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Francisco das Chagas Lima Filho*
Ressalvadas as
exceções previstas em lei, até a publicação da Emenda Constitucional 45,
ocorrida no dia 31 de dezembro de 2004, a Justiça do Trabalho tinha competência
para julgar apenas os conflitos decorrentes do trabalho subordinado, ou seja,
aquela porção do trabalho humano que se encontrava sob a tutela da legislação
trabalhista, o que permitia com que muitos conflitos decorrentes do trabalho
humano, especialmente aqueles originários do trabalho informal que o fenômeno
da globalização tem feito aumentar assustadoramente, ficassem à margem de
solução e de tutela, já que fora do âmbito competencial da Justiça
Especializada e como todos sabemos, a resolução desses conflitos no âmbito da
Justiça Comum tem se mostrado muito morosa, formalista e onerosa desestimulando
o ingresso daqueles que se encontram envolvidos nesse tipo de problemas
ingressarem em Juízo, em que pese a existência dos Juizados Especiais, havendo,
assim, uma demanda reprimida que certamente será revelada a partir do dia 07 de
janeiro de 2005 quando a Justiça do Trabalho reabrir com a nova competência,
propiciando ao trabalhador e ao tomador de serviços um autêntico e verdadeiro
acesso à Justiça.
Assim,
a partir da publicação da referida Emenda – que trata da Reforma do Judiciário
–, a Justiça do Trabalho passará a ter a sua competência ampliada passando a
julgar todos os litígios decorrentes das relações de trabalho humano, além dos
conflitos entre os sindicatos, entre estes e empresários ou empregadores e
entre sindicatos e empregados, os habeas corpus decorrentes de atos dos
próprios Juizes Trabalhistas, a execução das multas administrativas aplicadas
pelos órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho, a execução fiscal
oriunda de acordo ou decisões proferidas em processos trabalhistas, os
conflitos decorrentes de acidentes de trabalho, inclusive quanto à questão da
indenização do dano material e moral entre outros que por força de lei a
competência lhe venha a ser atribuída.
Oportuno
anotar, aqui, a existência de entendimento no sentido de que a Emenda 45
conferiu à Justiça do Trabalho competência para o processo e julgamento dos
delitos penais oriundos da relação de trabalho e emprego, na medida em que
teria conferido competência à Justiça do Trabalho para julgar as ações penais
"oriundas da relação de trabalho’, não havendo dispositivo na Constituição
que excepcione a competência da Justiça do Trabalho, pois o novel inciso IV do
art. 114 a reafirmaria ao dispor expressamente a competência da Justiça do
Trabalho para o habeas corpus.
Contudo,
não me parece razoável esse entendimento, pois o fato do inciso IV, do art. 114
do Texto Maior, na redação que lhe foi dada pela Emenda 45 ter outorgado à
Justiça do Trabalho competência para o julgamento do habeas corpus
quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição e o inciso I
falar de ações oriundas da relação de trabalho, não quer dizer que a mera
circunstância do delito criminal ter sido praticado em decorrência da relação
de trabalho, o seu julgamento também se encontre abrangido pela competência
material da Justiça Especializada porque esta pode julgar os dissídios oriundos
dessa mesma relação de trabalho. O preceito constitucional não comporta esta
tão dilargada interpretação. Até porque, o inciso I, do art. 109 do Texto Maior
expressamente outorga à Justiça Federal competência para julgar as causas em
que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas
na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, inclusive, as ações
penas decorrentes da prática de crimes contra a organização do trabalho, é
claro.
Na
Espanha, onde o tema também passou por esse tipo de discussão, a doutrina
pontifica que mesmo o delito sendo praticado em decorrência da relação laboral,
compete a Justiça Criminal o julgamento da ação penal.
Sustenta
Faustino Cavas Martinez que numerosos tipos delitivos constituem atentados a
direitos fundamentais e/ou liberdades públicas do ofendido, como homicídio,
seqüestro, injúrias, lesões, ameaças, coações, assédio moral e sexual, etc, não
se podendo descartar que tais comportamentos sejam produzidos em um contexto
sócio-laboral. Mesmo assim, a única ordem competente para declarar a
responsabilidade criminal por tais condutas é a penal, sem prejuízo de que a
ação para exigir a responsabilidade patrimonial derivada do fato punível possa
depender da causa criminal para ser exercitada na ordem civil ou, em seu caso,
na ordem social (laboral) se antes se tiver ajuizado o correspondente processo
de tutela por tratar-se de pretensão atribuída a sua esfera de
conhecimento(CAVAS MARTÍNEZ, Faustino. El Processo Laboral de Tutela de la
Libertad Sindical y demás Derechos Fundamentales. Navarra: Editorial
Arazandi, 2004, p. 139.). Também defendendo esse mesmo entendimento, afirma
Ignácio Montesinos que embora derivada da prática de delito criminal na ralação
laboral, a ação penal encontra-se submetida à competência da Justiça Criminal (Derecho
Procesal Laboral. Valencia: tirant lo blanch, 2004, p. 52).
Assim,
e em que pese os argumentos sustentados por aqueles que defendem a tese de que
a ampliação da competência da Justiça do Trabalho com a aprovação da Emenda 45
abrangeria também as questões criminais oriundas da relação de trabalho, não me
parece tenha sido esse o objetivo do legislador. Até porque se assim tivesse
pretendido, certamente teria feito inserir no inciso IV, do art. 114 do Texto
Maior, de forma expressa, que também as ações penais decorrentes da prática de
delito em face da relação de trabalho estavam sob a competência da Justiça
Especializada, máxime quando se vê pelos termos art. 109, I, que mesmo após a
Emenda a Justiça Federal continua competente para o julgamento desse tipo de
ação penal, valendo lembrar pelos termos do art. da Lei Complementar 75/93, O
Ministério Público do Trabalho não tem esse poderes para iniciar qualquer tipo
de ação penal.
Finalmente,
se o objetivo da alteração do art. 114 da Constituição foi dá celeridade aos
processos trabalhistas e trazer para o âmbito da tutela instrumental laboral
todo tipo de trabalho humano, ressalvado aquele prestado em decorrência da
relação institucional para a Administração Pública, não teria sentido
transferir para a Justiça do Trabalho o julgamento de ações penais que
certamente iria provocar atrasos na prestação jurisdicional tipicamente
trabalhista objetivada pelo legislador da reforma. Por conseguinte, não parece
correta a interpretação que alguns pretendem dá ao art. 114 na nova redação
advinda da Emenda 45
*juiz do
Trabalho em Dourados (MS), professor de Direito da UNIGRAN, mestrando em
Direito pela UnB
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/
Acesso em: 27 fev. 2007.