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A CONCORDATA E A LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS

            ( Publicado na CONSULEX 50, de 9.12.96, no Boletim de Licitações e
            Contratos - Edit. NDJ 1/97 e no Suplemento Tributário LTR 6/97 e editado
            na TEIA JURÍDICA - INTERNET, dezembro 96/janeiro97 e na AMATRA,
            desde nov96)

                                                                Leon Frejda Szklarowsky

            CONSIDERAÇÕES GERAIS

 

            A Lei 8666, de 1993, traduz uma significativa evolução histórica, desde o
            vetusto Código de Contabilidade, de 1922, e do Decreto - lei no 2300, de 21
            de novembro de 1986, conquanto apresente alguns defeitos e incongruências,
            em parte corrigidos pela legislação subsequente, e que vem sendo polida pela
            doutrina e pela jurisprudência.

            Há azedas críticas a este diploma legal e às correções legislativas,
            merecendo, sem dúvida, um profundo enxugamento de seu texto as erronias.
            Entretanto, a lei deve ser aplicada inteligentemente, de forma que não
            conduza a absurdos, sem cair-se no péssimo hábito de criticar-se qualquer
            diploma legal, sem que se enxergue nenhum mérito.

            A lei vigente aperfeiçoou certos institutos e, como a anterior, sistematizou e
            consolidou a legislação esparsa, aplicada com extrema dificuldade,
            compreendendo normas gerais, aplicáveis aos Poderes da União, dos
            Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e de normas específicas da
            União - incidentes, apenas, na órbita federal.

            Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e as entidades da
            administração indireta, inclusive as empresas controladas direta e
            indiretamente pelo Poder Público e os fundos especiais, deverão,
            obrigatoriamente, adaptar suas normas ao disposto nesta Lei.

            Entenda-se: adaptar suas normas, em harmonia com o princípio da
            autonomia, inscrita na Constituição Federal ( arts.1o , 25 a 32 ).

            Regras em desacordo com as normas gerais devem ser desconsideradas.

            Os regulamentos das empresas estatais da União, dos Estados, do Distrito
            Federal e dos Municípios, enfim de todas as entidades referidas nos artigos
            118 e 119, deverão ser aprovados pela autoridade competente superior e
            publicados na imprensa oficial, ficando submetidos ás disposições ( normas
            gerais ) do estudado diploma legal.

            As normas gerais estabelecem diretrizes e dizem respeito
            à essência, ao interesse público ( da coletividade ) e são
            regras uniformizadoras.

            Exemplo: publicidade, prazos ( duração de contrato ), obrigatoriedade de
            licitação, modalidades de licitação, objetivo da licitação ( Artigo 3o ),
            normas disciplinadoras dos contratos ( artigos 54, 55, 57, 58, 50, 60, 61 etc.
            ).

 

 

            DOCUMENTAÇÃO PARA A HABILITAÇÃO

 

 

            O artigo 27 disciplina a habilitação nas licitações e fixa a documentação
            necessária à habilitação jurídica, à qualificação técnica, econômico -
            financeira e à regularidade fiscal.

            A documentação referente à qualificação econômico - financeira consistirá,
            entre outras, na certidão negativa de falência ou concordata, expedida pelo
            distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial do
            domicílio da pessoa física.

            Entretanto, autoriza a lei a dispensa, no todo ou em parte, da documentação
            referida, nos artigos 28 a 31, nos casos de convite, concurso, fornecimento
            de bens para pronta entrega e leilão. Entre as referidas hipóteses,
            distingue-se a certidão negativa de falência, concordata e de execução
            patrimonial.

            A lei anterior impunha a exigência da certidão negativa do pedido de
            falência, concordata ou execução patrimonial. Não obstante, temperando o
            rigor e graças à sensibilidade do Tribunal Maior de Contas, se interesse
            público houvesse, empresas em regime de concordata poderiam participar de
            licitação para compras.

            O vigente diploma, apesar de omisso, não é óbice, para sua participação, em
            caso de compras, consoante lição de Carlos Pinto Coelho Motta. Aliás,
            alguns autores, como Ivan Rigolin, Pereira Júnior, e Justen, sustentam que a
            elaboração da lei em tela foi um grande momento, para que ocorresse a
            dispensa de toda a fase habilitatória em qualquer modalidade.

            A atual, ao fazer referência à falência e à concordata,
            produziu profunda alteração, no sistema vigente, o que
            conduz à óbvia conclusão de que o simples pedido não
            obsta a participação de interessado, na habilitação.

            Não quisesse o legislador distinguir as duas situações, teria mantido a
            mesma redação, com o que concorda Carlos Pinto Coelho Motta

            E, realmente, a lei fez muito bem, ao fazer esse corte, com precisão
            cirúrgica; entretanto, melhor faria se não catalogasse, de vez, a concordata
            como obstáculo para a habilitação na licitação.

            As leis paraense e a baiana, em total desacordo com o atual diploma
            legislativo, porque não adaptadas às normas gerais deste último, estão
            derrogadas, no que diz respeito à exigência da certidão negativa do pedido
            de concordata e falência (na habilitação, para as licitações ) e rescisão do
            contrato, no caso de pedido de concordata ( lei paraense ).

            A concordata, com efeito, não pode ser óbice para o
            exercício de suas atividades empresariais. Qualquer
            obstáculo se me afigura atentatória à Constituição. A
            restrição para contratar com a Administração Pública,
            simplesmente, porque concordatária, encontra barreira
            intransponível, na definição constitucional do princípio
            fundamental da isonomia e da livre iniciativa, porque a
            ordem econômica está fundada na valorização do
            trabalho humano e na livre iniciativa, observada a livre
            concorrência.

            A todos assegura a Lei Maior o livre exercício de qualquer atividade
            econômica, independentemente da permissão de órgãos públicos, salvo nos
            casos previstos na lei. A lei, entretanto, deverá regular o exercício dessa
            mesma atividade, sem restringir ou fazê-lo, de modo a impedir esse
            exercício.

            Ao mesmo entendimento leva a exegese do inciso XXI do artigo 37 da Carta
            Magna, que assegura a igualdade de condições a todos os concorrentes, sem
            qualquer distinção, e só permite à lei fazer as exigências de qualificação
            técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
            obrigações.

            É claro que não pode o intérprete olvidar a ressalva que esse dispositivo faz
            aos casos especificados na legislação. Só que essa ressalva se refere,
            especificamente, às hipóteses, em que a lei dispensa a licitação ou prevê a
            sua inexigibilidade, sem quebra do princípio da igualdade, reafirmando-a,
            categoricamente.

            A qualificação econômica indispensável à garantia das obrigações não se
            opõe, absolutamente, à concordata. Pelo contrário, uma e outra convivem em
            plena harmonia.

            A doutrina não é infensa a esta tese.

            Motta Pinto ensina que há sólidos motivos para se facultar a Administração
            adquirir bens de licitante concordatário, avocando o artigo 32, par[agrafo
            1o., para reforço de sua posição, conquanto chama a atenção, para
            entendimento contrário de Jessé Pereira Júnior.

            Antes mesmo da vigência do decreto-lei 2300, de 1986, o TCU dava início ao
            abrandamento da lei, para assegurar à concordatária o direito de participar
            da licitação, segundo relato do Ministro Luciano Brandão, visto que
            impedi-la seria puni-la injustamente.

            É de se ponderar que a Colenda Corte Maior de Contas do País já teve
            oportunidade de discutir em Plenário essa momentosa questão, lembrando
            que, ainda, sob a égide do ordenamento jurídico passado, o Ministro
            Luciano Alves Brandão de Souza, ao relatar uma consulta formulada pela
            CISET/MINTER, propôs ao Plenário e este acatou sua opinião, no sentido de
            que " em princípio as empresas sob o regime de concordata preventiva não
            estão alijadas das competições licitatórias realizadas pelo Poder Público..."

 

            NATUREZA JURÍDICA DA CONCORDATA

            A falência, na opinião unânime da doutrina, tem em vista a superação de
            uma crise econômica, afastando conceitos obsoletos, e Roger Houin,
            enriquece o relatório elaborado por uma comissão de juristas franceses, com
            um memorável comunicado, com reflexos não só no direito comercial
            francês, mas também no direito comparado, pois defende a permanência da
            empresa dentro da falência, já que ela interessa não apenas aos assalariados,
            mas também aos sócios, especialmente aos acionistas e à própria economia
            do país. E o Estado tem, por dever ético, ofertar condições, para sua
            sobrevivência e não massacrá-la.

            Recusando-se a contratar com a concordatária, sem dúvida, está-lhe negando
            a vida. Nelson Abrão, sustenta, com ênfase, a reformulação da legislação
            falimentar, para manter e não destruir a empresa

            Com muito maior razão, a concordata deve ser vista como
            instituto moralizador e, precipuamente, o alicerce de sua
            permanência, já que o Estado não pode ser o elo de
            desagregação, senão o polarizador, e a concordata não é
            um ato de misericórdia dos credores e sim um favor legal.

            Rubens Requião considera-a um benefício outorgado pelo Estado, através de
            sentença judicial, ao empresário honesto e de boa fé, infeliz em seus
            negócios.

            A concordata, segundo a lei vigente, segue o sistema da teoria processual e
            sua força obrigatória decorre da sentença judicial que a homologa. Miranda
            Valverde confere-lhe a natureza de ato processual complexo.

            O anteprojeto de lei de falência e concordata e seu substitutivo, em trâmite
            na Câmara Federal, absorveu valiosa contribuição da doutrina, encampando
            a teoria da reorganização ou da recuperação da empresa, hoje adotada pelos
            estados modernos, que vêm nesta o sustentáculo da economia., assim que
            aquele documento regula a recuperação e a liquidação judicial de empresas
            e pessoas físicas que exercem atividades econômicas.

            O inciso II do artigo 31 da LLCA é incisivo, ao exigir a certidão de falência,
            concordata e insolvência civil, para a habilitação na licitação, inferindo-se
            que o simples pedido não obsta a participação da empresa no certame
            licitatório.

            Diógenes Gasparini, Jorge U. Jakoby e Marcos Juruema Villela Souto
            também entendem que não se há de rejeitar a presença de empresa
            concordatária e este último admite que a Administração contrate com ela até,
            em estado falimentar, se prossegue na atividade comercial, em razão dos
            relevantes aspectos econômico - sociais envolvidos, que redundaria na
            expressa violação do princípio da livre iniciativa.

            A falência subsequente, porém, será motivo para a rescisão unilateral do
            contrato.

            O inciso IX do artigo 79 erige em razão bastante para a Administração
            rescindir o contrato vigente a decretação de falência ou a instauração de
            insolvência civil, mas, instrui Justen, a insolvência civil não interfere na
            contratação que não envolva atos de natureza patrimonial, como, por
            exemplo, o contrato de execução de obra de arte.

            No entanto, se a empresa - falida requerer a continuação do negócio, com
            alicerce, no artigo 74 da lei excepcional, e o juiz deferir, em ocorrendo o
            interesse público ou da Administração, não há por que não se cogitar do
            prosseguimento do contrato, visto que o artigo 123 permite que outra forma
            de liquidação do ativo se faça, inclusive pela organização de sociedade para
            continuação do negócio, se credores, que representem 2/3 dos créditos,
            autorizarem; contudo, a falência das empresas concessionárias é motivo para
            extinção da concessão, nos termos da Lei 8987, de 13 de fevereiro de 1995.
            Não o é, porém, a concordata.

            Por outro lado, o parágrafo 2o. do artigo 80 permite, a critério da
            Administração, no caso de concordata, manter o contrato e assumir o
            controle de determinadas atividades de serviços essenciais. Não impõe a
            rescisão, mesmo por que este dispositivo deve compatibilizar-se com o inciso
            X do artigo 78, que erige como motivo para rescisão a falência decretada e
            não a concordata, como no sistema anterior. Será temerário forçar uma
            interpretação isolada e literal do texto.

            Poderia parecer, numa interpretação desarmônica e desavisada, que a
            advertência do inciso II do artigo 78 estaria a sinalizar imediata ordem para
            rescisão, o que não é verdade.

            Carlos Maximiliano, com o apoio da melhor doutrina, instrui que sempre
            que se detecta uma contradição, o hermeneuta deve necessariamente
            descobrir a correlação entre as disposições aparentemente contrárias,
            conciliando-as e integrando-as no sistema jurídico.

            O Ministro Lincoln da Rocha Guimarães, que orna a Suprema Corte de
            Contas, com sua cultura e inteligência, alicerçado na melhor doutrina, com
            Esser, demonstra que " a construção é o contrário da solução mecânica" e
            "através dela os processos vitais não são violentados, mas explicitados
            juridicamente, quer dizer, ordenados dentro do sistema".

            Nem outro é o pensamento dos doutores, como Vicente Ráo, Alípio Silveira,
            Limongi França e Maria Helena Diniz..

 

            A ADJUDICAÇÃO DO OBJETO E A CONCORDATA

            Questão de alta indagação merece ser estudada, quanto
            à situação de empresa habilitada, que se torna
            concordatária, no momento da adjudicação.

            A adjudicação é o ato administrativo, pelo qual é atribuído ao vencedor o
            objeto licitado, realizando-se o contrato; entretanto, Justen, superando a
            orientação tradicional, considera que a proposta deve também atender à
            conveniência e às necessidades da Administração, de sorte que, se esta
            decidir contratar, fá-lo-á com o adjudicatário. A lei atual reformulou,
            drasticamente, a estrutura da lei anterior, com relação à adjudicação e à
            homologação, recebendo de Ivan Rigolin e Marco Tullio Bottino os maiores
            elogios. Estes autores, com muita sensibilidade, observam que cabe à
            autoridade competente a homologação ( ato anterior ) e a adjudicação,
            concluindo que aquela não é a Comissão de Licitação e Julgamento, nem seu
            presidente, porquanto seria um contra-senso a própria autoridade homologar
            seus próprios atos.

            A Comissão de Licitação ou o responsável pelo convite fará o julgamento das
            propostas, de forma objetiva, de conformidade com os tipos de licitação e os
            critérios previamente inscritos no ato convocatório, segundo os fatores nele
            referidos, com exclusividade, de forma que os licitantes e os órgãos de
            controle possam aferi-lo, a qualquer momento.

            A lei atual dispõe que a Comissão deverá efetuar a classificação das
            propostas e o julgamento, de acordo com os critérios de avaliação transcritos
            no edital. O resultado deve ser encaminhado à autoridade superior, para
            homologação e adjudicação.

            A suprema dúvida de que, embora habilitada, por não ser concordatária,
            deva ser desclassificada, se, em seguida, vier a sê-lo, não encontra amparo
            constitucional ou legal.

            Com efeito, a lei é precisa, ao impedir a falida ( com falência já decretada )
            e a concordatária de se habilitarem, mas não impede que se adjudique a esta
            o contrato. Nem é razão para a rescisão unilateral a concordata, mas sim a
            falência decretada.

            Seria ilógico e contrário ao sistema jurídico impedi-la de fazer o contrato,
            pelo simples fato de se ter tornado concordatária, após a habilitação,
            contrariando a estrutura legal vigente e os próprios pressupostos da
            concordata.

            Se assim for, estará o Estado atentando contra a Constituição Federal que
            exige a submissão ao princípio da moralidade pública e da lealdade e que
            vale tanto para ela quanto para o súdito.

            Acrescente-se, por derradeiro, que a concordata, diferentemente, da falência,
            não constrange a liberdade do devedor nem a administração dos bens lhe é
            subtraída, continuando à testa dos negócios, sob a fiscalização do comissário
            nomeado pelo juiz.. Compete ao juiz a direção do processo e ao Ministério
            Público a fiscalização da lei, podendo opinar e requerer. E tudo isto
            acontece, segundo a melhor doutrina, para permitir-lhe obter recursos,
            visando a recuperação da empresa e pagamento dos credores, porque os
            negócios prosseguem normalmente.

            Há de se considerar que, para o devedor fazer jus à concordata, deve
            observar uma série de condições, sob o crivo do juiz, de sorte que o petitório
            inicial espelha um documento técnico minucioso, com informações
            econômico - financeiras e histórico da situação, de forma objetiva,
            abortando a indústria da concordata. E é por despacho inicial que o juiz
            determina o processamento da concordata e, por sentença, concederá ou não
            a concordata.

            Ressalte-se, ainda, se é verdade, que o contratado deve manter durante toda a
            execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações assumidas,
            todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, não é
            menos verdade que o legislador, de 1986, superou a indecisão do Decreto -
            lei 2300, e tornou clara sua intenção de não obstar a empresa concordatária
            de prosseguir na sua atividade, em consonância com os valores que
            autorizam esse favor legal, cabendo à contratante, obrigatoriamente,
            acompanhar e fiscalizar a execução do contrato.

            Observa-se, pois, que, no caso da contratada concordatária, há múltipla
            fiscalização: a exercida pelo contratante e a operada pelo Poder Judiciário.

 

            CONCLUSÃO

            Não é moral, nem ético, nem tampouco jurídico a lei fornecer à empresa o
            remédio da concordata para suavizar-lhe os percalços econômico -
            financeiros, e, concomitantemente, impedi-la de contratar com o Estado e
            exercer a atividade econômica licita. Estará, ipso facto, destruindo o próprio
            instrumental e contrariando os mais comezinhos princípio do Direito.

             Retirado de: http://www.direito.adv.br/artigos/concordata.htm