®
BuscaLegis.ccj.ufsc.br
Ademir Buitoni*
Sumário: 1 - Sobre a Intuição; 2 - Perfil da Mediação; 3 - A Intuição e o
Conflito no Direito; 4 - A Função da Intuição na Mediação; 5 - Conclusão.
1-Sobre a Intuição
A palavra
"intuição" vem do latim, do verbo tuere, significando ter debaixo da vista (Torrinha, 1945,894);
assim, indica a possibilidade de poder contemplar. A preposição in, também de origem latina,
significa "dentro de". Intuir é, etimologicamente, ver o dentro das
coisas, ver além das aparências. Intuição implica em ter uma visão subjetiva
desenvolvida, ou seja, não acreditar só na parte física e objetiva dos
fenômenos. Numa comparação bem genérica e metafórica, intuir seria o contrário
do axioma "ver para crer". A intuição estaria ligada ao "crer
sem ver."
A intuição não é
uma função da razão, do raciocínio. Está além de qualquer explicação lógica,
mas nem por isso deixa de ser uma possibilidade de verdade, de poder coincidir
com a realidade, de prever acontecimentos futuros e assim por diante.
No campo da
psicologia, segundo JUNG, a intuição é um dos quatro aspectos da orientação da
consciência, a saber:
"O sistema de
orientação da consciência tem quatro aspectos, que correspondem a quatro
funções empíricas, isto é, sensação (percepção pelos sentidos), pensamento,
sentimento e intuição (possibilidade de pressentimento)" (Jung, 2002, 168,
169).
É comum as pessoas
sentirem que algo vai acontecer, ter pressentimentos de um acidente; por
exemplo, sentirem-se mal em algum lugar. São manifestações da intuição, como
assevera Jung:
"A intuição é
a função pela qual se antevê o que se passa pelas esquinas, coisa que
habitualmente não é possível... É uma função que normalmente fica inativa se
vivemos trancados entre quatro paredes, numa vidinha de rotina... Inventores,
bem como juízes, são auxiliados por ela. Sempre que se tiver de lidar com
condições para as quais não haverá valores preestabelecidos ou conceitos já
firmados, esta função será o único guia" (Jung, 1985, 10,11).
Ter intuições faz
parte da consciência do ser humano, apesar de a cada dia a vida ser mais
técnica e racionalizada. A mente humana não consegue viver sem essa dimensão
intuitiva. Em qualquer ação humana, seja profissional, social, econômica, científica
e afins, a intuição está presente, embora possa não ser notada.
Interessante notar
que Jung, em seu exemplo acima, aponta inventores e juízes, referindo-se ao
campo profissional. Portanto, o ato de julgar, em princípio, contém um aspecto
intuitivo que não é colocado muito em relevo pelo Direito. Se julgar é também
dependente da intuição, mediar, como iremos comentar mais adiante, é muito mais
intuitivo ainda.
No campo jurídico,
há uma dificuldade muito grande de valorizar e usar a intuição em virtude do
caráter positivista, formal e lógico que o direito ocidental assumiu. A
intuição não tem esse caráter lógico e parece, assim, algo a ser encarado com
reservas. A intuição, no entanto, vai muito além do intelectual e do lógico.
Com efeito:
"A intuição é algo que vai além do intelecto, algo que não pertence ao
intelecto, algo que provem de algum lugar onde o intelecto se encontra
totalmente desarmado. De modo que o intelecto pode senti-la, porém não a pode
explicar." (0sho, 2006, 7).
Ora, se é possível
sentir e não explicar, a ciência colocará a intuição de lado, porque a ciência
trabalha com o que se pode comprovar. No entanto, não se pode reduzir a
realidade ao que é comprovado, nem ao conhecido materialmente. A vida humana
sempre apresentará zonas inexploradas e desconhecidas. A intuição geralmente
está na frente, prevendo o que, no futuro, será comprovado pelo conhecimento
efetivo.
Parece impossível
eliminar essa possibilidade humana de intuir. Ela existe, embora não possa ser
explicado o seu funcionamento. Sentimos que existe e isso é fundamental. O
sentimento está muito próximo da intuição e talvez seja pelo sentimento que se
chegue á intuição. Mas pelo intelecto não se acessa o caminho da intuição.
Dessa forma:
"A intuição é um novo território de acontecimentos que não tem nenhuma
relação com o intelecto apesar de poder impregnar o intelecto". Há de se
entender o fato de que uma realidade superior pode afetar uma realidade
inferior, mas o inferior não pode penetrar o superior. Assim, a intuição pode
impregnar o intelecto porque é algo superior, mas o intelecto não pode
impregnar a intuição porque é inferior (Osho, 2006, 7).
No campo das
recentes investigações da neurociência, o conhecido pesquisador Antonio Damásio
relaciona a intuição com o funcionamento do cérebro, pesquisando a parte
somática do assunto, explicando dessa forma a intuição: "Ao atuar em um
nível consciente, os estados somáticos (ou seus substitutos) devem marcar os
resultados das respostas como positivos ou negativos, levando assim a que se
evite ou que se prossiga uma determinada opção de resposta. Mas também podem
funcionar de forma oculta, ou seja, fora da consciência... Esse mecanismo
oculto seria a fonte daquilo que chamamos intuição, o misterioso mecanismo por
meio do qual chegamos à solução de um problema sem raciocinar, com vista a essa
solução." (Damásio, 1996,220). O mesmo autor demonstra como a intuição é
importante para a ciência, citando outros autores como Leo Szilard, físico e
biólogo, que afirma: "O cientista criador tem muito em comum com o artista
e o poeta", e Jonas Salk que afirma ser a criatividade uma "fusão da
intuição e da razão" (Damásio, 1996,222).
O nosso já passado
século XX e, agora, o atual século XXI, aparentemente, dominados pela
tecnologia e pelo racionalismo, continuam, na sua essência, dependendo da
intuição, embora a civilização não se dê conta dessa vinculação histórica que
vem, pelo menos, desde os tempos da cultura grega.
Os oráculos na
Grécia antiga usavam a intuição como importante meio de previsão do futuro:
"Tratava-se de santuários em que um deus transmitia profecias ou conselhos
a quem pedisse, através de um intermediário humano. O oráculo do deus Apolo em
Delfos construído no século VII a.c na Grécia manteve sua liderança até a época
helenística. No oráculo de Delfos havia uma sacerdotisa, a pitonisa, que
entrava em transe e recebia s mensagens de Apolo. Suas palavras eram
interpretadas por sacerdotes que, por sua vez, as traziam em versos aos
ouvintes" (Theophilo, 2003, 4).
O filósofo Kant
(1724-1804), cuja obra sempre teve uma influência muito grande no Direito,
identificou a intuição como uma capacidade inata do homem. Albert Einstein, o
grande físico, disse certa vez: "às vezes confio estar certo, sem saber a
razão" (Theophilo, 2003). Ainda no campo da física, o celébre Newton, ao
ver cair maçã da árvore, intuiu a lei da gravidade. Modernamente, os
treinamentos gerenciais das multinacionais, de empresas financeiras e afins vêm
dando ênfase ao desenvolvimento da capacidade intuitiva dos executivos para
gerir os negócios (vide Revista Veja, n. 21, ano 35, 29.5.2002, entrevista de
Sharon Franquemont, psicóloga americana).
A questão da
intuição está ligada á procura incessante de novas respostas para os problemas,
para os conflitos. O intelecto não sabe como tratar o novo "oferece sempre
a mesma velha resposta a cada nova pergunta" (Osho, 2006,22). Para criar
novos paradigmas, novas respostas, a intuição é indispensável.
A intuição não
trabalha de forma binária (sim/não), como computador, como o raciocínio
intelectual, como a Dogmática Jurídica de um modo geral opera.
Por isso, é uma
ferramenta imprescindível para se chegar a novas respostas, indo além do
pensamento binário. Ela transcende a lógica. Porém, é difícil lidar com a
intuição; ela não oferece um parâmetro seguro, não pode ser controlada
racionalmente. De certa forma, a intuição gera insegurança, pois vai além do
conhecido, e as instituições político-sociais estão voltadas para dar segurança
à sociedade. A intuição, então, é encarada com reservas, por fugir aos
paradigmas consagrados e colocada como função inferior da consciência quando na
verdade ela é apenas uma função diferente das outras. Basta encará-la no seu
devido papel, como estamos tentando fazer.
Antes de analisar
as relações entre a Intuição e a Mediação, e como a Intuição pode contribuir no
procedimento da Mediação dos conflitos, vamos dar um breve panorama de como
funciona a Mediação.
2 – Perfil da Mediação
A Mediação é uma
forma de autocomposição dos conflitos, com o auxílio de um terceiro imparcial,
que nada decide, mas apenas auxilia as partes na busca de uma solução.
Trata-se de um
verdadeiro não-poder. O mediador, diferentemente do Juiz, não dá sentença;
diferentemente do árbitro, não decide; diferentemente do conciliador, não
sugere soluções para o conflito. O mediador fica no meio, não está nem de um
lado e nem de outro, não adere a nenhuma das partes. É um terceiro mesmo, uma
terceira parte, quebrando o sistema binário do conflito jurídico tradicional.
Busca livremente soluções, que podem mesmo não estar delimitadas pelo conflito,
que podem ser criadas pelas partes, a partir de suas diferenças. Não é apenas o
lado objetivo do conflito que é analisado na mediação, mas também, e,
sobretudo, o lado subjetivo.
Essa é uma das
bases da Mediação: trabalhar a subjetividade do conflito, o lado oculto que
todo conflito apresenta, o não verbal, o que se esconde no conteúdo latente do
conflito, que, frequentemente, é diferente do conteúdo manifesto do conflito. A
Mediação procura ir além das aparências explícitas, investigando os
pressupostos implícitos do conflito. Muitas vezes, pode ser o aspecto legal o
mais relevante fator a ser analisado, mas nem sempre isso acontece. O sistema
de Mediação é aberto a qualquer aspecto que possa estar causando o conflito. O
lado emocional e sensorial é extremamente importante na Mediação: "Não é
possível abordar um processo de mediação por meio de conceitos empíricos,
empregando a linguagem da racionalidade lógica. A mediação é um processo do
coração; o conflito precisamos senti-lo ao invés de pensar nele; precisamos, em
termos de conflito sê-lo para conhecê-lo... Os conflitos reais, profundos,
vitais, encontram-se no coração, no interior das pessoas. Por isto é preciso
procurar acordos interiorizados." (Warat, 2001, 35).
Na Mediação, é
essencial a percepção do conflito como um todo, para que as partes sintam e
respeitem suas diferenças. O sistema jurídico positivo procura mais estabelecer
a uniformidade, eliminar os desvios, penalizar os culpados, obter a normalidade
comportamental. A Mediação trabalha, também, com o potencial transformador dos
desvios para integrá-los na formulação de uma nova solução.
A Mediação encara
o poder emancipatório, que existe em todo sistema jurídico, como fator mais
importante do que o poder normativo. Uma sociedade para ser justa precisa, sem
dúvida, de um mínimo de leis, porém precisa da indispensável internalização
subjetiva dos valores éticos e morais. Os romanos já haviam percebido, como
observou Paulus, "non omne, quod licet, honestum est", ou seja, nem
tudo que é lícito é também honesto. O positivismo acabou com essa preocupação
secular, separando o direito, da moral e da ética. A Mediação é um dos campos
privilegiados para o cultivo da Ética. Num recente estudo patrocinado pela
UNESCO, Edgar Morin, afirmou sobre a necessidade da ética:
"A Humanidade
deixou de constituir uma noção abstrata: é realidade vital, pois está,
doravante, pela primeira vez ameaçada de morte, a Humanidade deixou de
constituir uma noção somente ideal, tornou-se uma comunidade de vida; a
Humanidade é, daqui em diante, sobretudo uma noção ética: é o que deve ser
realizado por todos em cada um" (Morin, 2000, 114).
Além da Ética não
há mais como ignorar as implicações ecológicas da atividade humana, não só
físicas, mas também mentais e sociais, tratando-se na verdade de três
ecologias: a ecologia ambiental, a ecologia mental e a ecologia social.
"Mais do que nunca a natureza não pode ser separada da cultura e
precisamos aprender a pensar "transversalmente" as interações entre
ecossistemas, mecanosfera e Universos de referências sociais e
individuais" (Guattari, 1990, 25).
A Mediação rompe
com o isolamento das disciplinas que não mais respondem às necessidades do
conhecimento. O conhecimento deve ser transdisciplinar, ou seja, vai muito além
da junção de disciplinas, buscando o que há de comum em todos os ramos dos
saberes, como a Declaração de Veneza da UNESCO, de 1987, bem resumiu:
"Ao mesmo
tempo em que recusamos todo e qualquer projeto globalizante, toda espécie de
sistema fechado de pensamento, toda espécie de nova utopia, reconhecemos a
urgência de uma pesquisa verdadeiramente transdisciplinar em um intercâmbio
dinâmico entre as ciências exatas, as ciências humanas, a arte e a tradição. Num
certo sentido, esse enfoque transdisciplinar está inscrito em nosso próprio
cérebro através da dinâmica entre os seus dois hemisférios. O estudo da
natureza e do imaginário, do universo e do homem, poderia nos aproximar melhor
do real e nos permitir enfrentar de forma adequada os diferentes desafios de
nossa época"
A Mediação é
transdisciplinar, um modo de construir um conhecimento unificado, de fazer
pontes entre vários tipos de abordagem. Por isso exige dos mediadores muito
mais do que simples especialização como juristas, ou mesmo com psicanalistas,
ou sociólogos e afins.
Exige a apreensão
do fenômeno conflitivo como um todo indissociável. A Intuição caminha nessa
mesma direção, pois focaliza o conjunto sem se preocupar, num primeiro momento,
com os detalhes. O Mediador que usa a intuição "busca apreender a
totalidade da situação" (Jung, 1985, 14).
O conflito, como
um todo, não é só um fato objetivo, mas também subjetivo. A ciência evoluiu
muito na pesquisa objetiva e pouco no entendimento da subjetividade humana. Os
programas de saúde mental, que se preocupam com a deveriam fazer parte do
sistema social como um meio de educação dos cidadãos. A Mediação deveria ser
uma atividade estimulada porque pode ajudar na implantação de uma sociedade
subjetivamente mais saudável.
No Canadá, por
exemplo, o Governo paga sessões de Mediação para casais em vias de separação,
tentando assim solucionar o problema fora do litígio judicial. Na Argentina, na
Espanha, na França e em outros países já existe uma legislação e uma prática de
mediação há muitos anos. O Brasil está ainda se iniciando nessa matéria,
tardiamente. Será por falta de intuição da importância da Mediação?
É difícil aceitar
que após tanto tempo de normativismo os Estados continuem alimentando a
pretensão de resolver os problemas sociais, ambientais, econômicos e afins, só
pela legislação positiva.
Estamos no tempo,
mais do que necessário e oportuno, da Mediação, uma forma mais eficiente de
resolver os conflitos, com maior amplitude e maior potencial de produção de
felicidade para todos. A Mediação é um novo paradigma para se resolver
conflitos considerando que "o conflito é também uma oportunidade de
crescimento e desenvolvimento. Superando lógicas binárias, essas práticas se
interessam pelas possibilidades criativas que brindam as diferenças, a
diversidade e a complexidade" (Schnitman, 1999, 20).
Às vezes, pode ser
muito mais difícil mediar um conflito do que obter uma decisão judicial. Mas os
resultados serão, certamente, mais duradouros e mais profundos quando as partes
resolverem seus conflitos, livremente, através da Mediação. As transformações
subjetivas permanecem, enquanto as decisões objetivas, não raro, são ineficazes
para corrigir os problemas que tentam resolver. Nessa perspectiva a intuição
pode ajudar a acelerar a solução dos conflitos,como veremos em seguida.
3 - A Intuição e os Conflitos no Direito
O oficio do
mediador exige muito talento e intuição, além de certas técnicas. É um todo
complexo que não pode ser reduzido à forma fixas e pré-determinadas. É um
trabalho artesanal que busca encontrar soluções diferenciadas para cada caso.
Não há resposta única na Mediação, há sempre várias possibilidades de
escolherem várias respostas.
No Direito
Positivo, onde o Estado designa os Juizes para decidir os conflitos, vem sendo
discutido há tempos a insuficiência do raciocínio lógico-formal na decisão dos
litígios.
A concepção do
direito como experiência, por exemplo, do direito em sua dimensão
tridimensional (fato, valor e norma), como nos apresentou o jusfilósofo Miguel
Reale, implica em ir muito além do simples racionalismo, penetrando no campo da
axiologia, nos valores, que são a base indispensável da norma jurídica. O
Direito, nessa perspectiva, é axiológico, e não lógico. Nesse sentido inclui a
intuição como um dos componentes da experiência jurídica, embora a intuição
tenha de ser usada em conjunto com as demais dimensões do Direito. "O
delicado e fundamental problema epistemológico com que se defronta o estado das
ciências sociais consiste exatamente em não mutilar a realidade humana,
seduzido pela ilusória construção de explicações de tipo quantitativo e causal,
e ao mesmo tempo, não se perder no maré magnum das intuições particulares,
fragmentárias e heterogêneas, tentado pelo desejo de imergir-se no concreto,
mas com olvido dos valores do rigor e objetividade" (Reale, 1968, 40).
Ou em outros
termos, há de se compor os fatores intuitivos e subjetivos com os fatores
objetivos, como, aliás, proposto por Jung, (sentimento, pensamento, sensação,
intuição). O problema é que a intuição é um dos fatores subjetivos, não
devidamente valorizada pelos juízes, pela dificuldade de delimitar até onde
possa ser aceita. Porém num procedimento mais aberto como a Mediação acaba
sendo um dos mais valiosos auxiliares para a solução dos conflitos.
Há cada vez mais
juristas, no entanto, que reconhecem explicitamente o valor da intuição:
"O estudo da
intuição é certamente caro a vários setores de investigação do Direito. É
importante para o aplicador da lei, em especial ao Juiz, na busca e descoberta
da verdade. É fundamental a todos aqueles que aspiram a Justiça, pensando numa
melhor alternativa para a sua distribuição. É um instrumento básico para o
cientista e o filósofo do Direito na busca, tentativa e encontro daquilo que há
de essencial no Direito, procurando ultrapassar a barreira congelada do
dogmatismo, alcançando o novo e trazendo-o á luz da comunidade como uma
descoberta autêntica e efetiva." (Nunes, 1997, 199).
É preciso na
Mediação enfrentar o lado desconhecido do conflito e a Intuição, sem dúvida, é
um caminho para chegar lá. A sabedoria não se origina só do conhecimento
racional, mas de todos os outros campos da consciência.
Na Mediação,
especificamente, a sabedoria não vem só da informação das leis, das normas, dos
usos e costumes do passado. "A sabedoria vem através da aceitação do que
acontece, seja o que for. O sofrimento será um aprendizado, então nos tornamos
criativos. A sabedoria vem da experiência feita, do conflito vivido por uma
consciência alerta, como experiência feita. E qualquer coisa que aconteça,
deixamos que ela aconteça e passemos por ela. Breve o sofrimento será um
aprendizado, tornar-se-á criativo. Isso é o que a sabedoria tem que
ensinar" (Warat, 2001, 26).
O conflito ao mesmo
tempo traz o sofrimento, a divisão, e a possibilidade de criar um novo modo de
encontro com o outro. A Mediação é basicamente voltada para a alteridade ,em
que o Mediador do conflito é um mero facilitador das partes em conflito.
Assim: "A
solução de um conflito, a única possível, está em sua alquimia. Cada um de nós
guarda, em si, essa resposta, esse caminho. O mediador ajuda as partes a
descobrirem-se nessa alquimia" (Warat, 2001, 93).
A descoberta dessa
resposta é um fenômeno pessoal e intuitivo que de antemão não se pode conhecer.
Essa alquimia exige que o Mediador e as partes estejam abertas para todas as
possibilidades de solução.
No conflito
jurídico o Julgador é obrigado a decidir pelo que está no processo, pois o que
"não está no processo não está no mundo" (quod non est in auto non
est in mundo). O Juiz está limitado ao devido processo legal, às provas
concretas, não podendo inferir e presumir algo não provado, salvo o que é
público e notório, e isso independe de prova. A segurança jurídica exige que
não haja arbitrariedade no julgamento e em nome dessa segurança muitos
sentimentos precisam ser deixados de lado. Os fatos processuais ás vezes se
tornam artificiais. Aquilo que não foi registrado no processo não existe.
A Mediação
valoriza o verbal e o não verbal, o sensorial, a postura corporal, o que
acontece no nível energético das pessoas, e nada, em princípio, deve ser
desprezado. Estamos acostumados a resolver tudo pelas palavras, sobretudo em
Direito, em que a lei positiva dá os parâmetros para a solução dos conflitos.
Bastaria interpretar bem para resolver um litígio, eis um dogma que não pode
mais ser aceito. O litígio resolvido racionalmente pode continuar existindo
sensorialmente. As palavras podem ser sábias, mas as palavras não dizem tudo,
nem resolvem tudo. É muito comum no Brasil que os Juízes adotem o julgamento
antecipado da lide, sem fazer audiência de instrução e a produção de outras
provas, em nome, muitas vezes, da celeridade processual. A nosso ver, a
audiência de instrução é o momento em que os Juízes podem tomar conhecimento
das dimensões globais do conflito, podem aferir o que existe de explícito e de
oculto nos conflitos, podem desenvolver a intuição. Raramente, deveria ser
dispensada a audiência de instrução.
O Juiz deveria atuar
mais como um Mediador, preparando-se para ir além das palavras escritas e
verbais. Para isso teria de haver uma mudança na cultura do nosso Poder
Judiciário que poderia vir através desse novo paradigma: a Mediação.
A Mediação não é,
em definitivo, um procedimento verbal, nem adversarial, nem racional.
A Mediação, como
também a intuição, pode ser traduzida em palavras, mas é um fenômeno de forte
conteúdo não verbal. Pode ser, por hipótese, que a Intuição talvez aconteça na
razão inversa da fala: quanto mais silêncio, e menos fala, mais intuição. Ou
seja, "A comunicação não verbal é de corpo para corpo, de sentimento a
sentimento". Quando falamos, estamos diminuindo fortemente nossa
possibilidade de sentir. O corpo traduz melhor que as palavras os espaços de
afetividade e de saber recalcados. O corpo é mais sábio que nossa consciência e
nossas palavras. (Warat, 2001, 49).
Essa dimensão que
está além do verbal é uma característica básica da Mediação e nesse sentido a
Intuição desempenha um importante papel.
4 - A Função da Intuição na Mediação
O Mediador para
exercer bem seu ofício precisa de um conjunto de conhecimentos,
exemplificativamente: além de ter capacitação de natureza técnica, útil para
lidar com os conflitos, necessita de conhecimentos interdisciplinares
(psicologia, sociologia, economia ...) de postura corporal adequada, necessita
de experiência de vida, sentimentos, percepções, sensações e de intuição.
O Mediador sabe
que o conflito é complexo e que a solução precisa ser criada, que não há de
antemão um parâmetro, como existe no sistema jurídico positivo, para ajudar a
resolver a questão.
A intuição na
Mediação ajuda a encontrar a solução além do intelecto, dos argumentos
racionalistas e lógicos que as partes, em todos os conflitos, gostam de usar
para mostrar o acerto de sua posição e o desacerto da posição do outro. A razão
desagrega os conflitantes num movimento de ganha/perde que, geralmente, não vai
agradar a todos. Dificilmente, as partes em conflito conseguirão criar uma
solução nova e satisfatória só com o intelecto, com o uso da função racional.
Em algum momento
da Mediação o mediador precisa deixar fluir sua intuição, dar valor á intuição
das partes envolvidas, pois elas podem procurar dentro de si mesmas as
respostas, intuitivamente.
Vamos dar um
exemplo prático e criativo do uso da intuição da Mediação ocorrido em 2005 no
Setor de Conciliação e Mediação do Fórum João Mendes Junior, em São Paulo, numa
audiência que mediamos.
As partes
litigavam em termos de ser ou não devida uma multa por rescisão de contrato. O
contrato era de um fornecedor de gelo para um restaurante. Depois de muitos
anos fornecendo gelo o dono do Restaurante, por diversos motivos, resolveu
deixar de comprar desse fornecedor. O antigo fornecedor ficou muito irritado
com o fato de ser preterido no fornecimento e ajuizou uma ação discutindo a
penalidade pela rescisão. A multa era na base de R$ 2.000,00, aproximadamente,
de pequeno valor. Na audiência de conciliação as partes discutiram, trocaram
idéias pertinentes e acabaram descobrindo que no fundo estavam ressentidas pelo
rompimento do negócio após tantos anos. Na hora das soluções, várias propostas
foram discutidas: a tradicional diminuição do valor da multa para possibilitar
o acordo; retomar o fornecimento em novas bases; o dono do restaurante pagar um
jantar ao fornecedor de gelo e assim desistirem do litígio. No meio da
discussão uma surpresa: um dos advogados era membro de uma sociedade
filantrópica que cuidava de menores carentes na cidade de Santos. Por que não
doar o valor da multa para essa Sociedade Filantrópica?
As partes,
reconhecendo a inutilidade do litígio, aceitaram essa solução e o dinheiro foi
para essa Sociedade. Ninguém ganhou, nem perdeu, a comunidade é quem ganhou, as
partes saíram satisfeitas e felizes com a inédita solução.
A solução não
estava dentro do processo, mas as partes solucionaram o caso de forma criativa
dando o dinheiro a um terceiro. A nosso ver, o resultado disso foi fruto do
sentimento e da intuição de todos.
Esse exemplo não é
garantia que sempre a resposta virá da intuição, mas que a intuição estará
presente em todas as respostas, mais ou menos intensamente. É preciso apenas
ficar atento para o lado intuitivo e oculto dos conflitos.
O pouco valor que
se tem dado á intuição, não só no campo do Direito e da Mediação, mas na vida
moderna como um todo, tem contribuído par aumentar os conflitos e não para
solucioná-los.
"O
conhecimento nunca pode ser espontâneo".
O instinto é mais
profundo que o intelecto,
E a intuição está
acima do intelecto.
Ambos transcendem
o intelecto e ambos são bons "(Osho, 2006,13)".
A Mediação é um
modo de abordar os conflitos que possibilita
e necessita usar a
intuição . Sem intuição é muito difícil realizar uma boa Mediação.
5 - Conclusão
O ofício do
Mediador é complexo. Não é possível simplificar o complexo e passar para o
sistema binário. O conflito apresenta aspectos, no mínimo, quaternários.
Não existe na
Mediação, como existe no sistema jurídico, um parâmetro legal para orientar a
decisão do conflito. A Mediação enfrenta as possibilidades em aberto para
encontrar uma solução do conflito que vai nascer dos próprios mediandos.
A Mediação tem
raízes na subjetividade das partes, possibilita que o inconsciente aflore, que
a intuição se manifeste, para buscar no conflito respostas criativas e novas.
Óbvio que o sistema jurídico estará presente, até como uma espécie de
inconsciente coletivo (Buitoni, 1997), não pode e não deve ser esquecido, até
porque eventual solução pode passar a ser objeto de uma transação com efeitos
jurídicos. Mas não é hegemônica a presença da lei na Mediação, ela é uma das
presenças que deve ser considerada. A Mediação vai além da lei.
Nessa perspectiva
a Intuição pode e deve ser implementada pelo Mediador e pelas partes. Apesar da
Intuição ser um mecanismo incontrolável, dá para sentir quando ela está
presente. Isso não quer dizer que a Intuição está sempre certa. Há intuições
enganosas, úteis, outras são falsas, sem sentido. Mas são sempre intuições.
Elas fornecem caminhos pessoais que devem ser respeitados. A intuição é a
verdade pessoal de cada um. Como a história da civilização mostra, a intuição é
necessária para o desenvolvimento da arte e da ciência.
A função da
Intuição na Mediação, numa tentativa de breve síntese, talvez possa ser assim
resumida: A Intuição ajuda a Mediação a trilhar o caminho da criatividade, a
enfrentar o desconhecido e criar soluções novas. Mediação e Intuição são
companheiras inseparáveis e, por isso, é preciso deixá-las caminhar de mãos dadas.
BIBLIOGRAFIA.
BUITONI, Ademir. O Direito na Balança da Estabilização
Econômica do Cruzado ao Real. São Paulo: LTR, 1997.
DAMÁSIO, Antonio
R. O Erro de Descartes. Trad.
Dora Vicente e Giorgina Segurado. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
GUATTARI, Felix. As Três Ecologias. Campinas: Papirus,
1990.
JUNG, C.G. Fundamentos de Psicologia Analítica.
Trad. Araceli Ehum: Petrópolis. Vozes, 1985.
JUNG, C.G. Estudos Alquímicos- Trad. Dora F. da
Silva. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.
JUNG, C.G. Psicologia e Alquimia. Trad. Maria
Luiz Appy et Alii. Petrópolis-RJ:. Vozes, 1990.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do
futuro. 2. ed., São Paulo: Cortez, 2000.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. A Intuição e o Direito em Novo Caminho. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
OSHO- Intuicion
el conocimiento que transciende la logica. 4.ed. Tradução
direta do Autor. Buenos Aires: Grijalbo, 2006.
REALE, Miguel. O direito como Experiência. São Paulo:
Saraiva, 1968.
SCHNITMAN, Dora; STEPHEN, Littlejohn. Novos paradigmas em mediação. Porto Alegre: Artmes, 1999.
THEOPHILO, Roque. Intuição. www.dominiofeminino.com.br, 2003.
TORRINHA,
Francisco. Dicionário latino Português.
3ª ed. Porto Portugal: Ed. Maranus, 1945.
WARAT, Luiz
Alberto. O Ofício do Mediador.
Florianópolis/SC: Habitus, 2001
* Advogado e mediador em São Paulo, doutor em
Direito Econômico pela USP
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10746
Acesso em: 04 set.
2008.