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Roberto Luchezi*
"É admissível
a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de
compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro."
O
presente estudo não compreende os imóveis loteados, tratados pela Lei n. 6.766/79,
cujo § 6º do art. 26, foi acrescentado pela Lei n. 9.785, de 29 de janeiro de
1999, objetivando a facilitação do registro em loteamentos, dando mais
segurança aos adquirentes, geralmente das camadas mais pobres da população. Cuidar-se-á,
neste resumido levantamento, dos imóveis não loteados, prometidos à venda
através de compromisso. Também, como já é de costume, não pretendo esgotar o
assunto.
Desde
longa data ouço o seguinte alerta: "Só é dono quem registra". Posteriormente,
tornando-me um pesquisador do Direito, nos bancos das faculdades, deparei-me
com o texto legal que, àquela época, regulava o assunto, consubstanciado no
art. 530, I do revogado Código Civil, que assim se expressava: "Art.
530. Adquire-se a propriedade imóvel: I – pela transcrição do título de
transferência no Registro de Imóvel;".
Lendo
mais sobre a temática, encontrei o art. 167, I, 9 da Lei n. 6.015/73 (Registros
Públicos), com o seguinte teor: "Art. 167. No Registro de Imóveis, além
da matrícula, serão feitos: I – o registro: ....9) dos contratos de compromisso
de compra e venda, de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem
cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo
preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma
só vez ou em prestações;".
A
primeira indagação que faço: qual a finalidade do registro público? Ora, de
trivial sabença que o registro público tem por finalidade o efeito erga
omnes que decorre de sua publicidade. É o quanto estatui o art. 1º da mesma
Lei 6.015/73: "Art. 1º. Os serviços concernentes aos registros
públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e
eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecidos nesta
lei." Deve ser lembrado ainda, que o compromisso de venda e
compra não integrava o rol dos direitos reais elencados pelo art. 674 do Código
Civil que se finou, como o faz o art. 1.225 do novel Código, em seu
inciso VII, conforme transcrevo a seguir: "Art. 1.225. São direitos
reais: ......VII – o direito do promitente comprador do imóvel;".
Mais adiante, alerta, contudo, o art. 1.227: "Os direitos reais
sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por ato entre vivos,
só se adquirem com o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis dos
referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos
expressos neste Código." Esse entendimento também já era positivado no
extinto Código Civil, embora não constando entre os direitos reais o
compromisso de compra e venda: "Art. 676. Os direitos reais sobre
imóveis constituídos ou transmitidos por ato entre vivos só se adquirem depois
da transcrição, ou da inscrição, no Registro de Imóveis, dos referidos títulos
(art. 530, I, e 856), salvo os casos expressos neste Código."
Portanto,
a condição sine qua non para que o compromisso de venda e compra adquira
conteúdo de direito real é que seja registrado à margem da matrícula
imobiliária respectiva. Sem a providência no álbum registrário, o negócio jurídico restringe-se
à pessoalidade, afastado, em decorrência, o caráter real. Vai daí que, por
interpretação lógica, quem não registrou o compromisso de compra e venda à
margem da matrícula respectiva, tem apenas direito de caráter pessoal,
rechaçada a possibilidade de qualquer insurgência em desfavor de terceiros,
principalmente face ao art. 1.245 ("Transfere-se entre vivos
a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis."
e seu § 1º ("Enquanto não se registrar o título translativo, o
alienante continua a ser havido como dono do imóvel.").
Portanto,
quem não registrar não tem direito real sobre o bem, sobrando-lhe apenas o
direito pessoal. Por exemplo, se um proprietário, usando de má-fé, pratica
crime de estelionato outorgando escritura de compra e venda do mesmo imóvel a
dois compradores diversos, tornar-se-á novo proprietário aquele que primeiro
registrar, convertendo-se em perdas e danos ao outro, não podendo anular a
escritura dada pelo promitente vendedor a outrem, pois não cuidou de registrar
antes o seu título.
A
calhar, ainda, o quanto estatui o art. 1.418 do vigente Código Civil: "O
promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente
vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos foram cedidos, a outorga da
escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto ou instrumento
preliminar; e se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do
imóvel." Este artigo simplesmente reforça o antecedente, como se lê: "Art.
1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou
arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada
no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador
direito real à aquisição do imóvel." Da simples leitura extrai-se,
sem titubeio, que até mesmo a adjudicação compulsória exige, como condição de
procedibilidade, que o instrumento particular seja previamente registrado à
margem da matrícula respectiva, ausente a cláusula de arrependimento.
Aqui
surge outra dúvida: como ficam os efeitos da súmula 239 do STJ ("O
direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso
de compra e venda no cartório de imóveis")? Entendo que os
efeitos de uma lei (e o Código Civil foi inserido via da Lei n. 10.406/2002)
suplantam súmula de jurisprudência dominante, aprovada pela Corte Especial ou
por qualquer das três Seções do STJ, motivo pelo qual a súmula 239 estaria
derrogada pelos referidos arts. 1.227, 1.245 e seu § 1º, 1.417 e 1.418
do CCivil, a exemplo do que já houvera acontecido com a súmula 621 do STF ("Não
enseja embargos de terceiro à penhora a promessa de compra e venda não inscrita
no registro de imóveis."), cancelada pela própria súmula 84 em
destaque. Parece-me que a indigitada súmula 84 outorgou a um mero
promitente comprador o título de proprietário, desde que porte um simples
compromisso – forma de aquisição da propriedade não prevista nos arts. 1.238/1.249
– frente ao direito que lhe faculta, pois, se algum cliente indagar a um
advogado se ele pode adquirir determinado bem imóvel, escorado em uma certidão
da matrícula (que goza de fé pública) obtida instantes antes, só restará ao
causídico a seguinte e surpreendente resposta: "Não sei, pois o mesmo
pode ter sido prometido à venda, sem que tenha ocorrido o necessário registro à
margem da respectiva matrícula". Por certo que o
pretenso cliente ficará em dúvida sobre o conhecimento jurídico do consultado. É
lamentável, mas é somente isso que nos resta.
Outra discussão imensa é aquela
pertinente à condenação em honorários advocatícios a cargo do credor
que, através de seu advogado, e com amparo em certidão de uma matrícula de
imóvel obtida no ato, penhora um bem imóvel que já houvera sido prometido à
venda, cujo instrumento, não obstante lavrado, deixou de ser registrado à
margem da matrícula. São os malfadados "contratos de gaveta", que
se proliferam por aí, numa afronta à seguridade dos negócios jurídicos que o
texto legal busca. Ainda que os advogados dos credores aleguem o princípio
da continuidade registrária (é proprietário aquele em cujo nome o imóvel
está registrado) e o princípio da causalidade (deu causa à oposição dos
embargos de terceiro, o promitente comprador que, desatendendo à lei, não
registrou o instrumento à margem da matrícula), os embargos de terceiro opostos
sempre foram julgados procedentes, condenando-se o embargado ao pagamento da
verba honorária, geralmente em porcentagem sobre o valor do bem imóvel
constritado. É certo que o embargante tem que provar o requisito fundamental
da desditosa súmula 84: o exercício da posse, e isso ele faz, a exemplo da aquisição
de um imóvel residencial, em que prova ser possuidor mediante a juntada de
documentos referentes à realização de reformas, ou mesmo que já o alugou. Posteriormente,
amenizando o ônus sucumbencial imposto ao credor/embargado, a mesma corte
infraconstitucional editou a súmula 303, com o seguinte enunciado: "Em
embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os
honorários advocatícios." E, queiram ou não, quem provocou todo o
tumulto processual foi o promitente/embargante, que não levou o compromisso a
registro, devendo, em razão disso, arcar com a verba devida ao advogado do
embargado. Afinal, dormientibus non succurrit jus ("o Direito não
socorre aos que dormem") Trata-se de uma situação inusitada: mesmo
vencendo a demanda, o embargante pagará os honorários, contrariando o quanto
estabelece o art. 20 do CPC.
Pode
parecer uma afirmativa absurda de minha parte, mas o Direito está aí, sempre
receptivo às novas concepções que busquem aprimorá-lo, fazendo com que os
cidadãos, vez por todas, deixem de lado a letargia jurídica que sobre eles se
abate, e cumpram com o respectivo mister, sob pena de o texto legal tornar-se
letra morta, implantando-se, vez por todas, a balbúrdia jurídica que todos
devemos evitar
*advogado,
especialista em Direito das Obrigações, mestre em Direito Privado, professor de
Direito Civil, Processo Civil e Empresarial em cursos de graduação e
pós-graduação "lato sensu"
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/
Acesso em: 27 fev. 2007.