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Rodrigo Haidar
O Judiciário
brasileiro vai deixar de ser um arquipélago de ilhas que não se comunicam. “A
ponte que vai unir essas ilhas será a padronização tecnológica”, anuncia o
secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault. A
demolição da torre de babel vai ser gerenciada pelo Conselho Nacional de
Justiça, que unificará as regras operacionais de todo o sistema judiciário, o
que é impossível hoje. O motivo, explica Renault, “é a excessiva autonomia que
cada tribunal tem hoje para escolher como quer funcionar”. Em um paralelo com a
situação jurídica, o secretário compara as diferentes situações tecnológicas
com um país em que cada estado tivesse um Código Civil diferente.
O fato é que a tecnologia foi
eleita o mais importante instrumento de modernização do Judiciário. E a
principal parceira de fóruns e tribunais na tentativa de desburocratizar os
trâmites judiciais e otimizar o trabalho de juízes e advogados.
A migração do caos em vigor
para um sistema racional, contudo, ainda leva tempo. Há boas idéias em
andamento, mas também um enorme descompasso entre as “ilhas” mencionadas por
Renault: enquanto algumas delas exibem o avanço do Primeiro Mundo, outras estão
muito longe disso, como a Justiça estadual paulista. O advogado trabalhista do
Rio Grande do Sul, por exemplo, não precisa levantar da mesa de seu escritório
para protocolar uma petição no Tribunal Regional. Da mesma forma, o cidadão que
necessita de uma certidão negativa da Justiça Federal, a partir deste mês, pode
obtê-la com alguns cliques, em vez de ter de esperar cinco dias para que ela
seja impressa e autenticada.
Smart card para desembargadores
Algumas tentativas, mesmo bem
intencionadas, frustram-se. Foi o caso da Justiça Federal da 3a Região (SP e
MS). A abertura do ano judiciário, em fevereiro, foi aguardada com ansiedade.
Estrearia um poderoso sistema destinado a facilitar a vida da comunidade. Não
estreou. A novidade converteu-se numa pane monumental, que afetou toda a
primeira instância.
Em
compensação, a segunda instância gaúcha já adotou a certificação eletrônica de
atos de desembargadores no ano passado, eliminou o uso do papel nos trâmites
internos e reduziu pela metade o tempo das sessões. “Toda a tramitação dos
recursos ocorre via documentos eletrônicos gerenciados pelo sistema, e não há
necessidade de impressão”, afirma Eduardo Arruda, diretor de informática do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Com isso, apenas em papel e tinta
para impressão o TJ calcula que vai economizar R$ 740 milhões por ano.
Cada desembargador tem um smart
card (espécie de chip de memória) com a sua assinatura eletrônica. Assim, os
magistrados se conectam à rede, acompanham a pauta e, a cada processo, têm
acesso aos documentos eletrônicos. A assinatura eletrônica e o acompanhamento
virtual dos recursos são usados na redação de despachos, nas decisões
monocráticas e até nas sessões de julgamento. “Os acórdãos são assinados
digitalmente na sessão e vão para a Internet no mesmo dia”, garante Arruda. Os
documentos eletrônicos gerados são mantidos em banco de dados e o acórdão é
indexado pelo conteúdo e pelos dados estruturados do processo judicial.
Certificação digital
Para ter a mesma validade
conferida aos processos e documentos tradicionais, o trâmite eletrônico em
qualquer esfera judicial ou pública precisa ser certificado digitalmente, por
meio dos certificados ICP-Brasil. A maior empresa de certificação digital no
Brasil é a CertiSign, contratada para validar alguns projetos de processo
virtual. No Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região, também no Rio Grande do
Sul, por exemplo, a empresa ajudou a implantar o primeiro sistema de
peticionamento eletrônico do país a utilizar certificação digital. Como o
documento eletrônico assinado com certificado ICP-Brasil é considerado
documento original, não é necessário o entregar o original em papel depois,
exigência feita quando a petição é enviada por fax.
Num país de dimensões
continentais como o Brasil, iniciativas como essa são mais do que necessárias.
“Dependendo do lugar onde o advogado milita, ele perde até dois dias para
protocolar um recurso no Tribunal. Agora, com a possibilidade de enviar a
petição e acompanhar seu trâmite pela Internet, só viaja quem quer”, afirma
Eduardo Antonini, diretor do departamento de informática do TRT-4. O sistema de
peticionamento eletrônico deve começar a ser implantado em todos os Tribunais
do Trabalho do país até o fim deste mês. “Numa reunião com os presidentes de
todos os Tribunais Regionais do Trabalho foi fechado o planejamento de
informática e criado o E-Doc, que será levado para todo o país”, diz Antonini.
Em relação à segurança na
rede, Sérgio Kulikovsky, presidente da CertiSign, garante: “Nenhum documento
certificado eletronicamente foi fraudado até hoje”. Essa é uma notícia boa,
pois para o advogado especialista em Direito da Tecnologia Omar Kaminski, por
exemplo, com a informatização dos procedimentos “ganha-se em agilidade e
transparência, mas, em contrapartida, há necessidade de maior segurança para
que se garanta a autenticidade, e, se for o caso, a confidencialidade dos
documentos. As fraudes sempre existiram, apenas adquirem novas formas e nuances
no ambiente virtual”. Fernando Eduardo Serec, sócio da área de contencioso da
Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados, partilha da opinião: “Também há
fraudes em documentos físicos. Não há mais espaço para a utilização desses
argumentos diante das necessidades do Judiciário brasileiro”.
Para evitar possíveis
fraudes, pode-se contar com mecanismos de autenticação, “como o uso de
certificação digital tanto no cliente como no servidor”, afirma Kaminski. Ele
faz questão de frisar que, apesar de alguns processos hoje serem totalmente
virtuais, “existem atos cuja presença pessoal é necessária, senão
indispensável, e uma das grandes discussões diz respeito ao interrogatório por
teleconferência: se fere o princípio da identidade física do juiz, se ocorre
cerceamento de defesa, entre outras questões”.
Quatro horas em 5 minutos
A adoção do processo virtual é
um caminho sem volta. Prova disso é o fundo Justiça sem Papel. Criado pela
escola da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas em parceria com o
Ministério da Justiça e com apoio financeiro da Souza Cruz, o fundo financia
com até R$ 300 mil projetos de informatização no Judiciário. O projeto piloto,
implantado no Juizado Especial da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, já
colhe seus primeiros resultados. “Um procedimento cujo trâmite levaria em torno
de quatro horas, hoje, com o processo virtual, leva cinco minutos”, afirma
Pablo de Camargo Cerdeira, gestor do projeto. Ele aponta ainda a redução de
custos – “que são altíssimos” – com o armazenamento de documentos. “Com papel,
é preciso ter cuidado com umidade, eletricidade, ordenação em prateleiras,
espaço físico, entre outras coisas”.
A Justiça Federal também entrou
na era da certificação digital e inaugurou, há pouco mais de um mês, a
Autoridade Certificadora do Sistema Justiça Federal (AC-Jus) e o portal .
Pelo site, qualquer cidadão pode
tirar uma certidão de “nada consta”, utilizada constantemente, por exemplo, nas
transações imobiliárias, e certificá-la no ato da impressão. O portal também
unifica o acompanhamento processual em todas as regiões da Justiça Federal do
país.
O processo virtual e a Internet,
apesar dos degraus que ainda precisam ser galgados, passaram a habitar,
definitivamente, os corredores dos tribunais. Como atesta Omar Kaminski, “em
decisões dos tribunais superiores já estão se tornando corriqueiros os dizeres:
‘conforme informações obtidas da Internet’”. O computador, costuma dizer o
deputado Delfim Netto, não tem o condão de tornar inteligente o ser humano que
se senta diante dele. Mas, por outro lado, é bem mais fácil ser inteligente com
ajuda da tecnologia. O Judiciário brasileiro, finalmente, vai testar essa
verdade e, com algum atraso, ingressa no século XXI.
http://www.ibdi.org.br/index.php?secao=&id_noticia=428&acao=lendo