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Fundamentos para uma Política de Promoção da Ética na Administração Pública


Palestrante:Mário Falcão Pessoa
Secretário Federal de Controle Adjunto para Assuntos de Fiscalização

Apresentação

Gostaria, inicialmente, de agradecer o convite para compor este painel de debates neste seminário sobre ética na administração fiscal, em nome do Dr. Domingos Poubel de Castro, Secretário Federal de Controle do Ministério da Fazenda, e parabenizar os promotores do evento pela organização e oportunidade de discutir tema de tanta importância na evolução do processo de fortalecimento das estruturas de controle fiscais no âmbito da consolidação da democracia brasileira.

Faço este destaque porque as áreas de controle nos regimes de exceção fazem, geralmente, parte do arcabouço de repressão do estado autoritário contra o cidadão. No regime democrático, os controles do estado sobre o próprio estado fazem parte das garantias sociais que respondem aos atributos constitucionais da moralidade, legalidade e eficiência no uso dos recursos públicos.

Esta mudança aparentemente sutil, porém altamente profunda, é difícil de ser implementada por significar não só um aperfeiçoamento das instituições estatais, como da evolução qualitativa do ordenamento jurídico e do nível de progresso comportamental ou cultural da sociedade. Outros aspectos como o econômico e político são fundamentais, porém, restringirei minha intervenção a esses três primeiros aspectos.

Gostaria de provocar uma pequena reflexão dos colegas a respeito dos impactos fiscais dos tributos e gastos na esfera federal destinados ao Estado da Paraíba, apenas como um exemplo de como a execução da política fiscal federal tem impacto concreto e mensurável na vida de cada cidadão contribuinte e como o desenvolvimento desta percepção pode contribuir para melhorar o grau de comprometimento de cada um com relação a formulação das políticas públicas nacionais, regionais e locais.

Arrecadação de Tributos - 1997

Brasil = R$ 223.571 milhões (100,00%) (27,84 % PIB)
Federal = R$ 153.388 milhões ( 67,83%) (19,10 % PIB)
Estadual = R$ 60.489 milhões ( 27,84%) (7,53 % PIB)
Municipal = R$ 9.694 milhões (4,33%) (1,21 % PIB)

Percebe-se uma grande concentração de arrecadação na esfera federal. Ou seja, 68% de toda a arrecadação tributária do país depende da União, o que demonstra um elevado nível de dependência de recursos advindos da área federal e uma baixa efetividade dos sistemas de arrecadação nas esferas estadual e municipal.

Recursos Federais Aplicados na Paraíba – 1998 – mil R$
Origem FUNDEF FPE (1) FPM Convênios Estado Convênios Município Total
MPO - 0 0 55.648 3.260 58.908
MA - 0 0 1.960 4.623 6.583
MEC 142.081 0 0 37.146 14.368 193.595
MDIC - 0 0 975 101 1.076
MJ - 0 0 1.563 11 1.574
MPAS - 0 0 2.202 5.510 7.712
MS - 0 0 20.047 81.119 101.166
MF - 448.671 338.526 0 0 787.197
MTE - 0 0 6.387 0 6.387
MT - 0 0 697 0 697
MINC - 0 0 344 539 883
MMA - 0 0 47.442 9.279 56.721
MEPF - 0 0 606 96 702
MET - 0 0 101 1.177 1.278
OUTROS - 0 0 32 0 32
TOTAL 142.081 448.671 338.526 175.152 120.084 1.224.514
Obs: (1) inclui IPI-exp

Assim, para uma população na Paraíba da ordem de 3.340 mil pessoas, o governo federal transfere cerca de R$ 337 por habitante/ano, sendo que as transferências voluntárias chegam a somente 24,11% desse total.

Além disso, existe uma estimativa de que a União despenda mais de R$ 400 milhões diretamente por meio do pagamento de salários, despesas de manutenção da administração federal no estado, pagamento de aposentadorias, etc., inclusive no que se refere às despesas das unidades militares.

Não há política pública que seja neutra. Portanto, não há justificativa para que os diversos atores sociais se abstenham de participar do planejamento, execução e controle de cada ação conduzida nas diversas esferas públicas. Assim, a dimensão ética se torna condição essencial a fim de que a necessária escolha de alternativas e priorizações seja precedida dos pressupostos de justiça social, isonomia e voltadas para o bem comum.

A Questão do Aparelhamento Institucional

É imprescindível que sejam criadas estruturas no aparelho de estado que permitam a existência de formas equilibradas de controle fiscal. A segregação de função em diferentes instituições mutuamente independentes permite que o estado não seja um fim em si mesmo e sirva como um instrumento de opressão sobre o cidadão. Aí estão os aparelhos de tributação e fiscalização tributária, os Conselhos de recursos, e o Poder Judiciário. O Poder Legislativo que autoriza os gastos e o Poder Executivo que age e é por aquele fiscalizado. O administrador público que gerencia as repartições e o Ministério Público que sobre este vigia, a fim de que improbidades administrativas sejam coibidas. Os auditores internos que previnem e orientam e os ordenadores de despesas que pagam e gerem os recursos financeiros.

Tão mais evoluída a sociedade, tão mais complexos os sistemas de controle.

São os controles da própria administração; os sistemas de auditoria interna e controle interno de cada entidade; os Tribunais de Contas dos Municípios, Estados e União; o Ministério Público; as Corregedorias e as Ouvidorias; os Conselhos de Ética; os Legislativos Municipais, Estaduais e Federal; o Poder Judiciário em suas várias instâncias e especialidades; a Imprensa e outras Mídias; as Organizações da Sociedade Civil; os Conselhos de Administração e Fiscal; o Banco Central, a SUSEP e a CVM; as Agências Reguladoras; os Organismos Internacionais de Crédito e de Cooperação; as Delegacias dos Consumidores e Procons; os Institutos de Pesos e Medidas; os Fiscais de tributos federais, estaduais e municipais; as instituições financeiras; as Secretarias do Tesouro, Finanças, Planejamento e Orçamento; as Polícias Federal, Civil e Militar, etc.

Desconheço país desenvolvido que não tenha esses e outros controles. Não parece que em nome de eventuais surtos modernizantes as sociedades ditas evoluídas estejam dispostas a arcar com riscos excessivos de abusos, desperdícios, fraudes, nepotismo, negligência, incompetência ou corrupção.

O Brasil, apesar de algumas instituições já seculares, ainda está construindo e aparelhando suas estruturas de controle, particularmente aquelas de caráter mais interno, e por isso preventivo, e aquelas exercidas pela própria sociedade, denominada genericamente de controle social.

O que este emaranhado de instituições deve evitar é a falta de articulação, duplicidade de atuações, falta de entrosamento, competição predatória, e incapacidade de definir fronteiras de responsabilidades. Para tanto, é preciso trabalhar a noção de "Redes de Controles" , que nada mais são que o uso racional dos escassos recursos que a sociedade coloca a disposição do estado para exercer essas funções.

Exemplo dessa descoordenação é o caso dos convênios federais junto aos Estados e Municípios. Uma disputa aparentemente inócua tem sido travada pelo Tribunal de Contas da União e o Controle Interno Federal em contraposição aos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais, quando se trata da responsabilidade pela apuração dos danos causados pela má aplicação dos recursos federais transferidos para outras esferas de governo. Vive-se hoje uma situação um tanto paradoxal nesta questão. Por um lado, o governo federal tem adotado uma política de descentralização cada vez mais intensa quanto à aplicação dos recursos federais, como são o caso dos programas na área de educação fundamental, saúde básica, assistência social, geração de emprego, etc.

Por outro lado, ainda prevalesce o entendimento pelo Tribunal de Contas da União de que o recurso é federal, razão pela qual quando houver algum desvio no Município ou no Estado, este deva ser autuado e julgado por agentes federais (apurado pelos gestores federais, auditado pelo sistema de controle interno federal e julgado pelo controle externo federal), mesmo considerando que, a partir do momento que estes recursos ingressam no orçamento municipal ou estadual, estes passam a ser também responsabilidade das esferas de controle correspondentes. Assim, não é incomum o julgamento de contas pelos Tribunais de Contas dos Estados em conflito com o Tribunal de Contas da União, mesmo tratando-se de um mesmo período de gestão de um determinado prefeito ou governador. Ou seja, temos prefeitos irregulares na ótica federal e regulares na local, ou vice versa.

Este tipo de sobreposição certamente não colabora para o ordenamento institucional, nem protege os cidadãos dos maus administradores. Muito ao contrário; colabora para a falta de credibilidade dos agentes públicos. A Secretaria Federal de Controle tem procurado contribuir com esta questão ao defender o princípio da unicidade orçamentária, ou seja, a partir do momento que os gestores municipais e estaduais receberam recursos federais, estes devem estar devidamente contemplados nos respectivos orçamentos, compondo portanto suas prestações de contas junto aos controles externos correspondentes. Trata-se pois de delegar ao nível local a responsabilidade pela correta aplicação dos recursos gastos localmente.

Ocorre que, estranhamente, até os controles locais não têm sabido defender esta tese preferindo, com raras exceções, silenciar a respeito disso, deixando ao Tribunal de Contas da União a responsabilidade de decidir sobre a questão. O que tratamos de defender é a apuração e punição na instância devida. Não se trata de mecanismo que privilegie a impunidade.

Claro que não desconhecemos que muitos dos controles locais apresentam inúmeras deficiências técnicas, de recursos humanos e operacionais, inclusive com inegáveis tendências políticas nas suas apurações e julgamentos, porém, não será por meio de uma visão suprimidora de responsabilidades que conseguiremos evoluir nesta questão. Temos que ser corajosos, apoiando o desenvolvimento dos controles locais com os meios técnicos de que dispomos, fazendo eventos de cooperação técnica, troca de informações e até trabalhos conjuntos, a fim de criarmos confiança mútua e sermos mais efetivos e eficientes em prol do cidadão, que é nossa razão de existência.

Quanto ao Ordenamento Jurídico

O estado de direito é o estado da lei. Não pode haver nem arbítrio na punição, nem a complacência e tolerância quanto a prática de irregularidades. Neste aspecto, temos de reconhecer a nossa histórica capacidade de legislar, porém, a nossa capacidade de aplicar a legislação é extraordinariamente baixa.

Cito algumas normas que podem permitir uma resposta mais concreta aos reclamos pelo fim da impunidade na área de administração da coisa pública.

Uma das mais recentes, porém, um tanto óbvia, é aquela que dispõe que nenhuma pessoa que tenha suas contas julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas da União pode assumir cargo ou função pública na área federal, que implique na administração de recursos financeiros ou patrimoniais, pelo prazo de 5 anos (art. 27 da MP 1.893-67, de 20/06/99).

Atualmente, existe uma extensa pesquisa realizada pela Casa Civil da Presidência da República quanto à vida pregressa dos indicados para ocupar os principais cargos comissionados no governo federal. Esta pesquisa inclui os aspectos de natureza tributária, bancária, de julgamento de contas pelo Tribunal de Contas da União, policial, cível, e até mesmo de caráter creditício.

Porém, em recente levantamento realizado pela SFC, constatamos que ainda existem gestores federais nomeados no passado nessa situação; ou seja, pessoas exercendo funções envolvendo a administração de recursos públicos apesar de já terem contas consideradas irregulares pelo Tribunal de Contas da União. As autoridades federais foram cientificadas pelo controle interno e caso a caso as providências estão sendo tomadas.

A questão que se apresenta é que os princípios morais e éticos do exercício da função pública admitem cada vez menos a existência desses fatos. Não seria necessária a existência de nenhuma lei específica, a própria moral comum se incumbiria de promover o afastamento desses gestores ímprobos. A esse respeito, inclusive, é que foi vedado aos dirigentes dos órgãos e unidades que fazem parte do Sistema de Controle Interno o exercício de atividade político-partidária, o exercício de profissão liberal e de outras atividades incompatíveis com os interesses da Administração Pública Federal com o fito de tornar os dirigentes dos órgãos de controle mais imunes a pressões e interesses diversos dos exclusivamente relacionados às atividades de controle (art. 23 da MP 1.893-67, de 20/06/99).

Outras garantias dadas ao Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal refere-se à possibilidade de acesso irrestrito a informações, documentos e processos necessários ao exercício das atividades de auditoria, fiscalização e avaliação da gestão (art. 24 da MP 1.893-67, de 20/06/99). Esta garantia permite inclusive que as informações protegidas por sigilo sejam acessíveis mediante a preservação das informações pelos agentes do controle interno. Porém, tanto as instituições financeiras públicas quanto as áreas de arrecadação têm imposto óbices ao controle quanto ao acesso aos dados. O importante no caso é compreender que os recursos públicos são de fato públicos, e o uso de incentivos fiscais, acesso a financiamentos em caráter especial, e outras situações que importem em benefícios oficiais pressupõem que o beneficiado esteja obedecendo às normas que permitiram a sua aplicação. Sonegar o acesso a essas informações fere a relação concedente/concessionário do benefício.

Passemos, pois para o terreno do comportamento e da cultura social.

Quanto ao Comportamento ou Cultura Social

A cultura do controle social é algo novo e de difícil implementação dadas condições objetivas desfavoráveis que dificultam o seu desenvolvimento. Dentre essas dificuldades devemos destacar a falta de preparo educacional da população em geral; a inexistência de mecanismos que favoreçam a transparência da execução dos atos administrativos; a falta de acesso a dados e informações na esfera pública, particularmente quanto aos dados orçamentários e financeiros; a legislação complexa, dúbia e no mais das vezes hermética em termos de linguagem; baixa participação dos cidadãos em instituições de classes como sindicatos, cooperativas, associações, clubes, partidos e outras organizações civis; dificuldade de acesso do cidadão ao Poder público, tanto o Executivo quanto o Legislativo e o Judiciário; baixo nível de proteção dado ao cidadão que denuncia irregularidades; baixa confiabilidade do cidadão nos agentes do estado e nos agentes políticos; alto grau de impunidade; existência de mecanismos de controle pouco eficazes e pouco efetivos; entre outros.

Apesar deste cenário aparentemente desalentador devemos destacar alguns esforços que têm sido conduzidos no sentido de melhorar essa situação.

A primeira diz respeito à criação de diversos Conselhos Municipais de Educação, Saúde, Assistência Social, de Trabalho e Emprego, de Justiça e Direitos Humanos, de Agricultura, Meio Ambiente, etc. que procuram ser um mecanismo oficial de controle em prol do uso adequado dos recursos aplicados nessas áreas e onde, em geral, ocorre uma participação paritária entre agentes públicos e representantes da sociedade civil.

Centenas desses Conselhos têm sido criados. Porém, temos de reconhecer que ainda sua capacidade de exercer efetivamente suas atribuições está longe de ocorrer de forma plena. Problemas como a falta da nomeação dos membros, falta de reuniões, tanto de discussão como de deliberação; incapacidade de atuação dos membros não estatais; falta de meios materiais e humanos para o exercício efetivo de suas prerrogativas; disputas políticas paralisantes pelos seus membros; ausência de informações; etc., tem afetado diretamente a atuação desses Conselhos. Por outro lado, a área federal em algumas situações abandonou prematuramente sua atuação fiscalizadora, criando uma espécie de vácuo de controle.

Outra evolução notável diz respeito à crescente disponibilização de informações de governo nos diversos sites da internet desenvolvidos pelos órgãos e entidades da administração pública nas três esferas de governo e nos três poderes.

Cito, por exemplo, a página da Secretaria Federal de Controle que mostra todos os convênios celebrados pela União desde 1996, a página do Tribunal de Contas da União que apresenta os balanços financeiros e patrimoniais da União, Estados e Municípios, a página da Secretaria de Estado da Administração e Patrimônio que apresenta as licitações em andamento no governo federal; a página do Ministério da Saúde que mostra os preços praticados nas aquisições de bens e serviços pelos hospitais federais, a página da Secretaria do Tesouro Nacional que apresenta as transferências a estados e municípios, etc. É evidente que essas informações só são acessíveis por pessoas que têm computador interligado na internet e que possuam algum tipo de conhecimento técnico que permita digerir essas informações, mas não tenho dúvida que essas são formas positivas de tornar a gestão pública mais transparente.

Outra iniciativa da Secretaria Federal de Controle, em parceria com a Secretaria do Tesouro Nacional, refere-se à criação de uma modalidade de empenho que tem o pagamento garantido pelo Tesouro. Tratam-se de valores até o limite de licitação que são pagos até 72 horas após a liquidação da despesa e visou, dentre outras razões, eliminar a corrupção advinda da prática de retenção do pagamento e criação de uma fila cuja prioridade estava associada ao pagamento de propinas, além de permitir que os pequenos comerciantes e fornecedores fiquem incentivados a fornecer para a área pública pela atratividade que um pronto pagamento gera (§ 2º, art. 4º, Decreto nº 3.031, de 20/04/99). A conseqüência do aumento da confiabilidade no sistema de pagamento e no aumento do interesse em contratar com a administração pública é a diminuição dos custos. Para termos uma idéia desse impacto, a União em 1998 pagou mais de 1 milhão de bens e serviços cujo valor não ultrapassou R$ 2 mil. Ou seja, foram atingidos milhares de pequenos fornecedores que poderiam obter maiores benefícios caso o processo de aquisição fosse menos burocrático.

Uma terceira ação foi o desconto na fonte do imposto de renda das pessoas jurídicas e o desconto previdenciário das pessoas jurídicas que prestam serviços e têm contratos com a administração pública (Lei nº 9.783, de 28/01/99). Por meio desta ação, milhares de empresas que nunca recolheram esses impostos e contribuições sociais passaram a fazê-lo, sendo portanto uma efetiva ação de combate à sonegação fiscal.

Devemos citar também a existência de um sistema contábil e de folha de pagamento unificado, que permitiu a eliminação de custos, a eliminação de pagamentos em duplicidade e outras práticas irregulares existentes no trato dos recursos financeiros. Além do mais, na esfera federal esses sistemas são de amplo acesso pelos Parlamentares e pelos membros do Tribunal de Contas da União e pelo sistema de controle interno, permitindo que se faça um controle a distância de eficácia inquestionável.

Outra iniciativa importante diz respeito à obrigatoriedade de preparação de um parecer conclusivo a respeito da adequação dos custos envolvidos na execução de obras e serviços realizados por convênios e a obrigatoriedade de inclusão prévia no orçamento do ente público recebedor do recurso de comunicar a Câmara Municipal quando ocorrer celebração de convênio (art. 33 da MP 1.893-67, de 29/06/99).

Finalmente, cito a Portaria da Secretaria da Receita Federal que passou a exigir que as procurações para saque de restituição de receitas realizada por terceiros em nome do beneficiário sejam devidamente registradas em cartório, a fim de minimizar a ocorrência de pedidos de restituição fraudulentos até então realizados.

Contudo, é preciso reconhecer que todas essas iniciativas custam a repercutir efetivamente tanto na modificação de práticas como na percepção dos cidadãos a respeito do adequado uso dos dinheiros públicos.

Política e Diretrizes para Combate à Fraude e Corrupção

A Secretaria Federal de Controle tem procurado desenvolver uma cultura voltada para a prevenção das falhas e erros de modo a evitar-se a quase sempre ineficiente tentativa de recuperação de prejuízos havidos. A experiência tem demonstrado que mesmo nos casos em que pessoas são responsabilizadas e o prejuízo concretamente dimensionado (como costuma acontecer nas Tomadas de Contas Especiais), tanto a morosidade das sanções impostas pelos Tribunais de Contas quanto a baixa capacidade de recuperação dos valores por meio dos Tribunais de Justiça não têm contribuído para a existência de um ambiente desestimulador dos chamados atos de corrupção dentro da administração pública.

Um estudo desenvolvido pelo Escritório de Auditoria da Província de Nova Gales do Sul na Austrália - NSW (órgão equivalente a um Tribunal de Contas Estadual), revela que a corrupção, mesmo em países desenvolvidos, alcança de 2 a 5% das receitas das organizações públicas e privadas. Assim, esse órgão tem sugerido a adoção de uma política dentro de cada organização no sentido de criar mecanismos de prevenção e de repressão que tentem trabalhar no sentido da sua diminuição. Nesse estudo são identificadas as formas mais usuais de fraude e de ações que podem contribuir para sua prevenção.

A Fraude pode ser definida como uma seqüência deliberada e premeditada de eventos que envolve o uso de estratégias para levar vantagem advindas de uma posição de confiança e autoridade exercida por servidores ou chefias de uma organização. Esse tipo de atitude inclui ações da seguinte natureza: atos de omissão; roubo; preparação de demonstrativos financeiros e orçamentários falsos; não realização de atos de ofício; manipulação de informações e muitas outras formas de artimanhas ou truques.

Por sua vez, uma definição concisa de Corrupção é ainda mais difícil de fazer. Em geral, a corrupção envolve a existência de atos ou omissões; uso inadequado da posição ocupada ou uso de influência pessoal; e/ou uso impróprio de informações. Algumas formas de corrupção podem ser identificadas sendo que nem sempre há o envolvimento simultâneo de ganho material para os corrompidos e corruptores e perda para o órgão ou entidade vítima da ação corruptora (ao menos em termos econômicos ou financeiros quantificáveis). Isso torna mais difícil a identificação da ação envolvida na corrupção, pela existência de documentação comprobatória da fraude, e, portanto, fica dificultada a punição dos envolvidos.

Exemplo disso é a recepção de favores pessoais (não materiais) em troca de informações privilegiadas.

O NSW entende que os principais dirigentes das organizações devem encarar a fraude tanto como um problema ético quanto como uma doença organizacional que impede seu desempenho adequado. As fraudes provocam o desperdício de recursos escassos e causam constrangimentos à organização e aos seus dirigentes e empregados, expondo sua reputação e competitividade.

Alguns tipos de fraude mais comuns são os seguintes:

Pagamento por trabalho não executado ou por bens não entregues - fraude que ocorre por falhas nos controles de recebimento. Pode ocorrer por falta de segregação entre as funções de pagador e comprovador da prestação do serviço ou fornecimento do bem.

Assinaturas falsificadas - pode ocorrer em qualquer área. A existência de fichas de autógrafo do pessoal autorizado a emitir ordens bancárias é uma maneira de controlar esse tipo de ocorrência.

Mudança de valores e detalhes nos documentos - (com ou sem presença de rasuras) - a existência de rasuras deve chamar a atenção para o risco dessa ocorrência. A conferência de cálculos e a confrontação com outros documentos que descrevem a operação (contratos, empenho, faturas etc) auxilia na detecção;

Licitações forjadas ou combinadas - apesar de ser de difícil apuração, pode chamar a tenção a existência sempre dos mesmos licitantes e contratados e a propriedade de várias empresas pelos mesmos sócios;

Sobrepreço ou superfaturamento - a manutenção de registros de preços e a pesquisa de mercado ajudam a prevenir essas ocorrências. É necessário cautela na comprovação porque nem sempre empresas com preços menores estão habilitadas a contratarem com a administração pública. Muitas vezes um preço menor só é viável em situações de sonegação fiscal;

Baixa contábil de dívidas ou débitos ainda recuperáveis - ocorre mais freqüentemente em instituições financeiras ou em órgãos de arrecadação de tributos. Deve ficar sempre clara a segregação de funções entre quem autoriza a baixa e quem a executa;

Transações não autorizadas - costuma ocorrer quando as pessoas autorizadas a realizar determinadas transações faltam ou estão ausentes e ocorre uma acumulação de atividades sob uma só pessoa. A relação atualizada do rol de responsáveis ajuda a saber quais são as pessoas autorizadas a realizarem certos tipos de atos;

Venda de informação privilegiada - pode ocorrer em áreas estratégicas como de formulação de políticas públicas, privatização, licitações, instituições financeiras, entre outras. Ocorrência muito difícil de detecção pelo controle interno;

Adulteração em registro de estoques e almoxarifado - costuma acobertar desvios e furtos. O controle assistemático (em períodos aleatórios) dessas áreas ajuda a prevenir problemas. Por exemplo, a existência de inúmeros almoxarifados costuma dificultar os controles e facilitar a simulação de situações irregulares;

Ordens bancárias feitas em nome de pessoas inexistentes - pode ser prevenido consultando-se o cadastro de CGC/CPF para verificar os dados;

Pessoas inexistentes ou já falecidas fazendo parte da folha de pagamentos - costuma ser detectado quando do recadastramento de servidores. Controle de idade da pessoa ou existência do CPF também auxiliam na detecção;

Transações não registradas na contabilidade - usualmente só é detectada por meio de auditorias. Pode ser identificada pelo controle da conciliação bancária principalmente no caso de empresas ou outras informações paralelas envolvendo circularizações;

Não envio de parte ou de toda a documentação para a contabilidade - detectada pela próprio acompanhamento dos registros e pela análise da legalidade e da conformidade contábil que percebe que além dos documentos encaminhados devem ou deveriam ter havido outros documentos. O acompanhamento dos editais de licitação, concursos públicos e a realização de ações pelos gestores são fontes importantes de informação adicional;

Destruição ou rasura de documentos - apesar de ser comum a existência de falhas humanas não intencionais, deve haver uma preocupação redobrada quando os documentos apresentarem rasuras em campos essenciais como valores, quantidades, datas e assinaturas;

Uso de cópias de recibos e registros ao invés dos originais - o uso de cópias ao invés de originais dos documentos pode estar acobertando a ação dolosa de comprovação de diversas transações com um mesmo documento. As razões para a não apresentação dos documentos originais devem estar claramente explicadas e deve representar uma restrição concreta ao trabalho do controle;

Uso de bens da organização pública em proveito particular - a movimentação atípica na requisição de bens e o consumo muito elevado de alguns itens podem estar acobertando desvios sistemáticos. Exemplos comuns são pessoal da área médica desviando medicamentos; pessoal da área de informática desviando disquetes, cartuchos de impressão ou formulários; pessoal que cuida de estoques de alimentos ou combustíveis desviando esses bens; etc.;

Alteração de quantidades e especificações técnicas em projetos de obras - ocorre com freqüência e implica em medições de obras a maior, recebimento antecipado a realização de obras, troca de material por outro de qualidade inferior. Está associado em geral à falta de fiscalização ou conluio entre o fiscal e o executor da obra

Em contrapartida, existem metodologias de organização das atividades que ajudam a evitar ou minimizar os efeitos dessas práticas lesivas ao patrimônio público. Podemos citar as seguintes:

Transparência das informações - é talvez a forma mais eficaz de controle na medida em que permite a um conjunto extenso de pessoas acompanharem, avaliarem e cobrarem resultados quanto ao modo como os recursos públicos são aplicados. É em geral o aliado mais forte do controle social;

Incentivo ao controle social - a participação da sociedade civil na formulação das políticas, estabelecimento de prioridades, execução das atividades e fiscalização e monitoramento da implementação é certamente uma das formas mais eficientes de controle e será a que prevalecerá com mais intensidade na medida em que os programas sociais forem sendo descentralizados;

Segregação de funções - é a forma de proteção mais evidente das atividades que envolvam a administração de recursos e patrimônio por parte da burocracia estatal. É muito mais difícil fraudar um processo quando existem atores que exercem atividades separadas que são conferidas em várias fases. O inimigo maior desta prática são os processos ditos de modernização administrativa que tendem a diminuir tanto as fases quanto a quantidade de pessoas nos processos de execução. O segredo do sucesso está em estabelecer o equilíbrio entre o excesso de burocracia e a excessiva exposição ao risco de fraudes;

Rotatividade de servidores - em algumas atividades é importante realizar trocas periódicas de pessoal a fim de evitar que um pequeno grupo de pessoas dominem fases críticas e estratégicas dentro da instituição;

Bloqueios e trilhas sistêmicas - todos os sistemas informatizados devem ser dotados de senhas de acesso, trilhas de auditoria, indicadores em funções chave, bloqueios automáticos, etc. de modo a minimizar a ocorrência de desvios e permitir a identificação dos responsáveis caso ocorram;

Fiscalização independente - devem existir várias instâncias de fiscalização independentes da execução que tenham a necessária autonomia para realizar inspeções e auditorias de forma sistemática e assistemática;

Atuação preventiva do controle - todas as áreas de controle devem privilegiar a construção de controles preventivos na medida em que estes costumam ser mais custo-efetivos, baratos, ágeis e eficientes, além de tenderem a expor menos as instituições a embaraços e quebra da confiabilidade por parte dos usuários. Na área pública a honorabilidade das pessoas e instituições é um dos maiores patrimônios que existem e cabe aos órgãos de controle compreenderem seu papel na manutenção de uma adequada imagem das organizações; e

Avaliação dos controles internos - em geral as falhas de natureza estrutural e sistêmica é que permitem a ocorrência de fraudes continuadas e de grande valor. Fraudes episódicas são de mais difícil detecção e controle e não costumam afetar expressivamente a saúde financeira e a imagem das organizações.

Evidentemente que os tipos de fraudes são praticamente tão grandes quanto são as próprias atividades administrativas existentes. O que vale a pena registrar é que as áreas de controle devem desenvolver sensibilidade analítica para estar sempre alertas quanto à ocorrência de atos inadequados. Nada substitui a atenção na realização de cada análise e registro, de modo a evitar deixar passar despercebido atitudes e ações dolosas ou impróprias que comprometam a qualidade e a correta aplicação dos recursos públicos. O uso correto das técnicas de auditoria que incluem a análise documental, a inspeção física; a conferência de cálculos; a circularização de informações; e a entrevista são de fundamental importância para a realização de um bom trabalho nessa área. Porém, nada substitui o senso analítico que tem de estar sempre presente. É a capacidade de identificar anormalidades e o constante senso crítico que ajudarão a ação preventiva de combate aos atos fraudulentos contra a administração pública.

Em resumo, a questão da ética na administração pública faz parte do amadurecimento político-institucional de um povo e sua nação. Requisitos de transparência das ações administrativas, predisposição à prestação de contas pelos agentes públicos, aperfeiçoamento dos mecanismos institucionais de prevenção e punição, dentre outros, são reflexos concretos do desenvolvimento desta postura ética por parte dos gestores públicos e será tanto mais desenvolvida quanto estiver a sociedade preparada para exercer seus direitos de cidadania.

É preciso levar a sério a ética nos serviços públicos, tendo sempre a preocupação com os direitos e garantias do cidadão contribuinte. É preciso que todos se indignem pelo desrespeito aos direitos e deveres. Devemos sempre nos perguntar: o que cada um de nós pode fazer ? O que eu deixei de fazer para eliminar a pobreza, as injusticas e as ineficiências ? Se algo vai mal na organização. A postura ideal é perguntar-se: o que eu fiz ou posso fazer para contribuir com a melhoria da organização ? Jamais aceitar a ditadura dos fatos consumados ou impossíveis de serem transformados.

Devemos sempre ter esperança de que as coisas vão ser transformadas e o futuro será melhor. Entretanto, esperança do verbo esperançar e não do verbo esperar. Esperançar é combater, buscar, participar e procurar transformar.

A falta de ética no serviço público pode ser caracterizada de 4 formas:

a) pelo cinismo – aquele que ignora a realidade dos fatos, fingindo que as coisas vão bem, quando na realidade vão mal (um serviço público de péssima qualidade, por exemplo);

b) pela delinqüência – quando se tira proveito próprio de algum bem ou serviço público, mesmo que a vantagem seja pequena, como usar a máquina copiadora ou veículo da repartição em proveito próprio;

c) pela violência – permitindo que a população sofre violência física com a superlotação dos transportes coletivos ou com o atendimento negligente nos hospitais públicos;

d) pelo narcisismo – aquele que só se preocupa consigo mesmo. Exemplos: a violência não me atinge desde que eu não leia as páginas policiais. Eu não estou preocupado com os transportes coletivos pois disponho de veículo próprio;

A história revela que todas as sociedades que admitiram essas situações de falta de ética, desmoronaram. Inclusive foi uma das causas da queda de grandes impérios.