A exigência de amostras no pregão
Por Danilo Andreato, Bachararel em
Direito pela UEFS, Assessor na Procuradoria da República no Estado do Paraná.
uito embora bastante conhecida como Lei
de Licitações, é sabido de todos que a Lei n. 8.666/93 não encerra todas as
modalidades licitatórias, havendo, de logo, uma infringência ao próprio
diploma, onde estão definidas e caracterizadas tais modalidades.
Começo o presente artigo assim mesmo, de
chofre, como diriam alguns, ou, numa linguagem mais coloquial, sem meio termo.
O objetivo é tratar do pregão, previsto pela Lei n. 10.520/02 (lei esta advinda
da MP n. 2.182-18, de 23 de agosto de 2001), mais precisamente da possibilidade
de serem exigidas amostras. Abordagem será de forma breve e pontual, vez que o
tema é bastante vasto.
O pregão foi criado para possibilitar à
Administração Pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos
termos do art. 37, XXI, da Constituição Federal) adquirir bens e serviços
comuns de maneira mais simplificada do que as existentes até então. A Lei n.
10.520 define bens e serviços comuns, conforme dispõe o seu art. 1.º, parágrafo
único: “consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste
artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser
objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de
mercado”.
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"O que aconteceria se um potencial
licitante não encaminhasse ao respectivo pregoeiro uma amostra do
material?"
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Portanto, presente aí um dos essenciais
regramentos acerca da modalidade em análise, qual seja, o critério da
objetividade quando da especificação do produto. Significa dizer que o objeto
do certame deverá ser passível de preenchimento dos requisitos mediante
aferição que não tangencie o viés subjetivo, atendo-se somente ao âmbito
objetivo. Mais: a definição de desempenho e qualidade do material devem estar
expressas no edital.
Serei direto quanto ao aspecto que irei
abordar acerca dessa modalidade: podem ser solicitadas amostras quando da
realização do pregão? Para tecer algumas considerações sobre este ponto gerador
de tantas celeumas é preciso partir de algum lugar. Convido o leitor a partir
comigo da seguinte hipótese:
Suponhamos que o Município de Feira de
Santana, na Bahia, pretenda adquirir suprimentos de informática, notadamente,
cartuchos para suas impressoras, estas de uma determinada marca. Dentre as
regras do edital (também entendida como a lei da licitação) existe a seguinte
exigência: os licitantes deverão entregar amostras do objeto, três dias antes
da data marcada para abertura da sessão. A título de esclarecimento, o número
de dias estipulado foi somente para argumentar.
Bom, poderia ou não ser realizada tal
exigência? O que aconteceria se um potencial licitante não encaminhasse ao respectivo
pregoeiro uma amostra do material? Se se trata de uma obrigação imposta pelo
Municipio (por intermédio da pertinente Comissão de Licitação), deverá, em
contrapartida, existir alguma sanção, sob pena de tornar inócua a exigência.
Neste sentido, pode-se conceber, portanto, que a empresa potencialmente
licitante passará à condição de futura ex-licitante naquele procedimento
específico. Isso por que a penalidade para a não entrega da amostra resulta,
induvidosamente, na inobservância de uma das regras estabelecidas, desembocando
na desclassificação, pois feriria o princípio da isonomia possibilitar àquele
que não cumpriu dada condição participar da mesma forma que outros, cumpridores
de todas as formalidades. Logo, vamos admitir que o edital preveja a desclassificação
do licitante.
Um momento! O que está sendo dito? É isso
mesmo, está sendo dito que o potencial licitante, caso não entregue a amostra
no prazo definido, será excluído do certame. Há que se indagar: como é
possível, pois ainda não foi sequer efetuado o credenciamento? Como tal pode
ocorrer, se o pregão se caracteriza por ser uma modalidade, por assim dizer,
com o procedimento invertido se comparado às demais, em que a habilitação do
licitante somente ocorre após ter apresentado a melhor proposta? Entendo que a
situação ora esposada fere o rito conferido ao pregão, pela sua própria
particularidade. Significa dizer que no momento do credenciamento o que se
busca averiguar são as condições do licitante, com base na análise dos
documentos exigidos para isso e não perquirir quanto às condições do objeto a
ser ofertado.
O pregão possui suas fases (interna,
também denominada preparatória, e externa), sendo que a etapa externa deverá se
desdobrar nos moldes do art. 4.º da Lei n. 10.520/02 (observando-se, outrossim,
o Decreto 3.555/00, muito embora anterior à Lei, e, subsidiariamente, a Lei n.
8.666/93). De acordo com o art. 4.º, VI, da Lei n. 10.520/02, “no dia, hora e
local designados, será realizada sessão pública para recebimento das propostas”
e (agora no inciso VII), após aberta a sessão, “os interessados ou seus
representantes, apresentarão declaração dando ciência de que cumprem plenamente
os requisitos de habilitação e entregarão os envelopes contendo a indicação do
objeto e do preço oferecidos, procedendo-se à sua imediata abertura e à
verificação da conformidade das propostas com os requisitos estabelecidos no
instrumento convocatório”.
Continuando o estudo, temos que observar
que a verificação da conformidade das propostas com os requisitos descritos no
edital está prevista para acontecer após a apresentação da aludida declaração e
dos envelopes contendo a indicação do objeto e do preço oferecidos. Este é o
momento determinado pela lei para constatar se há ou não consonância entre o
que está sendo ofertado pelos participantes com o que está sendo querido pela
Administração (sob o ponto de vista documental, ressalte-se).
Como se não bastasse, o art. 4.º, inc. X,
do mesmo aparato legislativo assinala que será utilizado como critério para
julgamento e classificação (atente-se bem, julgamento e classificação) o
critério menor preço, desde que observados outros requisitos, dentre eles as
especificações técnicas e parâmetros mínimos de desempenho e qualidade
definidos no edital. Essas especificações aqui faladas são aquelas constantes
das propostas, se elas se aperfeiçoam ou não ao quanto exigido no edital. Não
se trata de outro momento, mas sim de quando aberta a sessão, conforme o art.
4.º, VII, já mencionado.
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"Apesar de o pregão ter por fiel da
balança o preço, este não deve ser o único parâmetro para aferir a necessidade
do Poder Público"
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Não se pode deixar de observar,
outrossim, os princípios regentes da Administração Pública – legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade eficiência – consagrados no art. 37,
caput, da Constituição Federal, bem como outros de índole infraconstitucional e
específicos ao pregão, a exemplo da oralidade, celeridade, concentração etc. A
par disso, fixo a análise no princípio da eficiência. Este princípio, em uma de
suas acepções, impõe à Administração o dever de agir com o mais alto grau de
profissionalismo possível, não sendo aceitável que seu ato ocorra de forma
amadorística. Neste sentido, apesar de o pregão ter por fiel da balança o
preço, este não deve ser o único parâmetro para aferir a necessidade do Poder
Público. Sei que não é nenhuma novidade essa informação, disposta no art. 4.º,
inciso X, parte final, da Lei n. 10.520/02. Acontece que, devido ao princípio
da concentração e da oralidade, norteadores da modalidade licitatória ora em
exame, exige-se do pregoeiro decidir, naquele momento acerca do resultado do
certame.
Face a essa questão, diversas têm sido as
saídas buscadas pelos entes públicos para não comprarem gato por lebre. A
Prefeitura Municipal de São Paulo1, v. g., no seu site, não fundamenta juridicamente
o pedido de amostra (traz um posicionamento contrário, é verdade), porém sugere
que, em havendo a exigência, esta ocorra somente em caráter excepcional,
disciplinando no edital todas as questões relativas à amostra (entrega,
julgamento etc.), ou, sugere ainda, seja encaminhado, juntamente com a
proposta, laudo técnico expedido por laboratórios previamente especificados,
atestando o cumprimento dos requisitos constantes do edital.
A opinião contrária à exigência das
amostras e mencionada pelo espaço virtual da municipalidade paulistana é do
jurista Marçal Justen Filho, a saber:
“(...) a natureza do procedimento do
pregão exclui a possibilidade de diligências que demandam dilação temporal. É
que o encerramento da fase competitiva deve ser sucedido de imediato ao início
do julgamento dos documentos de habilitação. Nessa linha, a própria avaliação
da exeqüibilidade da oferta se resolve através de exames documentais. Em
síntese, todos os exames acerca da admissibilidade da oferta, a se
desenvolverem nesse momento final da etapa competitiva, devem restringir-se ao
plano documental” 2.
Entendo que para precaver a Administração
de um mau negócio e não ficar à mercê de licitantes que não possuem o objeto
(cartucho, in casu) da qualidade requerida pelo Poder Público, a exigência da
amostra quando da entrega dos envelopes se revela adequada aos preceitos legais
e – salvo outras circunstâncias – também ao interesse da Administração. Explico
por quê. A apresentação da amostra não pode, de hipótese alguma, ser entendida
como devassa ao sigilo constante da proposta, vez que ela – a amostra – será
tão-somente a materialização da descrição do objeto ofertado pelo licitante,
objeto esse já conhecido de todos desde a publicação do edital, haja vista que
as especificações técnicas, obviamente, foram divulgadas. Se porventura o
objeto de que o licitante dispõe para oferecer para o Poder Público for
diferente do exigido, por consectário lógico, será desclassificado por não
atendimento aos requisitos constantes do edital.
Outro ponto é que a exigência da amostra
se deve ao fato de ser averiguada as características do produto sob o plano da
sua real compatibilidade com o objeto licitado. Não se resume apenas a ver no
papel (mera descrição documental, abstrata), mas aferir sua qualidade. Demais
disso, se a celeridade é uma peculiaridade do pregão, ela não deve ser
entendida como realizar procedimentos atropelando o bom senso. Em sendo
possível resguardar o Poder Público de uma eventual “licitação de grego”
(tomando por analogia, e salvas as devidas proporções, o célebre exemplo do
cavalo de Tróia), não há motivo para, respeitando-se os trâmites previstos para
o procedimento em tela, impedir o requerimento das amostras.
O pregão é uma modalidade licitatória que
continua gerando polêmicas (como tantos outros assuntos referentes à licitação,
tal como a notória especialização quando da contratação direta, em se tratando
de serviços advocatícios). Muitas respostas – ou ao menos decisões para as
soluções encontradas pela Administração Pública – ainda serão dadas pelos
Tribunais de Contas e Judiciário, a fim de assentar um pouco mais a
problemática frente a exigência das amostras. Enquanto isso, o pregão continua
pregando peças em muitos de nós.
NOTAS:
1. Site
www.pregao.sp.gov.br, seção Perguntas e Respostas, item 12.
2. Pregão: Comentários
à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico, Ed. Dialética, 2001, p. 114.
Danilo Andreato -
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana/BA (UEFS). Assessor
na Procuradoria da República no Estado do Paraná.
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Informações bibliográficas
sobre este artigo (Norma 6023:2002 da ABNT)
ANDREATO, Danilo. A
exigência de amostras no pregão. DireitoNet, São Paulo, 01 set. 2004. Disponível
em: <http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/17/07/1707/>. Acesso em: 14 set. 2004.