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A Ilegalidade da Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 900


Rodrigo Varanda, advogado tributarista no Rio de Janeiro, Data da confecção: agosto de 2002.


Com o advento da Medida Provisória nº 38, de 14 de maio de 2002, a União Federal, nos termos do artigo 1º deste diploma legal, concedeu parcelamento em até 96 prestações mensais e sucessivas, somente para os Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas fundações e autarquias, bem como para as empresas privadas que estejam em processo de falência ou de liquidação (artigo 5º) na data de publicação desta MP (15/05/02).


Como se percebe, a referida Medida Provisória, inobstante fazer menção em seu artigo 11 a respeito de pagamento e parcelamento, quedou-se inerte em relação ao prazo que por ventura seria concedido às empresas privadas que não estivessem em processo de falência ou de liquidação para que estas quitassem seus débitos tributários com a União Federal de forma parcelada.


O já citado artigo 11 da Medida Provisória nº 38 estabelece que as condições a serem observadas para a concessão de parcelamento, são aquelas estabelecidas em outros dois dispositivos legais – art. 17 da Lei nº 9.779/99 e art. 11 da Medida Provisória nº 2.158 -35 – os quais, por sua vez não dispõem sobre dilação no prazo para pagamento, muito pelo contrário, estabelece que o contribuinte para fazer jus ao benefício por eles estabelecidos deve quitar de forma integral o seu débito tributário.


Desta forma, a Receita Federal, juntamente com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, não perderam a oportunidade de exercerem o seu poder regulamentador, e editaram a Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 900, de 19 de julho de 2002, sobre o pretexto de regulamentar a Medida Provisória nº 38.


A citada portaria, diferentemente do estabelecido pela MP nº 38, a qual concedia o prazo de até 96 meses para que os Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas fundações e autarquias, bem como para as empresas privadas em processo de falência ou de liquidação quitassem seus débitos tributários para com a União Federal, estabeleceu que o pagamento a qual faz referência em seu artigo 4º, inciso III, poderá ser parcelado em até 6 cotas iguais, mensais e sucessivas.


Ocorre, porém, que conforme será demonstrado ao longo do presente trabalho, tal portaria é ilegal, senão vejamos.


Com efeito, assim dispõe o artigo 97 do Código Tributário Nacional:


“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
(...)
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.” - gn


Como se verifica da leitura do dispositivo legal supra, as hipóteses de suspensão do crédito tributário, dentre as quais se enquadra o parcelamento, ante os termos do artigo 151, VI, CTN, são matérias de reserva legal, ou seja, somente a “lei”, em sentido estrito, pode dispor sobre parcelamento.


Tal preceito resulta da regra de direito público que diz que a liberação de uma obrigação só pode se originar do poder que a impôs. Desta forma, considerando-se que a obrigação de pagar tributos decorre da lei, deve-se também considerar que somente a lei pode livrar o contribuinte desta obrigação, ou seja, somente a lei pode originar as hipóteses de exclusão, extinção e suspensão do crédito tributário.


O ordenamento jurídico pátrio coloca o crédito tributário sob a proteção da reserva legal. Portanto, uma vez nascida a obrigação tributária, não pode a Administração Pública abrir mão deste crédito, sob pena de responsabilidade funcional de seus agentes, tendo em vista que o ato de apuração e arrecadação do crédito tributário é vinculado.


Portanto, não poderia a Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 900, em extrapolando os limites legais, dispor sobre parcelamento, pois como mencionado anteriormente, tal matéria é privativa de regulamentação por meio de “lei”.


Segundo o princípio da hierarquia das leis, consubstanciado pela obra do jurista alemão Hans Kelsen, as portarias, considerando-as como normas complementares, não podem dispor de maneira diversa das leis, uma vez que estas encontram-se em posição hierarquicamente superior àquelas.


Admitir que a Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 900 regulamentasse matéria privativa de “lei”, segundo a regra geral insculpida no Código Tributário Nacional, seria uma violação ao mencionado princípio, uma vez que estaria admitindo-se que uma norma inferior (portaria) revogasse uma norma superior (lei).


As portarias, como mero atos administrativos que são, podem tão somente esclarecer determinados aspectos das leis e não impor significado diverso destas.


Cabe ainda ressaltar que a jurisprudência dos tribunais pátrios tem se manifestado no sentido de que portarias não podem dispor de modo contrário às leis, do qual são exemplos os arestos do Superior Tribunal de Justiça abaixo colacionados:


“PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. PLANO CRUZADO. CONGELAMENTO DE PREÇOS. DECRETOS-LEIS 2.283 E 2.284/86. TARIFAS DE ENERGIA ELÉTRICA. PORTARIAS 38/86, 45/86 E 153/86.

O aumento da tarifa de energia elétrica, operado pelas portarias 38/86 e 45/86 foi ilegal, por ofensa aos DL 2.283/86 e 2.284/86.”
(...)

Recurso Especial nº 211151 - Primeira Turma - Data da decisão: 15/02/2000 - DJ dia 03/04/2000 – Relator Humberto Gomes de Barros

* * * * *

“TRIBUTÁRIO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA - PLANO CRUZADO - DECRETOS-LEIS 2.283 E 2.284/86 - CONGELAMENTO DE PREÇOS - PORTARIAS 38, 45/86 E 153/86 DO DNAEE - TESE PACIFICADA NO STJ.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido da ilegalidade das Portarias nºs 38 e 45/86 do DNAEE, que majoraram a tarifa de energia elétrica em contraposição ao congelamento de preços instituído pelos Decretos-Leis nºs 2.283 e 2.284/86.”
(...)

Recurso Especial nº 203969 - Primeira Turma - Data da decisão: 16/12/1999 - DJ dia 28/02/2000 – Relator Humberto Gomes de Barros


Em razão de todo o exposto, concluímos que a Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 900 é ilegal, uma vez que a mesma contraria a regra prevista no artigo 97, inciso IV, do Código Tributário Nacional, a qual estabelece que somente a “lei”, em sentido estrito, pode dispor sobre hipóteses de suspensão de crédito tributário, dentre as quais se enquadra o parcelamento, além do que, segundo o princípio da hierarquia das leis, uma portaria não pode revogar uma lei.

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