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A necessária participação da Advocacia-Geral da União no processo de políticas públicas
César do Vale Kirsch
advogado da União, pós-graduando lato
sensu em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP)
A Constituição Federal de 1988 trouxe inúmeras novidades,
dentre elas a criação da Advocacia-Geral da União (AGU) em seu art. 131,
situando-a no Capítulo IV, do Título IV, que trata da Organização dos Poderes,
classificando-a como "função essencial à Justiça." (1)
O
Constituinte consignou duas atribuições de relevante importância para a novel
Instituição: a defesa judicial e extrajudicial da União; e a consultoria e o
assessoramento jurídicos ao Poder Executivo. Essa atividade de aconselhamento
jurídico preventivo ao Poder Executivo Federal, com enfoque na política
pública, é que será objeto de análise nesse singelo artigo.
O
mundo globalizado torna mais complexas as relações em sociedade e é mais
rigoroso com o homem moderno. Desse modo, o Estado Democrático de Direito
brasileiro também tem de se adaptar às novas exigências, para cumprir, com
eficiência, a missão de proporcionar o bem comum ao povo.
É
nesse contexto que as atribuições de consultoria e de assessoramento jurídicos
ao Poder Executivo devem ser proficientemente prestadas, a fim de se efetuar a
compatibilização da política a ser implementada com as normas e princípios
vigentes, para a perfeita satisfação dos interesses públicos. A tarefa é
complexa e exige a participação de políticos, de gestores e de membros da AGU.
Nessa
esteira de raciocínio, um plano político pode ser social e economicamente
perfeito, do ponto de vista isolado de cada ciência que compõe o projeto
político, mas ser um fracasso na prática, se não houver um lastro jurídico que
lhe dê base e sustentação para prosperar.
Dentre
os poderes constitucionalmente estabelecidos, incumbe especialmente ao Poder
Executivo a tarefa de gerir o aparato estatal e de propor e de executar
diretrizes e políticas a serem desempenhadas pelo Estado, para que se possa
tornar concreta a consecução do bem comum.
Pontifica
FERREIRA FILHO (2):
Essa
extensão de tarefas trouxe aumento de prestígio, especialmente porque nas
repúblicas o Executivo se tornou desde cedo a cúpula do partido ou da coligação
majoritária. Daí resultou que, embora a estrutura constitucional não se
modificasse, ainda que o Legislativo conservasse uma preeminência aparente, o
centro real do poder político se deslocou para o Executivo. De fato, este se
tornou o motor da vida política, a mola do governo, o que, em última análise,
veio repercutir no próprio campo legislativo, com a legislação delegada etc.
Mais
ainda, tendo em mãos a vida econômica, pelo controle de câmbio, dos meios de
pagamento, do fisco, veio o Executivo a transformar-se no árbitro da vida
social, cujas opções governam a tudo e todos.
Ocorre
que esse poder governamental não é absoluto, estando submetido a princípios e
normas, caracterizadores do Estado Democrático de Direito. O Governo, precisa,
pois, cercar-se de cautelas jurídicas, antes de deflagrar os seus planos
políticos. Do contrário, poderá violar direitos e infringir o ordenamento
jurídico.
O
Estado Democrático de Direito agasalha mandamentos e valores do Estado de
Direito e do Estado Democrático. Dentre eles, podem ser destacados: a
supremacia da vontade popular; obediência à isonomia e à liberdade; submissão
ao império da lei e da moral; indisponibilidade do patrimônio público; atuar
com eficiência; publicidade; conduta proporcional e razoável; respeito aos
direitos fundamentais.
Através
da consultoria e do assessoramento jurídicos ao Poder Executivo Federal, a AGU
irá orientar o governante, para bem elaborar o plano político, de acordo com a
moralidade, com a legalidade e com os princípios e valores do Estado
Democrático de Direito, a fim de que obtenha sucesso.
As
atribuições da AGU de consultoria e de assessoramento ao Poder Executivo
Federal, no que se refere a políticas públicas, estão delineadas na Carta Magna
de 1988, porém mais detalhadas na Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de
1993 (arts. 4º, VII, VIII, IX, X, XI; 10 e 11, I, III, IV e V)
Em
termos práticos, como acontece esse aconselhamento jurídico ao Poder Executivo,
para auxiliá-lo a viabilizar um plano político ?
No
plano interno, a AGU pode elaborar, por exemplo, minuta de projeto de lei que o
Executivo irá encaminhar ao Congresso Nacional; poderá preparar, também, em
caso de relevância e urgência, proposta de Medida Provisória a ser editada pelo
Presidente da República; demonstrar as razões de veto de projeto de lei;
minutar atos normativos de hierarquia inferior à lei (decreto, portaria etc),
para desenvolver política em andamento; examinar projetos de emenda
constitucional; prestar esclarecimentos jurídicos a Deputados e Senadores,
quando em audiência no Parlamento;...
No
plano internacional, a AGU deve prestar previamente a orientação ao governante
sobre o ato que será celebrado no exterior, a fim de se evitar transtornos e
prejuízos, quando da incorporação do ato pelo ordenamento jurídico nacional. O
tratado internacional pactuado sem as devidas cautelas jurídicas, pode não vir
a ter vigência no Brasil, por contrariar normas que lhe são hierarquicamente
superior; ou, sendo incorporado, trazer enormes prejuízos ao país, por conta de
revogação de normas existentes. Precisa, assim, a AGU participar mais
intensamente das reuniões preparatórias das viagens internacionais e ter
conhecimento dos mandatos negociais que serão objeto dos atos a serem
eventualmente celebrados no exterior, para um adequado e eficiente
assessoramento jurídico à autoridade que irá praticar o ato.
Esses
atos a serem praticados pela AGU são prévia e meticulosamente estudados, para
encaixar, harmonicamente, a política a ser implementada no ordenamento
jurídico. Assim, a AGU tem a missão de compatibilizar a política pública com o
ordenamento jurídico, conferindo juridicidade aos atos do administrador
público.
Todavia,
torna-se necessário abrir um parêntese, aqui, para ressaltar que, quando for
juridicamente impossível deflagrar um plano político, o membro da AGU, não só
deverá comunicar ao responsável pela política pública esse fato, mas também
coibir qualquer atitude confrontante com o sistema jurídico posto. Se
necessário for, deverá adotar as medidas legais cabíveis contra o potencial dilapidador
do patrimônio público, provocando, inclusive, o Ministério Público para
eventuais providências criminais.
Por
outro lado, o processo de elaboração e de implementação de uma política pública
é dinâmico e complexo, envolvendo diversos aspectos a serem analisados.
Problemas, objetivos, órgãos executores, execução, grupos de pressão, público
alvo são fatores que devem ser cuidadosamente analisados pelos responsáveis
pela elaboração e implementação de uma política pública. Assim, a análise jurídica
da política pública é um dos pontos do processo de elaboração do programa a ser
desenvolvido e que carece de exame por membros da AGU.
Quando
deve ocorrer, então, a participação da AGU no processo de política pública ?
Segundo
PEDONE (3), o processo de formação e de execução de um plano
político teria cinco fases: I) Formação de Assuntos Públicos e de Políticas
Públicas; II) Formulação de Políticas Públicas; III) Processo Decisório; IV)
Implementação das Políticas e V) Avaliação de Políticas.
A
formação de assuntos públicos e de políticas públicas compreenderia o momento
em que surgem os problemas, com pensamentos e opiniões envolvendo esses temas.
Constitui-se na formação de uma agenda política, contendo assuntos que merecem
tratamento pelo Estado. A forma de entrada dessas matérias na agenda política
pode se dar de várias maneiras: I) em decorrência do surgimento de crises (ex.:
seca, desastres ecológicos, comprometimento do fornecimento de energia elétrica
etc.); II) em razão do acontecimento de fatos, que vai aumentando a necessidade
de intervenção do Estado, para tratar da demanda (ex.: difícil acesso do
cidadão ao Judiciário); III) através da antecipação de problemas e conflitos
existentes no horizonte de assuntos públicos (ex.: reformas previdenciária e
tributária).
Na
fase de formulação de políticas públicas é que se dá, efetivamente, o início
das análises, estudos e debates dos pontos e fatores existentes acerca do
problema existente. Os aspectos sociais, econômicos, políticos e jurídicos são
aqui discutidos, a fim de se encontrar as melhores diretrizes e coordenadas,
para a resolução da questão enfrentada. Valores, princípios e leis são
examinados nessa fase. Igualdade, liberdade, legalidade, moralidade,
solidariedade e democracia são fatores que devem ser incorporados ao processo
de discussão.
A
tomada de decisões é o momento em que o responsável pela política pública faz a
escolha, dentre as opções que lhe foram apresentadas, para bem atingir o
objetivo público colimado.
O
processo decisório é o momento crítico do processo de política pública, pois o
governante tem de ter muita prudência e equilíbrio, para encontrar a solução
mais adequada para o problema proposto. Uma decisão bem tomada terá condições
de resolver o problema a ser enfrentado, ao passo que a decisão equivocadamente
adotada, além de não resolver a situação, pode contribuir para agravá-la.
A
implementação de políticas é a execução da política pública. Ocorre quando a
política já está contida necessariamente numa espécie normativa. A
implementação pode implicar na realização de subpolíticas, para se conseguir o
desdobramento da política-mãe. A execução da política envolverá ações
governamentais, com vistas a alcançar os fins e objetivos previamente traçados.
Por
fim, a avaliação de políticas públicas compreende a análise dos resultados da
política executada. Preocupa-se em saber se o programa da política pública
alcançou o objetivo pretendido. A avaliação de resultados tem grande
importância, pois serve para subsidiar o tomador de decisões a encontrar o
caminho mais adequado, quando diante de situação que guarda semelhança com
outra já previamente resolvida ou fracassada, ajudando-o a entender os motivos
do sucesso ou insucesso anteriores, evitando que o mal se repita, ou
aperfeiçoando o êxito alcançado.
Pode-se
ver, então, que a necessária participação da AGU no processo de política
pública deve ocorrer, preferencialmente, nas fases de "Formulação de
Políticas Públicas", ou de "Processo Decisório". Agindo em uma
dessas etapas, o membro da AGU terá perfeitas condições de analisar os caminhos
jurídicos, que a política ora debatida poderá tomar, a fim de se conseguir uma
implementação mais fácil e adequada para o plano que será executado. Fará o
exame da compatibilidade do programa político com a Constituição e demais
normas vigentes, bem como com os princípios e valores do Estado Democrático de
Direito. Dessa forma, a AGU terá condições de prever determinadas situações
jurídicas que poderiam comprometer o sucesso do plano em debate, indicando, por
conseguinte, os caminhos jurídicos mais seguros, para o governante ter maior
facilidade e mais opções de escolha na sua tomada de decisão, evitando-se,
assim, possíveis atritos sociais decorrentes da implantação da política pública
examinada.
Entretanto,
a atuação tardia da Instituição no projeto político - ou a sua ausência de
participação - pode vir a inviabilizar o plano estabelecido, tornando sem
efeito, por conseguinte, as ações que vierem a ser praticadas. Essa falta de
participação, ou atuação deficiente, da AGU na discussão da política pública
pode ocasionar, mais adiante, atraso, frustração de expectativas e prejuízos para
toda a sociedade, como aconteceu em planos econômicos pretéritos, planejados e
executados numa era em que, malgrado não houvesse AGU, a visão política era
míope, quando se falava em princípios e normas jurídicas.
A
participação intensa da AGU no processo de políticas públicas, portanto,
é providência de capital importância, para o sucesso da ação política a ser
implementada pelo Poder Executivo Federal. A ausência de atuação, ou a
integração tardia da AGU nas discussões, podem gerar danos à sociedade,
prejudicar metas traçadas e ocasionar sanções aos responsáveis pelo fiasco
político.
Notas
01.
Dispõe o art. 131.: "A Advocacia-Geral da União é a instituição que,
diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e
extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser
sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e
assessoramento jurídicos do Poder Executivo".
02.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 19ª
ed., São Paulo, Saraiva, 1992, pg. 191.
03.
PEDONE, Luiz. Formulação,
Implementação e Avaliação de Políticas Públicas. Brasília, Fundação Centro
de Formação do Servidor Público – FUNCEP, 1986.
Retirado de:
www.jus.com.br