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Tributação na internet:
a questão da comercialização dos softwares e dos provedores de
acesso
Juvenal Vieira
Terceiro
advogado em São Paulo, pós–graduando em
Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU), e em Direito
Empresarial pela Universidade Mackenzie
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO - 1. FENÔMENO INTERNET. 1.1 Conceito e surgimento -2. OS PROBLEMAS JURÍDICOS E AS TENTATIVAS DE REGULAMENTAÇÃO DA REDE – 3. A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA NA INTERNET - 3.1 Os tributos incidentes. 3.1.1 O imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS). 3.1.2 O imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) - 3.2 A questão dos softwares. 3.2.1 As formas de comercialização via internet. 3.2.2 Os softwares "de prateleira" e "por encomenda". 3.2.3 Software "virtual" - 3.3 Os provedores de acesso à internet – CONCLUSÃO – BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
A
sociedade e os seus costumes têm sido, ao longo dos tempos, a grande fonte de
inspiração do Direito, pois é da evolução de seus costumes, bem como, de seu
desenvolvimento intelectual, o qual irá trazer avanços no campo
científico-tecnológico, que ele irá se desenvolver na tentativa de regular as
novas situações.
Assim
como para o direito civil a biomedicina trouxe avanços nunca antes imaginados,
fazendo com que situações ainda não previstas no mundo jurídico surgissem, para
o direito tributário (assim como para outros ramos do direito, inclusive o
civil) a informática e o desenvolvimento espantoso da internet tiveram este
mesmo efeito.
Atualmente
os operadores do direito, dos seus mais variados ramos, têm tido dificuldades
para enquadrar essas novas questões, que surgem ao mesmo passo em que se
desenvolvem as ciências tecnológicas.
Na
tentativa de ajudar a esclarecer alguns dos problemas trazidos pelo
desenvolvimento da informativa e pelo surgimento da internet, que têm suscitado
polêmicas discussões na esfera tributária, desenvolveu-se o presente estudo.
O
surgimento da internet e o seu desenvolvimento serão demonstrados, assim como
serão abordados alguns problemas surgidos com ela e com a criação do software,
que como se verá, é fruto de uma elaboração intelectual, constituindo um
programa com sistemas de funções múltiplas que permitem a sua utilização
através da distribuição de uma variedade de informações, que podem estar
contidas ou não em um suporte físico.
Tratar-se-á,
principalmente, das questões tributárias trazidas por essas inovações, mais
especificamente, dos problemas envolvendo a incidência de impostos sobre os
provedores de acesso a internet e sobre a comercialização dos softwares.
Pretende-se
com isso, demonstrar alguns entendimentos existentes sobre o assunto, bem como,
se posicionar sobre qual o imposto que irá incidir sobre tais atividades, se é
que irão incidir, tendo em vista possibilitar aos demais juristas um melhor
entendimento acerca do tema.
1 – O FENÔMENO INTERNET
A
sociedade tem passado por diversas transformações ao longo dos tempos,
principalmente em face dos avanços tecnológicos e científicos.
A
internet surge neste contexto, como um grande fenômeno que revolucionou os
meios, não só de informações, entretenimentos, entre outros, como também os de
comércio, encurtando as distâncias e eliminando as fronteiras nacionais existentes.
O
que se deve entender com isso, é que todas essas mudanças, em face da
velocidade com que ocorrem, quase sempre demandam um período de adaptações para
que possam fazer parte do dia a dia das pessoas.
No
mundo jurídico, ocorre da mesma forma, uma vez que, essas nomenclaturas e
figuras novas somente irão a ele se adequar, através da realização de um estudo
aprofundado por parte dos operadores do direito, sempre tendo em vista os
anseios da sociedade.
Portanto,
convém primeiramente, entender o que é a internet e como surgiu, para que
depois se possa tecer algumas considerações acerca do tema objeto do presente
estudo.
1.1-
Conceito e surgimento.
A
internet ou WEB (World Wide Web –WWW) representa um conjunto de conexões
de redes de computadores, ou ainda, um conjunto de meios tecnológicos
utilizados para o acesso, distribuição e propagação de informações em redes
interligadas de computadores.
Ela
surgiu nos Estados Unidos por volta de 1968, tendo suas bases calcadas em
estudos, realizados pelo departamento de defesa do governo americano, mais
precisamente por uma de suas agências federais, a ARPA (Advanced Research
Projects Agency), onde se buscava interagir pessoas e máquinas (computadores),
no sentido de desenvolver a capacidade humana de pensar, dinamizando a sua
forma de se comunicar e trocar informações.
Esses
estudos foram baseados na teoria de J. C. R. Lickider, responsável pelo
departamento de ciências do comportamento da ARPA, e ela consistia no
entendimento de que, em se possibilitando uma transferência de dados e
informações em escala macro-humana, este intercâmbio de idéias poderia originar
uma unidade de informações nunca antes alcançada.
No
inicio a "Rede Mundial" era utilizada apenas como instrumento da
comunidade científica e do departamento de defesa americano para obter
informações através de pesquisas nela realizadas, com a finalidade de preparar
estratégias de defesa em caso de ataques ou bombardeios.
No
entanto, a internet se desenvolveu e se popularizou, tornando-se hoje uma
ferramenta fundamental no dia a dia tanto de empresas, como de pessoas comuns
do mundo inteiro, que a utilizam para os mais variados objetivos.
O
funcionamento da internet se dá, basicamente, pela transferência de
informações, através de uma linguagem comum ou protocolo, que possibilita aos
usuários individuais interagir, com qualquer outra rede ou usuário individual
que seja também parte do sistema.
Com
isto, se quer dizer, que na Internet várias barreiras foram rompidas por um
simples motivo, todos falam a mesma linguagem, qual seja, o protocolo IP.
Tudo
aquilo que é transmitido pela internet é transformado, em seu ponto de origem,
em "pacotes" de informações, todos devidamente identificáveis pelo
seu próprio endereço e contendo instruções de destino. Estes pacotes são
enviados através de redes interligadas, para serem remontados no ponto de destino.
O
usuário para ingressar na rede e poder usufruir de toda a gama de serviços que
ela oferece, necessita ter um computador, um programa denominado de
"browser" e, geralmente, uma linha telefônica (pois hoje já existem
meios que dispensam o uso da linha convencional). Além disso, são necessários
os chamados provedores de acesso (que fornecem os recursos técnicos e
materiais), que efetivamente concretizam a entrada dos usuários na "Grande
Rede".
Como
se pode perceber, são muitas as inovações trazidas pela internet e por tudo que
a cerca. Todo esse avanço, no entanto, trouxe os mais variados problemas para o
mundo jurídico.
2 – OS PROBLEMAS JURÍDICOS E AS
TENTATIVAS DE REGULAMENTAÇÃO DA REDE
Cumpre
registrar-se, antes de qualquer comentário, que é preciso ter a consciência de
que todos esses problemas, os quais serão adiante demonstrados, devem ser
considerados como apenas uma amostra do que ainda esta por vir. Isto porque, o
atual estágio de desenvolvimento da internet é tido como rudimentar por alguns
especialistas, isto, levando-se em consideração as possibilidades de sua
utilização no futuro.
A
internet fez com que alguns conceitos jurídicos fossem revistos, principalmente
os conceitos de distâncias e fronteiras, vez que, ela rompeu as barreiras mais
tradicionais dos diversos espaços jurisdicionáveis. Além disso, com as suas
mais variadas formas de utilização, como por exemplo, a transferência de
imagens e sons, correio eletrônico, home-banking, os sites com
diversas formas de prestação de serviços e o comércio eletrônico, promoveu uma
certa insegurança jurídica no meio social.
Na
tentativa de explicar essas transformações provocadas pelo surgimento da internet,
o advogado Eury Pereira Luna Filho (1) diz que:
O
que se tem na internet – ou aquilo a que se assiste estar ocorrendo ali – é a
conversão de uma economia baseada em trocas de mercadorias e serviços
palpáveis, tangíveis – para usar o termo mais especialístico -, para outra
economia em que se dá a conversão desses bens, serviços e valores para a sua
expressão virtual, eletrônica, projetando-se – como já dito – do reino da
matéria, para o reino dos inputs e bits eletrônicos.
Dentro
do campo da tributação, todas essas mudanças ocorridas, também trouxeram
diversas questões de ordem prática e que devem ser abordadas pelos estudiosos
do direito para que se preserve a confiabilidade a qual deve sempre existir nas
relações jurídicas entre fisco e contribuinte.
Neste
contexto, como saber, a que tributo estará sujeito o site de hospedagem?
Se o provedor de espaço (que viabiliza espaço para armazenamento de conteúdo)
loca bens? Se a imunidade constitucional alcança o chamado "livro
eletrônico"? Se o provedor de acesso deve ser ou não tributado? Qual a
definição de estabelecimento comercial para efeitos de tributação? A que
tributação estará sujeito o software? Além de outras questões que estão
dificultando ainda mais a já conturbada relação entre o estado e o sujeito
passivo da relação tributária.
Algumas
entidades internacionais reconhecidas e tradicionais, na tentativa de minimizar
esta insegurança, bem como, de evitar que o desenvolvimento da internet fosse
por ela prejudicado, buscaram regulamentar a "Rede Mundial", no
sentido, de estabelecer direcionamentos a serem seguidos por todos os países.
No
presente estudo, em virtude da quantidade de problemas enfrentados na internet,
buscar-se-á delimitar a análise de dois problemas, quais sejam, os ligados a
tributação dos provedores de acesso e do chamado e-commerce, no que diz
respeito a comercialização dos softwares.
Sendo
assim, em se tratando de comércio eletrônico, o principal documento para sua
regulamentação é a Lei modelo de UNCITRAL (United Nations Commission on
International Trade LawI, que traduzindo significa, Comissão das Nações
Unidas para o Direito Comercial Internacional) para o comércio eletrônico com
guia para aplicação, elaborado em 1996, tendo sido atualizado em 1998 (este
modelo pode ser encontrado no endereço: http://www.uncitral.org).
Este
documento, assim como outros que existem com o mesmo objetivo (como exemplo
tem-se a "Cartilha sobre Comércio Eletrônico e Propriedade
Intelectual" publicada pela WIPO/OMPI - Organização Mundial da propriedade
Intelectual - em 2000), tratam principalmente de problemas que envolvem as
relações comerciais, tais como, os que se referem a segurança das redes,
propaganda nela veiculada, privacidade e dados pessoais, contratos e pagamentos
eletrônicos, bem como, de tributação e política de comércio eletrônico de uma
forma geral.
No
Brasil foi criado em 1995 pela portaria interministerial nº147, do Ministério
das Comunicações e do Ministério de Ciência e Tecnologia, o Comitê Gestor de
Internet, que no entendimento do professor Tarcisio Queiroz Cerqueira (2),
ainda necessita de uma maior expressão e poder de regulamentação, pois se
limita a normatização técnica e à administração da rede. No entanto, ele
considera como positivo, o fornecimento, por parte do Comitê, de subsídios
quanto a temas de relevância jurídico-legal, tendo em vista, os problemas envolvendo
matérias jurídicas e técnicas em se tratando da Internet.
O
Comitê Gestor de Internet é quem fornece, entre outros documentos, as
"Recomendações para o Desenvolvimento e Operação da Internet no
Brasil", que tratam de forma bem abrangente dos assuntos envolvendo a
normatização técnica e administrativa da rede, dentre eles destacando-se:
-
a implementação de um Código de Ética a ser seguido na Internet Brasil;
-
a necessidade de se adotar padrões internacionais de DNS-Domain Name
System por todas as redes conectadas à Internet Brasil;
-
o fornecimento, pelos provedores de acesso, além dos serviços usuais utilizados
para conexão, de serviços de informações necessários à proteção mínima dos
usuários conectados, como, por exemplo, filtros de portas que são utilizadas
por serviços reconhecidamente nocivos, conforme padrões estabelecidos pelos
órgãos oficiais de suporte à Internet Brasil: o NBSO-NIC Br Security
Office e o CERT – Computer Emergency Response Team, com sede na Suíça,
os quais trabalham em conjunto com a Polícia Federal e com organizações
internacionais de combate a crimes cometidos na Rede;
-
o estabelecimento, pelos provedores de acesso, de meios que tornem possível a
identificação de práticas ilícitas ocorridas através da rede, evitando que
contas de usuários sejam utilizadas por terceiros ou sejam abertas contas com
dados falsos e ainda, que o cadastramento e recadastramento das contas dos
usuários sejam feitos de uma forma em que se possa ter dados cadastrais
completos e que permitam a obtenção da identificação da pessoa natural ou
jurídica que utiliza a Internet;
-
a manutenção/registro/arquivamento de dados de conexão: assim como os serviços
de telefonia e transmissão de dados, os provedores devem passar a manter, por
um prazo determinado, os dados de conexões e chamadas realizadas por seus
clientes e respectivas máquinas, para fins judiciais (identificação do endereço
de IP, data e hora de início e término da conexão e origem da chamada);
-
o fornecimento de extrato completo pelos provedores de acesso - a exemplo dos
serviços de telefonia, bancário e de cartões de crédito – de forma que os
usuários de Internet possam se sentir mais seguros de poder verificar
utilização indevida de suas contas;
-
o fornecimento de manuais de orientação para que os usuários possam navegar na
rede com mais facilidade e segurança, orientados sob formas de controle de
conteúdo.
O
que se observa com a analise dos assuntos abordados, é que o objetivo principal
dessas recomendações é a adoção de meios de acesso (telefonia, cabos e outras
tecnologias) que permitam identificar, de forma inequívoca, a origem da
chamada, para que os provedores de acesso possam rastrear a origem de ataques à
segurança da rede, os seus serviços e os seus usuários. Com isso, tem-se o
objetivo de agir de forma eficaz e preventiva no combate de quaisquer atos
ilícitos, garantindo desse modo, a idoneidade de qualquer comunicação.
Pôde-se
perceber com tudo o que se viu, que são vários os problemas que surgiram
juntamente com a internet, e que tem havido por parte dos países, uma
tentativa, ainda que de forma tímida, de regulamentar essas novas situações jurídicas.
3 – A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA NA INTERNET
Passar-se-á
a estudar agora, o tratamento que vem sendo dado, em face da legislação
tributária em vigor, a dois problemas de grande importância para o ordenamento
tributário, relativos a tributação dos softwares e dos provedores de
acesso.
3.1-
Os tributos incidentes
A
comercialização de bens através da internet, pelas diversas situações jurídicas
que faz surgir, pode sujeitar a incidência de vários impostos, tais como, o
imposto sobre importação e exportação, a renda auferida, os produtos
industrializados, a circulação de mercadorias e serviços, bem como, o imposto
sobre serviços.
Para
efeitos do presente trabalho, dar-se-á uma pequena noção sobre o ICMS (Imposto
sobre a circulação de mercadorias e serviço) e o ISS (Imposto sobre serviços de
qualquer natureza) que são os impostos que mais geram debates doutrinários a
respeito da sua incidência ou não, tanto sobre a comercialização de softwares,
como sobre o serviço prestado pelos provedores de internet.
3.1.1-
O imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS)
O
antigo ICM da Constituição anterior foi ampliado pela Constituição de 1988,
passando a incidir também, sobre as prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e sobre os serviços de comunicação.
O
chamado ICMS é um imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal,
tendo legitimidade para cobrá-lo o Estado onde se dá a ocorrência do fato gerador,
ou em caso de importação, o Estado em que se localize o estabelecimento do
importador.
Sua
função é predominantemente fiscal, sendo uma importante fonte de receita para
os Estados. No entanto, nada impede que seja utilizado com função extrafiscal,
podendo ser seletivo em razão da essencialidade das mercadorias e serviços
(art. 155, § 2º, inciso III da Constituição Federal de 1988).
As
hipóteses em que incidirá o referido imposto estão definidas no artigo 2º da
Lei Complementar nº 87/96 e as suas alíquotas serão fixadas pelos Estados,
cabendo ao Senado Federal, através de resolução, estabelecer as alíquotas
aplicáveis às operações e prestações interestaduais e de exportação, sendo ainda,
facultado a ele fixar alíquotas máximas e mínimas nas operações internas.
O
contribuinte do imposto, nos termos do que dispõe o artigo 4º da referida Lei
Complementar, é qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, que realize, com
habitualidade ou em volume que demonstre o intuito comercial, operações que
envolvam circulação de mercadorias ou prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e ainda, serviços de comunicação, mesmo que as
operações e as prestações se iniciem no exterior. Podem ainda ser contribuintes
do ICMS, o responsável e o substituto tributário, nos termos estabelecidos em
lei.
A
sua base de cálculo, via de regra, corresponde ao valor da operação que envolve
a circulação de mercadorias, ou ainda, ao preço do serviço. Na ausência de
indicação desses valores, a base de cálculo será, com relação à circulação de
mercadoria, o seu preço corrente ou de seu similar no mercado atacadista no
local da operação ou na região; e com relação ao serviço, o seu valor corrente
no local da prestação.
O
ICMS tem o seu lançamento realizado nos termos do artigo 150 do CTN, ou seja,
se dá por homologação, uma vez que, os contribuintes o recolhem a cada mês, com
base nos seus cálculos e sem que estes ainda nem tenham sido examinados pela
autoridade administrativa. Somente após o pagamento é que a administração irá
ou não homologar (de forma expressa ou tácita) a apuração do valor do tributo
realizada pelo contribuinte.
A
ele é aplicado o princípio constitucional da não cumulatividade, disposto no
artigo 155, § 2º, inciso I da Carta Magna, significando isto dizer, que o
imposto devido em cada etapa do ciclo econômico, deve obrigatoriamente ser
abatido na etapa seguinte, de modo que o valor efetivamente recolhido na venda
final de um produto, seja exatamente o valor da alíquota prevista sobre o seu
valor final.
Esse
princípio não pode sofrer nenhuma limitação que não seja a já estabelecida pela
própria Constituição Federal no item II do § 2º do artigo 155, relativa aos
casos de não-incidência e isenção.
Para
os ilustres Marco Aurélio Greco e Anna Paola Zonari de Lorenzo (3)
"O cerne da não-cumulatividade está no direito de compensação (como um
direito pleno, sem restrições) que o contribuinte tem de deduzir em determinado
período, do ICMS devido pelas saídas, o valor do ICMS pago pelas entradas.".
Caso
alguma norma seja criada tendo em vista a restrição da compensação de créditos
do ICMS fora das exceções previstas no texto constitucional, pode qualquer
contribuinte prejudicado, via controle difuso, argüir a inconstitucionalidade
dessa norma, para que o Poder Judiciário faça valer o princípio da
não-cumulatividade, e conseqüentemente, o direito de compensação do
contribuinte.
3.1.2-
O imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN)
O
imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) é da competência do
município e está disposto no artigo 156, inciso III, que estabelece:
Art.156.
Compete aos Municípios instituir imposto sobre:
I-(...);
II-(...);
III - serviços
de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei
complementar;
Esse
tributo tem uma função fiscal bastante relevante, sendo importante fonte de
receita tributária dos Municípios, que muitas vezes deixam de arrecadá-lo por
falta de estrutura administrativa.
O
seu fato gerador compreende a prestação dos serviços de qualquer natureza,
constantes na lista anexada ao Decreto-Lei nº 406/68 e que não estejam na
esfera de competência tributária dos Estados, realizados por empresa ou
profissional autônomo, independentemente de ter ou não estabelecimento fixo (o
STF tem entendido que o estabelecimento é irrelevante para fixação do local da
prestação do serviço, sendo necessário para tal fixação considerar o local em
que efetivamente se realizou o serviço).
A
citada lista de serviços foi inclusive objeto de discussões a respeito de ser
ela exemplificativa (o que poderia tornar bem abrangente a hipótese de
incidência do ISS) ou taxativa (que restringiria o fato gerador às hipóteses
constantes na lista de serviços estabelecida pela Lei Complementar).
Sobre
o tema manifestou-se o STF entendendo ser a lista taxativa, no entanto,
possibilitou sua aplicação analógica o que, com o devido respeito à decisão,
não poderia ter ocorrido. Isto porque, não se pode, por analogia, aumentar o
rol de serviços descritos na lista, por ter ela natureza de norma definidora da
hipótese de incidência do tributo o que acabaria por resultar em exigência de
tributo não previsto em lei (art. 108, § 1º).
Com
isso pode-se entender também, que os Municípios podem, através de lei
ordinária, descrever o fato gerador do ISS, devendo, no entanto, esta
competência ser exercida tendo como parâmetro (limite) a lista de serviços
definida pela lei Complementar nº 56/87 e que foi alterada pela Lei
complementar nº 100/99.
O
serviço deve ser entendido, para efeito do imposto em estudo, como uma
obrigação de fazer, e que implica em esforço humano para a sua satisfação.
O
contribuinte deste imposto é a empresa ou o trabalhador autônomo que presta serviço
tributável ou ainda o responsável tributário, figura esta instituída por alguns
municípios com amparo no artigo 128 do CTN.
O
lançamento via de regra, e feito por homologação (art. 150 do CTN), no entanto,
como ocorre com qualquer outro tributo, pode ser lançado de ofício pela
autoridade administrativa.
A
alíquota do ISS é fixada pelos Municípios, podendo a União, através de Lei
Complementar, estabelecer alíquotas máximas (art.156, § 3º, inc. I da CF). Com
esta finalidade foi criada a Lei Complementar nº 100/99 que fixou a alíquota
máxima desse imposto em 5% (cinco por cento).
Falar
ou não de uma base de cálculo irá depender do tipo do ISS, ou melhor, do tipo
de contribuinte.
O
ISS é considerado do tipo direito quando incide na prestação do serviço
realizada pessoalmente pelo próprio contribuinte do imposto. Neste caso, no
entendimento do jurista Hugo de Brito Machado (4), é impróprio se
falar em alíquota e base de cálculo simplesmente por não haver o que calcular,
vez que, o imposto é fixo, sendo definido de acordo com a natureza do serviço
prestado ou de outros fatores a ele pertinentes e não em função do valor
recebido pelo serviço.
Quando
se fala em ISS do tipo indireto deve-se entender como sendo aquele que incide
sobre a prestação de serviços por empresas, e que tem como base de calculo o
faturamento desta empresa, incluindo-se neste, todo gasto decorrente de
atividade desenvolvida diretamente na área de prestação de serviços, perfeitamente
caracterizado e identificado, mas que não tem condições de ser apropriado
quantitativamente a uma fase ou atividade específica do serviço.
Pode-se
entender, desta forma, que dentro do faturamento, sobre o qual incide o ISSQN,
não consta apenas o esforço humano (prestação do serviço), também estão
inclusos na base de cálculo os gastos desprendidos na realização de determinado
serviço.
Com
relação a restituição do ISS o princípio geral contido na Constituição é da
plena restituição, ou seja, verificado o erro de direito ou erro de fato, nasce
de imediato a pretensão à devolução, pois se dá por caracterizada a ilegalidade
na cobrança efetuada pelo Fisco, tendo o legislador constitucional, por este
motivo, estabelecido a imediata e preferencial restituição.
No
entanto verifica-se que o artigo 166 do CTN representa uma exceção a esta
regra, determinando que:
Art. 166. A
restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo
encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido
encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este
expressamente autorizado a recebê-la.
Com
o devido respeito à posição contraria, sendo esta no sentido de que mesmo
havendo transferência dos encargos, não se aplica o artigo supramencionado,
propõe-se aqui o entendimento de que, como exceção, entenda-se, somente nos
casos em que ocorrer a transferência do encargo referente ao ISS (comprovado pelo
perito), e que se pode aplicar a regra constante no artigo 166 do CTN.
Este
tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao dispor na Súmula nº 546
que: "Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido
por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto
o quantum respectivo".
3.2-
A questão dos softwares
De
acordo com o artigo 1º da Lei nº 9.609/98 o software é:
Art.
1. A expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou
codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego
necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos,
instrumentos ou equipamentos periféricos baseados em técnicas digital ou
análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.
Observada
a definição, pode-se dizer que o software representa uma criação
intelectual de um programa que, no entanto, tal qual um livro ou uma partitura,
necessita de um suporte físico (disquete ou Compact disc) para a
distribuição das informações nele contidas.
Esse
conceito abrange a definição, de uma forma geral, não só do chamado "software
de prateleira" como também do "software por encomenda".
Todavia, não se amolda a este conceito o "software virtual",
uma vez não ter este, qualquer suporte físico, ou seja, não ter qualquer
exteriorização.
Com
isso, pode-se perceber, que para o estudo da tributação do software,
este deve ser analisado em suas três formas, quais sejam, o software
tido como "de prateleira", o tido como "por encomenda" e o
chamado "software virtual" (no sentido de que, inexistindo
suporte físico, este não se torna materialmente perceptível).
3.2.1-
As formas de comercialização via internet
Antes
de tratar do software analisando a ocorrência ou não da incidência
tributária em cada uma de suas três formas, deve-se estabelecer a distinção
entre o comércio eletrônico que utiliza a internet apenas como um meio, havendo
a entrega física da mercadoria posteriormente ao consumidor, e o comércio
eletrônico que se realiza de forma digital, havendo a transferência
digitalizada do produto ao consumidor, uma vez que, o software, se
considerado como mercadoria, pode ser negociado tanto de uma como de outra
forma.
No
primeiro exemplo, as compras de mercadorias via Internet se desenvolvem através
do acesso pelo comprador ao site do vendedor, onde o primeiro faz o
pedido, acorda sobre as condições e forma de pagamento, e, por último, recebe o
produto comprado em sua residência.
Neste
caso, não importa, para efeitos de tributação, que o comprador esteja em Estado
do país diverso de onde esteja o vendedor, pois o pedido de compra formulado
somente utiliza como meio a internet, da mesma forma que poderia utilizar o
telefone, o fax ou o correio. Não importa o meio utilizado porque o fato
gerador do ICMS não se perfaz com nenhuma dessas operações e sim com a
circulação das mercadorias oriundas das mesmas.
Isto
significa dizer, que o fato gerador do ICMS somente ocorre no momento da
remessa, por parte do vendedor, da mercadoria, ou seja, e a saída da mercadoria
do estabelecimento do vendedor que representa a materialização da hipótese de
incidência descrita no artigo 1º, inciso I do Decreto-lei n.º 406/68:
Art.
1o O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias tem como
fato gerador:
I
– a saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor;
Sendo
assim, o ICMS será devido quando da saída da mercadoria do estabelecimento do
comerciante e pago ao Estado onde se encontrar este estabelecimento, seja ele
matriz ou filial.
Como
se pode observar, nas compras em que a internet é utilizada apenas como meio,
não há qualquer dificuldade em se apontar qual seja o estabelecimento do
contribuinte (dificuldade esta que como se verá mais adiante, é encontrada na
"venda digital"), pois com a realização da operação que transfere a
propriedade da mercadoria, esta irá sair (circular), seja de um armazém ou de
um deposito do vendedor, para ser entregue ao comprador.
No presente caso, a tributação não ocorre
efetivamente na internet e sim em face de um contrato de compra e venda
celebrado pela internet e que levou à circulação de uma mercadoria, uma vez
que, conforme dito anteriormente, na operação de compra e venda realizada, não
se praticou nenhum ato que incorresse na hipótese de incidência de qualquer
imposto, a não ser o pago pelo impulso telefônico que também ocorreria se
efetivado por fax ou pelo próprio telefone, sobre o qual incide o ICMS, em face
do serviço de comunicação prestado.
Deve-se
ressaltar, para fins práticos, que existem decisões do Supremo Tribunal Federal
no sentido da não incidência do ICMS na importação de produtos, quando esta for
feita por pessoa física ou por empresa prestadora de serviços, incluindo-se
aqui também a que utilizou como meio a internet. Como exemplo, tem-se o voto o
Ministro Ilmar Galvão (5), que justificou a sua decisão dando as
seguintes elucidações:
Recurso
extraordinário. Constitucional. Tributário. Pessoa física. Importação de bem.
Exigência de pagamento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.
Impossibilidade.
1. A incidência
do ICMS na importação de mercadoria tem fato gerador operação de natureza
mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem
importado por pessoa física.
2. Princípio da
não-cumulatividade do ICMS. Pessoa física. Importação de bem. Impossibilidade
de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas
anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Não sendo
comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que
envolvam a circulação de mercadoria.
Recurso
extraordinário não conhecido." (grifos no original)
Na
prestação de serviços utilizando como meio a internet (como exemplo tem-se a
prestação de um serviço de consultoria realizado através de e-mail),
assim como na compra e venda, não existe qualquer dificuldade em relação a
tributação, uma vez que, o serviço será tributado pelo ISS, desde que esteja
incluso na lista de serviços tributáveis pelo referido imposto (o serviço de
consultoria esta contido no item 22 da lista de serviços regulada pela Lei
Complementar nº 56 de 15.12.1987) e no Município onde se localizar o escritório
onde o serviço for prestado.
No
entanto, na hipótese de comercialização de produtos ou de prestação de serviços
por via exclusivamente digital (caso se considere que existe a prestação de
serviço exclusivamente pela via digital), vários problemas surgem
principalmente no que diz respeito aos conceitos tradicionais de mercadorias,
de serviços e de estabelecimento comercial. Isto se dá, pois diferentemente do
que ocorre na compra e venda ou na prestação de serviço que utilizam a internet
apenas como meio (nestes casos as operações apesar de se realizarem pela
internet acabam por se exteriorizar), nas operações realizadas digitalmente,
estas começam, se desenvolvem e terminam nos meios eletrônicos.
Este
assunto será abordado de uma forma mais detalhada quando se for estudar o
tratamento a ser dado ao chamado "software virtual".
3.2.2-
Os softwares "de prateleira" e "por encomenda"
Este
assunto, em virtude de sua complexidade, atualidade e importância, tem sido
tema de saudáveis debates no meio jurídico. Em razão disso, inúmeras correntes
doutrinárias surgiram buscando verificar se existe a possibilidade de incidência
tributária com relação a comercialização desses softwares, bem como, em
havendo essa possibilidade, qual seria o imposto que caberia a eles.
Na
tentativa de solucionar a questão a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal,
acolheu, à unanimidade, o voto proferido pelo Relator, o Ministro Sepúlveda
Pertence (6), que decidiu no seguinte sentido:
(...)
III. Programa
de computador ("software"): tratamento tributário: distinção
necessária.
Não
tendo por objeto uma mercadoria, mas uma bem incorpóreo, sobre as operações de
"licenciamento ou cessão do direito de uso de programa de computador"
- matéria exclusiva da lide -, efetivamente não podem os Estados instituir
ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja
também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de
cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e
comercializados no varejo - como a do chamado "software de
prateleira" (off the shelf) - os quais, materializando o corpus
mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias
postas no comércio.
O
que ficou estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, foi que nas operações
envolvendo a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador
produzidos em série e comercializados no varejo, ou seja, quando envolverem o software
"de prateleira", estas mercadorias devem ser consideradas como
postas no comércio para aquisição de qualquer um indiscriminadamente, ficando
sujeitas, por conseguinte, à incidência do ICMS, de competência Estadual.
Quando
se tratar, no entanto, de operação mercantil envolvendo o software,
tendo este como objetivo a realização de um serviço para um usuário em especial
("por encomenda"), estaremos diante da hipótese de incidência do ISS
(Imposto sobre serviços de qualquer natureza), que, como visto anteriormente, é
um tributo de competência municipal.
Existe
uma parte dos juristas que corrobora com este entendimento do Supremo, se
colocando contrários ao argumento utilizado por algumas empresas, e que foi
inclusive acolhido por algumas Turmas do Superior Tribunal de Justiça, de que,
personalizado ou não ("por encomenda" ou "de prateleira"),
o software não constitui uma mercadoria e sim um bem intelectual
intangível e incorpóreo distinto de seu suporte físico, não estando, por esta
razão, sujeito à cobrança do ICMS, mas sim do ISS, imposto bem menos oneroso.
Entendem os juristas partidários da posição do Supremo, como por exemplo,
Fabiano Pereira dos Santos (7), Procurador Geral do Município do Rio
de Janeiro, que o fundamental na identificação de um produto como mercadoria
não é se ele advém ou não de um processo de elaboração intelectual, e sim se
essa mercadoria foi adquirida com a finalidade de ser vendida, e em decorrência
disso, ele afirma que:
Não resta
dúvida, deste modo, de que o software destinado à comercialização,
acessível a qualquer indivíduo, indiscriminadamente, deve ser considerado
mercadoria que circula, sujeita à cobrança de ICMS. Assim, se o programa é
feito e vendido para milhares de pessoas, como se fosse um jornal ou um livro,
perde as condições de individualidade e exclusividade regidas numa cessão do
direito de uso de software e, embora obra intelectual, entra na área de
circulação de mercadorias.
O
Procurador da Fazenda Nacional em Alagoas, o jurista Aldemario Araújo Castro
(8), também concorda com o entendimento que foi proferido pelo STF,
entretanto, ele considera incongruente a premissa utilizada pelo Ministro
Sepúlveda Pertence, de que o conceito de mercadoria efetivamente não inclui os
bens incorpóreos e tão somente os corpóreos. Para o citado Procurador, se
apenas a mercadoria como bem corpóreo pudesse sofrer a incidência do ICMS,
então em relação ao software "de prateleira", apenas a sua
base física estaria sujeita á incidência, com o que ele discorda. Para o citado
jurista, o software "de prateleira" como um todo, deve ser
tributado pelo ICMS, pois "A evolução tecnológica impõe a adequação da
idéia de mercadoria".
Diferentemente
do posicionamento adotado pelo Supremo, tem-se uma outra corrente, que possui
um entendimento semelhante, em parte, ao defendido por algumas empresas. Em
parte, porque, apesar de entender também que, por ser um bem imaterial o software
não pode ser considerado uma mercadoria, esta corrente admite que o suporte
físico possa ser tributado pelo ICMS.
Defensor
desta posição, o doutrinador Guilherme Cezaroti (9) conclui que:
A
fórmula mais adequada seria, então, aquela adotada pela Portaria nº 181, do
Ministério da fazenda, que estabeleceu, para fins de cálculo do imposto de
importação, em seu artigo 2º, que na importação de software a base de cálculo
do imposto de importação deve corresponder ao valor aduaneiro do suporte físico
do programa, desde que no documento de importação estejam indicados
separadamente o valor de custo do software e do suporte físico.
Isto, no entanto, para críticos deste
entendimento, não seria possível em razão do que está disposto no § 1º do
artigo 8º constante no Decreto Lei nº 406/68, onde o legislador limitou à
incidência do ISS os serviços constantes na lista, ainda que sua prestação
envolva fornecimento de mercadorias.
Tem-se
um posicionamento bastante interessante, no mesmo sentido da tese defendida por
grande parte das empresas que comercializam programas de computador, em um
parecer elaborado pelo escritório Lobo & Ibeas advogados (10).
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3543