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A Reforma


Deve criar uma súmula impeditiva de recursos.

Ivan Ricardo Garisio Sartori

Texto transcrito do jornal Tribuna do Direito.

Neste País, quando algum organismo ou atividade pública não vai bem, surge logo a idéia da reforma legal ou mesmo constitucional, sem que se proceda a um diagnóstico prévio e preciso. É o que vinha ocorrendo com o Judiciário.

Com certeza, não há um estudo oficial abrangente capaz de indicar quais os reais entraves ou "gargalos" do Judiciário. Portanto, de rigor que, por primeiro, advenha tal estudo, para que, ao depois, se possa passar à reforma de modo preciso, eficaz e definitivo.

Nosso ordenamento jurídico, extremamente complexo e extenso, já não suporta mais reformas legislativas radicais, muito menos na constituição Federal que, em verdade, era de ser reduzida pela metade, para não se ver ferida rotineiramente.

Bastam, digamos, alguns retoques com vistas à atualização de um ou outro dispositivo ou diploma, dês que, após várias modificações de ordem processual (Civil e Penal), pouco remanesceu a fazer nessa área, sem que se comprometa o princípio constitucional da ampla defesa.

No geral, a imperfeição da atividade estatal decorre de grave crise ética e de deficiência administrativa estrutural.

Não é diferente como Judiciário. Não está devidamente aparelhado, é mal administrado, sem se falar que começam a espoucar casos de corrupção, ainda isolados.

Então, de início, deve haver uma mudança de mentalidade no Judiciário. Não obstante a altivez do cargo de juiz, o magistrado tem de entender, por primeiro, que está a serviço do povo. Daí resulta que deve evitar ostentações, inclusive nas casas de Justiça, e ter o máximo de abertura no trato com as partes e advogados, não olvidando que os processos se referem a fatos reais, em que envolvidos seres humanos. Parece óbvio, mas o impressionante volume de serviço, às vezes, faz com que isso seja esquecido.

E o processo não é meio para mostrar erudição, mas tem a finalidade de propiciar prestação jurisdicional clara, objetiva e inteligível ao cidadão comum, rela destinatário do serviço. Ao depois, de capital relevância que o Judiciário tenha autonomia real, não apenas legal, como se vê atualmente.

Assim, de se destacar parte da receita e vincula-la ao Judiciário, que não pode mais ficar de chapéu-na-mão, jungido ao Executivo. Sem isso, não tem como se cogitar de independência, estruturação e viabilidade desse Poder.

É bom que se diga que, ressalvados casos isolados, o Judiciário, principalmente nos Estados, é o Poder mais franciscano.

Vencidos esses aspectos, viriam bem outras providências, como, v.g., a criação de uma central nacional integrada de inteligência. Sem uma rápida troca de informes, não se pode pretender agilizar o trabalho forense. Daí a necessidade dessa central, a envolver todos os segmentos do Judiciário, sistema prisional, polícias (militares, civis e federal), instituições financeiras e fisco. A implantação completa e cabal das defensorias públicas também é medida que se impõe.

O cidadão menos favorecido não dispõe hoje, a realidade, da assistência jurídica de que fala a Lei Maior, não obstante os esforços de alguns abnegados. Uma defensoria pública bem estruturada serviria como órgão consultivo, sanando essa falha, além de evitar demandas desnecessárias. Seria, portanto, um filtro natural.

E, a exemplo dos convênios médicos ou de saúde, de bom alvitre implantar-se a mesma sistemática no âmbito da Advocacia, pelo menos nas áreas essenciais ao exercício da cidadania, dada a indispensabilidade a que alude o artigo 133 da CF, a propiciar ao cidadão de classe médica assistência jurídica mais acessível, o que, igualmente, viria como filtro.

Assim, sem uma reforma de fôlego na Advocacia, não será possível alterar o estado letárgico em que se encontra o Judiciário, mesmo porque, estando ambos intimamente atrelados, a deficiência daquela reflete diretamente no último. Também não é possível, nos dias atuais, a forma de composição dos órgãos diretivos dos tribunais. Salutar, por certo, a eleição por todos os juízes vinculados a determinado tribunal de ao menos metade do Órgão Especial ou, em não havendo, da totalidade dos conselhos diretivos. Ressalvadas gratas exceções, os tribunais, pelo sistema atual, em que somente os mais antigos exercem a administração, têm-se transformado em verdadeira "coisa própria", em que se faz o que bem entende, sem que se dê a mínima satisfação àqueles que não integram o órgão diretivo e, pior, com reflexos, principalmente, nas bases do Poder.

O sistema misto eleição e antiguidade, atenderia a todos os requisitos, prestigiando os antigos e os demais magistrados, compossibilidade de novas idéias e responsabilidade de todos. E, revendo meu ponto de vista, de rigor o controle externo. Não é mesmo adequada a fiscalização do magistrado pelos próprios pares, porque é da natureza humana o envolvimento emocional entre os aqueles que oficiam lado a lado ou mesmo a troca de gentilezas, em detrimento do interesse público. Nem advogados ou promotores de devem participar desse controle, porque, em última análise, fazem parte da Justiça, tanto que, ao lado do juiz, formam o chamado tripé da Justiça.

E, diga-se, já houve, outrora, ensaio frustrado de um controle interno, pelo chamado Conselho Nacional da Magistratura, integrado por sete ministros do STF, a teor da Lei Orgânica da Magistratura, instituto que não mereceu prestígio. Então, a sugestão é de que em cada tribunal, federal ou estadual, criar-se ia um conselho de controle independente, composto pro cidadãos comuns com certo grau de esclarecimento e assessoria capazes, conforme a lei, eleitos pelo voto direto e o com mandato breve, vedada à reeleição, para se evitar ingerência no Judiciário. E, afastando de vez essa ingerência, limitar-se-ia a atuação desse conselho aos casos de atraso injustificável de processos e corrupção em geral, em inclusive nepotismo, sem prejuízo da responsabilidade penal, ficando as e mais ocorrências para as corregedorias.

Se o Executivo e o Legislativo são controlados pelo voto e se isso não se mostra justificável no Judiciário, pena de ver-se comprometida à independência que deve cercar a função jurisdicional, então que o controle pelo voto seja indireto, de sorte a tornar esse Poder, igualmente, responsabilidade do cidadão comum. Não basta a fiscalização dos Tribunais de Contas, que é mais orçamentária ou financeira, ou do Ministério Público e da Advocacia, que não têm ascendência sobre os juízes e nem seria o caso de tê-la.

De mister, ainda, a simplificação da árvore estrutural do Judiciário, Poder com organograma deveras complexo, a dar ensejo a sérios entraves. Serve de exemplo acórdão do Pretório Máximo inserto na RTJ 176/684-8; a registrar que um simples feito penal por lesão corporal passou pelo juízo de Taubaté/SP, Justiça Militar da União, incluso o Superior Tribunal Militar, depois pelo Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal, para voltar ao juiz de Taubaté. Evidente o dispêndio de tempo e material, em prejuízo de outras causas. Isso, por certo, tem lugar em muitos dos casos, a depor contra o bom andamento dos trabalhos judiciários. Mesmo neste Estado, muitas as dúvidas de competência entre o Tribunal de Justiça e os Tribunais de Alçada.

Outros tópicos podem ser lembrados aqui, como a valorização da instância inicial, com melhor infra-estrutura; discricionariedade nas Cortes Superiores na triagem dos processos a serem por elas apreciados; limitação de recursos com o fortalecimento dos colégios recursais de primeiro grau; e a criação da súmula impeditiva de recursos, dirigida principalmente ao poder Público, litigante contumaz e responsável pela maior parte do movimento forense.

Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2003.


Fonte:http://www.conjur.com.br