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A Municipalização da saúde, uma faca de dois gumes

 

 

 

Paulo Roberto Corrêa Monteiro

Promotor de Justiça

 

 

Embora a intenção seja boa por parte do Governo Federal, na institucionalização da municipalização da saúde em nosso país, porque descentralizar é fundamental para melhorar os serviços de saúde oferecidos à população, seja porque num país tão grande como nosso, é impossível o Governo Federal ficar responsável pelos serviços de saúde em cada cidade brasileira, pois são tantas as diferenças e peculiaridades regionais, que só o próprio município pode e deve decidir a sua política de saúde, seja porque, com a municipalização, aumentam os recursos financeiros que o município passa a dirigir, uma vez que ele passa a gerir os recursos depositados pela União e pelos Estados diretamente nas contas municipais, além dos recursos do seu próprio orçamento, e até porque a população teria melhor acesso a saúde pública, já que com a municipalização ocorre a transferência para os municípios do direito e responsabilidade de controlar os recursos financeiros, as ações de saúde e a prestação dos serviços de saúde em seu território. Mas, em certos casos, para não dizer "em muitos casos", na prática tal não ocorre, e essa municipalização tem causado um verdadeiro "caos" na saúde pública municipal. Existem municípios em nosso Estado, nos quais saúde pública encontra-se em estado falimentar, seja por incompetência dos gestores municipais, seja por improbidade desses gestores, que, apostando na certeza da impunidade, não possuem nenhum respeito com o trato do dinheiro público, desviando a verba da saúde em prejuízo da coletividade.

 

Inosbtante a lei instituidora do SUS, que é a Lei n.º 8080/90, tenha trazido em seu bojo as diretrizes de um sistema único de saúde satisfatório para as necessidades da população brasileira, onde estão inseridos princípios de grande alcance social, como o da "universalidade e integralidade", não raro, os gestores municipais manipulam o dinheiro da saúde de maneira criminosa,

 

com real e sério prejuízo aos munícipes, que ficam privados dos mais elementares atendimentos de saúde pública.

 

É certo que, segundo a legislação do SUS, a saúde pública deve ser sustentada por recursos da União, dos Estados e dos Municípios, depositados, obrigatoriamente, na Conta bancária do Fundo Municipal de Saúde, isto no âmbito de cada município, cujos recursos devem ser aplicados, exclusivamente, no serviço de saúde, com acompanhamento da população, através de seus representantes, no Conselho Municipal de Saúde. Mas, por falta de consciência política dos gestores municipais e dos Conselheiros, que ainda não assimilaram o princípio democrático da participação popular na política da saúde municipal, na prática, a excelência da teoria legal não se realiza, e o prefeito municipal, criminosamente, lança mão do dinheiro da saúde para "outros fins", deixando os seus municípios ao "Deus dará". E, então o chamado controle social nas aplicações das receitas da saúde pública se anula.

 

Outro fator que muito contribui para a não participação popular no controle das aplicações das verbas da saúde nos municípios é, sem dúvida, a dependência política, econômica, administrativa e financeira, existente entre os Conselheiros e os Prefeitos Municipais, embora a composição do Conselho seja paritária, formada por usuários e prestadores de serviços, funcionários da Saúde Pública do Município, mas, na verdade, direta ou indiretamente, em municípios onde o maior empregador é o Governo Municipal, existe essa relação de dependência do cidadão comum ao Prefeito do Município.

 

Por essa razão, entendemos que nas Comarcas do Interior, o Promotor de Justiça, às vezes, se constitui no único e último órgão de defesa da cidadania ao direito à saúde pública, ora fiscalizando e controlando a aplicação da verba do SUS pelos gestores municipais, e ora defendendo a participação dos

 

Conselheiros Municipais de Saúde, na gestão da saúde pública de seu município, principalmente quando a Câmara Municipal, por questões de natureza político-partidária é omissa também nesse controle e nessa fiscalização.

 

Não resta dúvida que o direito à saúde é um direito de todos, e assim está expresso em nossa Constituição Política, e como tal, incube ao Ministério Público a defesa desse direito, no âmbito de sua competência "ratione materiae e ratione locci". Por isso, entendemos que o Promotor de Justiça não deve ficar tímido para agir na defesa desse direito da comunidade, instaurando procedimentos administrativos, Inquéritos Civis e Ações Civis Públicas, não só para responsabilizar os maus gestores municipais, por desvio da verba da saúde, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa, como também para competi-los, através da tutela e execução específica, a ampliarem as verbas da saúde, exclusivamente, nos serviços de saúde pública municipal, com depósito obrigatório, na conta bancária do Fundo Municipal de Saúde, especificamente aberta para a movimentação da receita e despesa da saúde pública do município, bem como a respeitar a participação da comunidade, através do Conselho Municipal de Saúde na política, programa, planejamento, análise, avaliação acompanhamento, fiscalização e controle interno do uso e aplicação adequada dos recursos da saúde, e ainda, opinar, previamente, sobre a proposta orçamentária anual do setor de saúde, bem como opinar sobre qualquer projeto público ou privado que implique na política de saúde do município, toda vez que chegar ao seu conhecimento quaisquer irregularidades no âmbito da saúde pública municipal, pois assim agindo, o Promotor de Justiça, longe de estar imiscuindo-se em assuntos de atribuições de outras instituições fiscalizadoras, como Câmara Municipal e Tribunal de Contas, pelo contrário, vem ao encontro do ensinamento de Jhering, que escreveu lapidarmente: "a defesa do direito é um dever para com a sociedade.

 

 

 

 

 

retirado de: http://www.ampep.com.br/apresentasite.asp?O=100&T=39