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A venda antecipada de bens na falência.

* Aclibes Burgarcíli




Sumário: 1 - Generalidades. 2 - Execução Coletiva. 3 - Fases da Falência no Dec. lei 7.661/45. 4 - A Venda Antecipada de Bens e os Interesses dos Credores nos Diversos Sistemas Legais. 5 - A Parte III do Código Comercial. 6-O Decreto 917 de 1890. 7 - O Mesmo Fundamento Excepcional da Venda Antecipada de Bens em outras leis anteriores ao Dec. lei 7.661/45. 8 - A Venda Antecipada de Bens no Dec. lei 7.661/45. 9 - Venda antecipada de Bens - Ato Regular e Não Excepcional. 10- Conclusão.

1- GENERALIDADES

O conceito do termo "falência" permite apreensão intelectiva, por meio de três enfoques históricos: a) na sua essência originária, representada na expressão latina "faliere", que conota a idéia de ato enganoso ou omissivo, por parte do devedor; b) nas Ordenações Afonsinas, como sentido de exceção da lei e, c) modernamente, no Direito Comercial, sob a forma de inadimplemento da prestação obrigacional, no vencimento e, ainda, comportamento enganoso, por parte do devedor comerciante, em detrimento de seus credores.

No Direito Comercial, o estudo da falência leva em conta o conjunto de regras jurídicas, pertinentes à estrutura financeira do comerciante, seja sob o aspecto da insolvência ou sob o ângulo do estado de iliquidez.

A insolvência, emprestando-se o sentido econômico, é estado de negação, ou seja, indicação de ausência de solvência, ou carência de ativo (bens e direitos) para enfrentamento do passivo (obrigações). Se o patrimônio, demonstrado contabilmente, apresenta a soma das contas do ativo (bens e direitos) inferior à soma das contas do passivo (obrigações), seu estado é de insolvência porque, mesmo em se transformando o ativo em dinheiro, não se logrará êxito no pagamento de todos os credores.

Por caracterizar a impossibilidade de atendimento de todos os credores, a insolvência acarreta ao comerciante o denominado ESTADO DE FALÊNCIA ou de quebra, conforme terminologia adotada em nosso Código Comercial, na Parte III, revogada.

Iliquidez, com menos rigor, não se fixa no conceito de negação geral, no que diz respeito à capacidade financeira do patrimônio, mas no sentido de incerteza. Contabilmente, se revela o estado de iliquidez por meio de demonstração financeira, na qual as contas do ativo são superiores às contas do passivo mas, quanto às receitas e despesas, existem diferenças de datas de vencimento. Assim, se há registro de um crédito (ativo), por conseguinte aparece uma conta patrimonial positiva, a qual pode fazer frente a determinada obrigação; contudo, se a obrigação tem o termo do vencimento anterior ao ingresso LÍQUIDO do crédito aludido, a receita é ilíquida e sem força de gerar pagamento. No caso, não há insolvência, mas iliquidez.

Iliquidez é falta de dinheiro para realizar pagamentos, por problemas eminentemente gerenciais (aumento exagerado de estoque, vendas sem previsão em relação ao passivo) e se situa no estudo da CONCORDATA.

2- EXECUÇÃO COLETIVA

É encontradiço o uso do indicativo "execução coletiva", para designar o processo de falência, relativamente ao comerciante insolvente. Se se adota a qualificação "coletiva", para o gênero "execução", por certo a razão está no fato de existirem classes de execução, dentre as quais a "coletiva" é uma delas, ao lado da "singular".

Qual o sentido jurídico de ambas as execuções (singular e coletiva)?

Execução, na terminologia do direito processual, é espécie de processo, existente ao lado de outros (processo de conhecimento e processo cautelar). Verificado o inadimplemento da prestação obrigacional, por parte do devedor, ao credor remanesce a possibilidade de promover a cobrança, por meio de execução (art. 580 do Cód. de Proc. Civ.), com o fito de buscar restabelecimento de seu patrimônio, afetado pelo comportamento do devedor. O requisito de admissibilidade do processo de execução, no sistema de Cód. de Proc. Civ., é a existência de título executivo, líquido, certo e exigível, por parte do credor, ou forma prescrita em lei para. outras circunstâncias (art. 566).

A execução, nos moldes indicados pelo sistema processual civil, seja relativa a débito comum ou a débito fiscal, considera-se EXECUÇÃO SINGULAR, visto como a relação que se estabelece abrange tão somente a pessoa do credor e a pessoa do devedor, relativamente a determinado crédito que vinculou as mesmas pessoas.

O art. 568 do Cód. de Proc. Civ. faz referência aos legitimados, passivamente, para o processo de execução e de sua leitura percebe-se a predominância do título executivo, como elemento vinculativo da relação processual. O credor, munido de vários títulos, nascidos de negócios distintos, entre ele e vários devedores, pode promover tantas execuções quantos forem os devedores, sem se descaracterizar a natureza da execução singular, em relação a cada processo.

Em conclusão, no denominado processo de execução singular, não existe reunião de credores outros, que não figuram no polo ativo do processo, mesmo munidos de títulos executivos, visto como essa reunião caracterizaria concurso de credores que viria a implicar em arrecadação de TODOS os bens do devedor, para consequente liquidação do ativo patrimonial e posterior rateio ao produto obtido, aos credores concursais.

A execução singular forma uma relação processual de cobrança, entre o credor e o devedor e este é citado para PAGAR o crédito reclamado, sob pena de penhora de bens que suportem esse crédito, sob pena de alienação judicial e PAGAMENTO do credor. Enfim, a execução singular É AÇÃO DE COBRANÇA.

A execução denominada "coletiva" ao contrário da singular, é CONCURSAL, não se funda somente na existência de título executivo e os efeitos processuais dependem de SETENÇA, uma vez que o pressuposto é o ESTADO DE INSOLVÊNCIA PATRIMONIAL DO DEVEDOR.

No sistema processual civil encontra-se o conceito de insolvência (art. 748), relativo ao devedor civil (pessoa natural ou pessoa jurídica civil), da seguinte forma: "Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor". Diz-se que, conforme a regra processual mencionada, estabeleceu-se o processo de execução coletiva contra devedor CIVIL, insolvente.

O estado de insolvência é um FATO, a respeito do qual se estabelece a presunção legal: superioridade do ativo em relação ao passivo. Como fato, existe a necessidade de reconhecimento judicial, circunstância que exige provimento jurisdicional (sentença). Dada a particularidade da sentença, entende-se que sua natureza é constitutiva (cria, extingue e modifica direitos), declaratória (declara o estado de insolvência) e condenatória (produz efeitos condenatórios).

No Direito Comercial, tem destaque a atividade do comerciante (comerciante individual ou sociedade mercantil), a qual serve de parâmetro para a incidência de regras do Direito Comercial, ainda que sob a forma de regras processuais. Embora distinta a atividade mercantil, em razão desta também é possível o FATO da insolvência patrimonial e afetação desse estado às várias relações negociais, entabuladas entre o comerciante e seus credores. Esse FATO, entretanto, não se subsume ao processo previsto no art. 748 de Cód. de Proc. Civ., mas em um sistema processual distinto, específico para o estado de insolvência, ou o estado de iliquidez, do comerciante: A LEI DE FALÊNCIAS (Decreto-lei n0 7.661, de 21 de junho de 1945).

Em síntese, resume-se a explicação no seguinte quadro:

CONHECIMENTO a) singular - Cód. Proc. Civ.

PROCESSO < EXECUÇÃO < b)coletiva- Cód. Proc. Civ.

CAUTELAR c)coletiva- Lei de Falência
 
 

3- FASES DA FALÊNCIA NO DEC. LEI 7.661/45

O processo falitário, tal qual o processo comum, é entendido no sentido teleológico, ou seja, em razão do fim a que se endereçam os atos processuais. A falência processa-se de forma concursal e tende à liquidação do patrimônio do devedor, sem a natureza jurídica de ação de cobrança, embora os credores venham a participar do rateio do produto obtido na realização do ativo do devedor.

De forma tão somente didática, costuma-se fracionar o fluxo processual da falência em fases, conforme a predominância ou importância de determinados atos, em certos momentos.

Maximilianos C. A. Fuhrer adotou, no seu excelente Roteiro, a divisão tripartível, assim: fase preliminar ou declaratória, fase da sindicância e fase da liquidação.

A primeira fase (preliminar) processa-se nos autos principais da falência; inicia-se com o requerimento feito pelo credor e termina com a sentença de quebra. Entremeiam-se atos de exame da inicial, citação, prazo para a defesa, recursos e, conforme o rito (art. 110 ou 120 da L.F.)o depósito elisivo ou colheita de provas.

A segunda fase, denominada de SINDICANCIA, é marcada por atos de administração dos bens da devedora e diz respeito às providências de gestão que competem ao síndico, na condição de auxiliar do juízo. Inicia-se pela assinatura do compromisso do síndico e prossegue nas diligências necessárias à convocação de credores; atos de arrecadação do patrimônio do devedor; exame dos livros contábeis, fiscais e outros de interesse da massa; verificação do comportamento dos representantes legais da devedora quanto a eventuais tipos penais falimentares; exame e verificação de créditos, elaboração do quadro de credores, etc.

A terceira fase (liquidação) caracteriza-se nos atos de realização do ativo (venda dos bens arrecadados) e rateio do produto obtido, entre os diversos credores, anteriormente classificados e incluídos no quadro de credores.

E importante observar que o concurso de credores instaura-se de forma relativa, ou seja, somente os

credores instauram – se de forma relativa, ou seja, somente os credores mencionados no art. 102 da L. F. são

afetados pelos efeitos da sentença, razão por que outros credores, não referidos no artigo citado, não estão sujeitos ao concurso e, independentemente da falência, podem diligenciar seus interesses, por outra via ou processo (Ex. créditos físicas e processos ainda em curso, sem sentença).

4- A VENDA ANTECIPADA DE BENS E OS INTERESSES DOS CREDORES, NOS DIVERSOS SISTEMAS LEGAIS

A venda antecipada de bens da falência, no sistema da atual lei falitória (Dec. lei 7.661/45), está referida no art. 73 e tem por causas justificadoras a perecibilidade da coisa ou risco de grande despesa quanto

à guarda. Não houve qualquer alteração causal na atual lei, se considerado o fato em relação às lei anteriores

a 1945.

Se a perecibilidade da coisa ou sua guarda onerosa destacam-se como causas em todas as leis falimentares, dentre as quais se inclui a Parte III do Código Comercial, qual a diferença examinada sob enfoque especial?

O elemento justificador de estudo especial da venda antecipada está no poder de decisão, que se atribuía aos órgãos da falência, no tocante à liquidação patrimonial, efetivada por meio de alienação, na qual se inclui a venda antecipada.

Nos sistemas anteriores (Código Comercial, Dec. 917/1890, Lei 859/ 1902, Lei 2.024/1908 e Dec. 5746/29), sem distinção, a liquidação patrimonial era tarefa reservada aos credores, os quais escolhiam em assembléias um, ou mais, dentre todos, para o exercício de funções liquidatórias.

As funções de liquidação, portanto de alienação dos bens, eram executadas sob expressa decisão dos credores, na qual se envolviam os interesses particulares. Por esse razão existia o momento processual certo para a ocorrência liquidatória, moldada nos interesses particulares dos credores. Sucede que, para atos administrativos iniciais e até mesmo urgentes (arrecadação, guarda, avaliação etc.), as respectivas leis previam a nomeação de outra pessoa, para cumprimento da tarefa. Em se cuidando de alienação de certo bem, antecipadamente à fase na qual os credores acertavam seus interesses, a venda era considerada EXCEPCIONAL.

Fica bem claro que a excepcionalidade não decorria das causas responsáveis para a venda (perecibilidade do bem ou onerosidade na guarda), mas porque suprimia da esfera de poder dos credores o momento no qual eles deliberavam de acordo com seus interesses. Em assim sendo, as causas (onerosidade e perecibilidade) permaneceram nos sistemas anteriores e na atual lei falitária:

contudo, mudado o critério quanto ao poder de liquidação, evidentemente alterou-se também o conceito de excepcionalidade.

5-APARTE III DO CÓDIGO COMERCIAL

Originariamente, no Brasil, ao se elaborar a primeira codificação nacional (Código Comercial), introduziu-se a Parte III, sob o título "DAS QUEBRAS". O processo falitário apresentava uma fase instrutória, na qual atuava o denominado juiz comissário, que era um deputado do Tribunal de Comércio. Referido juiz convocava os credores, os quais escolhiam o depositário dos bens.

Atribuía-se a esse depositário a função excepcional de alienar bens considerados perecíveis ou que demandavam ônus na sua guarda; todavia, o ato era considerado excepcional, dado que antecipava uma venda que, normalmente, devia ser resultado do denominado "contrato de união", ato do qual participavam os credores e, por decisão deles, nomeavam-se dois ou mais administradores para a venda final dos bens.

A venda antecipada, no procedimento referido, como em todas as leis já referidas, também era considerada excepcional, visto que contrariava a seqüência processual, encadeada de modo a apresentar uma espécie de concordata que punha fim à demanda.

A concordata da qual se está a referir não é a concordata de que cuida a atual lei falitária, mas sim forma de proposta de pagamento, em que os credores, ao ensejo do "contrato de união" debatiam, discutiam, exigiam e impunham condições para sua aceitação. Portanto, a venda antecipada, antes desse ato importante para os credores, implicava, sem dúvida, na realização de ato excepcional.

6-O DECRETO 917 DE 1890

Na posterior estrutura legal da lei falitária, sucessora da Parte III do Código Comercial, o Brasil já era República o que justificou, politicamente, a edição do Decreto 917 de 24 de outubro de 1890.

No regramento do Decreto 917 a venda antecipada de bens da falência, igualmente, era considerada ato excepcional. Repita-se, a excepcionalidade não decorria da perecibilidade ou onerosidade da guarda, mas porque o sistema mantinha a nomeação de cargos provisórios, a fim de se resolverem certas questões incidentais ao processo principal.

O juiz, ao declarar a quebra, nomeava dois ou mais síndicos provisórios. Estes, dentre suas funções, serviam de depositários dos bens. Havia o chamamento dos credores para a PRIMEIRA REUNIAO, na qual se discutia a proposta de CONCORDATA POR PAGAMENTO, seguindo-se outras modalidades de concordata. Se, por qualquer razão de interesse dos credores, "no contrato de união" frustrava-se a aceitação da concordata, os mesmos credores decidiam a respeito dos nomes de pessoas que seriam nomeadas síndicas, juntamente com uma "comissão fiscal", a fim de se viabilizarem os atos de liquidação (venda dos bens).

A provisoriedade da função dos síndicos inicialmente designados e a venda de bens, que suprimia da esfera decisória dos credores eventuais interesses, era o ato excepcional, não por causa da onerosidade da guarda ou perecibilidade da coisa.

7 - O MESMO FUNDAMENTO EXCEPCIONAL DA VENDA ANTECIPADA DE BENS EM OUTRAS LEIS, ANTERIORES AO DEC. 7661/45

A lei n0 859/1902 e o decreto regulamentador de n0 4.855/1902, também dispuseram a respeito da venda antecipada de bens na falência. Ambos corpos legais previam a nomeação de síndicos provisórios (cujos nomes constavam de listas elaboradas nas Juntas Comerciais), os quais serviam de depositários e, no exercício dessa função, podiam realizar a venda antecipada de bens perecíveis e de guarda onerosa.

O procedimento falimentar não aboliu, nos regimes citados, a "proposta de concordata" e o "contrato de união", atos processuais que denotavam prevalência dos interesses dos credores sobre a atuação do juiz. A atividade do juízo era limitada à mera condução do processo e aos atos homologatórios atentos às decisões dos credores.

Uma vez que a venda antecipada de bens, por ato dos depositários, retirava o poder decisório dos credores, tal como nas leis anteriores, sua natureza era de ato excepcional.

A lei n0 2.024, de 1908, não fugiu à regra, embora permitisse a nomeação de síndico, pelo juiz, para a primeira fase (fase de informação). Ocorria que, após discussão a respeito de eventual concordata, por meio da ASSEMBLÉIA DE CREDORES, a administração passava a ser exercida por liquidatários, escolhidos pelos credores, em torno de cujos interesses gravitava o sentido da falência.

Na lei seguinte à 2.024/1908, ou seja no Decreto n0 5.746 de 1929,

vigorou o mesmo critério referido. O sistema sucessor caracterizou-se por tentar eliminar aspectos considerados vulneráveis, no processo; contudo, no que tange à venda antecipada de bens e à concentração de interesses dos credores, não se alterou o princípio.

Em conclusão, agora pode-se perceber o sentido da excepcionalidade do ato de venda antecipada de bens, anteriormente ao vigente Dec. lei 7.661/45.0 ato (venda antecipada) era anormal, porque o alcance da finalidade do processo dependia das decisões dos credores. Uma vez que o fim era a liquidação (venda do ativo e rateio), os credores decidiam de que modo a liquidação devia ser feita. Qualquer ato processual que implicasse na quebra desse objetivo era considerado Excepcional. Por via de consequência, a excepcionalidade da venda antecipada não tinha por suposto a perecibilidade do bem ou onerosidade da guarda, mas a frustração do poder decisório dos credores.

8- A VENDA ANTECIPADA DE BENS NO DEC. LEI 7.661/45

Da leitura necessária da exposição de motivos, contida na atual lei falitária (Dec. lei 7.661/45), percebe-se a real intenção legislativa, no tocante aos seguintes aspectos:

benefícios do devedor, em detrimento dos credores: eliminação da figura do liquidatário e introdução do síndico único, na condição de auxiliar do juízo; concentração, na pessoa do juiz, do poder decisório, a respeito dos atos falimentares, de sorte a se eliminar o critério deliberatório e decisório dos credores, por meio de assembléias; expurgo das decisões dos credores, a respeito da aceitação ou não do pedido de concordata e, ainda, faculdade de os credores defenderem tão somente seus créditos.

Os princípios que nortearam a vigente lei falimentar alteraram não somente a lei que a antecedeu, porém todo o conjunto de critérios até então adotado e inaugurado com o Código Comercial.

Waldemar Ferreira, ao se referir à atual lei de falências, afirmou que os credores foram convertidos em meros assistentes do drama que na falência se desenrola. A vigente legislação foi considerada resultado do autoritarismo que reinou no governo Vargas, de tendência "fascista".

Há quem resistiu ao enfoque dado pelo mestre paulista, por exemplo Elias Bedran, que sustenta não ser correto o enfoque pelo qual os credores estariam alijados do processo falitário, porque, a qualquer tempo, poderão requerer o que de interesse da massa.

O autor citado justifica que a dispensa da figura do liquidatário está bem colocada na "exposição de motivos" de onde se compreende a efetiva finalidade de se estabelecer uma administração, cujo termo inicial é a sentença declaratória de quebra, seguindo-se até o encerramento da falência, sem cisão intermediária.

A venda antecipada de bens, no contexto da aquitetura da vigente lei, NÃO SE REVESTE DE NATUREZA EXCEPCIONAL por várias razões, dentre as quais as que se seguem, consideradas mais importantes.

- A administração da falência não é mais exercida em fases, cada qual caracterizada por nomeação específica (síndico provisório, liquidatário, depositário, arrecadador, etc). A administração é una e quem a exerce é o síndico, nomeado por ato do juízo, na sentença. Esse auxiliar do juízo permanece no cargo, salvo eventual substituição ou destituição pelo juiz, até o encerramento da falência. Cabe a esse mesmo síndico, dada a unicidade da função administrativa, diligenciar a venda antecipada de bens, não somente em razão da exigência da função, mas porque deve satisfação somente ao juiz a quem incumbe a direção do processo. Por causa da atribuição dada pela lei ao juiz, poderá este determinar as providências para a venda antecipada. se lhe chegar noticia a respeito dos requisitos materiais de admissibilidade (guarda onerosa e perecibilidade da coisa).

- A concordata de que cuida o art. 178 c.c. art. 114 da atual lei de falências não se reveste da mesma natureza jurídica de que se revestiam as concordatas, moratórias, concordatas por pagamento, etc., previstas nas leis anteriores e que reclamavam efetiva participação dos credores, para eventual deferimento. A concordata, na roupagem atual, depende do preenchimento de certos requisitos, que serão examinados pelo juízo, para efeito de processamento e concessão e, quanto aos credores, limitam-se estes apenas à defesa de seus créditos ou apontamento de falta de preenchimento de um requisito. Por essa razão, Waldemar Ferreira entendia-a "concordata de autoridade", envolvida de carga "fascista". É ato do juiz para o qual basta formar sua convicção, agregada ao exame dos requisitos de admissibilidade.

- O juiz assumiu verdadeiro papel de superintendente da falência, o administrador-mor e autoridade competente para decidir a respeito dos créditos, dos incidentes e das providências cautelares que possam justificar a defesa da MASSA. A venda antecipada, portanto, insere-se até mesmo no âmbito do poder cautelar do juiz, bastando que fundamente sua decisão, em benefício da massa. Anote-se que o art. 73 da lei falitária aponta o síndico (que é auxiliar do juiz) como a pessoa apta a representar a venda; vale dizer, ao juiz caberá DECIDIR se deve ou não autorizá-la. Para tanto basta a formação de seu convencimento e consequente fundamentação decisória para que o ato seja considerado REGULAR. Se regular, descabida a afirmação de que se cuida de ATO EXCEPCIONAL.

9 - VENDA ANTECIPADA DE BENS - ATO REGULAR E NÃO EXCEPCIONAL

De forma unânime, a Doutrina entende que a venda antecipada de bens na falência permanece na condição de ato excepcional. De nossa parte, com o devido respeito à autoridade dos ilustres mestres, entendemos que, ao menos no atual sistema, é ato regular, dado o poder do juízo, e pode até mesmo ser generalizado, tendo em conta a onerosidade da guarda dos bens.

Costuma-se colocar, de outra sorte, a possibilidade de deferimento da concordata suspensiva e o pedido de restituição da coisa, ainda não alienada pela massa, como obstáculos para a determinação genérica de venda antecipada de bens.

Percebe-se que existe forte tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido de se examinar o processo falitário, por meio de FASES encadeadas teleologicamente, ou seja em direção a um fim: fase de liquidação, caracterizada pela venda do ativo e rateio proporcional aos credores concorrentes.

Sob o enfoque retro mencionado, sustenta-se que na fase de arrecadação, predominantemente arrecadam-se os bens; na fase de verificação dos credores, acentuam-se as providências classificatórias; na fase de apresentação do quadro geral de credores e conclusão do inquérito judicial (se for o caso), a expectativa gira em torno da concordata suspensiva: na fase de liquidação, por fim, realiza-se o ativo e rateia-se o produto obtido.

Uma vez que a concordata suspensiva, segundo os adeptos da teoria finalística das fases falimentares, somente poderá ser requerida em condições regulares, após a elaboração do quadro geral de credores e após decisão a respeito do inquérito judicial (art. 114 c.c. art. 63, XIX da L.F.), o ato previsto no art. 73já mencionado é, para essa corrente, EXCEPCIONAL.

Erigir-se a concordata suspensiva à condição de questão prejudicial à liquidação é equipará-la aos acordos promovidos pelos devedores, nos sistemas anteriores; é aproximá-la das concordatas por pagamento, dos contratos de união, das moratórias, das propostas variadas que assoberbaram a essência do instituto falimentar e que não surtiram o efeito de paz social, desejado no trato da atividade mercantil.

A concordata suspensiva, no organismo da atual lei falitária, não mais pode ser conceituada como acordo sui generis, entre devedor e seus credores quirografários, para cessão do estado falimentar. Opactum de non petendi, ao qual se referiu Carvalho de Mendonça, não está compreendido na noção fornecida pelo Dec. lei n0 7.661/45. A concordata não mais se apresenta sob a forma de contrato anômalo em que os credores contratantes se pronunciam, com manifestação de vontades quanto à proposta oferecida pelo devedor.

Nos sistemas anteriores, efetivamente, a concordata era questão prejudicial ao contrato de união e, existindo este, prejudicial mesmo à fase de liquidação. Atualmente, de modo diverso, a concordata suspensiva é forma de suspensão do processo falitário e, uma vez deferida, o resultado é tão somente o retorno da administração da sociedade aos seus órgãos que reassumem o estabelecimento comercial. E mais, os requisitos de admissibilidade da concordata suspensiva são estreitos, vistos como somente pode postulá-la o devedor que, no momento próprio, requereu autofalência (art. 140. II c.c. art. 80 da L.F.).

Se se cogitar da possibilidade de venda antecipada de bens e frustração do deferimento da concordata suspensiva (se, nos estreitos limites, for deferida), ainda assim não há porque se sustentar o caráter excepcional do ato. Se bens foram alienados, por via de resultado registra-se o ingresso de numerário de massa, de modo que o produto obtido incorpora-se no acervo, mantendo seu valor. Ora, se deferida a concordata suspensiva, a massa, com o valor mantido, retoma a natureza de estabelecimento comercial e tudo é devolvido ao falido (comerciante individual ou sociedade mercantil); logo, nada existe de excepcional, ou irregular ou prejudicial, por causa da venda generalizada de bens, sob o fundamento de onerosidade na sua guarda.

Na atualidade mercantil em que se vive, por mais pequeno que possa ser o patrimônio do devedor comerciante, raras são as hipóteses de guarda de bens, sem ônus ou sem depreciação do valor da coisa que permanece, longo tempo, sob a guarda de depositários pouco confiáveis.

Quanto ao pedido de restituição, prevista no art. 76, § 2º da lei falitária, a questão não comporta maiores considerações tendo em conta o imediatismo com que ocorre o pedido, por parte do alienante. Essa circunstância retira o temor pela perecibilidade da coisa e, pela mesma razão, não se cogita de guarda onerosa. Portanto, mediante simples ressalva, na decisão que autoriza a venda antecipada, esses bens dificilmente serão objeto de alienação.

10- CONCLUSÃO

O objetivo da presente pesquisa voltou-se à necessidade de se demonstrar que a atual lei de falências contém mecanismos eficientes, equânimes, rápidos e suscetíveis de pôr cobro às fraudes, às "indústrias" de falências e concordatas, ao descrédito no instituto, etc. Lamentavelmente, contudo, as normas do atual sistema dificilmente são aplicadas, com o que se permanece no entendimento ultrapassado da excepcionalidade da venda antecipada de bens na falência.

Procura-se, mediante novos anteprojetos, retirar-se do juízo, novamente, o poder decisório para entregá-lo aos credores. Ora, se não temos consciência dos resultados benéficos que a venda antecipada poderá trazer à massa e aos credores, tendo em conta a disponibilidade de dinheiro, sob a fiscalização judicial, sob que fundamento tende-se à alteração do crédito?

E mais, não se tem consciência dos resultados porque, lamentavelmente, a lei não é aplicada no seu conteúdo autorizativo e a não aplicação decorre da aversão que se nutre ao estudo do Direito Comercial, em especial, do direito falimentar. Alunos do curso de graduação rejeitam o estudo falitário; advogados, evitam-no; juizes, promotores e outros que, no dia-a-dia, tratam das coisas do Direito, também evitam enfrentamento de questões voltadas à falência. Os poucos dedicados formam dois setores; um setor que se dedica às artimanhas fraudulentas e outro setor que busca o sentido da lei. No âmbito desses dois segmentos, forma-se a pequena seara do Direito Falitário.

De todo o exposto, conclui-se que, no momento em que se questiona a atual lei falitária, é necessário, ao menos, que os órgãos judicantes apliquem-na, da forma como se apresenta, aos casos concretos. Somente depois desse comportamento e, aferidos os resultados, poder-se-á passar ao estudo dos efeitos. Somente depois da experiência manifesta é que aventaria a hipótese de reexame da lei falitária, naquilo que coubesse para melhor aprimoramento e salvaguarda da atividade mercantil.

A propósito do tema "falência", anote-se que os trabalhos legislativos, a respeito da nova sistemática que se está a preparar, encontram-se em adiantada fase de elaboração, com enfoque ao instituto da "recuperação da empresa".

O instituto da "recuperação" foi introduzido no direito francês, sob a forma de "nouveau regime" e também é encontrado no direito italiano. As causas que justificaram a alteração do sistema francês e o cuidado com a recuperação das empresas são as mesmas que estão a justificar, no Brasil, a preocupação legislativa. Aqui, entretanto, se inovou (conforme segundo substitutivo do relator, deputado federal Osvaldo Belchi, de abril de 1996), visto que se manteve o sistema das concordatas, como uma das formas de recuperação de empresas em difícil situação econômico financeira.

De posse do material legislativo, estamos a diligenciar um exame cuidadoso e, com a pretensão de verificar se a venda antecipada de bens não poderá ser examinada como um meio de solucionar a crise, ainda que em parte, em futuro próximo retomar-se-á o assunto, mas sob o sistema da nova lei, se promulgada for.

* O autor é magistrado; doutor em Direito pela Universidade Mackenzie; professor de Direito Comercial da Universidade Mackenzie e diretor geral do Instituto Brasileiro de Direito Comercial "Visconde de Cairu ".

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