Acréscimo quantitativo do
objeto contratado.
Exegese da expressão
"valor inicial atualizado do contrato" contida no
bojo do art. 65, §1º, da Lei
nº 8.666/93
Gisele Clozer Pinheiro Garcia
advogada em Campinas (SP), especialista em
Direito Tributário pela PUC/Campinas
Cláudio Neme
advogado em Campinas (SP)
Frise-se, desde logo, que o reajuste dos contratos
administrativos está condicionado à observância da periodicidade de doze meses,
em face das determinações insertas na Lei nº 10.192/2001, que trata das medidas
complementares ao Plano Real.
Com efeito, dispõe a
norma em epígrafe, ex vi de seu art. 2º:
"Art. 2o É admitida estipulação de correção
monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que
reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos
contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.
§ 1o É nula de pleno direito qualquer estipulação de
reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano." (grifo
nosso).
Certamente, a par da aludida "legislação do plano
real", a incidência de reajuste ou acréscimo financeiro está vedada antes
de doze meses.
Portanto, o valor do contrato deve manter-se o mesmo,
pelo menos durante os doze primeiros meses de vigência contratual. Obviamente
que dita assertiva se mantém na medida em que não haja qualquer alteração no
objeto contratado.
Nesse diapasão, temos que a Lei 8.666/93, a teor de seu
art. 65, I, "b", c/c seu §1º, prevê a possibilidade da Administração
Pública realizar, em seus contratos, desde que justificado por fatores
supervenientes à contratação, acréscimos quantitativos no objeto original,
observados os percentuais máximos ali previstos.
Com efeito, preceitua o art. 65,I,"b" da Lei
Federal:
"Art. 65.
Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas
justificativas, nos seguintes casos:
I – unilateralmente pela Administração:
omissis...
quando necessária a modificação do valor contratual em
decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites
permitidos por esta Lei.
...omissis...
§1º do art. 65. O contratado fica obrigado a aceitar os
acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25%
(vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato e, no caso
particular de reforma de edifício ou equipamento, até o limite de 50%
(cinquenta por cento) para os seus acréscimos" (sem grifo no original).
Consequência desta alteração do objeto é a majoração do
valor contratado, na medida do objeto acrescido.
Vale dizer, neste caso há um aumento no valor inicial
contratado, porque o objeto a ser executado não é mais o mesmo, tendo havido
uma majoração dos encargos do contratado.
Se assim o é, vale dizer, se o contratado irá realizar
serviços que não se encontravam originalmente previstos, não pode ser compelido
a assim proceder, sem a correspondente contraprestação financeira, sob pena de
ficar caracterizado o locupletamento indevido ou enriquecimento sem causa da
contratante, o que é absolutamente vedado em nosso ordenamento jurídico.
Neste prisma, dispõe o Código Civil, em seu art. 884:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se
enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente
auferido, feita a atualização dos valores monetários".
E esta disposição legal, emanada da legislação privada,
grife-se, aplica-se na hipótese aventada, consoante depreende-se do art. 54 da
Lei 8.666/93, que estabelece:
"Art. 54. Os contratos administrativos de que trata
esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público,
aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos
e as disposições de direito privado".
Logo, havendo acréscimo quantitativo, há majoração do
valor do contrato que, diga-se não se confunde com reajuste de valor, a seu
turno condicionado à observância da periodicidade de doze meses, tendo em vista
os ditames da Lei nº 10.192/2001.
A majoração das quantidades contratadas, que,
conseqüentemente, implica em acréscimo financeiro, é realizada no intuito de
afastar o locupletamento indevido, ressarcindo o contratado na proporção exata
da obrigação acrescida.
Uma coisa é, portanto, reajustar o contrato, após doze
meses, sem qualquer alteração no objeto. Outra, por certo, é acrescer o valor,
a qualquer tempo, mesmo antes do cômputo da periodicidade anual, quando ocorrer
acréscimo de quantitativos. Este acréscimo, a rigor da lei, tem por base o
valor inicial atualizado do contrato, não podendo exceder 25% (vinte e cinco
por cento).
Em abono dessa matiz, pondera Jessé Torres Pereira
Júnior acerca do acréscimo quantitativo:
"No segundo caso (inciso I, alínea "b"),
a autorização para alterar o contrato terá de satisfazer também a duas
condições cumulativas:
(a) cingir-se a refletir modificação meramente
quantitativa do objeto contratado, para mais ou para menos (por exemplo,
verifica a Administração, em execução a obra, que devem ser acrescidos, ou
diminuídos, 20 metros quadrados da área construída), o que determinará
ajustamento no preço pactuado para nele incluir o acrescido ou para nele
excluir o suprimido;
(b) o acréscimo ou a diminuição contenha-se nos limites
que a lei estabelece..." (Comentários à Lei das Licitações e Contratações
da Administração Pública, 6ª ed., Renovar, 2003, p. 653) (grifo nosso).
O próprio art. 65 do Estatuto Licitatório, em seu §6º
determina que:
"Em havendo alteração unilateral do contrato que
aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por
aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro".
E ainda, não se pode olvidar que a Constituição
Federal, no art. 37, XXI preceitua que:
"ressalvados os casos especificados na legislação,
as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de
licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes,
com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei...".
Na inteligência de Marçal Justen Filho (Comentários à
Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Dialética, 5ª ed., p. 517)
destacamos:
"A equação econômico-financeira se delineia a
partir da elaboração do ato convocatório. Porém, a equação se firma no instante
em que a proposta é apresentada. Aceita a proposta pela Administração, está
consagrada a equação econômico-financeira dela constante. A partir de então,
essa equação está protegida e assegurada pelo direito".
E, como também conclui o Mestre, o " equilíbrio
econômico-financeiro do contrato administrativo significa a relação (de fato)
existente entre o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração
correspondente".
Logo, se a
Administração aumenta o encargo, acrescentando quantitativos, por certo, terá
que aumentar, na mesma proporção, a remuneração do contratado, sob pena de
restar ferido o equilíbrio contratual.
O Professor Sérgio Andréa Ferreira, citando Péquinot,
diz:
"O equilíbrio do contrato administrativo é
dinâmico e do tipo [a/b=a’/b’]. Se a Administração substitui por a’ a obrigação
originária, a remuneração do seu contratante, que era originalmente b, tornar-se-á
b’, e o sistema contratual assim reequilibrado será mantido" (cf. RDA n.
167, p. 24).
Mas veja, o dispositivo legal em comento estabelece,
consoante já consignado, que o contratado obriga-se a aceitar acréscimos e
supressões no objeto contratado, no limite de 25% (vinte e cinco por cento) do
valor inicial atualizado do contrato.
Pois bem, a expressão "atualizado" inserta no
bojo da norma, a nosso ver, indica que, se o contrato porventura, nos termos da
legislação do Real, já houver atingido a periodicidade de doze meses, este
percentual de 25% deve ter em vista o valor inicialmente contratado, corrigido
monetariamente.
De outra banda, se porventura, à época do acréscimo
quantitativo, o período de vigência contratual encontrar-se aquém de doze
meses, não será devida a atualização, considerando-se, apenas, para efeitos de
incidência do índice, o valor originalmente estabelecido, sem qualquer correção
monetária.
Vale dizer, muito embora a lei estabeleça que o valor
deve ser atualizado, não se pode perder de vista os comandos da citada Lei
10.192, que veda a correção monetária antes do cômputo do período anual.
Nas lições do Mestre Diogenes Gasparini, destacamos:
"Atente-se que as alterações, acréscimos e
supressões têm por base o valor inicial atualizado do contrato, não o seu
objeto, à data em que esses acréscimos ou supressões são necessárias. Na
atualização do valor inicial do contrato somente deve-se levar em conta o
acréscimo da correção monetária cabível, isto é, a permitida pela Lei do Plano
Real" (Direito Administrativo, 8ª ed., Saraiva, 2003, p. 586) (grifamos).
E, a seu turno, a Lei do Real é expressa ao vedar a
incidência de correção monetária em periodicidade inferior a um ano.
Portanto, o acréscimo no objeto contratado pode ocorrer
a qualquer tempo, estando limitado ao percentual legal de 25% do valor inicial
contratado e à estrita proporção daquilo que foi acrescido, a fim de restar
mantida a equação econômico-financeira original. Se ocorrer antes de completado
um ano de vigência do contrato, o percentual incidirá sobre o valor
inicialmente pactuado. Ultrapassado este período, será atualizado este valor
pelos índices de correção monetária correspondentes ao período.
Essa nos parece ser, s.m.j, a exegese correta da
expressão " valor inicial atualizado do contrato", contida no §1° do
art.65 da Lei 8.666/93.
RETIRADO DE: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=6562