A honra do ministro
Autor: Carlos Alberto Etcheverry
O ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça
de Barros, é um servidor público muito preocupado com a honra.
A sua e a do governo. Tanto que, quando das discussões sobre a venda
do Sistema Telebrás, ao ser posto em dúvida o preço
estipulado para as ações, não hesitou em qualificar
de "ignorantes", "despreparados", "desqualificados", entre outros adjetivos,
aqueles que o acharam muito baixo ou que criticaram outros aspectos do
negócio.
Terminou por sentenciar, encerrando qualquer debate: "Isso é muito
complexo". E deu um aviso: "Na minha honra ninguém mexe e na honra
do governo ninguém mexe sem levar troco."
Teria sido melhor, a bem de esclarecer a opinião pública
- já que o patrimônio em questão era público
- que, em vez de dar uma chocante mostra de arrogância e incontinência
verbal, tivesse sido mais explícito sobre os aspectos controversos
do que a mídia qualificou como o maior negócio do século.
Também seria conveniente que Mendonça de Barros, cioso de
sua honra pessoal ao ponto de esquecer que um homem público na sua
posição deveria se comportar com mais serenidade e polidez,
continuasse tendo uma conduta que não deixa margem para qualquer
dúvida.
Sendo verdadeira a denúncia feita pelo jornal Folha de São
Paulo em sua edição do dia 10 de outubro último, não
é o que ocorreu. A diária do ministro no hotel mais luxuoso
de Madri, onde chegou na quarta-feira passada para "acalmar" os investidores
espanhóis no Brasil, teria sido paga pela Telefónica de España,
empresa que, após a venda da Telebrás, assumiu o controle
da Telesp fixa e da Tele Sudeste celular.
Afirma-se na reportagem que a reserva da suíte foi feita pelo gerente
de relações institucionais da Telefónica. O próprio
hotel informou que o ministro havia pago apenas despesas extraordinárias,
fato inadvertidamente confirmado pela generosa empresa. Estes e outros
contatos teriam sido devidamente gravados. Mendonça de Barros limitou-se
a afirmar que era tudo mentira, negando-se a apresentar comprovante
de pagamento.
O valor do "regalo" - U$520 - parece irrisório, comparado, por exemplo,
com o montante de reservas que abandonaram o Brasil em busca de paragens
mais seguras, se é que isso ainda existe. Mas, do ponto de vista
do Direito, não é de forma alguma irrelevante, a começar
pela clara infração ao Código de Ética Profissional
do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal:
"XV - É vedado ao servidor público:
...
g) pleitear, solicitar, provocar, sugerir ou receber qualquer tipo de ajuda
financeira, gratificação, prêmio, comissão,
doação ou vantagem de qualquer espécie, para si, familiares
ou qualquer pessoa, para o cumprimento da sua missão ou para influenciar
outro servidor para o mesmo fim;".
O fato denunciado, se confirmada sua veracidade, estaria enquadrado também na descrição contida no art. 9º da Lei nº8.429/92, que trata das sanções aplicáveis nos casos de enriquecimento ilícito dos agentes públicos:
"Art. 9°. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento
ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em
razão do exercício de cargo, mandato, função,
emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei,
e notadamente:
"I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel
ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou
indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação
ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser
atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente
das atribuições do agente público;".
Note-se que a lei não exige, para que fique qualificada a improbidade
administrativa, que os interesses de quem dá o dinheiro tenha sido
ou venha a ser favorecido: é suficiente que possam ser atingidos
ou amparados por ação ou omissão do agente público.
Tanto que se entenda que o ministro das Telecomunicações
pode ter alguma ingerência sobre as empresas controladas pela Telefónica
de España no Brasil - e seria possível imaginar o contrário?
-, estaria caracterizado o enriquecimento ilícito.
A violação dessa regra tem as conseqüências previstas
no art. 12, I, da mesma lei: "perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente
ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda
da função pública, suspensão dos direitos políticos
de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes
o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar
com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais
ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio
de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário,
pelo prazo de dez anos;".
Na eventualidade de ficar provado que tudo se passou tal como foi narrado
na matéria jornalística, não restará outra
alternativa que não a de impor as sanções relacionadas
acima. A menos que se entenda inexistir ilicitude porque a Telefónica
de España meramente procurou ajudar a administração
pública a diminuir suas despesas neste grave momento vivido pela
nação, efeito necessário da restituição,
pelo ministro, do que recebeu do governo para custeio das despesas de viagem.
Mas, nesta última hipótese,
seria necessário modificar a redação da lei, facultando
excluir a sua aplicação, por exemplo, "sempre que indicado
por razões de Estado ou circunstâncias excepcionais, a critério
do Poder Executivo."...
Retirado de: www.infojus.com.br/area5/carlosalberto7.htm