®
BuscaLegis.ccj.ufsc.br
A atividade jurídica
como requisito para ingresso nas carreiras do Ministério Público e
Magistratura.
Eficácia e
aplicabilidade das normas da Emenda Constitucional nº 45/2004
Luiz Flávio Gomes
A Emenda Constitucional n. 45 inseriu no Texto Fundamental a exigência
de no mínimo três anos de prática de atividade jurídica para o ingresso nas
carreiras do Ministério Público (1) e da Magistratura (2).
Não há que se falar em inconstitucionalidade nessa inovação. Examinando a
questão concernente à compatibilidade vertical do artigo 187 da Lei Orgânica do
Ministério Público da União (3) com a Magna Carta, a maioria do
Supremo Tribunal Federal reconheceu o seguinte:
"A lei pode impor condições para inscrição em concurso público desde que
não sejam desarrazoadas, e que o requisito objetivo adotado pela norma
impugnada, considerando a presunção da aquisição de maturidade pessoal e de
experiência profissional do concursando nesses dois anos, atenderia aos
princípios da razoabilidade, da isonomia, do livre exercício das profissões e
do livre acesso aos cargos públicos (CF, art. 5º, I, XIII, LIV e art. 37,
I)" (4).
Ultrapassado o teste da constitucionalidade, resta saber se tal dispositivo é
auto-aplicável ou se é imprescindível norma regulamentadora para que produza
todos os efeitos (5). Como bem salientou o preclaro Professor José
Afonso da Silva, o assunto é tormentoso, já que "não é fácil determinar um
critério para distinguir as normas constitucionais de eficácia plena daquelas
de eficácia contida ou limitada" (6).
Sobre a novel exigência de três anos de atividade jurídica há possibilidade de
dois entendimentos:
1) São normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata, já
que esta contém todos os elementos para sua eficácia direta (7),
isto é, prescindível qualquer norma posterior para que tal requisito seja
exigido (8).
2) São normas constitucionais de eficácia limitada (9), de princípio
institutivo (10).
Adotamos a segunda corrente, ou seja, as normas constitucionais em estudo são
de eficácia limitada, não de eficácia plena.
O artigo 93, "caput", da Constituição Federal é expresso quanto à
indispensabilidade de lei complementar: "Lei complementar de iniciativa do
Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados
os seguintes princípios: I- ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de
juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a
participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do
bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e
obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação".
As normas de eficácia plena são aquelas que "não exigem a elaboração de
novas normas legislativas que lhes completem o alcance e o sentido, ou lhes
fixem o conteúdo, porque já se apresentam suficientemente explícitas na
definição dos interesses nela regulados" (11).
Atividade jurídica é um conceito que necessita ser delimitado, uma vez que é
por demais vago e indeterminado, o que contribui para um estado de incerteza,
que, ao nosso ver, deverá ser evitado, cabendo ao legislador defini-lo,
aplicando-se o princípio da segurança jurídica (12).
Tal tese encontra respaldo, outrossim, no princípio da legalidade, segundo o
qual somente a lei poderá restringir direitos, não decisão discricionária de
comissão de concurso, que definirá o que entende por atividade jurídica. O
emprego da expressão "no mínimo, três anos de atividade jurídica",
traduz a possibilidade de o legislador ampliar o prazo para interstício maior
do que três anos. Mas trata-se de diretriz que só pode ser adotada pelo
legislador.
Hugo Nigro Mazzilli entende que as normas em questão não são imediatamente
aplicáveis, "da mesma forma que outros pontos dessa Reforma também deverão
ser regulamentados para alcançar a eficácia desejada pelo legislador (art. 7.º
da EC n. 45/2004). Sem regulamentação, cremos que o requisito de prévio
exercício de atividade jurídica não é auto-aplicável, de maneira que, se vier a
ser exigido em editais de concurso, sem anterior regulamentação, poderá ser
questionado por meio de mandado de segurança" (13).
Conclui-se que é imprescindível a edição de lei complementar (14)
para que tal requisito seja exigido. Ademais, a tese ora defendida é compatível
com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade que decorrem do devido
processo legal substancial (15), já que evitará adoção de
interstícios diferentes (16) entre as carreiras do Ministério
Público e Magistratura dos diversos Estados da Federação, evitando afronta ao
princípio da igualdade.
Tal requisito, ademais, deverá ser exigido por ocasião da posse (não da
inscrição no concurso), adotando-se o entendimento consagrado na Súmula n. 266
do Superior Tribunal de Justiça (17).
Por último, se vários Tribunais não estão atendendo a previsão de eleição de
metade dos membros dos órgãos especiais (CF, art. 93, XI) porque o assunto
ainda estaria pendente de Lei Complementar, não se justifica, de modo algum,
entendimento diverso no que diz respeito à exigência de três anos de atividade
jurídica para ingresso nas carreiras da Magistratura e do MP.
Notas
1 Constituição Federal, "Art. 129, § 3º O ingresso na carreira do
Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos,
assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização,
exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade
jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação."
2 Constituição Federal, "Art. 93, I ingresso na carreira, cujo cargo
inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e
títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases,
exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade
jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação".
3 LC 75/93, art. 187: "Poderão inscrever-se no concurso bacharéis em
Direito há pelo menos dois anos, de comprovada idoneidade moral".
4 STF – Pleno, ADI 1040/DF, rel. orig. Min. Néri da Silveira, rel. p/
acórdão Min. Ellen Gracie, 11.11.2004. Vencidos os Ministros Marco Aurélio,
Sepúlveda Pertence e Eros Grau que julgavam procedente o pedido e declaravam a
inconstitucionalidade da expressão "há pelo menos dois anos",
constante do artigo impugnado. Os primeiros, por considerarem-na desprovida de
razoabilidade e proporcionalidade, e o último, por vislumbrar ofensa ao
princípio da acessibilidade dos cargos públicos.
5 Neste estudo aplicaremos a classificação das normas constitucionais do
Professor José Afonso da Silva, a qual é adotada pelo Supremo Tribunal Federal,
vide Mandando de Injunção n. 438-2/ GO, RT 723/231.
6 Aplicabilidade das normas constitucionais, Malheiros Editores: São
Paulo, 5ª Edição, 2001, p. 91.
7 Trata-se do conceito de normas constitucionais de eficácia plena do
Professor José Afonso da Silva, op. cit., p. 99.
8 Esta corrente foi adotada pelo Ministério Público de Minas Gerais no
XLV concurso de ingresso à carreira, no artigo 11, alínea "j", do
Regulamento, aprovado, por unanimidade, na 1ª Sessão Ordinária da Egrégia
Câmara de Procuradores de Justiça, realizada em 08/03/2005, disponível no site http://www.mp.mg.gov.br/concurso/
.
9 Cabe lembrar que são normas que não produzem todos os efeitos de
imediato, é imprescindível que, posteriormente, uma lei ou atos administrativos
lhe confiram inteira aplicabilidade.
10. "As de princípio institutivo têm conteúdo organizativo e
regulativo dos órgãos e entidades, respectivas atribuições e relações",
José Afonso da Silva, op. cit., p. 125.
11 José Afonso da Silva, op. cit., p. 101.
12 Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que "segurança jurídica,
como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico,
cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça
material", Pet (MC) 2.900-RS, dia 8 de abril de 2003, Relator Ministro
Gilmar Mendes.
13 A prática de "atividade jurídica" nos concursos, in
Reforma do Judiciário, Coordenadores André Ramos Tavares, Pedro Lenza e Pietro
de Jesús Lora Alarcon, São Paulo: Método, 2005, p. 217.
14 Nos termos do artigo 93, "caput", e inciso I, da
Constituição Federal, quanto à Magistratura. Quanto ao Ministério Público
artigo 128, parágrafo 5º, da Constituição Federal, exige Lei complementar
quanto a organização da Instituição.
15 Sobre o assunto vide trabalho: O DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANTIVO E O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS 15 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, site: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_60/index.htm
.
16 Como por exemplo: o Estado "A" poderá adotar o prazo mínimo
(3 anos) e o Estado "B" poderá adotar 5 (cinco) anos.
17 Nesse sentido: STJ ROMS n. 15.221/RR; RMS n. 14.434/MG.
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6678