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Jonas Sidnei Santiago de Medeiros Lima*
Em diversas ocasiões, dependendo do tipo de objeto licitado pela Administração
Pública, ocorrem fatos inusitados, provocados pela ma-fé de algumas empresas
licitantes que apresentam propostas aparentemente mais vantajosas, mas que, na
realidade, acabam sendo mais onerosas para o ente público.
Esse desvirtuamento é bastante comum nas licitações que possuem fórmulas com
critérios de pontuação para cada parte ou item do objeto licitado e algum tipo
de média final.
Adote-se, por exemplo, o caso de uma licitação sob o regime de empreitada por
preço global para a seleção e contratação de empresa especializada na execução
de serviços de fornecimento de passagens aéreas (1º item) e locação de veículos
(2º item).
Na hipótese, o item de passagens aéreas tem peso quatro (4) e o item de locação
de veículos apenas peso um (1), mas ganha a licitação quem apresentar a
proposta que obtiver o resultado mais alto na média final calculada com base na
fórmula do edital. Mesmo sabendo que o órgão público compra mais passagens
aéreas (1º item) do que utiliza veículos locados (2º item), um licitante pode
ofertar um desconto mínimo no 1º item e, ao mesmo tempo, exagerar no percentual
do 2º item.
Assim, teoricamente, ele ganha a licitação, em razão da sua alta média final,
mesmo oferecendo uma vantagem mínima em relação ao serviço do qual o órgão
público mais precisa, e um desconto altíssimo para um serviço dificilmente
utilizado por aquele órgão. Percebe-se, pois, que vantagem alguma terá o órgão
público nessa contratação.
Configurada uma situação dessa natureza, impõe-se aos outros concorrentes
advertir à Administração sobre o caso, e surge também para esta um dever, até
de ofício - independente da provocação dos licitantes, no sentido de
providenciar a desclassificação daquela proposta danosa e antieconômica, por
contrariedade à finalidade legal da licitação, insculpida no artigo 3º da Lei
nº 8.666/93 (selecionar a proposta mais vantajosa).
A jurisprudência pátria vem tratando dessas situações, há algum tempo, a
exemplo do que se verifica no precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, "verbis":
"Ementa:
(...)
2. Deve ser prestigiada na licitação a proposta que oferece maior vantagem à
Administração, sopesados vários fatores e não apenas o de média de desconto
maior, porque isso atenta contra o bom embate.
3. Desconto de 42% nas passagens internacionais, quase nunca adquiridas, somado
com o de 4% nas nacionais, que são a grande demanda da Autarquia, para se
elevar a média aritmética simples, significa menosprezar regra editalícia de
ser "considerado vencedor aquele que, dentre as propostas julgadas
válidas, apresentar a mais vantajosa para o INSS" (subitem 6.2).
4. Apelação a que se nega provimento.
5. Sentença confirmada".
(AMS 94.01.30588-9 /DF - Relator JUIZ LINDOVAL MARQUES DE BRITO - Órgão
Julgador PRIMEIRA TURMA - Publicação DJ 01/03 /1999 P.38)
Esse julgado se coaduna com o texto da Lei nº 8.666/93 e com a doutrina
brasileira, no sentido de que é preciso não apenas seguir as fórmulas dos
editais, mas respeitar, acima de tudo, a finalidade da licitação, pois
"finalidade é o resultado que a Administração quer alcançar com a prática
do ato.....". (Di Petro, Maria Sylvia Zanella. in Direito Administrativo,
7ª ed., Ed. Atlas, 1996, São Paulo, pg. 173.
De fato, não faria sentido algum que a Administração Pública iniciasse
procedimentos licitatórios apenas para declarar ou reconhecer "vencedores
de fórmulas ou médias aritméticas". Para o agente público que conduz a
licitação não há outra alternativa que não seja a de respeitar a finalidade
legal da licitação, de seleção da proposta, efetivamente, mais vantajosa para o
órgão público.
Adite-se, ainda, que "o Estado tem o dever de realizar a melhor
contratação sob o ponto de vista da economicidade". "Isso significa
que a contratação comporta avaliação como modalidade de relação
custo-benefício. A economicidade é o resultado da comparação entre encargos
assumidos pelo Estado e direitos a ele atribuídos, em virtude da contratação
administrativa..... A economicidade exige que o Estado desembolse o mínimo e
obtenha o máximo e o melhor". (Justen Filho, Marçal. in Comentários à Lei
de Licitações e Contratos Administrativos, 8ª ed. Ed. Dialética, São Paulo,
2001, pg. 63).
Esse princípio insculpido na Ordem Constitucional no artigo 70, caput, já
estava presente na legislação brasileira desde o antigo Decreto-Lei nº 200/67
(art. 14) (Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. in Tomada de Contas Especial:
processo e procedimento nos tribunais de contas e na administração pública. 2ª
ed. Ed. Brasília Jurídica, Brasília, 1998, pg. 186). Surge até mesmo a
possibilidade de utilização da ação civil pública, nos termos da Lei nº
7.347/85, para fins de responsabilidade no tocante aos atos que venham a causar
danos ao erário por inobservância desse tipo de cautela, ou, ainda, da
instauração de Tomada de Contas Especial, com fundamento no artigo 8º, caput,
da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 8.443/92), pela eventual
prática de ato antieconômico de que resulte dano ao erário.
De outro lado, a burla das fórmulas nas licitações também deve ser rejeitada
sob pena de infringência a outro princípio de direito administrativo, qual
seja, o da razoabilidade, segundo o qual a Administração deve "obedecer a
critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal
de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga
da competência exercida" (Bandeira de Mello, Celso Antônio . in Curso de
Direito Administrativo, 11ª Ed. Malheiros Editores, São Paulo, 1999, Pg. 66).
E, nesse caso, cabe perguntar: seria razoável à Administração, sabendo que a
maior demanda no contrato ocorreria sempre por passagens aéreas, aceitar a
proposta de uma empresa licitante que colocou (de má-fé) desconto irrisório
neste item, não lhe proporcionando qualquer vantagem, e que, absurdamente,
pretendia apenas manipular o resultado da licitação, oferecendo estratosférico
e afrontoso percentual no item de aluguel de veículos, q u! e possui ínfima
demanda naquele órgão)? É evidente que não.
Decidir em sentido contrário seria desconsiderar, também, o dever de eficiência
do agente público, em relação ao qual se exige "resultados positivos para
o serviço público". (Lopes Meirelles, Hely Lopes. in Direito
Administrativo Brasileiro, 18ª ed. Malheiros Editores, São Paulo, 1993, pg.
90).
Por fim, não cabe alegar a prevalência do princípio da vinculação ao edital,
posto que esse princípio "não é absoluto" se for estrapolada a Lei de
Regência das Licitações (STJ - MS 5418/DF - Rel. Min. Demócrito Reinaldo - 1ª
Seção - DJ: 01.06.1998). E aqui cabe lembrar que a Lei nº 8.666/93 não prevê
que as fórmulas com médias artiméticas inseridas nos editais constituem fins em
si mesmas, mas apenas mecanismos para se conseguir apurar a melhor entre as
propostas apresentadas.
Dessa forma, conclui-se que nem sempre vence uma licitação quem consegue obter
a melhor pontuação em uma fórmula do edital, mas sim quem apresenta a proposta,
efetivamente, mais vantajosa para a Administração Pública.
Fonte: Escritório On-Line
Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2003.
Jonas Sidnei Santiago de Medeiros Lima é advogado em Brasília, assessor na
Procuradoria-Geral da República, especializado em Direito Administrativo e
editor do site jurídico http://www.escritorioonline.com/
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