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A PENHORA ADMINISTRATIVA

em debate
 
 
 
 

POSICIONAMENTO DO AUTOR DO ANTEPROJETO:

Professor Leon Frejda Szklarowsky, sub-procurador-geral da

Fazenda Nacional aposentado, advogado e consultor jurídico

em Brasília.

PENHORA ADMINISTRATIVA

Leon Frejda Szklarowsky

As leis são amostras de comportamento que traduzem a consciência social de

uma era e de um povo

A cobrança dos créditos tributários tem despertado tanto os estudiosos quanto as

próprias comunidades e induzido a debates dos mais oportunos e profícuos,

porquanto se, de um lado, a Justiça deve ser ágil e dinâmica, de outro, os direitos

fundamentais do homem não podem ser postergados, sob pena de se esmigalharem

milhares de anos de fecunda civilização.

Esta a questão transcendental que se propõe, o dilema maior: garantia e presteza:

segurança para o administrado e agilidade para o Estado - fisco.

Os romanos utilizavam-se da ação sumaríssima, para a cobrança de todas as

dividas mesmo que contratuais, com o objetivo de recolher com a máxima rapidez

aos cofres públicos a renda provinda dos impostos e de outras fontes.

O Brasil, desde o direito do reino, conheceu a tradicional divisão de poderes do

Estado, visto que da harmonia destes exsurgia a garantia dos direitos do cidadão e o

meio mais seguro de tornar efetivas as garantias constitucionais, sem embargo de,

durante o Império, haver surgido, com D. Pedro I, o Conselho de Estado,

suprimido pelo Ato Adicional de 1824, e restaurado por D. Pedro II, em 1841.

Não obstante, a República, modelada no figurino norte-americano, instituiu a

Justiça Federal, que absorveu o contencioso administrativo. Esta discriminação de

poderes, longe de ser estática e esotérica, é mesclada pela interação e vigilância

recíprocas, em consonância com os ensinamentos de Montesquieu, porquanto este

fosso absoluto não mais se afeiçoa ao Estado moderno, dada a evolução para o

Estado social ou, como ensina Lowenstein, as teorias mais modernas projetam

novas separações de funções e atividades, de sorte que a absoluta separação não

mais existe.

O homem, visando aperfeiçoar os instrumentos ao seu dispor, procura romper

certos tabus e assim atingir melhor seu desideratum.

O

verdadeiro direito é aquele que anda de mãos

dadas com a justiça social E COM A REALIDADE.

A América Latina, conquanto tenha concebido um Modelo de Código Tributário,

apresenta extrema diversidade em matéria processual fiscal, abeberando-se em

fontes diversas do continente europeu e dos Estados Unidos da América (Tax

Court ), destacando-se a alemã, a italiana e a francesa, adotando alguns países o

contencioso administrativo com poder jurisdicional, com independência da

administração ativa.

No Brasil, não há que se falar em contencioso administrativo, com poder

jurisdicional, visto que os Conselhos Tributários, nas diversas esferas de poder, não

passam de apêndices do Executivo e o princípio constitucional da separação de

poderes e da não exclusão de apreciação, pelo Poder Judiciário de ameaça ou lesão

a direito, veda a instituição de tribunal administrativo, com poder jursidicional.

Se a consciência jurídica nacional vem repelindo, com veemência, esta solução -

contencioso administrativo com poder jurisdicional - não é menos verdade que ela

exige imediata tomada de posição que amenize os efeitos de uma justiça tardia. A

criação dos juizados de pequenas causas tem demonstrado que é preciso a vontade

política para se resolverem questões aparentemente insolúveis.

A morosidade da justiça é um problema universal, dado o modo nefasto como é

tratado nas variadas Constituições, quebrando-se-lhes a autonomia financeira, como

argutamente rememorava Giuliani Fonrouge, prejudicial, por isso mesmo, tanto

para o Estado, quanto para os súditos, que sofrem consequências desastrosas.

Uma das medidas históricas é a previsão constitucional de uma justiça

especializada, fincada no Poder Judiciário, à semelhança da Justiça Laboral,

sedimentando, assim, a tradição pátria e afastando, de vez, o impasse.

Contudo, não basta a institucionalização de uma justiça especializada, torna-se

necessário mais que isto.

No âmbito processual, há que se fazer, também, um remendo na lei vigente, sem

romper o sistema, mas complementando-o, com a experiência alienígena, adaptada

à realidade brasileira, sem quebrar os laços constitucionais e a tradição histórica,

com a realização da penhora administrativa, diferentemente, entretanto, da operada

no direito comparado e pretendida por alguns reformadores.

Assim que, o nobre e operoso Senador, Lúcio Alcântara, honrou-nos,

imensamente, adotando tese que vimos esposando, há mais de duas décadas,

apresentando projeto de lei que institui a penhora administrativa executada por

órgão jurídico da Fazenda Pública da União, dos Estados, dos Distrito Federal, dos

Municípios e de suas autarquias, que, entretanto, poderá optar por executar a

dívida ativa nos moldes da Lei de Execução Fiscal vigente.

Esta proposta tem em vista aperfeiçoar a cobrança da dívida ativa, sem destronar

os direitos e garantias fundamentais agasalhados pela Lei Maior e pela consciência

jurídica universal, conquanto fugindo do modelo tradicional, que autoriza se faça

pela própria administração fiscal ativa.

Isto porque a penhora é um ato administrativo e não jurisdicional, segundo a

melhor doutrina, não necessitando realizar-se sob as vistas do juiz, como

enfaticamente tem proclamado o eminente Ministro Carlos Mário da Silva Veloso.

Seria, entretanto, um contra-senso que o próprio órgão fiscal, que tem a função,

das mais relevantes, de autuar, fiscalizar e efetuar o lançamento, também efetivasse

a penhora.

Na execução da dívida ativa, a maior parte das execuções exaure-se antes de

embargada a execução, isto é, o pagamento dos débitos dá-se antes da penhora e da

apresentação dos embargos.

Estes, por sua vez, de acordo com o direito positivo e a melhor doutrina,

constituem ação que, no magistério de Liebman, consubstancia uma ação incidente

do executado - do devedor - já que o procedimento executório não comporta

defesa, visto que não há matéria litigiosa a se discutir e decidir.

O devedor passa a ser o autor e o credor - exequente, o réu, com o objetivo de

anular ou reduzir a execução ou, ainda, suprimir a eficácia do título.

Desta forma, a Fazenda Pública poderá optar por promover a execução, antes do

ingresso em Juízo, através da Procuradoria Fiscal, até a penhora, calcada na

certidão de dívida ativa, que goza da presunção de legitimidade e auto -

executoriedade. Lembre-se que a inscrição, na opinião da doutrina dominante,

deverá ser feita por procurador ou advogado do referido órgão jurídico.

A lei vigente - Lei 6830, de 1980, já disciplina o processo após a apresentação dos

embargos, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil. Nada impede,

porém, que ela o faça, escolhendo a via disciplinada por essa lei.

Daí, conclui-se que nem a Lei de Execução Fiscal estará afetada, nem se subtrai ao

Fisco a prerrogativa de eleger a via que melhor lhe convier.

Ao devedor também não fica suprimida a via judicial, expressamente, consagrada

na Lei Magna, ou seja, não efetuando o pagamento da dívida, no prazo legal, após

a inscrição do crédito como dívida ativa e, se desejar apresentar os embargos,

fa-lo-á, de conformidade com o artigo 16 da lei mencionada ou valer-se das demais

medidas e ações judiciais, inclusive o mandado de segurança.

Os embargos serão interpostos, perante o juiz competente para a execução judicial

da dívida ativa, que requisitará, de oficio, o processo administrativo em que ser

tiver efetivado a determinação da inscrição e a penhora.

O prazo, para a Procuradoria ou o órgão jurídico, encaminhar os autos, é de

quarenta e oito horas e, não o fazendo, estarão sujeitos às penalidades legais.

O texto legal prevê ainda que, efetuado o pagamento, antes ou durante a penhora,

esta será desfeita, imediatamente, cabendo-lhe tomar as providências cabíveis, no

prazo improrrogável de quarenta e oito horas, sob pena de responsabilidade de

quem se omitir.

Com isto, o direito brasileiro estará inovando, porque a Fazenda Pública poderá

executar o seu próprio ato realizando a penhora administrativa, por autoridade

competente - o procurador ou o advogado do Poder Público - após a determinação

da inscrição da dívida ativa, efetuando previamente o controle da legalidade

prevista na legislação própria.

Este ato, parece-nos mais legítimo e consentâneo com os cânones constitucionais

do que a decretação de indisponibilidade de bens produzida de imediato pela

medida cautelar proposta pelo Fisco, antes ou durante a execução fiscal.

Basta o exame superficial da Lei 8397, de 6.1.92, para se duvidar de sua

constitucionalidade, em face dos esdrúxulos pressupostos que autorizam sua

propositura.

Também o artigo 53 da Lei 8212, de 24.7.91, produziu sérios estragos no sistema

legal vigente, ao tratar da execução da dívida ativa da União e de suas autarquias e

fundações públicas, em sede imprópria, permitindo ao credor - exequente indicar

bens à penhora, que se fará, concomitantemente, com a citação do devedor,

ficando, desde logo, indisponíveis os bens do devedor, o que constitui retrocesso

imperdoável, digno de ser revogado, como aliás o faz o projeto do Senador.

Estas figuras espúrias são mais danosas e ferem frontalmente o Texto Magno, não

se harmonizando com o direito moderno, ao contrário da penhora administrativa, se

realizada, por órgão jurídico competente.
 
 
 
 

POSICIONAMENTO:

Dr. Paulo José Leite Farias - Procurador Autárquico Federal

Prezado Prof. Leon,

Com muito interesse reli seu artigo e o projeto de lei sobre a "penhora

administrativa". Como ex-advogado de órgão público acredito que há necessidade

de busca de novos caminhos que possam assegurar de forma mais efetiva a

cobrança da dívida ativa, hoje prejudicada em razão do procedimento executivo

judicial favorecer o inadimplemento da obrigação. Ademais, observo que as varas

federais , especialmente, estão atoladas de feitos executivos , o que torna o

procedimento de satisfação do crédito mais moroso. Creio que a exemplo das

saídas alternativas à atividade jurisdicional , como a recente lei de arbitragem , a

sua proposta é necessária e preemente. Entretanto, no que se refere a forma

proposta para o procedimento de penhora administrativa, gostaria de fazer alguns

comentários:

a) acredito que a simples possibilidade do advogado público com base na inscrição

me dívida ativa, proceder diretamente à penhora mostra-se , por demais gravosa ao

contribuinte;

b) imagino , sem análise mais profunda, que o ideal seria acoplar a penhora

administrativa a um órgão do chamado contencioso administrativo, no qual ,

inicialmente, haveria a possibilidade do advogado público postular a penhora

administrativa, desde que presentes requisitos indicativos da necessidade dessa

medida ( poderiam ser requisitos assemelhados aos do arresto judicial);

c) haveria pois, necessariamente, a postulação pelo advogado público ( procurador

da fazenda) e a apreciação desse pedido pelo órgão responsável pelo contencioso

administrativo ( ex: conselho de contribuintes, no caso do Ministério da Fazenda) ,

com vistas a garantia de um maior controle sobre este ato inicial de expropriação.

Outra possível abordagem, seria que uma vez efetuada a penhora administrativa

pelo advogado estatal , abri-se imediatamente prazo ao contribuinte , independente

da busca ao judiciário, de se opor a tal ato perante o órgão do contencioso

administrativo que exerceria um controle sobre tal ato, decidindo sobre a sua

validade ou invalidade. Essas seriam , em breves linhas, as minhas idéias principais

referentes a essa matéria.

Respeitosamente, Paulo José Leite Farias
 
 
 
 

POSICIONAMENTO:

Dr. Rogério Distefano, Advogado em Curitiba, PR.
 
 

Em agosto passado o Senado da República recebeu projeto de lei do sen. Lúcio

Alcântara, para instituir a penhora administrativa, a partir de anteprojeto do

professor Leon Frejda Szklarowsky, sub-procurador geral da Fazenda Nacional

aposentado, e hoje ativo escritor e parecerista de Direito Público.

Com o projeto pretende-se conferir às fazendas das pessoas políticas a alternativa

ao processo da execução fiscal disciplinado na Lei 6830/80: feita a inscrição do

crédito, tributário ou não tributário, a administração tem a faculdade de executá-lo

nos moldes da Lei das Execuções Fiscais ou fazer a penhora administrativa.

O projeto tem inspiração compreensível: o Poder Judiciário está congestionado e

isto se deve muito às causas envolvendo a Administração Pública - estas em sua

maioria de execução fiscal; além disso, a busca de recursos poderia ser mais

eficiente e rápida com este instrumento.

Na primeira leitura constata-se uma curiosa omissão no projeto: o devedor é

notificado para pagar e se não o fizer sofre a penhora administrativa; no entanto

nada se estabelece quanto ao que se segue à penhora, como a Administração vai

realizar o crédito - mediante arrematação ou adjudicação.

Esta omissão poderia ser explicada pela Psicologia Social: o recurso ao Judiciário e

a desconfiança diante da Administração Pública estão de tal modo entranhados no

imaginário brasileiro, que o anteprojeto conteve-se naquilo em que poderia avançar.

E para onde se poderia avançar? Exatamente em direção a um procedimento

administrativo de execução fiscal. O projeto parece ter esboçado tentativa nessa

linha, quando no art. 2o estabelece a penhora administrativa como alternativa à

execução fiscal. No entanto, seria alternativa incompleta, tímida e de duvidosa

eficiência, na medida em que o anteprojeto logo abre a possibilidade ao devedor de,

feita a penhora, dirigir embargos ao Judiciário - embargos que não tendo o

antecedente de uma execução judicial levam a crer que pensou-se não numa

penhora, mas na execução administrativa fiscal.

É o que se deduz dos dispositivos do projeto, apesar de sua ementa: uma execução

administrativa fiscal, mas que fica contida na penhora administrativa, sem

reproduzir a alternativa do incidente de embargos administrativos, à semelhança da

execução fiscal judicial. Portanto, o projeto poderia abrir a disciplina de embargos,

recursos e decisão no âmbito da Administração Pública, inclusive quanto à

realização do crédito pela alienação do bem penhorado.

Sem maior detalhamento do que deveria ser a verdadeira execução administrativa,

o projeto acaba por introduzir um instrumento autoritário, de previsível mal manejo

pela Administração - não tem sentido dar o poder de penhorar sem a contrapartida

da sujeição da defesa do administrado.

Mas não se veja nestas palavras crítica à inspiração do projeto. Ao contrário, ele

tem excelente inspiração. O que lhe falta é a ousadia de tentar algum avanço em

direção ao contraditório administrativo. Fala-se em contraditório porque a

conformação brasileira dificilmente virá a admitir um contencioso administrativo.

Se a Constituição consagrou como princípio a ampla defesa administrativa é porque

se aceita o procedimento administrativo como mecanismo de ação do Estado com

participação do administrado. A isto que se chama aqui de contraditório

administrativo, que já existe nos conselhos de contribuintes e que bem poderia ser

trabalhado a partir dessa interessante idéia da penhora administrativa.

Outra virtude do projeto é propor a revogação do art. 53 da Lei 8212/91. Esse

dispositivo é evidentemente inconstitucional, pois cria um privilégio à Previdência

em norma de processo. É coisa sem nenhum sentido esta de excepcionar um ato do

processo de execução exclusivamente em favor da Previdência Social da União.

Essa norma não só cria distinção entre as pessoas políticas, mas cria uma distinção

dentro da pessoa política.
 
 
 
 

POSICIONAMENTO:

Dra. Gisela Gondim Ramos, Advogada em Santa Catarina.

Prezado Leon,

Tenho muito pouca experiência nesse campo. Mesmo assim, em atenção ao seu

pedido, vou arriscar algumas observações, com o perdão pela ousadia.

O projeto me parece, realmente, bastante avançado, cujo procedimento é

característico de sociedades modernas.

Tenho algumas desconfianças, entretanto, em relação aos nossos administradores

públicos, que em número significativo, parecem sofrer de algum tipo de "complexo

de autoridade", usando e abusando dos poderes dos respectivos cargos para

constranger os cidadãos comuns, ao mesmo tempo em que, quando se trata de

alguém "amigo", ou com alguma influência, deixam a coisa "rolar".

Já vivi uma situação aqui, p. ex., em que um cliente foi notificado para pagamento

de uma multa aplicada de forma absolutamente ilegal, e sem fundamento.

Protocolei de imediato, antes da inscrição da dívida, um requerimento

administrativo, esclarecendo os fatos e provando, inclusive com documentos, o não

cabimento da multa, na espécie. Não adiantou, pois a autoridade administrativa,

sem sequer tomar conhecimento das razões do pedido, manteve a decisão.

Protocolei, então, um Recurso Administrativo, dirigido à autoridade superior, com

quem cheguei a conversar, tendo recebido a informação de que o processo seria

arquivado, uma vez que o pleito era justo e, efetivamente, a multa não cabia.

Ocorre que, de alguma forma, a autoridade "a quo" tomou conhecimento desta

posição superior antes que o processo lhe retornasse pelos caminhos burocráticos

normais, e, assim, como tinha interesse pessoal em constranger meu cliente,

enquanto o processo lhe retornava, pôs os documentos embaixo do braço, e se deu

ao trabalho de dirigir-se pessoalmente ao órgão competente para providenciar a

imediata inscrição da dívida. Seguiu-se daí, inúmeros transtornos e aborrecimentos,

já tão conhecidos.

Fico imaginando, então, diante do assunto ora analisado, o que teria sido de meu

cliente se aquele administrador tivesse autoridade para penhorar seus bens.

Por outro lado, não tenho razão alguma para confiar num "controle de legalidade",

pela autoridade administrativa. A realidade nos tem mostrado que poucos (não

consigo sequer lembrar), são aqueles administradores públicos que sabem

diferenciar arbítrio de arbitrariedade. E os nossos Tribunais estão repletos de

exemplos neste sentido.

A par disto, creio que seria interessante lembrar a tendência (tão comum) dos

nossos administradores públicos, de colocarem suas instruções internas (resoluções,

portarias, circulares etc...) em um nível hierárquico superior à própria Constituição

Federal.

Quantas e quantas vezes já me ocorreu, quando argumentava com alguns destes

sobre uma determinada situação prática, onde havia conflito com algum dispositivo

constitucional, de ouvir a resposta: "Mas a resolução tal, do órgão X, diz isto...". E,

nessa hora, para eles, vale mais esta "resolução". A grande maioria tem, na

verdade, medo de contrariar uma norma administrativa, preocupados com a

repercussão na sua situação funcional. Por isso, vem logo em seguida a desculpa:

"...depois o jurídico resolve". O resultado: direitos lesados, cidadãos incomodados,

tribunais abarrotados.

Quanto à questão de que o novo procedimento não suprime nem impede o ingresso

do devedor perante o judiciário, tenho que concordar. Mas, com ressalvas,

porquanto, embora não obstando que o assunto seja levado à apreciação

jurisdicional (e não poderia, frente ao disposto no art. 5o., XXXV, da CF), com

certeza já coloca o "devedor" em situação de desvantagem. E o constrangimento,

no caso de uma ilegalidade, já se teria operado.

Creio que o Estado (que já conta, até, com uma Justiça própria, especializada, para

julgar os pleitos que lhe interessam direta e indiretamente - resquício do

autoritarismo de tempos passados, mas infelizmente ainda presente), já tem

instrumentos de sobra para fazer valer sua supremacia sobre o administrado. Este,

em contrapartida, não conta com muitos meios eficazes contra a arbitrariedade,

pois, via de regra, fica completamente desamparado quando tem a infelicidade de

estar na situação de credor do Estado. Conta, apenas, com uma justiça morosa, e

que, em alguns casos, é atropelada por "acertos políticos" realizados junto às

instância superiores.

Meu caro Leon. Vejo o projeto como algo, realmente moderno, e tecnicamente

aceitável, nos termos da própria justificação que lhe segue. É inegável que, num

verdadeiro Estado de Direito, em que existe, como algo normal, a participação

concreta do cidadão, e a democracia seja uma força viva, efetiva, que não precise

ser lembrada a cada momento, os novos procedimentos certamente seriam

louváveis.

Entretanto, há muito que o nosso ordenamento vem se espelhando em outros

sistemas, mais avançados e modernos, é certo, mas sem que seja avaliada,

prioritariamente, a nossa realidade sócio-cultural, antes de implementá-los. Talvez

esta a razão de tantos choques.

Tenho restrições, pois, diante da triste realidade brasileira, em que a cultura

autoritária ainda prevalece, e cega a grande maioria de nossas "autoridades". Tenho

sérias dúvidas, portanto, em relação aos aspectos práticos do novo procedimento,

que a par de se apresentar como um meio eficaz de garantia de recebimento do

débito fiscal, muito mais pode servir ao propósito de constranger o cidadão que

realmente se importa. Principalmente porque, os devedores contumazes, alvo

prioritário deste tipo de procedimento, pouco se importam com o fato, e em geral,

sequer possuem bens penhoráveis, não é?

Talvez a regulamentação do processo e da atividades dos agentes públicos, sugerida

por você e mencionada na justificação do projeto, deite por terra tais preocupações,

se: detalhar com rigor as atribuições de cada autoridade envolvida no procedimento

(rigorosamente vinculadas), bem como impor penalidades pelos excessos

cometidos, e meios eficazes e rápidos de correção de eventuais abusos, como

também, prevendo o direito ao ressarcimento de danos materiais e morais ao

cidadão lesado (quando o procedimento escapar da estrita legalidade).

Creio que, neste sentido, deve ser prevista a responsabilidade pessoal do agente

público que agir em desconformidade com a lei, pois está mais que na hora de se

acabar com o atual estado de coisas, em que estes agem conscientemente

desvinculados do comando legal por terem a absoluta segurança de não serem

chamados à responsabilidade, porquanto, em geral, é o órgão que responde

(quando responde), por seus atos.

Tenho o maior interesse no assunto, e estou me informando mais a respeito para

que possamos aprofundá-lo. Já que estas são as minhas primeiras impressões,

espero um retorno seu, para continuarmos discutindo o assunto. Estarei mais

atualizada nesta área, para as próximas vezes.

Iniciei um estudo sobre a legalidade da retenção da CPMF. Estou pesquisando

material sobre o assunto, pois pretendo ajuizar ação (inicialmente cautelar),

pleiteando o cancelamento dos descontos na rede bancária. Me parece que a

movimentação bancária não é fato econômico suscetível de justificar o tributo.

Localizei uma sentença muito boa, neste sentido, na TEIA JURÍDICA. Se você

tiver algo a respeito, agradeceria se me encaminhasse.

Fiquei muito lisonjeada com a lembrança. Por favor, conte comigo sempre, pois

estarei sempre à disposição do amigo (se me permite a intimidade, já lhe tenho

como tal).

Um grande abraço,

Gisela.
 
 

RESPOSTAS ÀS OBSERVAÇÕES AO ARTIGO SOBRE A

PENHORA

Prof. Leon Frejda Szklarowsky.
 
 
 
 

Meus caríssimos amigos e colegas

Paulo José

Gisela

Rogério
 
 

Estou muito feliz por haver recebido as mensagens, com as observações ao meu

trabalho sobre a penhora administrativa, o que demonstra que, realmente, o tema

desperta interesse, pela sua importância, seja para o Fisco, seja para o devedor -

súdito.

Venho estudando o assunto, há mais de 25 anos, desde quando ainda exercia o

cargo de Procurador do Estado de São Paulo e, posteriormente, já na Procuradoria

- Geral da Fazenda Nacional. Ainda, hoje, mesmo aposentado no cargo de

Subprocurador - Geral da Fazenda Nacional, tenho interesse pelo tema, que me

fascina, sobretudo, em vista de sua repercussão, sob variados aspectos.

Vou procurar analisar as manifestações, respondendo-as em conjunto, sempre que

as respostas comuns se adequarem e, especificadamente, quando as objeções

ferirem situações particulares.

1 - A preciosa observação do Dr. Paulo, quanto à possibilidade do advogado

público proceder diretamente à penhora, com base na inscrição da dívida ativa,

mostrar-se mais gravosa, daí por que melhor seria adotar-se o contencioso

administrativo, não me parece uma solução adequada ao modelo legal e

constitucional brasileiro, notadamente, tendo em vista a consciência jurídica de

nossa sociedade.

Realmente, no passado, defendia também a tese de que o contencioso

administrativo, com poder jurisdicional, apartado da administração fiscal, seria a

solução ideal, tal qual ocorre em diversos países, como na Alemanha, Espanha,

USA, Argentina, México, consoante discursara em meu Execução Fiscal, ESAF,

1984, e no Aspectos do contencioso fiscal e administrativo no Brasil (cf., ente

outros, Arquivos do Ministério da Justiça, nº 168/84).

O Brasil já experimentara, sem êxito, o contencioso adminitrativo, durante o

império, e, em 1984, o Presidente Figueiredo, no Projeto de Emenda à

Constituição, propusera a alteração do § 7º do artigo 153 e o artigo 203, da

Constituição Federal, então vigente, de sorte que omitia a expressão sem poder

jurisdicional, com o que estaria admitindo a possibilidade de se criarem

contenciosos (com poder jurisdicional). Este projeto culminou com a reação

retumbante de toda a sociedade, produzindo o robusto trabalho do extinto Tribunal

Federal de Recursos ao Presidente do Congresso Nacional, desautorizando

totalmente essa inovação. Eis por que me inclinei para um caminho que, queimando

etapas, cortando vias, não retirasse do administrado a prerrogativa da iniciativa

judicial, pelas razões expostas nos citados trabalhos.

Com relação à inscrição da dívida ativa da Fazenda Pública, vimos advogando sua

necessidade imperiosa, sempre operada, nas Procuradorias, por advogado do Poder

Público, resultando na sua inserção na Lei de Execução Fiscal - Lei nº 6830/80,

com o aval da melhor doutrina, destacando-se Ives Gandra da Silva Martins, Heron

Arzua, Alberto Xavier (cf. nosso Execução Fiscal cit. ). Esse ato, que não é simples

homologação do lançamento, contribui decisivamente para a garantia do

contribuinte.

2 - A estimada colega Gisela traça seus argumentos, por demais valiosos, porque

sumamente preocupada com os desmandos de certas autoridades administrativas,

na suposição de que todas as autoridades são arbitrárias, por si só, o que é um

equivoco. E esse erro ocorre, também, no lado de cá, quando supõe, sem qualquer

fundamento, que todo administrado é criminoso, desonesto e prima pelo desvario,

contrariando o sagrado cânone constitucional de que todos são inocentes até prova

em contrário. É o preconceito de lado a lado. Está inerente em todos nós! E deve

ser extirpado.

O que se pretende não é conceder mais supremacia ao Estado, que já o tem, em

função de sua própria posição, como Estado. Estes privilégios não lhe conferimos

nós, mas a própria Carta Maior e o sistema jurídico.

E o súdito ( não gosto da palavra cidadão que é por demais restrito, conquanto meu

querido mestre, o insigne tributarista, Edvaldo Brito, abjure esta expressão, que eu

uso, porque resquício do poder imperial ), tem instrumentos legais e constitucionais,

para esmagar a prepotência do Estado, se for o caso, e a arbitrariedade de poucos

maus servidores. A generalização é por demais perigosa. E o Judiciário está firme,

ereto, na sua posição magistral, porque toda geração, felizmente, tem seus Ribeiros

da Costa!

3 - E, agora, o meu caríssimo, Rogério, da longínqua e, para mim, muito querida

Curitiba, porque minha esposa nasceu na terra dos pinheirais, na verdade se mostra

apaixonado pelo projeto e entendeu sua filosofia: presteza para o Fisco e segurança

para o administrado, contudo, com muita razão, não permite que qualquer omissão

maltrate o contribuinte, porque o contribuinte somos todos nós, indistintamente! E

este merece toda a proteção, o que é por demais louvável. Esta a tônica de todos os

queridos participantes e nem eu deixaria de assim também pensar.

Não obstante, permito-me, pedindo licença, ao prezado e ínclito colega, aclarar

que, notificado o devedor, feita a penhora por advogado, na Procuradoria, e não

pela autoridade fiscal, que, sem dúvida, exerce funções nobres, que não se

confundem com as atividades próprias do advogado, público ou privado, o

devedor, se não pagar o débito, poderá perfeitamente, embargar a execução, na

forma do artigo 16 da citada lei 6830/80, conforme explicitado no projeto de lei em

curso no Senado Federal. Daqui por diante, esta lei regulará a continuidade da

execução. Nada aparentemente foi olvidado, entretanto, a discussão é fundamental,

porque permite o aperfeiçoamento, que é a vontade mesma de todos.

Eis, meus caros amigos, o que me permiti discutir, com a ousadia, de quem apenas

deseja propor algumas soluções razoáveis, com o objetivo de sanar algumas

dificuldades.
 
 
 
 

POSICIONAMENTO:

Dr. Clayton Maranhão, ex-procurador do Estado do Paraná,

Promotor de Justiça e Professor de Direito Processual Civil da

PUC/PR.

Prezado Dr. Leon Frejda Szklarowsky :

A propósito do projeto de lei sobre a penhora administrativa, algumas

considerações temos a tecer, sem contudo deslustrar a altura da iniciativa que tem

como suposto teórico a agilização na cobrança da dívida ativa da administração

pública e a segurança do administrado :

a) antes de mais nada, una é a jurisdição, cediço que o contencioso administrativo

é, para o direito constitucional positivo brasileiro, matéria que não mais encontra

espaço no texto maior vigente, ao contrário da Carta revogada. Assim, sob tal

enfoque, um primeiro obstáculo se nos apresenta, guardando pertinência em tema

de controle de constitucionalidade;

b) não bastasse isso, e sem embargo da discussão que se possa travar sobre ser ou

não ser a penhora ato jurisdicional, curial é enfrentar a premissa do projeto de lei

em análise, alinhada na agilização da cobrança da dívida ativa e na segurança do

administrado. O princípio da inafastabilidade de apreciação de qualquer lesão ou

ameaça a direito por parte do Poder Judiciário, frente a recente lei da arbitragem,

certo, não é mais absoluto, desde que disponível o direito controvertido. Estamos,

todavia, diante de direito indisponível: a dívida ativa da administração pública direta

ou indireta. Conseqüentemente, o administrado poderá insurgir-se contra o ato da

administração, socorrendo-se do Estado-Juiz. Até aí, o multicitado projeto não

dissente. Ocorre que o Código Tributário Nacional enseja o decadência qüinqüenal

do direito do Estado em instituir o crédito administrativo. Ao depois, uma vez

instituído - inscrição -, idêntico prazo, agora na seara prescricional, quanto à

cobrança judicial - Lei n.º 6.830/80. Daí algumas questões são naturalmente

decorrentes. Cediço que vige, por princípio constitucional, a cláusula do due

process of law, também no processo administrativo, pergunta-se: o administrado

não tem o direito de recorrer ao superior hierárquico, ainda na esfera administrativa

e com efeito suspensivo, quanto ao ato da 'penhora' administrativa operada ? Nesse

caso, como ficaria a tutela diferenciada quanto à eventual direito líquido e certo,

frente à letra do inciso I, do art. 5º, da Lei n.º 1.533/51, v.g. inconstitucionalidade

da exação ? Por outro vértice, não se estaria abrindo uma possibilidade a mais para

a procrastinação do processo administrativo, visando a decadência do crédito fiscal

? Ainda, face a técnica da exceção de pré-executividade, indiscusso em processo

judicial de execução, poderia a administração pública reconhecê-la, sem afrontar a

indisponibilidade do direito, v.g. a própria decadência ? Não se estaria

hipertrofiando o Poder Executivo em detrimento dos demais poderes do Estado ?

Dentro de uma concepção de Estado que se pretende democrático-social ou

neo-social, face à ameaça presente e flagrante de redução do espaço público e

aumento do espaço privado - onda neoliberal, em que termos a teoria da tripartição

de poderes estaria sendo desenvolvida, modernizada ?

c) comprovado está que focar o direito sobre a ótica puramente normativa,

unidimensional, não é a solução. O direito como experiência, parafraseando Miguel

Reale, significa muito mais. Não só norma, mas também fato e valor. Direito não

em si, mas axiologicamente contestualizado com a realidade social em que vige.

Direito não só. Temperado, e sempre, com sociologia e filosofia.

Tridimensionalidade, portanto.

d) em sede processual, e esta é evidentemente a nossa impostação, não podemos

olvidar de Andrea Proto Pisani, quando discorre sobre a técnica das tutelas

diferenciadas, sempre sob o pressuposto da isonomia - conceito difusamente

pervertido pela própria ciência autofágica da humanidade -, porquanto da ideologia

que possa eventualmente informar a patologia legiferante dos países de tradição

romano-canônica. Segundo o processualista fiorentino, duas seriam as acepções do

termo tutela diferenciada: d.1) a predisposição de mais procedimentos à cognição

plena e exauriente, alguns dos quais modelados sobre a particularidade de situações

substanciais controversas; d.2) a predisposição de formas típicas de tutela sumária

cognitiva e também executiva. Para Proto Pisani, a exigência de um mais amplo uso

da técnica dos procedimentos sumários, encontra justificação no atuar a máxima de

Chiovenda, segundo a qual o processo deve dar tudo aquilo e exatamente aquilo

que a parte teria o direito de obter se a obrigação fosse espontaneamente cumprida.

Luiz Guilherme Marinoni não discrepa: a lentidão da justiça civil é do interesse de

alguns. A classe dominante obtém procedimentos diferenciados que tutelam

egoisticamente seus interesses, quando não resolvem os seus conflitos de interesses

à margem da justiça estatal, pois a justiça sempre será da 'forma' que os detentores

do poder a desejarem. Por tal e portanto, mini-reformas ocorreram na legislação

processual civil, cuja metodologia, segundo nos informa o Ministro Sálvio de

Figueiredo Teixeira, pautou-se pela simplificação e agilização, visando a efetividade

do processo civil. Tanto do ponto de vista da administração pública, quanto do

ponto de vista do administrado, a penhora administrativa pode aliar-se à tal

ideologia ?

d) quer nos parecer que a resolução da equação rapidez-certeza do processo peque

por vício de origem. Não seria melhor visualizá-la sobre um novo paradigma, qual

seja a fórmula da rapidez-verossimilhança ? Vale dizer atos de execução no curso

do procedimento de cognição, desmistificando o brocardo romano da nula executio

sine titulo ? O problema, em última análise, estaria centrado na busca de soluções

no próprio âmbito na jurisdição una, sem distorcer portanto a harmonia e

interdependência que deve haver no equilíbrio dos três poderes. Se há um espaço

estatal que não pode ceder à sanha do neoliberalismo, é justamente a geografia da

justiça, como serviço público essencial.

e) não vemos, sinceramente, como se possa assegurar rapidez na cobrança da

dívida ativa do Estado, bem como segurança ao administrado, em se subtraindo da

cidadania a já tão difícil tutela de direitos individuais homogêneos - como é o caso

da discussão judicial da dívida ativa. A morosidade processual é decorrente,

basicamente, do grande volume de processos, do número insuficiente de juizes e,

logicamente, da legislação processual. Conforme relatou o Ministro Sepúlveda

Pertence, junto à Comissão Parlamentar de Reforma do Poder Judiciário, no Brasil,

a taxa é de um juiz para cada 30.000 habitantes. Na Alemanha, um juiz para cada

3.500. A demanda, proporcionalmente, é dez vezes maior. Nem por isso, à

evidência, deve a legislação, exclusivamente, ser a resolução do problema.

Em rendendo, uma vez mais, homenagens à este cultor do direito e do debate que é

o Doutor Leon Frejda Sklarowsky, bem como ao democrático espaço da revista

virtual Teia jurídica, esperamos que as colocações aqui postas tenham, de alguma

forma, enriquecido à tão relevante tema que é o da penhora administrativa.

Clayton Maranhão, ex-Procurador do Estado do Paraná, Promotor de Justiça e

Professor de Direito Processual Civil da PUC/PR.
 
 
 
 

PENHORA ADMINISTRATIVA

RESPOSTAS ÀS OBSERVAÇÕES DO DR. CLAYTON MARANHÃO

Meu caríssimo e eminente Professor CLAYTON

Estou sumamente feliz por haver recebido a mensagem, com as observações ao

meu artigo sobre a penhora administrativa, o que demonstra que, realmente, o tema

desperta interesse, pela sua relevância, seja para o Fisco, seja para o devedor. Suas

judiciosas ponderações muito me dignificam e permitem-me novamente anotar

alguns pontos, além dos citados, anteriormente, quando tive a oportunidade de

manifestar-me acerca dos primorosos pronunciamentos dos Doutores Paulo José

Leite de Farias, Gisela Gondim Ramos e Rogério Distefano. 1 - Estou de pleno

acordo com à preciosa observação da inafastabilidade de apreciação de qualquer

lesão ou ameaça a direito por parte do Poder Judiciário, seja porque se trata de

direito indisponível, seja porque, em meu livro Medidas Provisórias, prestei singela

homenagem a este Poder, "porque esteio do Estado de Direito: Sem ele, a

democracia claudica! Sem ele, a liberdade se extingue Sem ele, o Direito não passa

de flatus vocis!", externando minha férrea posição. E, para desfrutarmos da

verdadeira democracia, urge que também o Ministério Público e a Advocacia sejam

instituições fortes e respeitadas, porque apanágio da liberdade. Assim, o

contencioso administrativo não me parece uma solução adequada ao modelo legal e

constitucional brasileiro, notadamente, tendo em vista a consciência jurídica de

nossa sociedade. Realmente, no passado, defendia também a tese de que o

contencioso administrativo, com poder jurisdicional, apartado da administração

fiscal, perfaria a fórmula ideal, tal qual ocorre em diversos países, como na

Alemanha, Espanha, USA, Argentina, México, consoante discursara em meu

Execução Fiscal, ESAF, 1984, e no Aspectos do Contencioso Fiscal e

Administrativo no Brasil (cf., ente outros, Arquivos do Ministério da Justiça, nº

168/84). Peço vênia ao insigne mestre, para reproduzir o que já mencionara

anteriormente, visto que pertinente: "O Brasil já experimentara, sem êxito, o

contencioso administrativo, durante o império, e, em 1984, o Presidente Figueiredo,

no Projeto de Emenda à Constituição, propusera a alteração do § 7º do artigo 153 e

o artigo 203, da Constituição Federal, então vigente, de sorte que omitia a

expressão sem poder jurisdicional, com o que estaria admitindo a possibilidade de

se criarem contenciosos (com poder jurisdicional). Este projeto culminou com a

reação retumbante de toda a sociedade, produzindo o robusto trabalho do extinto

Tribunal Federal de Recursos ao Presidente do Congresso Nacional, desautorizando

totalmente essa inovação. Eis por que me inclinei para um caminho que, queimando

etapas, cortando vias, não retirasse do administrado a prerrogativa da iniciativa

judicial, pelas razões expostas nos citados trabalhos" e na justificativa do nobre

Senador da República, Lúcio Alcântara, autor do Projeto, ora no Senado Federal. E

o preclaro Professor consente que a tese esposada não fulmina o sacro princípio do

juiz natural, como, magistralmente, prefacia em seu trabalho, que li com muita

atenção e satisfação. 2 - As questões propostas, como a do due process of law, não

se vêem machucadas, e, na esfera administrativa, o devedor continua com o direito

de recorrer até a última instância administrativa, na forma da legislação própria ( no

âmbito federal, o processo administrativo é regido pelo Decreto 70235/72 e

alterações posteriores ), já que a penhora administrativa, da forma sugerida,

realizada por órgão jurídico da Fazenda Pública, apartado da administração fiscal

ativa, realiza-se, tal qual sob o regime da Lei 6830/80, após a inscrição da dívida

ativa pelo órgão jurídico da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos

Municípios e de suas autarquias, e não como por equivoco e ilegalmente é

praticado pela administração ativa, em alguns Estados e até pela administração

federal. Com relação à inscrição da dívida ativa da Fazenda Pública, vimos

advogando sua necessidade imperiosa, sempre operada, nas Procuradorias, por

advogado do Poder Público, resultando na sua inserção na Lei de Execução Fiscal -

Lei nº 6830/80, com o aval da melhor doutrina, destacando-se Ives Gandra da Silva

Martins, Heron Arzua, Bernardo Ribeiro de Moraes, Geraldo Ataliba e Alberto

Xavier (cf. nosso Execução Fiscal cit. ). Esse ato, que não é simples homologação

do lançamento, contribui decisivamente para a garantia do contribuinte. E a dívida

ativa sujeita a esta legislação somente pode referir-se à da União, dos Estados, do

Distrito Federal, dos Municípios e de suas autarquias e não de toda a administração

indireta ( cf. Sujeito Ativo da Execução Fiscal, in Revista de Processo 41/77).

Também, data vênia, esta inovação não estará abrindo mais uma vala para a

procrastinação, vez que, pelo contrário, queima etapas e não cria outras, sem,

como se disse, ferir o mais legítimo direito do administrado e não existe a

hipertrofia do Poder Executivo em detrimento dos demais poderes, visto que se lhe

não acrescem mais poderes do que tem e a penhora administrativa não é ato

jurisdicional e sim meramente administrativo, como reconhece a melhor doutrina.

Cite-se o estudioso e douto Ministro CARLOS MÁRIO VELOSO, que assim se

expressou, em carta a mim dirigida, em 1º de agosto de 1985, honrando-me com

seu comentário a essa proposta: " ... Regressando das férias, encontrei o seu

trabalho - " O contencioso administrativo no Brasil - No Poder Executivo. No

Poder Judiciário - Penhora Administrativa,", que li com real proveito e agrado.

Você conhece meu pensamento a respeito do contencioso administrativo no âmbito

do Executivo. Não o admito, de forma alguma, e os países que adotam o

contencioso administrativo - fiscal, com poder jurisdicional, não servem como

exemplo de países com boa prática constitucional. O que devemos fazer é

aperfeiçoar, é aprimorar o Judiciário, o juiz natural das contendas. Relembre-se,

aliás, a lição de F. Balladore Pallieri ("Diritto Costituzionale", 3ª ed. , pp. 80 e

segas.), no sentido de que somente haverá Estado de Direito onde o Estado se

submete à jurisdição, aplicando esta a lei preexistente e exercida ela, a jurisdição,

por uma magistratura imparcial, independente e cercada de todas as garantias, a ela

submetendo-se o Estado, conforme foi dito, em igualdade de condições com a parte

contrária. Assim é o meu ponto de vista a respeito do tema. Não vi, entretanto, na

sua sugestão - "penhora administrativa" - qualquer atentado aos princípios acima

expostos. A sua sugestão tem, em verdade, muito de racional, é uma proposta

inteligente. A cobrança da dívida, em sí, é uma atividade administrativa, que se

comporta perfeitamente no âmbito do Executivo, dado que o ato administrativo é,

de regra, auto - executável. Acho correto, pois, a Fazenda efetivar a cobrança da

dívida, realizando a penhora e os atos subsequentes. Agora, se o contribuinte

manifestar oposição à cobrança, embargando-a, após a penhora, então cessaria a

atividade administrativa. Os embargos seriam anexados aos autos e tudo remetido

ao juiz natural, o Poder Judiciário. E é exatamente o que você propõe. Estou

plenamente de acordo com sua sugestão...." Neste diapasão, efetivamente, o

verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a

realidade, para não se apartar de vez do homem e fenecer solitário, assim que,

concordando com as sábias lições do sempre festejado Mestre das Arcadas,

MIGUEL REALE, citado, com muita propriedade, no seu robusto contraditório, o

direito não é só norma, mas também fato e valor, de sorte que, por isso mesmo,

não deve o jurista ater-se a velhas e surradas fórmulas, senão buscar soluções

novas que, não atentando contra a essência do ser humano, tracem rumos

revolucionários. E, com respeito e admiração, ouso afiançar que a penhora

administrativa, da forma concebida, pode aliar-se à renovação encetada pelo erudito

e corajoso Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, a quem presto

minhas homenagens, lembrando que a grande reforma se iniciou com a Lei de

Execução Fiscal, nos idos de 1980, a ser complementada agora pela penhora

administrativa. 3 - Por derradeiro, quero ainda recordar que pior que a penhora

administrativa, nos termos do projeto, é a indisponibilidade dos bens produzida de

imediato pela decretação da medida cautelar fiscal, ex vi da Lei 8397/92, aberração

que molesta não só o artigo 5º da Carta Maior, mas também os mais comezinhos

princípios de direito e que se está tornando regra no estado atual, encontrando no

juiz CARLOS HENRIQUE ABRÃO a mais veemente repulsa ( cf. Da Ação

Cautelar Fiscal, Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., 1992,p. 38 ), e

teve a rejeição de HUGO DE BRITO MACHADO, desde o nascedoiro ( cf.

Cautelar Fiscal, in Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados. 102/33).

Poder-se-ia citar ainda a Lei 6024 ou a Lei 8212/91( artigo 53 ) e tantas outras

proposituras absurdas e violentas, que prevêem a adoção da indisponibilidade de

bens ou a penhora administrativa realizada pela administração ativa, estas, sim,

violadoras dos direitos fundamentais e, parece-me, ninguém se dá conta! Nem um

grito! Nem um brado! Nem uma revolta! 4 - Sem dúvida, a discussão judicial da

dívida ativa não será absolutamente subtraída do âmbito do Poder Judiciário, muito

ao contrário, permitir-se-á que este se atenha, como rememorou CARLOS MÁRIO

VELOSO, aos atos que lhe são próprios, com o que se desafogará a Justiça, se bem

que não bastam mini ou maxi reformas nem alterações legislativas, apenas. È

preciso mais. Faz-se necessário um Judiciário forte, não tutelado, livre, com

número suficiente de juízes e recursos próprios, porque magistrados de fibra, como

RIBEIRO DA COSTA, têmo-los, felizmente. E o Ministro PERTENCE vem

alertando com veemência que providências imediatas não podem, de fato, ser

olvidadas. Eis, meu caro mestre, o que me permiti discutir, com a ousadia, de quem

apenas deseja sugerir soluções razoáveis, com o objetivo de sanar algumas

dificuldades.

Brasília, 29 de março de 1997

Leon Frejda Szklarowsky:.

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