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Tecnorrealismo, equilíbrio entre liberdade e
responsabilidade
22/6/2002 - 5:49 Omar Kaminski
Freqüentemente as discussões sobre a política do ciberespaço transformam-se
em uma "guerra" entre duas facções: de um lado estão os
"tecno-utopistas" que vêem o ciberespaço como uma nova, idílica
fronteira onde o governo é desnecessário e os preconceitos podem ser superados.
De outro, aqueles que temem que a tecnologia possa colocar em risco as
comunidades e a própria estrutura dos valores.
Em 12 de março de 1998, um grupo de 12 experts em Tecnologia da Informação
quis dar um basta a essa "guerra" — ou pelo menos negociar um cessar
fogo — por meio da exteriorização de um novo enfoque para a política da
tecnologia. Eram os auto-intitulados "tecnorrealistas", e sua
participação consistiu na formalização de um conjunto de princípios que
descrevem a tecnologia tanto trazendo modernos benefícios como riscos
inesperados. A tecnologia deve ser encarada, eles dizem, com cuidado e
ceticismo. Esses princípios são tão simples que alguns entendem como sendo
expressões do bom senso, outros os consideram ingênuos.
O assunto gira em torno de como a tecnologia pode afetar e está afetando
nossas vidas. E os tecnorrealistas esperam ajudar na manutenção da sociedade,
encorajando decisões políticas mais diligentes e que adotem uma perspectiva
mais adequada.
Conforme acredita Andrew Shapiro, tecnorrealista e membro do Berkman Center
for Internet and Society, "se existe uma palavra que resume tudo isso, é
equilíbrio". Equilíbrio entre a inovação e a tradição, individualismo e
comunidade, liberdade e responsabilidade.
O enunciado de princípios dos tecnorrealistas abrange diversos assuntos,
incluindo o direito autoral ("a Informação precisa ser protegida"),
educação ("modernizar as escolas não vai salvá-las"), e o controle
das microondas ("devemos exigir mais pelo uso da propriedade
pública").
Talvez o ponto mais controvertido é o que defende que o governo deve ter um
interesse legítimo para determinar regras para as redes de computadores. Idéia
que irrita alguns ativistas — incluindo um bom número de influentes e veteranos
usuários da Internet — que argúem que o ciberespaço deve ser utilizado apenas
como uma experimentação na política social do laissez-faire, ou livre
intervencionismo. "O ciberespaço não é formalmente uma jurisdição ou lugar
separado da Terra", argumentaram os tecnorrealistas. "É tolice dizer
que o povo não possui soberania sobre o que aqueles cidadãos errantes ou
corporações fraudulentas fazem online".
Mas o interesse maior é enriquecer o debate, e não tomar partido em
determinadas políticas. Porque a Internet e outras inovações tecnológicas são
tão recentes e complexas, dizem os tecnorrealistas, que se torna fácil que
qualquer discussão sobre o assunto acabe se tornando nebulosa pelo efeito do
medo e pela desinformação.
O Tecnorealismo é uma tentativa de se estimar as implicações políticas e
sociais da tecnologia, para que se possa ter mais controle sobre o futuro. Isso
envolve um exame crítico contínuo de como as tecnologias — comuns ou de ponta —
poderão ajudar ou prejudicar a luta por uma melhora na qualidade de vida e na
estrutura econômica, social e política.
E exige um pensamento crítico sobre o papel da tecnologia na evolução humana
e na vida diária, e dentro dessa perspectiva, a tendência da tecnologia como
transformação, enquanto importante e poderosa, e como ondas contínuas de
mudança através da história. Isso com a adoção de uma visão apaixonada e
otimista a respeito de certas tecnologias, e desdenhosa e cética a respeito de
outras. Como objetivos, nem coroar nem desmerecer a tecnologia, mas sim
entendê-la e aplicá-la de um modo mais consistente com os valores humanos
básicos.
Princípios do Tecnorrealismo
1. A tecnologia não é neutra
Uma concepção errônea e própria de nosso tempo é a de pensarmos que a
tecnologia é completamente livre de influências — isto porque é um artefato
inanimado, não se sobrepõe a um comportamento ou exige uma conduta. Na verdade,
a tecnologia possui tendências — sociais, políticas e econômicas, sejam elas
intencionais ou não. Todo recurso proporciona aos seus usuários uma maneira
particular de visualizar o mundo, e maneiras específicas de interação com os
demais. Isto é importante para que cada um de nós possa entender as tendências
de vários tipos de tecnologia e para que possamos seguir as que reflitam os
nossos valores e aspirações.
2. A Internet é revolucionária, mas não é utópica
A Net é uma ferramenta de comunicação extraordinária, que propicia uma gama
de novas oportunidades para pessoas, comunidades, negócios e governos. À medida
que o ciberespaço vai se tornando cada vez mais populoso, proporcionalmente irá
continuar refletindo os comportamentos da sociedade em toda sua complexidade e
como um todo. Assim como a vida permite situações esclarecedoras e
elucidativas, há também dimensões que permitem experiências perversas,
maliciosas ou particularmente ordinárias.
3. O Governo tem uma importante função na fronteira eletrônica
Contrariamente a algumas reivindicações, o ciberespaço não é um lugar ou
jurisdição formalmente separada da Terra. Enquanto os governantes devem
respeitar as regras e os costumes utilizados no ciberespaço, e não devem
reprimir este novo mundo com regulamentação ineficiente ou censura, é tolice
dizer que o povo não possui soberania sobre o que aquele cidadão errante ou
corporação fraudulenta pratica online. Como representante do povo e guardião
dos valores democráticos, o Estado tem o direito e a responsabilidade de
auxiliar a integração do ciberespaço com a sociedade convencional. Os padrões
de tecnologia e os assuntos envolvendo privacidade, por exemplo, são muito
importantes para serem confiados apenas ao mercado. Empresas competitivas de
software têm pouquíssimo interesse em preservar os padrões básicos essenciais
ao funcionamento de uma rede interativa. O mercado encoraja inovações, mas elas
não garantem necessariamente o interesse público.
4. Informação não é conhecimento
Em toda a nossa volta, a informação está se movendo rapidamente e
tornando-se mais barata, e os benefícios são evidentes. Isto significa que a
proliferação de dados é também um sério desafio, demandando novos meios de
disciplina e ceticismo humano. Não devemos confundir a situação de se obter ou
de se transmitir informações rapidamente com a de se converter essa informação
em conhecimento e sabedoria. Mesmo com nossos computadores tornando-se cada vez
mais avançados, não devemos utilizá-los como substitutos das nossas habilidades
cognitivas básicas de consciência, percepção, juízo e razão.
5. Informatizar as escolas não irá salvá-las.
O problema das escolas públicas — destinação duvidosa do capital, falta de
promoção social, salas de aulas lotadas, infra-estrutura precária — não tem
quase nada a ver com a tecnologia. Conseqüentemente, a tecnologia não irá
trazer uma revolução educacional. A arte de lecionar não pode ser replicada
pelos computadores, pela Internet ou por ensinamentos à distância. Estas
ferramentas podem, claro, aprimorar ainda mais uma experiência educacional que
já é de boa qualidade. Mas confiar nelas como sendo algum tipo de panacéia será
um ledo engano.
6. A informação quer ser protegida
É verdade que o ciberespaço e outros desenvolvimentos recentes estão
desafiando nossas leis de direitos autorais e estruturas, visando proteger a
propriedade intelectual. A resposta, entretanto, não é quebrar estátuas
preexistentes e princípios. Ao invés disso, devemos atualizar leis antigas e
interpretações, para que deste modo a informação possa receber rigorosamente a
mesma proteção que possuía no contexto das antigas mídias. O objetivo é o
mesmo: possibilitar aos autores o controle suficiente sobre seus trabalhos,
incentivando-os a criar, enquanto mantém o direito do público de fazer uso
justo dessa informação. Em nenhum dos contextos a informação "quer ser
livre". Ela precisa, sim, ser protegida.
7. O povo possui as transmissões de rádio e tv e deve beneficiar-se de seu
uso
O novo espectro digital possibilita aos emissores e transmissores o uso
corrupto e ineficiente de recursos públicos na área de tecnologia. Os cidadãos
devem se beneficiar obtendo proveito das freqüências públicas, e devem reservar
uma porção do espectro para uso educacional, cultural e público. Devemos exigir
mais pelo uso particular da propriedade pública.
8. Entender a tecnologia deve ser um componente vital para a cidadania
global
Num mundo dirigido e direcionado pelo fluxo de informações, as interfaces —
e o código por sobre elas — é que possibilitam às informações serem visíveis, e
estão se tornando uma força social muito poderosa. Compreender o seu poder e
suas limitações e até mesmo participar da criação de melhores ferramentas deve
ser uma porção importante do exercício de uma cidadania consciente. Estas
ferramentas afetam nossas vidas tanto quanto as leis, e devemos submetê-las a
uma crítica democrática semelhante.
Os preceitos basilares das altas tecnologias são muito importantes para
serem abandonados à mercê do mercado. Não importa o quão revolucionárias serão,
as comunidades geográficas e os estados-nação são significativos e a Internet
não deve ser o arauto de uma sociedade sem cidadania.
Copyrights ©1998 David
Shenk/Andrew L. Shapiro/Steven Johnson.
Omar Kaminski é advogado especializado em Direito da Informática e
responsável pelo site Internet Legal.
Retirado de: http://www.infoguerra.com.br