brasileiro.
--------------------------------------------------------------------------------
2. NATUREZA JURÍDICA DO VÍNCULO
AGENTE-ESTADO
2.1. Teorias sobre a natureza do vínculo
servidor-Estado
ARAÚJO (1998, p. 56-87) registra que as teorias sobre a
função pública dividem-se em três categorias, conforme a concepção sobre a
natureza do vínculo formado entre servidor e Estado: teorias de Direito
Privado, teorias de Direito Público e teorias mistas. As primeiras consideram
tal vínculo como relação contratual de direito civil, porquanto presentes o
consentimento recíproco, a capacidade para contratar, o objeto lícito e a forma
legal. (2) As teorias de Direito Público, por sua vez, com base na idéia de que
o exercício de prerrogativas de autoridade não se coaduna com o desempenho de
poder público, consideram de Direito Público o vínculo servidor-Estado.
Segundo FERNANDES (1995, p. 75-76), as teorias
contemporâneas, não obstante insiram tal vínculo na seara do Direito Público,
divergem quanto a caracterizá-lo como advindo de contrato ou de ato unilateral,
bipartindo-se, pois, em teorias do contrato de direito público e teorias
unilateralistas/ estatutárias, conforme o relevo que atribuem à autonomia do
particular na formação e desenvolvimento da relação. Para as primeiras, a
vontade do particular é indispensável para a formação do vínculo, que se
caracteriza como espécie autônoma de contrato administrativo. Para as últimas,
é suficiente o ato unilateral de nomeação para que se constitua tal vínculo, porquanto
o interesse público não pode ser objeto de transação. (3) Segundo os
unilateralistas, a posse, que sucede a nomeação, pode caracterizar acordo, mas
não do tipo contratual, uma vez que o agente manifesta sua vontade apenas
quanto à constituição do vínculo (ato-união), de forma que o consentimento diz
respeito apenas à submissão à situação legal imposta pelo Estado. Neste viés, a
vontade do agente limita-se à aceitação de tal submissão e não lhe é dado,
pois, modificar o conteúdo da relação formada com o Estado. Este é o
entendimento da maioria dos doutrinadores brasileiros, como BANDEIRA DE MELLO,
(2004, p. 235-236), ROCHA, C. L. (1999, p. 124-127) e ANASTASIA (1990, p. 59).
Por fim, as teorias mistas reputam haver, na função
pública, elementos de Direito Público (as obrigações profissionais do agente) e
Privado (direitos pecuniários dos agentes).
2.2. Teorias sobre a natureza jurídica do vínculo
empregado-empregador
DELGADO (2002, p. 306-314) registra que as teorias
sobre a relação empregado-empregador agrupam-se em duas categorias: teorias
contratualistas e acontratualistas. As primeiras subdividem-se em:
contratualismo tradicional/ teorias civilistas, que buscavam enquadrar tal
relação em uma das categorias contratuais já existentes no Direito Civil
(arrendamento, compra e venda, mandato, contrato de sociedade) (4); e
contratualismo moderno, que, reconhecendo a insuficiência das formas civilistas
tradicionais para abarcar o fenômeno trabalhista, reputa o vínculo entre
empregado e empregador como contrato de natureza especial (contrato de
trabalho, cujo objeto é uma obrigação de fazer, desempenhada de forma
subordinada, pessoal, contínua e onerosa). As teorias anticontratualistas, por
sua vez, sustentam que, devido ao fato de as relações de trabalho terem passado
a sofrer intensa regulamentação legal, a vontade deixou de ser decisiva para a
configuração de tais relações, que perderam, pois, seu caráter contratual. (5)
De fato, tal caráter foi negado para a relação de emprego porque se partiu da
concepção liberal de contrato, no qual a regulação estatal era mínima e as
partes dispunham livremente sobre as cláusulas. Os acontratualistas entenderam,
pois, que o vínculo de trabalho, intensamente regulado, não se subsumia a uma
tal concepção de contrato.
A doutrina trabalhista contemporânea critica o
acontratualismo, sustentando que deve ser ampliada a noção de contrato, no
sentido de que basta o acordo de vontades para haver contratualidade, sendo
desnecessário que o conteúdo do ajuste seja integralmente determinado pela
vontade livre das partes. Assinale-se que tal posicionamento da doutrina
trabalhista diverge do já mencionado entendimento da doutrina administrativista
majoritária, para a qual nem todo acordo de vontades tem natureza contratual,
sendo necessário, para que esta se verifique, que o conteúdo da relação seja
também determinado pelo consentimento. Percebe-se que os administrativistas
ainda utilizam os mesmos argumentos expendidos pela tese acontratualista, a
qual já se encontra superada no âmbito trabalhista. Neste, não se nega, hoje, a
natureza contratual do vínculo empregado-empregador, porquanto o simples
consentimento em se submeter a dado trabalho é, precisamente, o que diferencia
o trabalho livre do trabalho escravo, tal como alerta VILHENA (1999, p. 199).
Considerando-se que ambos os vínculos (servidor-Estado e empregado-empregador)
são espécies do gênero relação de trabalho livre (por consistirem, igualmente,
em espécies de prestação de trabalho subordinado, mas não escravo), há que se
reputar determinante, em ambos, o viés contratual. (6)
2.3.Crítica ao modelo unilateral estatutário
A teoria estatutária tem raízes na dogmática
administrativa do liberalismo, marcada pelo unilateralismo, bem como nas
teorias orgânica e da impermeabilidade. Da concepção de que o Estado é composto
por órgãos, formando um único corpo, decorre a teoria da impermeabilidade,
segundo a qual, como não há pluralidade de sujeitos no âmbito interno do
Estado, também não há relação jurídica neste âmbito. A compreensão do agente
como parte por meio da qual o Estado é "presentado" criou a confusão
entre ambos, o todo (Estado) e a parte (agente), impossibilitando a distinção
da figura do primeiro (Estado) como tomador de serviços em face do segundo
(agente). Reputou-se, portanto, que ambos não teriam interesses divergentes e
diluiu-se a subjetividade do agente no interior do aparelho administrativo
estatal, o que serviu para justificar uma disciplina da relação de função
pública que desconsiderava a prestação de trabalho subordinado enquanto fim a
ser tutelado. Tomava-se o agente não como sujeito de direito em face do Estado,
mas como objeto cuja atividade era regrada em função do interesse público. A supremacia
deste é argüida, pois, pela teoria estatutária para apartar o regramento do
vínculo servidor-Estado da tutela de interesses privados (dos servidores),
tidos como inconciliáveis com os fins públicos. A prestação de trabalho para o
Estado é tida como simples meio de consecução do interesse público e não como
fim a ser tutelado.
Divergindo de tal argumento, NETTO (2003, p. 137)
afirma que a supremacia do interesse público não deve ser tomada em termos
absolutos e a priori excludentes da tutela dos interesses privados, bem como deve
causar a estes o menor sacrifício possível. Segundo ARAÚJO (1998, p. 92), a
proteção imediata de um interesse privado é também meio de proteção mediata ao
interesse público. (7) Enquanto o Estado Liberal concentrou a concepção de tal
interesse, exclusivamente, no ponto de vista do Poder Público, o Estado
Democrático de Direito recupera a importância do ponto de vista da Sociedade e
exige, pois, a participação dos particulares na formulação do interesse
público. Nesse passo, DIAS (2003, p. 79-80) pontua que as tentativas de
apropriação da esfera pública pela privada alteraram a relação entre Estado e
Sociedade, que não são mais esferas antagônicas e influenciam-se mutuamente.
Fala-se, hoje, pois, em "privatização do público" e
"publicização do privado". DIAS (2003, p. 250-251) alerta, ainda, para
a necessidade de se retirar da Administração a exclusividade da tutela do
interesse público, o qual deve resultar de consenso, e não de imposição
unilateral.
Ademais, critica-se a concepção do homem como simples
meio de consecução de algum interesse, ainda que público, porquanto não devem
ser desconsideradas nem sua condição de trabalhador, nem a tutela desta
condição. NETTO (2003, p. 316) propõe, pois, uma reformulação da teoria
organicista: sob o ponto de vista externo, o agente efetivamente age como se
fosse o Estado; sob o ponto de vista interno, porém, com ele não se confunde,
pois é mantida a individualidade do servidor como sujeito de direitos em face
de sua prestação laborativa para o Estado. O regramento da função pública pode,
pois, tutelar, conjugadamente, a prestação de trabalho e a consecução do
interesse público.
Sustenta-se, ainda, na tese estatutária, a
imprescindibilidade de o Estado fixar e alterar unilateralmente o estatuto da
função pública, o que não seria viável no regime contratual. Rebatendo tal
argumento, NETTO (2003, p. 150) recorda que, também na relação contratual
trabalhista, incidem, impositivamente, as normas previstas no ordenamento,
reduzindo o campo de livre disposição dos contratantes de forma assemelhada ao
que ocorre nos contratos de adesão no direito civil. (8) Recorde-se, ainda, que
a afirmação de que o Estado, na relação de função pública, fixa e altera
unilateralmente o estatuto padece do equívoco denominado por VILHENA (1996, p.
37-38) como interpolação alternativa. Esta ocorre quando se toma,
indiscriminadamente, o Estado como sujeito de direito e como ordem jurídica,
levando a entender que o particular estaria subordinado não em face da ordem
jurídica, mas do Estado-sujeito-de-direito. (9) Entretanto, a subordinação não
pode se dar em face deste último, "pois o indivíduo somente se subordina à
força legítima, cuja única depositária é a ordem jurídica." (NETTO, 2003,
p. 158) Destarte, não é o Estado-sujeito-de-direito, enquanto parte na relação
de função pública, que fixa e altera unilateralmente o estatuto desta, porque,
se assim o fosse, o Estado-sujeito-de-direito estaria acima da ordem jurídica,
o que contraria os princípios já assentados no paradigma do Estado de Direito.
(10) Apenas na condição de ordem jurídica, ou seja, no exercício de função
legislativa, o Estado regula a relação de função pública, e não na condição de
parte de tal relação. (11)
Quanto ao atributo da unilateralidade, há que se
recordar que, no Brasil, em virtude da inexistência de regulamento autônomo
(12), a disciplina das inovações na ordem jurídica deve ser veiculada por meio
de lei em sentido formal e, neste viés, tal disciplina será unilateralmente
regulada. Ora, a unilateralidade, consubstanciada em lei, do regime de função
pública não é peculiaridade deste, pois não exorbita da unilateralidade, também
consubstanciada em lei, do diploma trabalhista. É o Poder Legislativo que fixa
as normas, em ambos os casos, ainda que haja diferença na competência para tal
entre os entes federativos. Em ambos os regimes, "as partes recebem sobre
si um conjunto de normas jurídicas que não determinaram, na sua condição de
sujeitos de direito, e que não podem afastar." (NETTO, 2003, p.168) De
fato, o processo de substituição da vontade individual pela vontade jurídica,
ocorrido com a intensificação da regulamentação legal em diversas áreas
(trabalhista, civil, administrativa...), exigiu que se reformulasse o postulado
liberal da autonomia da vontade. Não é, pois, a reduzida regulação legal de
determinado vínculo que o qualifica como contratual, mas sim a existência do
consentimento das partes em se submeterem a uma situação legal predeterminada.
A tese estatutária postula, ainda, a inadequação do
regime contratual da função pública, ao argumento de que, neste, os direitos e
deveres fixados seriam unilateralmente imutáveis. Divergindo, assinala SOUZA
(2004, p. 134) que a possibilidade de alteração unilateral da relação não é
excludente da natureza contratual de um instituto. De fato, tanto no Direito do
Trabalho, em que existe o jus variandi do empregador, quanto no próprio Direito
Administrativo, na matéria relativa aos contratos administrativos, verifica-se
a possibilidade de alteração unilateral da relação, sem que esta perca seu
caráter contratual. Recorde-se, porém, que, pelo fato de o regime da função
pública ser previsto em lei, as alterações deste regime derivam igualmente de
modificações legais. Neste viés, conforme já afirmado, tais alterações não
decorrem de ato unilateral de uma das partes, porquanto não é o
Estado-sujeito-de-direito (e, portanto, parte na relação) que as determina, mas
o Estado-ordem-jurídica.
A teoria estatutária sustenta que a inexistência de
direito adquirido a regime é peculiaridade do vínculo estatutário. SOUZA (2004,
p. 137) recorda, porém, que as alterações legais que incidem imediatamente
sobre situações jurídicas constituídas anteriormente não são fenômeno exclusivo
do regime estatutário, porquanto, no regime contratual trabalhista, as
alterações decorrentes de mudanças legislativas também incidem de imediato no
contrato de trabalho, como foram exemplos a instituição da gratificação
natalina e a alteração da disciplina das férias. (13) Conforme ensina PIRES
(2002, p. 451-452), não se trata, pois, de distinção entre regime jurídicos,
mas entre normas que determinam situações jurídicas gerais e objetivas,
alteráveis de imediato, e normas que determinam situações individuais
determinadas, inalteráveis. Ambos os regimes comportam as duas modalidades de
normas.
Por fim, sob influência da teoria da
coordenação/subordinação, segundo a qual o Direito Público caracteriza-se pela
desigualdade entre sujeitos, de modo que o Estado ocupa posição de
superioridade em face do particular, a teoria estatutária argumenta estar o
servidor em situação de sujeição em face do Estado. Entretanto, assinale-se
que, se há subordinação na relação de função pública, esta não é de pessoa a
pessoa, mas é subordinação objetiva, regrada juridicamente. Não deriva, pois,
da qualidade das pessoas, mas da situação jurídica criada pela norma que regula
a relação. A subordinação do agente não advém do comparecimento do Estado no
vínculo travado. Também no Direito do Trabalho, o empregado encontra-se em
relação de trabalho subordinado em face do empregador, porquanto a subordinação
é aspecto comum a qualquer relação de trato sucessivo. Como pontua VILHENA
(1999, p. 92-95), quanto maior a indeterminação das prestações de uma relação,
maior é o estado de subordinação do contratante. Neste estado, encontra-se
qualquer trabalhador, seja empregado, seja servidor, porque, em ambas as
hipóteses, tem-se uma relação de trato sucessivo. A natureza contratual da
relação não é, pois, afastada pela subordinação que dela deriva.
2.4. Natureza contratual da relação servidor-Estado
Com base na argumentação acima expendida, na esteira de
ARAÚJO (1998), NETTO (2003) e SOUZA (2004), sustentamos a viabilidade de a
relação de função pública ser equacionada sob o modelo contratual, de forma que
entendemos que a teoria mais adequada para tratar a natureza do vínculo
servidor-Estado é a que o reputa como contrato de direito público. De fato, não
deve o contrato ser tomado como categoria exclusiva do Direito Privado,
submetido a princípios individualistas superados, até mesmo, neste ramo.
Deve-se admitir seu uso também pelo Direito Público, para caracterizar
situações em que haja acordo de vontades. Frise-se que, no ordenamento
brasileiro, os próprios dispositivos constitucionais atinentes à sindicalização
e à greve no setor público já indicam a necessidade de contratualização da
disciplina da função pública. Nesse sentido, NETTO (2003, p. 286) aponta a
pertinência de que haja previsão do regime contratual do vínculo
servidor-Estado em uma "lei base", que contenha os aspectos
essenciais da relação e deixe espaço para a criação consensual de normas. Os
aspectos centrais do vínculo, atinentes à organização interna do aparato
estatal, seriam tratados em normas legais cogentes e os demais aspectos
poderiam ser, segundo a autora citada, fixados contratualmente, seja por meio
de contrato individual, seja coletivo. A contratualidade do vínculo garantiria,
assim, que os agentes contribuíssem para a conformação de sua disciplina, em
consonância com a consensualidade participativa que é exigida pelo paradigma do
Estado Democrático de Direito, adotado pela Constituição Federal de 1988.
--------------------------------------------------------------------------------
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria estatutária, produto da dogmática
jurídico-administrativa do Estado Liberal, ao considerar unilateral a relação
servidor-Estado, reflete a perplexidade da doutrina liberal em face da intensa
regulação legal que passou a abarcar não só a seara administrativa, mas
diversos ramos jurídicos, tal como o civil e o trabalhista.
Por meio da desconstrução dos argumentos expendidos por
tal teoria, pudemos verificar que se fundamentam em um conceito tipicamente
liberal de contrato, não aplicável, hoje, sequer pelo Direito Civil.
Verificamos, ainda, que todas as características do regime estatutário
reputadas como exorbitantes, em relação ao regime contratual, ou não são
deveras exorbitantes, sendo encontradas também neste último regime, ou contêm
substrato autoritário, herdado das construções teóricas do Estado Liberal e
incompatível, pois, com as exigências do Estado Democrático de Direito.
Determina este que o servidor seja equacionado como sujeito de direitos
tutelado em face da Administração, de forma que seja conferida ao agente
aptidão jurídica para participar da disciplina normativa de seu vínculo com o
Estado e para contribuir na conformação direta do conteúdo do interesse
público. Para tal, revela-se adequado o regime contratual, que coloca em relevo
a necessidade do consenso, individual ou coletivamente obtido.
--------------------------------------------------------------------------------
4. BIBLIOGRAFIA
ANASTASIA, Antônio Augusto Junho. Regime jurídico único
do servidor público. Belo
Horizonte: Del Rey, 1990. 104 p.
___________. Reforma do Estado e negociação coletiva. In: GERNIGON, Bernard et. al. A
negociação coletiva na Administração Pública brasileira. Rio de Janeiro:
Forense, 2002.163 p.
ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Conflitos coletivos e
negociação na função pública: contribuição ao tema da participação em direito
administrativo. 1998. 462 f. Tese (Doutorado em Direito Administrativo) –
Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito
Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 960 p.
__________________. Regime constitucional dos
servidores da administração direta e indireta. São Paulo: RT, 1990. 103 p.
CARNEIRO, Diva Dorothy Safe de Andrade. Ingresso e
concurso na Administração Pública: elementos para o estudo do regime jurídico
da nulidade. 2002. 370 f. Tese (Doutorado em Direito Administrativo) –
Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
COELHO, Rogério Viola. A relação de trabalho com o
Estado: uma abordagem crítica da doutrina administrativa da relação de função
pública. São Paulo: LTr, 1994. 95 p.
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Administrativo do Brasil: regime
jurídico do funcionário público. São Paulo: RT, 1958. v. 2, 466 p.
DALLARI, Adílson Abreu. Regime constitucional dos
servidores públicos. 2. ed. São Paulo: RT, 1990. 161 p.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do
trabalho. 1. ed., 2. tir. São Paulo: LTr, 2002. 1448 p.
DIAS, Maria Tereza Fonseca. Direito administrativo
pós-moderno: novos paradigmas do direito administrativo a partir do estudo da
relacão entre o Estado e a sociedade. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. 270 p.
DIAS, Maria Tereza Fonseca; GUSTIN, Miracy Barbosa de
Sousa. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. 237 p.
ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo contrato
administrativo. Coimbra: Almedina, 1990. 194 p.
____________. A fuga para o direito privado: contributo
para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública.
Coimbra: Almedina, 1999. 407 p.
FERNANDES, Francisco Liberal. Autonomia colectiva dos
trabalhadores da administração: crise do modelo clássico de emprego público.
Coimbra: Coimbra Editora, 1995. 284 p.
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. O Estado no
direito do trabalho: as pessoas jurídicas de direito público no direito
individual, coletivo e processual do trabalho. São Paulo: LTr, 1996. 288 p.
FRANÇA, Júnia Lessa et al. Manual para normalização de
publicações técnico-científicas. 7. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2004. 242 p.
FREITAS, Juarez. Dos contratos públicos: distinção
entre princípios e normas, elementos nucleares, procedimento preparatório e
conceituação. In: FREITAS, Juarez. Estudos de direito administrativo. 2. ed.
rev. e aum. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 174-193.
MAURER, Hartmut. Elementos de direito administrativo
alemão. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2001. 168 p.
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução.
São Paulo: RT, 1992. 245 p.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito
administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 351 p.
MOURA, Paulo Veiga e. Função Pública: regime jurídico,
direitos e deveres dos funcionários e agentes. Coimbra: Coimbra Editora, 1999.
v.1, 475 p.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do
trabalho. 14. ed. rev. e atual. 2. tir. São Paulo: LTr, 1989. 510 p.
NETTO, Luísa Cristina Pinto e. A contratualização da
função pública: da insuficiência da teoria estatutária no Estado Democrático de
Direito, 2003. 304 f. Dissertação (Mestrado em Direito Administrativo) –
Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
NEVES, Ana Fernanda. Relação jurídica de emprego
público. Coimbra: Coimbra Editora, 1999. 380 p.
PIRES, Maria Coeli Simões. Direito adquirido e ordem
pública: segurança jurídica e transformação democrática, 2002. 653 f. (Anexo –
384 f.) Tese (Doutorado em Direito Administrativo) – Faculdade de Direito,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte
PRADO, Roberto Barretto. O Estado em face do sindicato
e o problema da relação entre ambos. Revista LTr, São Paulo, v. 56, p. 824-828,
jul. 1992.
RIBEIRO, José; RIBEIRO, Soledade. A relação jurídica de
emprego na Administração Pública. Coimbra: Almedina, 1994. 177 p.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais
dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. 615 p.
ROCHA, João Batista de Oliveira. Contrato
administrativo de trabalho. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 82, p.
127-131, abr./jun. 1987.
ROMITA,
Arion Sayão. Servidor Público: sindicalização, negociação coletiva,
conflitos coletivos, direito de greve. Revista LTr, São Paulo, v. 56, p.
789-808, jul. 1992.
RUARO, Regina Linden. Os direitos coletivos dos
funcionários públicos. Revista dos Tribunais, v. 684, p 35-43, out. 1992.
SILVA, Antônio Álvares da. Os servidores públicos e o
direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1993, 232 p.
SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em busca
do acto administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 1998. 777 p.
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Relações de trabalho e
possibilidades de negociação coletiva na Administração Pública brasileira. In: GERNIGON, Bernard et. al. A
negociação coletiva na Administração Pública brasileira. Rio de Janeiro:
Forense, 2002.163 p.
SOUSA, António Francisco de. Fundamentos históricos de
direito administrativo. Lisboa, I, 1995. 437 p.
SOUZA, Teresa Cristina. A natureza contratual da
relação de função pública. 2004. 214 f. Dissertação (Mestrado em Direito
Administrativo) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte.
VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. O contrato de
trabalho com o Estado. 2. ed. São Paulo: LTr, 2000. 255 p.
__________. Direito público e direito privado sob o
prisma das relações jurídicas. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. 125 p.
--------------------------------------------------------------------------------
Notas
1 Sobre a classificação dos agentes públicos e o
conceito de servidor público, vide BANDEIRA DE MELLO, 2004, p. 229-233.
2 Nesta primeira categoria, destacam-se: a teoria do
direito real, que confere ao ofício público natureza de coisa pública,
apropriável pelo agente; as teorias da posse, que atribuem à função pública a natureza
de contrato precário de locação ou doação de coisas; e, por fim, a teoria de
direito pessoal, segundo a qual são criadas obrigações pessoais recíprocas
entre o agente e o Estado, por meio de relação que pode ter natureza de
mandato, locação de serviços, gestão de negócios ou contrato inominado.
3 As teorias unilateralistas divergem quanto à relação
decorrente do ato unilateral de nomeação e subdividem-se, pois, em teorias de
direito real e teorias de direito pessoal, abrangendo estas últimas a tese da
coação legal e a do regime legal especial. Devido às limitações espaciais
inerentes a este trabalho monográfico, não discorreremos acerca de tais
teorias. Para maior aprofundamento, vide ARAÚJO, 1998, p. 75-79; NETTO, 2003,
p.25-29; SOUZA, 2004, p. 16-19.
4 Para maior aprofundamento sobre cada vertente do
contratualismo tradicional, vide DELGADO, 2002, p. 306-314 e SOUZA, 2004, p.
42-46.
5 As teses acontratualistas abrangem a teoria da
relação de trabalho e a teoria institucionalista, para o estudo das quais
remetemos o leitor a DELGADO, 2002, p. 314-318 e SOUZA, 2004, p. 48-90.
6 NASCIMENTO (1989, p. 358-360) adverte ser mesmo
impossível afastar as noções de contrato e trabalho, partindo da distinção
entre relações jurídicas negociais e não negociais. As primeiras decorrem de
ato de vontade, a partir do qual se instaura o vínculo entre as partes e estas
passam a se submeter a determinada regulação legal. As relações não negociais,
por sua vez, independem de declaração de vontade, como, por exemplo, as
obrigações fiscais que, uma vez verificada sua hipótese fática, incidem de
plano, independente da concordância do particular. Como a relação de trabalho
assenta-se no consentimento do trabalhador, não há como afastar sua natureza
contratual, mesmo que o conteúdo da relação de trabalho submeta-se a minudente
regulação legal. Veja-se, ainda: "Quanto mais relevante o interesse, maior
será a intensidade da tutela jurídica, podendo haver expressiva limitação à
autonomia da vontade, mas nunca sua eliminação." (SOUZA, 2004, p. 131)
7 Afirma FREITAS (1997, P. 177): "... o interesse
público e o interesse de particulares não são necessariamente formuláveis numa
oposição. Dialeticamente, podem ser apenas um campo de contradições ajustáveis."
8 Segundo NETTO
(2003, p. 156), "na função pública é necessária a fixação legal prévia; o
que não deve levar à conclusão de que não existe contrato, mas sim à de que há
uma figura especial de contrato."
9 Assinala COELHO (1994, p. 32) que esta
identificação/subsunção do Estado produtor da ordem jurídica no
Estado-Administração permite "repor a supremacia da Administração na
relação de função pública, na medida em que o estatuto fica reduzido a uma
manifestação unilateral de sua vontade monárquica."
10 "... o Estado, recebendo competência da
Constituição para exercer a função legislativa, cria normas jurídicas. No
entanto, após sua criação, a elas se submete tanto quanto, na mesma medida, os
particulares, os demais sujeitos de direito." (NETTO, 2003, p. 161)
11 "É a mesma pessoa, mas as funções, as
competências, os momentos, ou a qualidade na qual o Estado comparece, são
diversos e não podem ser tomados como idênticos." (NETTO, 2003, p. 162.)
12 Vide MELLO, 2004, p. 309-337.
13 Vide NETTO, 2003, p. 193-197,
Retirado de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6859. Acesso em: 20 jun 05