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A antecipação dos efeitos da
tutela e a carga dinâmica da prova
Marcelo Colombelli
Mezzomo*
Síntese: O texto trata
da distribuição do ônus da prova diante do pedido de antecipação dos efeitos da
tutela, enfocando a aplicação da teoria da carga dinâmica da prova e das
inversões legais em seu ônus de produção.
Sumário: 1- O
processo: deveres, ônus e faculdades. 2- Tutela Cognitiva. 3- Sistemas de
Análise da Prova. 4- Neutralidade e Ônus da Prova. 5- Os Poderes Instrutórios
do Juiz. 6- Objeto da Prova. 7- Ônus da Prova. 8- Antecipação dos Efeitos da
Tutela e Ônus da Prova. 9- Conclusões
1-
O PROCESSO: DEVERES, ÔNUS E FACULDADES
Juridicamente
falando, ao vocábulo processo podem ser atribuídos vários significados. Em uma
primeira acepção, processo se confunde com "autos", e nesse caso,
refiro-me a um determinado processo, ou seja, a um determinado feito.
Em
contraponto, posso partir para o grau máximo de generalidade e tomar processo
como indicativo de veículo da atividade jurisdicional. Nesta hipótese, digo que
o processo é o meio através do qual, materializando-se concretamente o
exercício da ação, o Estado presta a tutela jurisdicional, qualquer que seja
ela.
Mas
posso, igualmente, tomar processo de forma mais específica, quando, então,
estarei falando de um conjunto de atos destinados a dar concretude à prestação
jurisdicional em determinada área (civil penal, administrativa etc...), através
de uma relação jurídica própria, distinta da que lhe é objeto.
Neste
último caso, passo a ter uma relação jurídica de direito público (porque
envolve em um dos vértices o Estado) na qual observaremos deveres, ônus e
faculdades, atribuídos às partes e ao juiz no desenrolar de uma relação
dinâmica.
O
dever processual é uma imposição legal, seja ela direta ou indireta, quando,
neste último caso, decorre de determinação judicial cuja possibilidade de
exigência é outorgada ao magistrado. O dever é sancionado, de forma que o seu
descumprimento tem por conseqüência alguma espécie de prejuízo, efetivo ou
potencial, à parte faltosa.
O
ônus processual não apresenta uma sanção legal direta. Mas se a parte não se
desincumbir de um ônus, lhe advirá, ainda assim, um prejuízo no plano lógico ou
concreto.
A
faculdade, de seu turno caracteriza-se porque seu exercício pode trazer
vantagem, mas o seu não exercício não implica necessariamente prejuízo.
A
produção probatória se coloca, via de regra, como um ônus, que é distribuído às
partes segundo princípios eleitos pelo sistema processual considerado.
Hodiernamente,
no entanto, verifica-se uma visível alteração no paradigma do ônus da prova,
que é mitigado pela ampliação dos poderes instrutórios do juiz, o que adiante
se verá.
Todavia,
é importante não olvidar que o ônus da prova também se faz presente nos
incidentes processuais, dentre eles a antecipação dos efeitos da tutela.
2-
TUTELA COGNITIVA
A
tutela cognitiva tem sido, durante o transcurso da história da civilização
ocidental, em especial aquela porção que se filia às raízes continentais
européias, a forma mais importante de prestação jurisdicional.
A
cognitio suplantou, paulatinamente, o interdictum, e firmou-se
como forma de tutela básica. Conseqüência disso pode ser vista quando
observamos que o processo cogitivo é a matriz a qual se reportam todas as
formas de tutela, e por onde se iniciam as mutações.
A
atividade cognitiva sintetiza-se na atividade de conhecer dos fatos e
aplicar-lhes o direito, conforme já calcado na célebre máxima "narra
mihi factum dabo tibi jus". Refletindo a filosofia da consciência, de
matiz aristotélico-platônica, busca a verdade, o acertamento dos fatos e se
embasa na consciência como forma de revelar a verdade.
Neste
processo, grosso modo, o juiz "conhece" dos fatos e faz incidir a
lei. E para conhecer dos fatos, ele se vale das provas. Sim, porque as partes
alegam o que lhes aprovem, Cumpre aquilatar se isso corresponde à "verdade".
[01]
Então,
é da essência da cognição a produção, admissão, interpretação e valoração da
prova. Esta atividade desempenha papel central na cognição.
Ordinariamente,
a cognição busca a verdade, e esta somente será encontrada, conforme os
postulados ancestrais da dogmática jurídica, como decorrência de uma cognição
exauriente e ampla.
É
celebre a divisão da cognição em dois planos, um horizontal e outro vertical.
No plano vertical, há a profundidade, que delimita até que ponto as questões
(no sentido da doutrina de Carnelluti) [02], podem ser investigadas,
e esta limitação se traduz em uma limitação do conteúdo probatório e da
atividade de valoração da prova. Teremos, por conseguinte, cognição exauriente,
ou seja, onde não há limitação, ou, ao revés, sumária, quando presentes
limites. Esta última é associada com a aparência ou verossimilhança.
No
plano horizontal, por outro lado, a limitação diz com as questões que poderão
ser tratadas, não com a profundidade com que o serão. Teremos neste caso
cognição limitada ou ampla.
As
formas podem coexistir e combinarem-se livremente, de forma que poderemos ter
cognição sumária e limitada ou plena.
Normalmente,
a tutela cognitiva final está relacionada à cognição exauriente e ampla, mas
isso não é uma regra absoluta, bastando citar-se a exceção materializada nos
denominados processos sumários documentais, de que é exemplo o mandado de
segurança, onde a cognição é limitada.
Já
nos incidentes processuais normalmente ocorre o inverso, vale dizer, a regra é
a cognição sumária ou limitada.
A
antecipação dos efeitos da tutela é uma forma de incidente processual e, nos
moldes em que concebida, representa um prelúdio da decisão final. Mas como
incidente cognitivo, também entra em valoração a prova, através de cognição
sumária (e ampla, em regra), valendo os mesmos princípios que orientam a
produção, admissão e valoração da prova em relação à tutela definitiva.
Esta
análise, ou seja, os princípios da prova em vista desse incidente é que
constitui exatamente o objeto desta abordagem.
3-
SISTEMAS DE ANÁLISE DA PROVA
A
disciplina da prova reflete, como de resto a de todos os aspectos dogmáticos de
um sistema processual, os valores e preocupações que orientam um determinado
momento histórico de uma sociedade.
Ordinariamente,
três sistemas de análise da prova podem ser elencados, quais sejam, o da íntima
convicção, o da prova legal e o da livre convicção motivada.
O
sistema da íntima convicção baseia-se na livre apreciação da prova pelo
julgador, que não necessita justificar a opção pelas soluções que a partir
destas provas tomar. Por outras palavras, o julgamento pode não refletir necessariamente
o contexto probatório, pois não há necessidade de objetivar a decisão através
da fundamentação vinculada à prova. A decisão apresenta, portanto, um caráter
eminentemente subjetivo. Este sistema é hoje de escassa aplicação (no júri, por
exemplo), porque a jurisdição representa o exercício de um dos Poderes do
Estado, e o Estado contemporâneo prima pela impessoalidade, não sendo
admissível que o julgador, investido dos poderes do Estado, os exerça a seu
talante.
A
prova legal, ou tarifada, representa o vértice oposto, e foi a regra nos
períodos em que o processo, seja civil ou penal, não tinha uma estruturação
científica, momento em que era pouco mais do que uma simples ritualística.
Segundo este sistema, o próprio sistema processual, principalmente através da
lei, determina, previamente, qual o valor, específico e estanque, pode ser
atribuído a cada espécie de prova. A decisão surgirá, conseqüentemente, de uma
consulta a um gabarito, de forma que, exempli gratia, um documento vale
mais do que duas testemunhas, ou um documento público vale mais do que um
privado etc...Também é um sistema em desuso.
Por
fim, a livre convicção motivada ou sistema da persuasão racional do juiz,
permite a livre apreciação e valoração da prova, mas condiciona a validade da
decisão a que se reporte ao contexto probatório, exigindo do julgador a
motivação, a fundamentação da decisão a partir dessas provas. Este é o sistema
mais acolhido atualmente, pois permite a "objetivação" da decisão, de
forma a assegurar a imparcialidade dos julgamentos e o controle do arbítrio nas
decisões judiciais.
É
preciso, porém, salientar que, apesar de a livre convicção motivada ser a
regra, há, ainda, reflexos do sistema da prova da prova legal, mesmo no
processo civil, podendo se afirmar que há um hibridismo com preponderância
clara de um sistema.
4-
NEUTRALIDADE E ÔNUS DA PROVA
A
tratativa da prova é influenciada de forma significativa pelo dogma da
neutralidade do juiz. Nem sempre foi assim, pois há períodos históricos nos
quais preponderou o processo inquisitivo, onde a produção probatória é antes
carreada ao julgador do que às partes.
O
dogma da neutralidade do juiz encontrou largo campo de sedimentação no período
de formação da moderna dogmática processual, o que se deu a partir do século
XVIII, e tal fato se deve a três circunstâncias.
A
primeira se materializa na consolidação do Estado Liberal-Iluminista, escudado
na premissa da impessoalidade, significando a antítese do Estado Absolutista
que foi por ele substituído.
A
segunda reside na expansão do método científico, que apregoa a possibilidade de
neutralidade do observador e, portanto, do julgador, decorrente da aplicação
desse método ao Direito.
O
terceiro fator é a busca da igualdade formal, primado central das declarações
de direitos que passaram a permear os textos constitucionais da época. Se os
cidadãos são iguais, também os litigantes merecem tratamento isonômico, devendo
o julgador manter-se absolutamente imparcial.
Um
outro aspecto visível na formação da sistemática da tratativa da prova no
processo civil reside na supremacia do direito privado no processo continental
europeu. Como cediço, o processo continental europeu de origem romano-canônica
orienta-se pela dualidade jurisdicional, de forma que os pleitos envolvendo
direito público encontram seara nos tribunais administrativos. Logo, ao
processo civil cabem, de forma geral, as questões de direito privado, onde
estão em voga direitos de natureza patrimonial e disponível. Isto tem por
consectário uma visão que torna o ônus da prova uma carga quase que
exclusivamente suportada pelas partes.
Estes
princípios, erigidos à luz de um processo civil voltado para os direitos
privados estão à base da formação do processo civil brasileiro.
Observa-se,
assim, que, diante do dogma da neutralidade do juiz, em decorrência da
necessidade de imparcialidade, e da tradição do processo continental europeu, a
disciplina da prova indica que sua produção é um ônus das partes, e que somente
excepcionalmente poderá o juiz produzir prova de ofício.
5-
OS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ
Mais
recentemente, constatamos um visível aumento dos poderes instrutórios do juiz
no processo civil. No processo penal, diante da natureza dos direitos postos em
discussão e do fato de ser a persecução penal uma atividade essencialmente
pública, sempre teve o juiz uma maior possibilidade de produção de provas, já
que buscada a denominada "verdade real". O processo civil, de seu
turno, admitiria a verdade formal. [03]
Hoje,
a busca da verdade real também é uma preocupação do juiz no processo civil,
ainda que neste o ônus da prova incida de forma mais incisiva sobre as partes
do que no processo penal.
Um
dos aspectos que conduziu a esta alteração de perspectiva sem dúvida foi o
vertiginoso incremento das relações jurídicas que envolvem direitos públicos ou
indisponíveis, com especial atenção para as que têm como obrigado o Estado e as
decorrentes dos novos direitos difusos e coletivos.
Este
mesmo fato conduziu a um aumento do número de processos que culminou por
sobrecarregar a atividade jurisdicional e levou às recentes reformas
processuais no processo civil brasileiro, que indicam para um aumento dos
poderes decisórios do juiz de primeiro grau e do julgador monocrático no
segundo grau. Neste contexto, soa natural que o aumento das responsabilidades
do julgador monocrático seja acompanhado de uma flexibilzação da disciplina do
ônus da prova, seja ela operada pela lei, seja pela jurisprudência.
O
certo é que não devemos mais considerar a utopia de que todos os litigantes
apresentem iguais condições de produzir prova ou que venham a juízo em paridade
de armas, conforme expressão da doutrina italiana. Esta noção, cada dia mais
equivocada, é fruto de um conceito de igualdade meramente formal, próprio do
constitucinalismo iluminista, e que não corresponde à realidade dos fatos.
Em
síntese, consoante consagrada máxima, a igualdade reside em tratar os desiguais
de forma desigual, regra que vale também para a prova.
6-
OBJETO DA PROVA
Em
regra, o objeto da prova são fatos. Mas quais fatos? Os que sejam
processualmente relevantes, quer para a resolução da lide seja em relação a
incidentes. Por outras palavras, são os fatos relacionados às questões,
entendidas como os pontos de fato ou de direito que são controvertidos nos
autos ou que fundamentam pretensão e oposição e conseqüentemente a decisão.
Mas
não somente fatos podem carecer de prova. Também o direito pode,
excepcionalmente, ser objeto de prova, conforme a previsão do artigo 337 do
CPC, que menciona a possibilidade de prova do direito municipal, estadual,
estrangeiro ou consuetudinário, se assim o juiz de determinar. Logo, a
necessidade de prova em caso de invocação de uma dessas categorias não é
automática, mas depende de determinação judicial, salientando-se que
presumivelmente o juiz conhece o direito (iura novit curia).
Há
casos, porém, nos quais a prova é dispensada, o que ocorre nos termos do artigo
334 do CPC.
O
rol inicia-se pelos fatos notórios. São os fatos evidentes, de conhecimento
geral, público.
No
inciso II, constam os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte
contrária. A menção à confissão reporta-se a uma situação bem específica,
prevista no artigo 348 do CPC. No entanto, é preciso que seja admissível, na
hipótese, a confissão, o que não ocorre se o direito é indisponível,
salientando-se que a confissão opera contra o confitente, não produzindo
efeitos em relação aos litisconsortes.
Outro
caso onde inexiste necessidade de prova refere-se aos fatos "admitidos
no processo como incontroversos" (inciso III do artigo 334). Um das
hipóteses em que isso pode ocorrer é a regulada no artigo 302 do CPC, que
consagra o princípio da eventualidade, segundo o qual cabe ao réu
manifestar-se especificamente sobre os fatos articulados na exordial, sob pena
de, sob certas condições ressalvadas no próprio dispositivo legal, serem
considerados verdadeiros.
Por
fim, no inciso IV do artigo 334, temos os fatos em favor dos quais milita
presunção legal de existência ou veracidade. Estão abrangidas ai uma série de
situações nas quais a própria lei aponta para a presunção de existência ou
veracidade de um fato, discriminando-o.
Embora
não careçam de prova, os fatos notórios e os revestidos de presunção de
existência ou veracidade admitem prova em contrário, pois a desnecessidade de
prova é em relação a quem os invoca.
7-
ÔNUS DA PROVA
Excetuados
os casos nos quais está o juiz autorizado a produzir prova, o ônus probatório
recai diretamente sobre as partes, conforme as regras do artigo 333 do CPC.
Assim sendo, ao autor ou postulante, cumpre provar os fatos que embasam sua
pretensão. Ao réu ou à parte contrária no incidente processual (que pode ser o
autor da demanda) cumpre provar fatos obstativos da pretensão contra ele
articulada, ou seja, fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito
do autor ou postulante.
Esta
regra, como já referido, foi erigida à luz de um processo concebido sob a ótica
dos direitos privados e da igualdade formal, que não condiz com a realidade
empírica, de relações de massa e assimétricas, como é o caso das relações de
consumo ou dos direitos onde figura como "obrigado" o Estado.
Daí
que se tenha preconizado regras de mitigação destes princípios, tais como a
estampada no artigo 6º inciso VIII, do CDC. De par com estas situações
específicas, a distribuição do ônus probatório através da carga dinâmica da
prova permite ao magistrado flexibilizar as regras de acordo com a situação
particular das partes em relação à determinada prova.
Exemplo
de situação onde esta inversão se faz necessária é na prova de fato negativo,
pois a alegação de fato negativo, em linha de princípio, transfere o ônus da
prova para à parte contrária, presumindo-se, por exemplo, que a afirmação de
inadimplemento é de difícil prova para o credor, mas o seu contrário, ou seja,
o adimplemento, é facilmente provável pelo devedor.
Esta
principiologia, de flexibilizaçãodo ônus da prova, deve também ser aplicada em
casos de relações assimétricas ou fatos onde, não obstante seja o ônus, pela
regra geral, carreado a um das partes, esteja a parte ex adversa em
melhores condições de produzir a prova. Cuida-se de prestigiar a verdade real
também no processo civil, impedindo que questões formais superem as questões de
fundo.
8-
ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA E ÔNUS DA PROVA
A
antecipação de tutela é um incidente processual, que tem processamento nos
mesmos autos, produzindo uma decisão interlocutória baseada em cognição sumária
(sentido vertical) e ampla, em regra (sentido horizontal).
A
rigor, esta espécie de cognição é do mesmo tipo daquela levada e efeito na
tutela cautelar, mas há um traço distintivo, qual seja, a menção à prova
inequívoca. Como já referi em outra oportunidade, na esteira de significativa
parcela da doutrina pátria, existe uma contradição em se falar em prova
inequívoca e verossimilhança, pois esta última é um estado que resulta da mera plausibilidade,
a qual de seu turno, pode originar-se de provas apenas razoáveis. Prova
inequívoca, por outro lado, induz certeza. Ocorre que, processualmente e de
acordo com nossa tradição, a certeza somente advirá após o contraditório.
Mas
o que seriam as provas inequívocas? A característica de ser inequívoca se
traduz na potencial incontrastabilidade por outras provas, implicando em um
elevado grau de probabilidade de que o que a mencionada prova estampa
efetivamente corresponde à realidade.
Normalmente,
mas não exclusivamente, a prova documental é que com mais freqüência se
apresente com este atributo.
Como
a antecipação da tutela representa uma antecipação total ou parcial dos efeitos
da sentença, os fatos a serem provados são os mesmos que dão suporte à
pretensão, vale dizer, os mesmos fatos que compõem a causa de pedir. Mas outros
ainda podem carecer de prova e são os relativos a requisitos específicos do
incidente, como, por exemplo, fatos relacionados ao "perigo de
dano irreparável ou de difícil reparação".
E
o ônus da prova? Certamente valem as mesmas regras gerais ou específicas, de
forma que ao postulante cabe a prova dos fatos que alegar, ressalvada a
inversão do ônus, seja por força de lei ou pela aplicação da teoria da carga
dinâmica da prova.
Logo,
está o autor, por exemplo, isento de provar fatos negativos, salvo se for
possível prova através de fato positivo e contraposto. Tomemos o exemplo de um
contrato de compra e venda, onde o comprador se torna inadimplente. O alienante
ingressa com ação de rescisão contratual e pedido de busca e apreensão, este
último sob a forma de antecipação dos efeitos da tutela.
Terá
o alienante e autor de provar o contrato e mencionar a possibilidade de venda
do bem a terceiros ou de ocorrência de sinistro como ensejadoras de prejuízo de
difícil reparação. Mas e a mora que caracteriza o descumprimento contratual e
enseja a rescisão? Deveremos observar de que espécie de mora se trata, se é ex
re ou ex persona. Se a mora é ex re, ela existe pelo só fato
da inadimplência, não carecendo de qualquer providencia do alienante a fim de
interpelar o adquirente.
Neste
caso, não se pode exigir que o alienante e autor prove a mora. A uma, porque
esta prova não lhe compete, pois quem tem de provar que a mora não ocorreu é o
adquirente. A duas, porque o não pagamento do preço é fato negativo, e como
tal, é muito mais fácil ao devedor provar que pagou. Eventual interpelação ou
protesto (fato positivo) que poderia provar a mora pode exatamente significar a
frustração da execução da liminar, com a conseqüente ocultação do bem pelo réu.
A
possibilidade de alienação do bem a terceiros, por outro lado, é um fato que se
presume, ressalvadas hipóteses restritas onde há indicativo contrário, de forma
que não carece de prova, a priori. A potencial ocorrência de sinistro
pode ser indicada pela simples menção á espécie de uso.
Nos
casos de ações onde está em pauta uma relação de consumo, a possibilidade de
inversão do ônus da prova também abarca a antecipação dos efeitos da tutela,
bastando que a alegação seja verossímil ou que seja comprovada a condição de
hipossuficiência, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do CDC. E note-se que a
verossimilhança necessária para que se opere a inversão do ônus probatório no
caso não carece de prova inequívoca.
Esta,
portanto, o magistrado autorizado a flexibilizar, na apreciação da antecipação
de tutela, o regramento do ônus probatório,quando isso for cabível e indicado,
nas mesmas bases em que pode fazer na instrução do processo, devendo ainda,
considerar os casos onde a prova não é requerida.
9-
CONCLUSÕES
As
partes não vêm ao processo em paridade de condições e o ônus da prova deve
refletir esta desigualdade. As regras do ônus da prova encartadas no CPC ainda
refletem uma concepção de processo civil direcionada ao direito privado.
Através
da modificação deste regramento pela legislação específica ou pela aplicação da
teoria da carga dinâmica da prova, o ônus da prova pode ser distribuído de
forma mais equânime no âmbito do processo civil, corrigindo distorções que
distanciavam o processo do ideário de justiça preconizado pelo texto constitucional.
Esta
flexibilização também deve ter aplicação nos incidentes processuais, dentre os
quais se destaca, por sua crescente importância, a antecipação de tutela.
Desta
forma, ao analisar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, também deve
magistrado atentar para as regras de distribuição do ônus da prova e para a
condição de cada parte de produzir determinada prova, tendo em mira que também
no processo civil deve ser buscada, na medida do possível, a verdade real.
NOTAS
01
A moderna filosofia da linguagem revela quão vã é busca da verdade. A própria
definição do que seja a verdade é um dos mais tormentosos problemas da
filosofia. Hoje sabemos que a verdade depende do observador, da cultura em que
ele está imerso, depende, em síntese, da linguagem. E pela linguagem, e não
pela consciência que o homem conhece o mundo e a linguagem é essencialmente
sazonal. Logo, não há uma verdade imutável, apofântica, esperando ser revelada
pela consciência do observador. Há sim uma verdade que verterá das condições
por ele vivenciadas naquele momento.
02
Nesta visão, questão é o ponto controvertido de fato ou de direito, seja por
força da atividade das partes seja pela atuação do magistrado. Obviamente,
tratam-se dos pontos relevantes para o deslinde da demanda.
03
É uma verdadeira contraditio in terminis falar de uma verdade formal,
pois a verdade pressupõe exatamente a eliminação da suposição e da presunção
*Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Federal de
Santa Maria, assessor jurídico do Ministério Público do Estado do Rio Grande do
Sul
Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8083 >. Acesso em: 27/03/07