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Administração Pública e direitos dos cidadãos

 

 

por Pedro Gonçalves - Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra

 

 

 

Se considerarmos apenas o direito legislado (law in books), o estatuto português dos direitos dos cidadãos perante a Administração Pública está, em traços gerais, ao nível dos ordenamentos jurídicos mais evoluídos da Europa. De resto, a Constituição Portuguesa contém mesmo um catálogo de "direitos e garantias dos administrados", que, pela sua extensão, não tem paralelo nas leis fundamentais estrangeiras – ali se consagram os direitos à informação administrativa procedimental, ao arquivo aberto, à notificação e à fundamentação dos actos administrativos; por outro lado, ali se garante a tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, indicando aliás os meios processuais adequados à efectivação dessa tutela. Noutro escalão, a lei ordinária tem igualmente reconhecido e regulado com minúcia os direitos dos administrados e, quando é o caso, os contrapostos deveres da Administração: assim, por exemplo, o direito de audiência em procedimentos administrativos ou o direito de impugnação administrativa. Aliás, ainda em termos de lei ordinária, importa notar que a elaboração, em 1991, de um Código do Procedimento Administrativo tem sido, do ponto de vista prático, um importante instrumento de "popularização" do Direito Administrativo e, nessa medida, um meio de divulgação e de clarificação dos direitos dos cidadãos e dos deveres da Administração.

Ainda assim, mesmo em termos legislativos, nem tudo é perfeito. Por exemplo, é urgente a alteração das leis do contencioso administrativo, seja para regular em termos, novos alguns meios processuais antigos (por exemplo, as acções sobre contratos), seja para regular pela primeira vez meios processuais novos (processo para a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos).

Não obstante, as grandes dificuldades que se colocam quanto à efectividade dos direitos dos cidadãos perante a Administração não se situam no plano do direito escrito, mas sobretudo no plano do direito em acção (law in action).

E, quanto a este aspecto, já não falamos sequer das dificuldades de vária ordem que a burocracia continua a representar. Não se pretende negar que, em matéria de protecção dos direitos do cidadão, o que importa em primeiro lugar é evitar que as agressões ilegais se efectivem (matéria que tem a ver com o funcionamento da Administração e com o respeito do princípio da legalidade). Porém, quando esse objectivo não é alcançado, porque a Administração sempre cometeu e há-de continuar a cometer ilegalidades, a força e a consistência do estatuto de direitos dos administrados medem-se pela adequação da protecção que os tribunais do Estado estão em posição de dispensar.

Ora, neste particular, e sem se questionar a bondade material das decisões jurisdicionais, há um longo caminho a percorrer no sentido de encurtar o longo período de tempo que medeia entre a interposição do recurso ou a propositura da acção num tribunal administrativo e a notificação da sentença. Na verdade, a morosidade dos processos judiciais é, com certeza, o factor que contribui mais decisivamente para um diagnóstico negativo do estado dos direitos dos administrados em Portugal.

Para combater essa situação, para além de medidas que contribuam para a obtenção de uma justiça estadual mais célere, é indispensável incentivar a utilização dos designados meios alternativos de resolução de conflitos entre a Administração e os particulares: processos de conciliação, de mediação ou de arbitragem. Neste âmbito, é ainda de toda a conveniência que a Administração confira a importância devida aos designados meios de impugnação administrativa (sobretudo, ao recurso hierárquico), evitando atirar o administrado para processos judiciais inúteis: quando for caso disso, basta que se reconheça razão ao administrado; quando não, poderá bastar que lhe sejam devidamente explicados os fundamentos da sua falta de razão. Para tal, o acto de impugnar não pode ser visto como uma espécie de "reacção hostil" ou rebeldia de um administrado insatisfeito; é essencial ainda que a análise da impugnação apresentada e do próprio caso seja cuidadosa e completa.

Concedendo à Administração o privilégio de emendar as suas decisões ou a oportunidade de convencer o particular, os meios de impugnação administrativa poderão, à sua medida, contribuir para melhorar a justiça administrativa. E assim se conclui que a realização de um tal objectivo não depende apenas do Juiz ou do Legislador, mas também da Administração Pública.


Justiça e Cidadania, Suplemento do Primeiro de Janeiro, 30-Set-1999

 

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