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Administração Pública - Recrutamento e Selecção de pessoal

 

 

Nuno Luís Barros

Assessor da carreira de jurista do Centro de Estudos e Formação Desportiva

 

 

 

Entende-se por concurso o sistema que estabelece a competição entre os candidatos ao preenchimento de lugares de certa categoria, no sentido de patentearem a sua melhor aptidão para o desempenho dos cargos respectivos (1).

1 – O sistema do concurso, como forma de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, é prática com largos anos de existência (2) e está estabelecido como regra desde 1982, nos termos do nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 171/82, de 10 de Maio (3), e, sobretudo, do nº 2 do artigo 47º da Constituição da República Portuguesa (4).
De acordo com a anotação de Gomes Canotilho e Vital Moreira ao supramencionado preceito constitucional (5), a qual me permito subscrever na íntegra, a regra constitucional do concurso consubstancia um verdadeiro direito a um procedimento justo de recrutamento, vinculado nos princípios constitucionais e legais (igualdade de condições e oportunidades para todos os candidatos, liberdade das candidaturas, divulgação atempada dos métodos e provas de selecção, bem como dos respectivos programas e sistemas de classificação, aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação, neutralidade na composição do júri, direito de recurso).

2 – Os diplomas posteriores ao Decreto-Lei nº 171/82, de 10 de Maio (6), confirmam e consolidam o princípio de que o concurso é o processo de recrutamento e selecção normal e obrigatório para o pessoal dos quadros da Administração Pública, princípio esse que veio a ser igualmente consagrado no Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, que estabelece os princípios gerais de salários e de gestão de pessoal da função pública (cfr. artigo 26º, nº 1, e artigo 27º, nº 1) e no Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, referente às regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública (cfr. artigos 16º a 18º).

3 – O Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro (referido na nota 6), foi, durante quase 10 anos, o diploma regulador do sistema de concurso, tendo sido alterado pelo Decreto-Lei nº 215/95, de 22 de Agosto, atentas as disposições inovadoras do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, entretanto objecto de revisão efectuada pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro.
As inovações introduzidas no processo de concurso visaram, fundamentalmente, a adaptação do modo de contagem dos prazos e da adopção do princípio da audiência dos interessados nas fases anteriores às decisões finais relativas à lista de admissão exclusão de candidatos e à lista de classificação final (7).

4 – Actualmente, o processo de concurso está regulado pelo Decreto-Lei nº 204/98, de 11 de Julho, o qual consolida os princípios atrás referidos introduzidos pelo Código do Procedimento Administrativo e promove novas alterações que visam adequar o sistema à realidade actual da Administração Pública, das quais, permito-me assinalar as seguintes:
a) Liberalização do recurso ao concurso de acesso circunscrito ao pessoal que já desempenha funções no serviço e criação de um novo concurso que tem por objectivo, simultaneamente, o recrutamento interno e externo ao organismo – cfr. artigo 6º, nº 4, alíneas b) e c), e artigo 8º;
b) No que se refere aos métodos de selecção, releva-se as provas de conhecimentos gerais e específicos, nomeadamente, no que respeita aos temas dos direitos e deveres da função pública e da deontologia profissional, o carácter complementar da entrevista profissional de selecção e a possibilidade conferida ao júri de considerar ou não a classificação de serviço como factor de apreciação na avaliação curricular referente a concursos de acesso – cfr. artigos 19º a 23º;
c) No que respeita ao júri, saliente-se a obrigatoriedade de apresentação aos candidatos, a partir do momento em que formalizam as respectivas candidaturas, da acta que define os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de selecção, bem como o sistema de classificação final, incluindo a respectiva fórmula classificativa, devendo o júri reunir atempadamente para elaboração daquela e o dever de fundamentação de qualquer dos projectos de decisão e, posteriormente, das decisões finais – cfr. artigos 16º e 27º, nº 1, alínea g);
d) Simplificação dos procedimentos relativos à publicidade do concurso, tendo em vista a sua celeridade, suprimindo-se, sempre que possível, as formalidades dispensáveis, nomeadamente, as publicações no Diário da República, adequando os avisos de abertura aos respectivos destinatários e flexibilizando os prazos de entrega de candidaturas – cfr. artigos 28º, 32º, 34º, 38º, 40º e 44º.

II

O recrutamento e selecção para os cargos dirigentes da Administração Pública, nomeadamente, directores de serviços e chefes de divisão, sofreu, a partir de 1997, uma profunda alteração.

Senão, vejamos:
1 – O Decreto-Lei nº 191-F/79, de 26 de Junho, estabelecia que o recrutamento e selecção do pessoal dirigente (8) era feito por escolha, mediante apreciação curricular, por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro competente, por despacho do Ministro competente e por despacho do membro do Governo competente, conforme o cargo a prover (cfr. artigo 2º, nº 1).
Relativamente aos directores de serviços e chefes de divisão, admitia-se a hipótese de se recorrer ao concurso documental, no caso de não se verificar a existência de funcionários ou agentes titulares de determinadas categorias (cfr. artigo 2º , nos 2 e 3).

2 – O Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, que revogou o diploma supramencionado, manteve o sistema por escolha para os cargos de director-geral e subdirector-geral ou equiparados e, embora, também mantivesse aquele sistema como regra, previa a hipótese de recrutamento para os cargos de director de serviços e de chefe de divisão, por opção da entidade competente para o efeito, ser feito mediante concurso, que se processaria nos termos do respectivo aviso de abertura (cfr. artigo 3º e artigo 4º, nos 1 a 3).

3 – Anos volvidos, a Assembleia da República, pela Lei nº 13/97, de 23 de Maio, procedeu à revisão daquele sistema, alterando expressamente a redacção dos artigos 3º e 4º do diploma atrás citado:
a) O recrutamento para os cargos de director-geral e subdirector-geral ou equiparados é feito por escolha, sendo o despacho de nomeação, devidamente fundamentado, publicado no Diário da República juntamente com o currículo do nomeado;
b) O recrutamento para os cargos de director de serviços e chefe de divisão é feito por concurso, que se processará nos termos do respectivo aviso de abertura, sendo, ainda, definidas a constituição e composição do júri e os métodos de selecção, prevendo-se a existência de uma comissão de observação e acompanhamento dos referidos concursos, a funcionar junto do membro do Governo que tiver a seu cargo a Administração Pública, presidida por um magistrado indicado pelo Conselho Superior da Magistratura e integrada, em igual número, por representantes da Administração Pública e das associações sindicais da função pública.

4 – Nos termos definidos no artigo 4º da Lei nº 13/97, de 23 de Maio, foram, posteriormente, aprovadas pelo Governo, mediante o Decreto-Lei nº 231/97, de 3 de Setembro, as normas regulamentares do concurso de recrutamento e selecção para os cargos acima referidos.
As inovações relativamente ao regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, que se aplica como direito subsidiário (cfr. artigo 19º), foram as seguintes:
a) A comissão de observação e acompanhamento dos concursos para cargos dirigentes tem, no procedimento do concurso, para além de poder solicitar a todo o tempo informações sobre o respectivo andamento, a função preponderante de superintender no sorteio dos membros do júri, nos termos definidos no artigo 4º daquele diploma, devendo ser-lhe remetidas cópia do aviso de abertura, simultaneamente ao seu envio para publicação no Diário da República, 2ª Série, e cópia da lista de classificação final, após a homologação da acta que a contém (cfr. artigo 7º, nº 3, e artigo 15º, nº 3);
b) É obrigatório no requerimento de admissão a concurso, declaração dos candidatos de que possuem os requisitos legais de admissão, sendo a sua falta motivo de exclusão (cfr. artigo 8º, nos1 e 2);
c) Só são previstos dois métodos de selecção: avaliação curricular e entrevista profissional de selecção, estabelecendo-se os critérios e os respectivos factores de apreciação, e define-se, igualmente, o sistema de classificação final (cfr. artigos 10º a 13º);
d) A acta que contém a lista de classificação final do concurso é homologada pelo dirigente máximo, ou pelo membro do Governo competente, quando aquele for membro do júri (cfr. artigo 15º, nº 1).
5 – Finalmente, atenta a necessidade de ser alterado o Estatuto do Pessoal Dirigente (9), a Assembleia da República aprovou a Lei nº 49/99, de 22 de Junho, a qual revoga o anterior Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, introduzindo alterações, quer no recrutamento para cargos dirigentes, quer no sistema de concurso para o preenchimentos dos cargos de director de serviços e chefe de divisão.
5.1 – Recrutamento para cargos dirigentes.
Em relação aos cargos de director-geral e subdirector-geral ou equiparados não há alterações.
No recrutamento para os cargos de director de serviços e de chefe de divisão ou equiparados, estabelece-se a possibilidade de, nos casos dos concursos ficarem desertos ou não haver candidatos aprovados ou ainda nos casos de criação de serviços, aquele recrutamento poder ser feito por escolha, em regime de comissão de serviço por um ano (cfr. artigo 4º, nos 8 e 9).
Em qualquer daqueles casos, será aberto concurso até 120 dias antes do termo da comissão de serviço do nomeado, gozando este de preferência, havendo igualdade de classificação, e considerando-se prorrogada a respectiva comissão de serviço até ao provimento do concursado (cfr. artigo 4º, nos 10 e 11).
5.2 – Concurso para o recrutamento e selecção de director de serviços e chefe de divisão.
As alterações definidas na Lei nº 49/99, de 22 de Junho, são, fundamentalmente, as seguintes:
a) O júri é composto por um presidente e por dois ou quatro vogais, dos quais até metade podem ser escolhidos de entre pessoas não vinculadas à Administração Pública, caso em que lhes será fixada uma compensação adequada, por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do membro do Governo que tenha a seu cargo a Administração Pública (cfr. artigo 6º, nº 2);
b) No aviso de abertura devem estar previstas as condições preferenciais, juntamente com a menção do cargo, área de actuação e requisitos legais (cfr. artigo 10º, nº 1, alínea a);
c) Podem ser utilizados quaisquer dos métodos de selecção previstos para as carreiras de regime geral, sem prejuízo do estabelecimento de critérios de apreciação específicos (cfr. artigo 8º, nº 2);
d) A homologação da acta que contém a lista de classificação final é feita pelo membro do Governo competente (cfr. artigo 15º, nº 1);
e) Prevê-se, no nº 2 do artigo 16º, a possibilidade de interposição de recurso hierárquico (10), o que irá trazer dificuldades de se efectivar, atendendo a que a homologação supramencionada é feita pelo membro do Governo competente, pelo que, entendo, salvo melhor opinião, que será mais correcto apresentar uma reclamação, antes de, caso não seja satisfeita a pretensão do candidato, este recorrer contenciosamente.

Notas:

(1) In Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, de João Alfaia, 1º Volume, pág. 339, Ed. Livraria Almedina – Coimbra, 1985.
(2) Meramente a título de exemplo: Regime Jurídico do Funcionalismo, de João Alfaia, pág. 57 e segs., Ed. Atica, 1962, Decreto-Lei nº 27 199, de 16 de Novembro de 1936, Decreto-Lei nº 29 694, de 17 de Junho de 1939, artigo 2º, Decreto-Lei nº 29 996, de 24 de Outubro de 1939, artigos 1º a 3º e 6º, Decreto-Lei nº 49 031, de 27 de Maio de 1969, artigos 4º e 5º, Decreto-Lei nº 49 397, de 24 de Novembro de 1969, artigos 9º a 18º, Decreto-Lei nº 731/75, de 23 de Dezembro, entre outros sobre o tema que serão referidos no texto.
(3) O texto do preceito legal citado é o seguinte:
" O recrutamento e selecção de pessoal é feito mediante concurso, nos termos previstos neste diploma "
(4) Na primeira revisão constitucional (Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro) foi aditado o artigo referido, tendo o nº 2 o seguinte texto:
" Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso"
Este texto foi mantido nas revisões constitucionais subsequentes, consubstanciadas na Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho (segunda revisão constitucional), na Lei Constitucional nº 1/92, de 25 de Novembro (terceira revisão constitucional) e na Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro (quarta revisão constitucional).
(5) In Constituição da República Portuguesa – Anotada, de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1º Volume, pág. 273, 2º edição revista e ampliada, Coimbra Editora, 1984.
(6) Decreto-Lei nº 44/84, de 3 de Fevereiro, que define os princípios gerais enformadores do recrutamento e selecção de pessoal e do processo de concurso na função pública, revogando o Decreto-Lei nº 171/82, de 10 de Maio.
Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, que estabelece o novo regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para a Administração Pública, revogando o Decreto-Lei nº 44/84, de 3 de Fevereiro.
(7) Cfr. artigo 72º e artigos 100º a 105º e respectivas anotações do Código do Procedimento Administrativo Anotado, de Diogo Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Maria da Glória Dias Garcia, Pedro Siza Vieira e Vasco Pereira da Silva, págs. 148 a 150 e 188 a 199, 3ª edição, Ed. Livraria Almedina Coimbra, 1999.
(8) No mapa Anexo ao referido diploma, considera-se pessoal dirigente os correspondentes aos cargos de director-geral, secretário-geral e outros cargos de direcção expressamente equiparados a director-geral, subdirector-geral e outros cargos expressamente equiparados, director de serviços e chefe de divisão.
Posteriormente, quer o Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, quer a Lei nº 49/99, de 22 de Junho, consideram ambos os diplomas, no artigo 2º, nos 2 e 3, cargos dirigentes os de director-geral, secretário-geral, inspector-geral, subdirector-geral, director de serviços e chefe de divisão, bem como os cargos a estes legalmente equiparados, sendo as referências feitas nos dois diplomas a director-geral e subdirector-geral aplicáveis, respectivamente, aos cargos de secretário-geral e inspector-geral e aos de adjunto do secretário-geral e subinspector-geral.
(9) O Estatuto do Pessoal Dirigente tinha sido revisto pelo Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, já citado na parte referente ao recrutamento para os cargos dirigentes, tendo sido alterado pelo Decreto-Lei nº 34/93, de 13 de Fevereiro, e pelo Decreto-Lei nº 234/94, de 22 de Setembro.
(10) O texto é igual ao nº 2 do artigo 16º do Decreto-Lei nº 231/97, de 3 de Setembro. Neste diploma a homologação da acta que contém a lista de classificação final poderia ser feita pelo dirigente máximo, caso este não fosse membro do júri.


Justiça e Cidadania, Suplemento do Primeiro de Janeiro, 25-Mai-2000

 

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