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Antonio Milton de Barros*
Sumário: 1.
Introdução. 2. Questões relativas à sentença condenatória. 2.1. Quanto à
reparação do dano ex-delicto.
2.2. Decretação de medida cautelar. 3.
A função do Ministério Público e a atuação do defensor. 4. Novas regras para a
citação: citação com hora certa. 5. Emendatio
e mutatio libelli. 6.
Procedimentos. 6.1 Disposições comuns a todos os procedimentos. 6.1.1
Juízo de admissibilidade da acusação. 6.1.2 Citação do acusado: defesa
preliminar e suspensão do processo. 6.1.3 Absolvição sumária. 6.1.4. Designação
de audiência e intimações. 6.1.5 Interrogatório de réu preso. 6.1.6 O princípio
da identidade física do juiz. 6.2. Procedimento ordinário. 6.2.1 Audiência de
instrução. 6.2.2 Realização de diligências, debates e julgamento. 6.2.3 Ata da
audiência. 6.3. Procedimento sumário. 7.
Conclusão.
1.Introdução
Dentre os diversos projetos de reforma do Código de
Processo Penal, o de n. 4.207/01 se transformou na Lei n. 11.719, de 20 de
junho de 2008, para entrar em vigor em 22.08.2008.
Por essa lei, foram alterados dispositivos
referentes à suspensão do processo, emendatio
libelli, mutatio libelli e aos procedimentos, além de alguns outros
esparsos, todos, de uma forma ou de outra, referentes ao aspecto procedimental,
em alguma de suas fases.
Embora tenham sido significativas as modificações
introduzidas, deve-se destacar que a reforma não abrangeu a modificação
proposta para o artigo 366, principalmente no sentido de fixar um prazo para a
suspensão da prescrição, no caso de tentativa frustrada de citação por edital e
conseqüente suspensão do processo. Com certeza, será preciso tratar dessa
questão em outra mini-reforma, se antes não vier uma completa, de todo o CPP.
2.Questões relativas á sentença condenatória
2.1.Quanto à reparação do dano ex-delicto.
De acordo com o art. 63, "transitada em,
julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo
cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal
ou seus herdeiros". Portanto, nova demanda seria necessária para se
conseguir a indenização.
Pela reforma, acrescentou-se um parágrafo ao art.
63, estabelecendo que a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado na
sentença condenatória, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano
efetivamente sofrido.
Com isso, o texto ficou coerente com a modificação
introduzida ao art. 387, VII, que, ao tratar da sentença condenatória, consigna
que o juiz "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido".
Dessa forma, pela nova disciplina legal, a vítima
poderá ser mais prontamente satisfeita, no aspecto patrimonial, sem necessidade
de aguardar as delongas do processo civil de execução da sentença penal. Outro
processo somente será ajuizado, na esfera cível, para eventual complementação,
se o valor originalmente fixado pelo juiz criminal for reputado insuficiente.
A crítica que tem sido feita em relação a esse
ponto consiste no fato de que o projeto haver trabalhado com a idéia de
solvência do acusado, o que não corresponde com as estatísticas em torno do
assunto. Mais eficaz teria sido a previsão de indenização pelo próprio Estado.
2.2.Decretação de medida cautelar
Foi acrescentado o parágrafo único ao referido art.
387, constando: "O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção
ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar,
sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta".
Esta determinação faz com que a prisão decorrente
de sentença penal condenatória apenas subsista se presentes os requisitos da
prisão preventiva, hipótese que se compatibiliza com a presunção de inocência.
Deixa de ser condição de admissibilidade do recurso o recolhimento ao cárcere
(art. 594), assim como a fuga não impede mais seu conhecimento (art. 595), tudo
em consonância com a Declaração Americana sobre os Direitos do Homem.
Como conseqüência e coerentemente, foi revogado o
art. 594, que exigia a condição de primariedade para que o réu pudesse apelar
em liberdade. E, embora não revogados expressamente, deixam de ter aplicação os
arts. 393, I e 595, por manifesta incompatibilidade. Aquele arrola a prisão
como efeito automático da sentença condenatória; e este considera que a fuga do
acusado após a interposição do recurso equivale à deserção e abandono do
próprio recurso, que, nesse caso, deixaria de ser conhecido.
Além do princípio da presunção de inocência, também
é levado em conta o direito incondicional ao duplo grau de jurisdição. Eventual
prisão, doravante, nessa fase, somente poderá ser decretada em caráter de
cautelar e, obviamente, não pode influenciar no direito de recurso, pois:
... é preciso ter em conta que a eventual prisão
não pode afetar o direito de recorrer, que dela independe. Conforme enfatizam
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance
Fernandes (2005), ainda que configure a hipótese de prisão cautelar, o juiz não
deve condicionar o recebimento ou processamento do recurso ao efetivo
recolhimento à prisão. Quando condenar e decretar a prisão, cumpre ao juiz
expedir mandado de prisão e, ainda que não cumprido, admitir e dar seqüência à
apelação interposta. "É o que sucede na decretação da preventiva: o
processo tem regular seguimento enquanto se aguarda a prisão" [01].
3.Função do Ministério Público e atuação do
defensor
A nova redação do art. 257 explicita a função do
Ministério Público de promover, privativamente, a ação penal pública e a de
fiscalizar a execução da lei, em geral. Trata-se de uma melhor adequação ao
art. 129, I, da Constituição Federal, quanto à titularidade exclusiva da ação
penal pública.
No tocante ao defensor, a reforma atualiza o valor
da multa para o caso de abandono do processo, fixando-a em dez a cem salários
mínimos. A multa não incide se o abandono se der por motivo imperioso (art.
265).
Ao mesmo tempo, prestigia-se o defensor titular, ao
afirmar-se que a audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, ele
não puder comparecer à audiência. Antes, ainda que justificada a falta, poderia
a audiência ser realizada, com a nomeação de defensor ad hoc.
4.Novas regras para a citação: citação com
hora certa
Anteriormente, quando o acusado se ocultava para
não receber a citação, tentava-se citá-lo por meio de edital. Essa postura do
CPP era criticada, por não adotar a citação com hora certa, conforme já se
fazia no âmbito do processo civil. Finalmente, o legislador atendeu a esse
reclamo e o novo art. 362 dispõe sobre a citação com hora certa, nos termos dos
arts. 227 a 229, do CPC, que assim dispõem:
Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver
procurado o réu em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá,
havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou em sua
falta a qualquer vizinho, que, no dia imediato, voltará, a fim de efetuar a
citação, na hora que designar. Art. 228. No dia e hora designados, o oficial de
justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou
residência do citando, a fim de realizar a diligência. § 1º. Se o citando não
estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da
ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando tenha se ocultado em
outra comarca. Art. 229. feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao
réu carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe de tudo ciência.
Em seguida, se ainda assim o acusado não
comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo, conforme determina o parágrafo
único do art. 362, reformado.
De acordo com o art. 363, caput, "o processo terá completada a sua formação quando
realizada a citação do acusado".
Além disso, não ocorrerá citação por edital em
virtude dos demais motivos constantes do art. 363, isto é, quando inacessível,
em virtude de epidemia, de guerra ou por outro motivo de força maior, o lugar
em que estiver o réu (inc. I); ou quando incerta a pessoa que tiver de ser
citada. Apenas se fará a citação por edital caso não seja localizado o acusado
(inc. II).
Se o acusado, citado por edital, comparecer, tem
prosseguimento o processo (art. 363 § 4.º). Entretanto, se ele não comparecer,
nem indicar defensor, aplica-se o 366, que não sofreu alteração.
Com efeito, embora constasse do projeto, não foi
reformulada a redação do art. 366 [02], sobretudo quanto ao tempo de
suspensão do prazo prescricional, tendo sido vetada a redação nova para o
referido dispositivo. Certamente, essa questão justificará outro
"remendo" ao Código, como já referido.
Mas, seja qual for a forma de citação, prevalece o
disposto no art. 367, segundo o qual "o processo seguirá sem a presença do
acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de
comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não
comunicar o novo endereço ao juízo".
5.Emendatio e mutatio libelli
Em relação ao artigo 383, que trata da chamada emendatio libelli, a reforma altera o
caput, para constar que o juiz
não modificará a descrição jurídica do fato, embora possa atribuir definição
jurídica diversa, caso esta tenha sido indicada erroneamente na inicial.
Prevalece, portanto, a regra segundo a qual o acusado se defende dos fatos e
não da capitulação dada ao crime.
A esse artigo, acrescentaram-se dois parágrafos,
com vistas a propiciar um redirecionamento do processo, quando cabível ou
necessário, nas seguintes hipóteses: o primeiro desses parágrafos trata da
aplicação da suspensão condicional do processo (Lei n. 9.099/95, art. 89), se a
possibilidade surgir em decorrência da nova definição jurídica do fato; já o
segundo recomenda o encaminhamento dos autos a outro juízo, se a nova definição
jurídica modificar a competência.
Eis a redação atual do dispositivo:
Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato
contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa,
ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
§ 1º Se, em conseqüência de definição jurídica
diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo,
o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
§ 2º Tratando-se de infração da competência de
outro juízo, a este serão encaminhados os autos.
Contudo, a mais importante modificação, nesse
tópico, consiste em estabelecer nova sistemática para a mutatio libelli (art. 384), que passa a exigir a exata
correlação entre acusação e sentença, tornando clara a adoção do sistema
acusatório, pois ao juiz não será mais atribuída a iniciativa de provocar o
aditamento. Segue a nova redação:
Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se
entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova
existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida
na acusação, o Ministério Público poderá aditar a denúncia ou queixa, no prazo
de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em
crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito
oralmente.
§ 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público
ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.
§ 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5
(cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das
partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de
testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e
julgamento.
§ 3º Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do
art. 383 ao caput deste artigo.
§ 4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar
até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na
sentença, adstrito aos termos do aditamento.
§ 5º Não recebido o aditamento, o processo
prosseguirá.
Se, durante a instrução do processo, surgir prova
de elemento ou circunstância, não contido na inicial, que provoque alteração da
definição jurídica do fato, impõe-se aditamento da inicial, pelo acusador, para
que o juiz possa apreciar na sentença essa alteração. Observe-se que o
aditamento não é obrigatório, podendo ou não ser feito pelo órgão da acusação.
Todavia, ele será indispensável para a apreciação judicial do fato, em obediência
ao princípio da correlação.
Embora o art. 384 se refira apenas à ação penal
pública, entende-se que também poderá ser facultado ao querelante promover o
aditamento, no caso de ação penal privada. Esse posicionamento, que já era
defendido no regime anterior, em relação ao parágrafo único do mesmo
dispositivo ora comentado, tende a ser acolhido pela doutrina [03].
Ocorrendo o aditamento, se faculta manifestação da
defesa e só depois disso pode o juiz sentenciar.
Embora não mais seja admissível que o juiz provoque
o aditamento, como no regime anterior, faculdade ampla e unanimemente combatida
pela doutrina, a reforma prevê expressamente a aplicação do art. 28 para o caso
de não ocorrer o aditamento, pelo Ministério Público. Ou seja, o juiz é mantido
no papel anômalo de fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal
pública.
De fato, dispõe o art. 28 que se o juiz discordar
do pedido de arquivamento do inquérito ou das peças de informação, enviará os
autos ao Procurador Geral de Justiça, para deliberar a respeito da posição
ministerial. No caso de o Procurador Geral não promover o aditamento, restará
ao juiz decidir em face da acusação existente, condenando ou absolvendo.
Também em relação à mutatio tem aplicação as disposições que tratam da eventualidade
de eventual suspensão do processo ou remessa a outro juízo, se a nova
classificação assim o indicar (art. 383, §§ 1.º e 2.º).
6.Procedimentos
6.1.Disposições comuns a todos os ritos
O procedimento será comum ou especial (art. 394 caput), sendo que o comum se
subdivide em ordinário, sumário ou sumaríssimo (art. 394, § 1.º).
A definição do rito procedimental se faz de acordo
a quantidade da pena prevista para o crime, a saber:
I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja
sanção máxima cominada seja igual ou superior a 4 (quatro) anos de privativa de
liberdade;
II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja
sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de privativa de
liberdade;
III - sumaríssimo, para as infrações penais de
menor potencial ofensivo, na forma da lei.
Aplica-se a todos os processos o procedimento
comum, salvo disposições em contrário do CPP ou de lei especial (§ 2.º); as
disposições dos arts. 395 a 398 aplicam-se a todos os procedimentos penais de
primeiro grau, ainda que não regulados no CPP (§ 4.º) e aplicam-se
subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as
disposições do procedimento ordinário (§ 5.º).
6.1.1.Juízo de admissibilidade da acusação
Pela nova redação do art. 395, a denúncia ou queixa
será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para
o exercício da ação penal; ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação
penal.
Foi expressamente revogado o art. 43, que indicava
as causas de rejeição da inicial.
Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a
denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e
ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo
de 10 (dez) dias. É o que dispõe o caput
do art. 396, sendo que o parágrafo único esclarece que no caso de citação por
edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento
pessoal do acusado ou do defensor constituído.
Desse modo, a decisão sobre o recebimento da
denúncia ou da queixa deverá ser fundamentada, devendo a inicial ser rejeitada
quando falta um dos requisitos enumerados no art. 395, a seguir comentados.
6.1.1.1.Inépcia
A denúncia e a queixa, para não serem declaradas
ineptas, devem ser formuladas de acordo com os requisitos do art. 41, do CPP,
que são: exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias; a
qualificação do acusado ou esclarecimento pelos quais possa ser identificado; a
classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas.
Maior relevância apresenta a descrição
pormenorizada dos fatos, pois é deles que o acusado se defende; também,
permitirá que o juiz afira sobre a efetiva ocorrência de fato típico,
delimitando o campo temático a ser discutido no processo, até o seu final
[04].
O segundo requisito é a qualificação do acusado, o
que significa informar seu nome completo e, sempre que possível, os demais
dados de identificação, inclusive o seu RG, se o possuir, para evitar
complicações com homônimos. Quando não se dispuser de dados sobre a
qualificação, é suficiente a indicação da identidade física (CPP, arts. 41 e
259).
Outro dos requisitos formais de elaboração da
denúncia ou da queixa é a classificação do crime (CPP, art. 41). Como assinala
Eugênio Pacelli de Oliveira [05], a exigência visa atender a duas
ordens distintas de interesses. A primeira consiste na afirmação inicial da
competência jurisdicional, em face das regras de distribuição de competência
constantes da Constituição Federal e das leis de organização judiciária.
A segunda visa assegurar a ampla defesa, permitindo
ao acusado, desde logo, o conhecimento, o mais completo possível, da pretensão
punitiva contra ele instaurada.
Essa classificação, isto é, a capitulação legal do
fato, como se sabe, é provisória e só se tornará definitiva com a sentença
transitada em julgado.
Finalmente, o art. 41 se refere ao rol de
testemunhas. Em regra, há necessidade de se arrolar testemunhas, para
comprovação do alegado. O número de testemunhas varia de acordo com o rito do
processo.
6.1.1.2.Pressupostos processuais
Os pressupostos processuais podem ser subjetivos e
objetivos ou de validade. Pressupostos subjetivos dizem respeito à competência
e imparcialidade do juiz e à capacidade das partes. Os objetivos referem-se a
formalidades do processo, como a citação válida, a adoção do procedimento
adequado, a aptidão da inicial, a inexistência de litispendência, coisa julgada
ou de nulidades [06].
Portanto, ao decidir sobre o recebimento da
denúncia ou queixa, além analisar a peça acusatória sob o aspecto formal,
cumpre ao juiz averiguar a existência dos pressupostos da relação processual,
velando pela regularidade do processo (CPP, art. 251).
Satisfeitas as condições mínimas para o exercício
do direito de ação, resta ao juiz investigar se também estão satisfeitas as
condições mínimas de viabilidade da relação processual.
6.1.1.3.Condições genéricas da ação
Para que seja legitimamente recebida a peça inicial
da acusação – denúncia ou queixa – é necessário conferir-se a presença das
condições genéricas da ação, isto é, verificar se estão presentes os requisitos
mínimos indispensáveis para a formação da relação processual, o juiz deverá
constatar se estão presentes as três condições da ação: possibilidade jurídica
do pedido, legitimidade e interesse de agir. São chamadas de condições
genéricas porque comuns a todo tipo de ação, distintas das condições
específicas ou de procedibilidade, exigíveis em hipóteses determinadas.
Na realidade, como salienta Maria Thereza Rocha de
Assis Moura [07], o CPP não contempla, exatamente, essas três
condições, como se pode conferir no seu art. 43, mas a doutrina transpôs para o
processo penal as condições da ação, nos moldes em que traçadas para o processo
civil, com adaptações.
Contudo, a possibilidade jurídica do pedido foi
inserida entre as causas de absolvição sumária, uma novidade da reforma (quanto
ao rito comum), a ser comentada mais adiante. Restaram, portanto, legitimidade
e interesse de agir.
A Legitimidade para a causa (legitimatio ad causam) é definida
como a pertinência subjetiva da ação, a qual somente poderá ser exercida pelo
titular de uma situação jurídico-material. Diz respeito, em suma, à
titularidade ativa e passiva da ação penal. Está relacionada, portanto, com a
questão afeta à legitimidade de parte para propor a ação ou para figurar como
réu. Sua ausência provoca nulidade absoluta (CPP, art. 564, II).
No processo penal, em regra, o sujeito ativo é o
Estado, como titular do direito de punir, cuja função é exercida, privativamente,
pelo Ministério Público (CF, art. 129, I). De maneira excepcional, essa
atividade pode ser exercida pelo ofendido, na condição de legitimado
extraordinário ou substituto processual. De outro lado, o legitimado passivo é
o acusado pelo crime.
Se, por exemplo, for denunciado um menor de 18
anos, a denúncia não poderá ser recebida, por faltar-lhe legitimatio ad causam, já que
inimputável. Se o menor for a vítima, faltará legitimidade ad processum, ou seja, capacidade de
estar em juízo, devendo também a queixa ser rejeitada. No primeiro caso, a ação
deve ser anulada (CPP, art. 564, III) e, no segundo, poderá a queixa ser
ratificada ou refeita, conforme art. 568, do CPP [08].
Podem duas ou mais pessoas ter legitimidade para
figurar tanto no pólo ativo como no passivo. Assim, pode haver uma denúncia e
uma queixa, simultaneamente, estabelecendo-se um litisconsórcio ativo entre o
órgão estatal da acusação e o querelante. E, também, uma acusação pode ser
dirigida contra vários acusados (litisconsórcio passivo).
Segundo lição adotada por Maurício Zanoide de
Moraes [09], em virtude da ocorrência de um fato tido como
delituoso, que gera um estado de intranqüilidade social, surge a necessidade do
exercício jurisdicional, visando a pacificação, pois de acordo com o art. 5.°,
LIV, da CF, "ninguém será privado de sua liberdade e de seus bens sem o
devido processo legal". Assim, o interesse de agir tem como causa a
controvérsia surgida com o cometimento da infração. E, para que haja a
‘controvérsia’, é imprescindível a presença doe trinômio conduta, ius puniendi e ius libertatis.
6.1.1.4.Condições de específicas ou de
procedibilidade
Como visto, as condições genéricas são exigíveis a
todo tipo de ação. Porém, em alguns casos, a lei exige o preenchimento de
determinadas e específicas condições para o exercício da ação penal. É o caso,
por exemplo, das ações públicas condicionadas, em que o Ministério Público
somente poderá ingressar com a ação mediante representação ou requisição do
Ministro da Justiça.
6.1.1.5.Justa causa
É certo, ainda, que o exercício do direito de ação
penal exige que o inquérito ou as peças de informação contenham elementos
sérios e idôneos demonstrando que houve uma infração penal, e indícios, mais ou
menos razoáveis, de que o seu autor foi a pessoa apontada no processo
informativo ou nos elementos de convicção, porque a propositura de uma ação
acarreta vexames à pessoa contra quem foi proposta [10].
Em conseqüência, parte da doutrina entende que só
existe interesse de agir na ação penal de natureza condenatória quando houver fumus boni iuris ou justa causa,
vistos como idoneidade do pedido. Em caso contrário, o juiz pode declarar desde
logo inadmissível a acusação, porquanto, faltando justa causa, inexistirá
interesse processual.
O art. 43, do CPP, que cuidava das hipóteses de
rejeição da ação penal, expressamente, não exigia tais elementos, para o
recebimento da denúncia ou queixa; no entanto, pela sistemática do código, já
se podia perceber a exigência, tanto que o art. 648, I, do CPP diz que haverá
constrangimento ilegal "quando não houver justa causa". E é com
fundamento nesse dispositivo que os Tribunais vêm "trancando a ação
penal", seja pública, seja privada, todas as vezes em que ela não se
arrime em elementos razoáveis de convicção quanto ao fato infringente da norma
e sua autoria [11].
Com a reforma, o CPP passa a prever expressamente a
justa causa, como requisito de admissibilidade da acusação. Se inexistente, a
inicial deverá ser rejeitada, uma vez que a denúncia ou queixa apenas deve ser
oferecida (e recebida) quando estiver amparada em provas mínimas de autoria e
materialidade do crime, evitando-se acusações temerárias, visando resguardar o status dignitatis do acusado
[12]. Caso isso não seja observado, resta o remédio do habeas corpus para trancar a ação
penal ou impedir o indiciamento.
6.1.2.Citação do acusado: defesa preliminar e
suspensão do processo
Recebida a inicial, o juiz deverá determinar a
citação do acusado e notificação para a apresentação de defesa preliminar.
Havendo proposta de suspensão do processo (art. 89,
da Lei n. 9.099/95), deverá, ainda, ser designada audiência para apresentação
ao acusado e seu defensor.
A suspensão do processo consiste em uma transação
entre o Ministério Público e o acusado e seu defensor, a fim de suspender a
tramitação do processo, de forma que o acusado abre mão do direito de sustentar
sua defesa, na expectativa de ver extinta sua punibilidade, mediante o
cumprimento de algumas condições.
De acordo com esse dispositivo, nos crimes em que a
pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidos ou não pela Lei
(9.099/95), o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a
suspensão do processo, desde que preenchidas as demais condições exigíveis.
A lei menciona que a proposta ao acusado deva ser
feita antes do recebimento da denúncia, mas, segundo a doutrina o recebimento
deve preceder a proposta. A esse respeito, escreveram Ada Pellegrini Grinover e
outros: "Pela ordem legal, primeiro marcar-se-ia a audiência de
conciliação, ouvir-se-ia o acusado, celebrar-se-ia a transação, para depois o
juiz examinar a viabilidade da denúncia. Na verdade, o juízo de admissibilidade
da denúncia, exigido pela lei, deve anteceder à designação de audiência de
conciliação" [13]. No mesmo sentido se posiciona Weber Martins
Batista [14]. Também na prática ocorre dessa forma.
O que não nos parecia adequado era a realização do
interrogatório antes da proposta de suspensão. Isso não poderá mais ocorrer,
porque o interrogatório deixa de ser o primeiro, para ser o último ato da
instrução do processo (CPP, art. 400, com a redação da Lei n. 11.1719/08), de
forma que, havendo suspensão do processo, ele estará incluído, forçosamente.
Segundo o art. 396-A, na defesa, o acusado poderá
argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer
documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar
testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário,
processando-se a exceção em autos apartados (art. 396 A § 1.º).
Portanto, a resposta da defesa à acusação tem a
finalidade de eliminar desde logo os casos mais aberrantes de inviabilidade de
ação penal. Também quando a prova é inequívoca sobre a legítima defesa, por
exemplo, faculta-se a imediata absolvição, sem necessidade de se submeter o
acusado a um longo e moroso processo.
Essa defesa preliminar, tendo em vista sua
finalidade, é obrigatória, devendo ser nomeado defensor dativo para esse fim,
se o acusado não o constituir. (art. 396 § 2.º).
6.1.3.Absolvição sumária
A reforma introduziu, na redação ao art. 397, a
possibilidade de absolvição sumária, quando o juiz verificar:
I - a existência manifesta de causa excludente da
ilicitude do fato;
II - a existência manifesta de causa excludente da
culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III - que o fato narrado evidentemente não
constitui crime; ou
IV - extinta a punibilidade do agente.
Por isso que a defesa é apresentada em momento
anterior à uma decisão de absolvição sumária. Assim, o acusado e seu defensor
devem se valer dessa oportunidade para influírem no convencimento do juiz a
respeito das possibilidades que se descortinam a partir do artigo 397,
evitando-se a delonga desnecessária do processo.
6.1.4.Designação de audiência e intimações
Conforme já referido, no artigo 396, caput consta que o juiz recebe a
denúncia e manda citar o acusado. E o art. 399, em repetição, prevê: sendo
recebida a acusação, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a
intimação do acusado, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e
do assistente. Em verdade, o recebimento já havia ocorrido, inclusive com a
determinação de citação do acusado.
A esse respeito, escreveu Gustavo Badaró [15]:
O Projeto de Lei n. 4.207/01 criava uma fase
intermediária de juízo de admissibilidade da acusação e concentrando os atos de
instrução, debates e julgamento em uma única audiência. Todavia, por força de
emendas na Câmara dos Deputados, tal mudança acabou sendo incorporada à Lei n.
11.719/08, que continua prevendo o recebimento imediato da denúncia ou queixa,
antes da apresentação da defesa.
Nesse mesmo sentido, assevera Pierpaolo Bottini
[16] que o legislador perdeu ótima oportunidade de consagrar o
contraditório na fase preliminar ao recebimento da denúncia no processo comum,
na Lei n. 11.719/08, "ao estabelecer que, apenas após o recebimento da
denúncia, será citado o réu para o oferecimento da resposta".
Entretanto, para Maria Elisabeth Queijo [17]:
... o Projeto de Lei n. 4.207/01 estabeleceu a
apresentação de resposta preliminar, pela defesa, antes do recebimento da
denúncia. Na Lei n. 11.719, embora o rigor técnico do Projeto não tenha
prevalecido, a interpretação sistemática dos arts. 396, 397 e 399, conduz à
conclusão da manutenção da resposta à acusação antes do recebimento da peça
vestibular.
Penso que a primeira posição seja a mais correta,
inclusive porque no art. 399, a lei se refere à intimação. Deve-se entender
que, não sendo caso de absolvição sumária, isto é, decidindo pelo prosseguindo
da ação, o juiz designará audiência e mandará intimar a todos, requisitando o
acusado se estiver preso.
6.1.5.Interrogatório do réu preso
Do § 1.º, do art. 399, consta que "o acusado
preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o Estado
providenciar sua apresentação".
Entretanto, melhor seria que o legislador adotasse
o mesmo critério adotado em relação ao Tribunal do Júri, em que o acusado tem a
faculdade de não ser conduzido contra sua vontade [18]. De fato, não
faz sentido obrigar o acusado comparecer, quando se sabe que sua presença na
audiência é um direito, não obrigação, correspondente ao direito a permanecer
calado.
De qualquer modo, assim como consta do capítulo
referente ao interrogatório do acusado (arts. 185 e ss), denota-se, mais uma
vez, que a lei federal não adotou, ainda, o interrogatório por
vídeo-conferência.
6.1.6.O princípio da identidade física do juiz
O § 2.º, desse mesmo art. 399, ao dispor que
"o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença",
introduz uma novidade ao processo penal, que é a aplicação da regra da
identidade física do juiz.
6.2.Procedimento ordinário
De acordo com o § 2.º, do art. 394, aplica-se a
todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário do CPP
ou de lei especial. E o § 4.º acrescenta que as disposições dos arts. 395 a 398
aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não
regulados no Código.
Portanto, a partir desse ponto, a disciplina do
procedimento é exclusiva do rito ordinário.
6.2.1.Audiência de instrução
O primeiro ponto a se destacar, quanto ao rito
ordinário, é a fixação de prazo de 60 (sessenta) dias para a realização de
audiência de instrução e julgamento, conforme consta do art. 400, caput.
Nessa audiência, pretende-se que sejam realizadas
todas as provas: tomada de declarações do ofendido, inquirição das testemunhas
(exceto as que tiverem de ser ouvidas mediante carta precatória),
esclarecimentos dos peritos, se requerido previamente (§ 2.º), acareações e
reconhecimento de pessoas e coisas e, finalmente, interrogatório do acusado.
A grande novidade trazida pela reforma, no tocante
a esse rito, consiste na realização de audiência concentrada, o que, aplaudido
por uns, é visto com ceticismo por parte de vários doutrinadores e
profissionais, pela dificuldade que se vislumbra. Basta, por exemplo, que falte
uma testemunha da acusação, para inviabilizar a conclusão da audiência na mesma
data. Além disso, se todas comparecerem, será o grande número de pessoas a
serem ouvidas na mesma data, além de outras diligências.
É verdade, que, nos termos do § 1.º, poderá o juiz
indeferir as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
Todavia, é preciso conciliar a pretendida celeridade com o direito à prova,
evitando-se indevido cerceamento, que poderá ensejar impugnação.
Em obediência aos princípios do contraditório e
ampla defesa, devem ser ouvidas em primeiro lugar as testemunhas arroladas pela
acusação, inclusive as vítimas, depois as testemunhas arroladas pela defesa,
exceto no caso de ser expedida carta precatória.
Outra importante mudança foi o deslocamento do
interrogatório para o final, o que era reclamo de grande parcela da comunidade
jurídica, com o fim de assegurar plenamente o contraditório e a defesa.
Entretanto, para Jayme Walmer de Freitas [19],
se o interrogatório continuasse como o primeiro ato da instrução, o juiz teria
melhores condições de ouvir as testemunhas levando em consideração, também, a
versão que ele der e não apenas aquela constante da denúncia ou da queixa. Além
disso, no caso de confissão, testemunhas poderão ser dispensadas, com a
economia de tempo e, consequentemente, maior celeridade processual.
Foi mantido o mesmo número de 8 (oito) testemunhas
para o rito ordinário, tal como se previa anteriormente, não computáveis as não
compromissadas e as referidas (art. 401).
No art. 401, § 2.º, consta que a parte poderá
desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas. O projeto previa
que a dispensa da testemunha, pelo juiz, dependeria da anuência da outra parte.
Mas, a lei não prevê essa condição.
6.2.2.Realização de diligências, debates e
julgamento
Ao final da audiência, as partes poderão requerer
diligências cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou
fatos apurados na instrução. O art. 402 reproduz o que constava do art. 499,
oportunizando o requerimento de diligências complementares, pelas partes.
Entretanto, anteriormente, havia um prazo de 24 horas para a manifestação,
enquanto que a reforma prevê o pedido na própria audiência. Realmente, não
havia razão para que a manifestação fosse postergada, pois todos os
interessados devem estar presentes à audiência e, certamente, já terão
condições de saber o que se faz necessário.
Poderá, ainda, o juiz, considerada a complexidade
do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias,
sucessivamente, para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de
10 (dez) dias para proferir a sentença.
De acordo com o art. 403, "não havendo
requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações
finais orais, por vinte minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa,
prorrogáveis por mais dez, proferindo o juiz, a seguir, sentença". O tempo
previsto para a defesa é individual, isto é, havendo mais de um acusado, vinte
minutos para cada um (§ 1.°). Ao assistente do MP, o prazo concedido é de dez
minutos, tempo que será acrescido à defesa (§ 2.º).
Assim, ao contrário do sistema anterior, em que as
alegações eram sempre oferecidas por escrito (art. 500), a reforma introduziu o
formato de debates orais também para o rito ordinário, com a prolação imediata
da sentença. A imediação não ocorrerá em situações excepcionais. A primeira
hipótese para a apresentação de alegações escritas é a necessidade de diligências
(art. 404). A segunda, quando houver complexidade ou grande número de acusados
(art. 403, § 3.º).
Nesses casos, a audiência é concluída sem as
alegações finais e, consequentemente, sem a sentença. As partes têm cinco dias
para apresentarem as alegações escritas e o juiz deverá sem sentenciar em dez
dias, nos dois casos (art. 404, parágrafo único).
6.2.3.Ata da audiência
As ocorrências da audiência serão registradas em
ata, contendo breve resumo dos fatos relevantes, que assinam as partes e o juiz
(art. 405).
A lei dispõe, ainda, que sendo possível, o registro
das oitivas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética,
estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a
obter maior fidelidade das informações (art. 405 § 1.°) e "no caso de
registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro
original, sem necessidade de transcrição" (§ 2.º).
Afirma Rodrigo de Abreu Fudoli [20] que
essas alterações do procedimento ordinário darão ensejo a novo entendimento
sobre o prazo anteriormente aceito como limite para realização de instrução com
réu preso (81 dias).
No entanto, a nosso ver, não deverá ocorrer grande
modificação, tendo em vista que a soma dos prazos ora fixados se aproxima muito
desse mesmo limite. Conforme o próprio autor relaciona, é de dez dias o prazo
para conclusão do inquérito (art.10) e de cinco para o oferecimento da denúncia
(art. 46), entre um e cinco dias para a decisão de admissibilidade da acusação
(art. 800); dez dias para a defesa preliminar (art. 396), que poderá ser
computado em dobro, no caso da necessidade de defensor dativo e até sessenta
dias para a realização da audiência (art. 400).
Por conseguinte, totaliza-se um prazo equivalente
àquele ou pouco superior, se utilizado o prazo máximo para a realização da
audiência.
Deve ser levado em conta, também, o disposto no
novo art. 412, que fixa o prazo de 90 dias para conclusão da primeira fase do
procedimento referente ao Tribunal do Júri, isto é, até a prolação da decisão de
pronúncia. Como os atos praticados no rito ordinário correspondem àqueles da
fase inicial do júri, pode servir a mesma regra como parâmetro.
Entretanto, como antes, o caso concreto é que
permitirá uma correta análise, pois, mesmo naquelas hipóteses em que a
audiência não se encerrar no mesmo dia, havendo necessidade de diligências,
prazo para memorais e para sentença, a instrução propriamente dita já terá sido
concluída, do mesmo modo que ocorria anteriormente, quando esses atos se
desdobravam nas previsões dos arts. 499 a 502.
Essa possibilidade de excesso de prazo decorre da
adoção da Teoria dos Três Critérios, criada pelo Tribunal Europeu de Direitos
Humanos e que se aplica no Brasil. Esses três critérios são: complexidade do
caso; conduta processual do acusado e conduta das autoridades judiciárias
[21].
A partir do art. 406, o CPP disciplina o rito do
júri, objeto de reforma por outra lei (Lei n. 11.689/08), que será comentada à
parte. Tal distinção não será necessária quando os comentários se referirem ao
CPP como um todo, em que não se levará em consideração as leis modificadoras,
que serão absorvidas pelo Código.
Assim, tendo em vista que este texto se destina a
comentar a Lei n. 11.719/08, prossegue-se com o rito sumário.
6.3.Procedimento sumário
Em relação ao rito sumário, primeiramente, cumpre
relembrar que lhe são aplicadas as disposições dos arts. 395 a 398, conforme
prevê o art. 394, § 4.º.
Portanto, todos os dispositivos comentados
anteriormente devem ser reconsiderados, de modo especial o art. 399, que
dispõe: "sendo recebida a acusação, o juiz designará dia e hora para a
audiência, ordenando a intimação do acusado, do Ministério Público e, se for o
caso, do querelante e do assistente"
Então, partindo desse ponto, o art. 531, inicia a
descrição do sumário fazendo referência à audiência de instrução e julgamento,
ao mesmo tempo em que indica a primeira distinção entre esse procedimento e o
ordinário: trata-se do prazo máximo para designação de audiência, que é de 30 e
não 60 dias.
No mais, o art. 531 reproduz inteiramente o que
consta do art. 400, senão vejamos:
Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a
ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de
declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas
pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222
deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao
reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e
procedendo-se, finalmente, ao debate.
A segunda distinção entre os dois ritos mencionados
se apresenta no art. 532, que estabelece em cinco o número de testemunhas a
serem arroladas pelas partes.
De outro lado, dispõe o art. 533 sobre a aplicação
ao procedimento sumário do disposto nos parágrafos do art. 400 do CPP. Sendo
assim, as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir
as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (§ 1.º) e os
esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes (§ 2.º
).
Seguem-se, de conformidade com o art. 534, os
debates orais e a sentença. Cada parte tem o prazo de vinte minutos,
prorrogáveis por mais dez, sendo individual também, o prazo em relação a cada
acusado, se houver mais de um (§ 1.º). Havendo assistente do Ministério
Público, terá a palavra por dez minutos, tempo que será acrescido ao da defesa
(§ 2.º)
Nesse rito não se prevê a possibilidade de
concessão de prazo para diligências, alegações escritas e para a sentença.
Todos os atos devem ser realizados na audiência, efetivamente concentrada.
Para assegurar a celeridade, dispõe o art. 535:
"nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante,
determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer".
Nesse caso, "a testemunha que comparecer será
inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer
caso a ordem estabelecida no art. 531 deste Código" (art. 536).
De acordo com o art. 538, quando o juizado especial
criminal encaminhar ao juízo comum peças de informação referentes a infração de
menor potencial ofensivo, será observado o procedimento sumário.
Como se sabe, o rito para as infrações de menor
potencial ofensivo é o sumaríssimo. Contudo, se o acusado não for localizado
para citação (art. 66, parágrafo único) ou quando a complexidade do caso exigir
(art. 77 § 2.º), ambos da Lei 9.099/95, deve o processo ser remetido ao juízo
comum, onde terá prosseguimento.
7.Conclusão
Por último, a Lei ora comentada (11.719/08) revogou
expressamente os seguintes dispositivos do Código de Processo Penal:
1. os §§ 1º e 2º do art. 366, que tratavam de
aspectos referentes à citação por edital, ora objeto do art. 363.
2.art. 43, que se referia às condições da ação,
ora constante do art. 395;
3.art. 398, que continha o limite de testemunhas a
serem arroladas, no rito ordinário, o que agora é disciplinado pelo art. 401.
4.arts. 498 a 502, que disciplinavam a fase
derradeira do procedimento nos crimes apenados com reclusão, quando de
competência do juízo singular;
5.os §§ 1º a 4º do art. 533, os §§ 1º e 2º do art. 535 e os §§ 1º a 4º do art. 538. arts. 537, 539 e 540, todos referentes ao processo sumário,
inclusive em aspectos não recepcionados pela Constituição Federal, como o
início de processo por iniciativa da autoridade policial ou do juiz, o chamado
procedimento judicialiforme.
6.art. 594, que tratava da exigência de prisão
para apelar, o que, a partir de agora, dependerá de decisão fundamentada do
juiz, conforme consta do art. 387, com a nova redação.
REFERÊNCIAS.
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2007.
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Rio de Janeiro: Aide, 2002.
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DEZEM, Guilherme Madeira e JUNQUEIRA, Gustavo
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julho 2008.
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procedimentos penais. Lei nº 11.719/2008. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n.
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GRINOVER, Ada Pelegrini. GOMES FILHO, Antonio
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MOREIRA, Rômulo de Andrade. A reforma do Código de
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MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para a ação penal:
doctrina e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
Notas
1. BARROS, Antonio Milton de. Curso básico de processo penal. Franca-SP: Lemos & Cruz, 2007. p. 591.
2. Art. 366. Se o
acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão
suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz
determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o
caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
3. Nesse sentido:
MOREIRA, Rômulo de Andrade. A reforma do Código de Processo Penal.
Procedimentos. Jus Navigandi,
Teresina, ano 12, n. 1854, 29 jul. 2008. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11546>. Acesso em: 29 jul.
2008.
4. BOSCHI, José Antonio Paganella. Ação penal: denúncia, queixa e aditamento.
Rio de Janeiro: Aide, 2002. p. 209.
5. OLIVEIRA, Eugênio
Pacelli. Curso de processo penal.
5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 148)
6. BOSCHI, José Antonio Paganella. Op. cit., p. 195.
7. MOURA, Maria
Thereza Rocha de Assis. Justa causa
para a ação penal: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001. p. 180.
8. MOURA, Maria
Thereza Rocha de Assis. Op. cit., p. 195.
9.
MORAES, Maurício Zanoide de. Interesse e legitimação para recorrer no
processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.74
10.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Vol. 1, 25. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003. p. 516.
11.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op, cit., p. 517.
12.
BOSCHI, José
Antonio Paganella. Op. cit. p. 133.
13.
GRINOVER, Ada Pelegrini. GOMES FILHO, Antonio
Magalhães. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais
Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 222.
14.
BATISTA, Weber Martins. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e a suspensão do processo.
Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 381
15.
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Iavhy. Problemas de
direito intertemporal e as alterações do Código de Processo Penal, In: Boletim do IBCCRIM, ano 16, n. 188, julho 2008, p. 24.
16.
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Aspectos gerais da reforma
processual. In: Boletim do IBCCRIM, ano 16, n. 188,
julho 2008, p. 27.
17.
O Tratamento da prova ilícita na reforma processual
penal. In: Boletim do IBCCRIM, ano 16, n. 188,
julho 2008, p. 18.
18.
Dispõe o § 2º, do art. 457, com a redação dada pela
Lei 11.689/08: "Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será
adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido
de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor".
19.
O lado obscuro da Lei 11.689/08. No rito do júri,
afrontas à plenitude de defesa do réu, à coletividade e à administração da
Justiça. Disponível em: http://www.migalhas.com.br. Acesso em:
15jul2008.
20.
FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Inovações referentes a
procedimentos penais. Lei nº 11.719/2008. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n.
1820, 25 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br>. Acesso em:
14 jul. 2008.
21.
DEZEM, Guilherme Madeira e JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Prazo
para encerramento do procedimento. Boletim
do IBCCRIM, ano 16, n. 188, julho 2008, p. 29
* Promotor de Justiça aposentado, mestre e doutorando em
Direito pela PUC/SP, professor de Processo Penal na Faculdade de Direito de
Franca (SP), fundador-coordenador do Núcleo de Aperfeiçoamento e Crítica de
Ciências Criminais (NACCRIM) da Faculdade de Direito de Franca (SP).
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11584&p=2
Acesso em: 12 ago.
2008.