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A proteção dos direitos metaindividuais
trabalhistas:
considerações
sobre a aplicabilidade da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do
Consumidor ao processo do trabalho
Adriano Mesquita Dantas*
Sumário: I. Intróito.
II. Evolução da tutela coletiva no Brasil. III. Filosofia e vantagens da tutela
coletiva. IV. A aplicabilidade da Lei da Ação Civil Pública e do Código de
Defesa do Consumidor ao processo do trabalho. V. A crise da tutela coletiva.
VI. Considerações finais. VII. Referências.
I.
Intróito:
Iniciando
estudo sobre as Ações Coletivas [01], Carlos Henrique Bezerra Leite
registra que "com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que
assegura o acesso – individual e coletivo – ao Judiciário, tanto nas lesões
como nas ameaças a direito, o legislador constituinte reconheceu, definitivamente,
a necessidade de se buscar novos meios que pudessem tornar o processo mais ágil
e útil à sociedade de massa, como a dos nossos dias, evitando, assim, a
prestação jurisdicional intempestiva".
Diante
desse contexto, e tendo em vista os inúmeros conflitos de massa vivenciados no
dia-a-dia, a tutela coletiva merece atenção especial.
Neste
estudo, analisaremos alguns aspectos e peculiaridades da tutela coletiva, com
enfoque no direito e processo do trabalho. Abordaremos a sua evolução no
direito brasileiro, a sua filosofia e as suas vantagens. Analisaremos,
detidamente, a questão da aplicabilidade da Lei da Ação Civil Pública - Lei n.°
7.347, de 24 de julho de 1985 - e do Código de Defesa do Consumidor - Lei n.°
8.078, de 11 de setembro de 1990 - ao processo do trabalho. Ao final,
apresentaremos alguns motivos que não têm permitido a plena eficácia das Ações
Coletivas, apresentando algumas sugestões.
II.
Evolução da tutela coletiva no Brasil:
A
evolução da sociedade, com a concentração em centros urbanos, a progressiva
industrialização e expansão comercial, o desenvolvimento dos meios de
comunicação e de transporte, a adoção do modelo capitalista de produção
[02], a globalização, entre outras questões, fez surgir uma nova espécie
de conflito social: os conflitos de massa.
Os
conflitos de massa, por sua vez, deram origem a novos interesses e direitos, os
metaindividuais, que têm como destinatários não apenas o homem singularmente
considerado, mas o homem socialmente organizado, o próprio gênero humano, a
sociedade, a coletividade [03]. Essa nova espécie de interesses e
direitos corresponde aqueles que a doutrina constitucional denomina de direitos
fundamentais de terceira geração (direitos de fraternidade ou solidariedade),
compreendendo o direito à paz, ao meio ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado, à saúde, à uma saudável qualidade de vida, à segurança, à
educação, ao patrimônio comum da humanidade, ao progresso, à comunicação, os
direitos das crianças, adolescentes e idosos, entre outros.
O
sistema processual brasileiro vigente à época do início dessas transformações,
eminentemente individualista, mostrou-se inadequado e insuficiente para a
tutela das novas lides e dos interesses e direitos metaindividuais. O principal
diploma processual vigente era o Código de Processo Civil - Lei n.° 5.869, de
11 de janeiro de 1973 -, cujos estudos e debates que orientaram a sua
elaboração remontavam ao final dos anos 60 e início dos anos 70. Assim, foi
necessária a criação e implementação de institutos jurídicos aptos a tutelarem
os novos direitos, cujas lesões podem acarretar conseqüências muitas vezes
imprevisíveis.
Nesse
contexto de intensas transformações, o legislador pátrio cuidou de editar leis
disciplinando esses novos conflitos e direitos. As primeiras leis sobre o tema
eram bastante tímidas e restritivas, contemplando apenas questões específicas
da sociedade. Com o tempo, as leis passaram a tutelar de forma geral os
interesses e direitos metaindividuais, o que se consolidou com a edição do
Código de Defesa do Consumidor – Lei n.° 8.078/90, que, inclusive, alterou
alguns dispositivos da Lei da Ação Civil Pública – Lei n.° 7.347/85,
possibilitando uma ampla tutela desses direitos.
Tendo
como marcos a Lei da Ação Civil Pública, a Constituição Federal de 1988
[04] e o Código de Defesa do Consumidor, a doutrina geralmente divide a
evolução legislativa da tutela dos interesses e direitos metaindividuais em
quatro fases: a) antes da Lei da Ação Civil Pública; b) depois da Lei da Ação
Civil Pública e antes da Constituição; c) depois da Constituição e antes do
Código de Defesa do Consumidor; e, d) depois do Código de Defesa do Consumidor,
quando foi consolidado um sistema que possibilita uma efetiva e satisfatória
tutela coletiva.
A
Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985, conhecida como Lei da Ação Civil
Pública, disciplinava, apenas, a reparação de danos causados ao consumidor, ao
meio ambiente e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico. O então Presidente da República, José Sarney, vetou o
inciso IV do art. 1°
,
que incluía no âmbito da ação civil pública "qualquer outro interesse
difuso ou coletivo". Assim, embora a Lei n.° 7.347/85 tenha alargado o
âmbito da ação civil pública, temos que a tutela dos interesses e direitos
metaindividuais continuou contemplando apenas questões pontuais e específicas
da sociedade, taxativamente elencadas no seu art. 1°. Ademais, a proteção conferida
pela Lei da Ação Civil Pública era limitada aos interesses e direitos difusos e
coletivos, não contemplando os individuais homogêneos.
A
Constituição Federal de 1988, elevando a ação civil pública à categoria de
garantia fundamental, conforme expõe Carlos Henrique Bezerra Leite (2004,
p. 816), ampliou significativamente o seu objeto. Ao tratar do Ministério
Público, a Carta Política de 1988 estabeleceu que a ação civil pública poderia
ser ajuizada para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III). Assim, em face da
cláusula genérica do dispositivo constitucional, que havia sido vetada do texto
da Lei n.° 7.347/85, a ação civil pública deixou de contemplar apenas as questões
específicas e taxativamente previstas anteriormente. Importante deixar
registrado que até então os interesses e direitos individuais homogêneos ainda
não eram objeto da tutela coletiva.
Como
já exposto, apenas com o Código de Defesa do Consumidor, marco inicial da
quarta fase, é que a tutela dos interesses e direitos metaindividuais foi
consolidada. Esse Código, além de regulamentar os interesses e direitos
individuais homogêneos, até então inexistentes no ordenamento jurídico pátrio,
cuidou de instituir um sistema processual apto a disciplinar, indistintamente,
todas as ações coletivas. O Código de Defesa do Consumidor, conforme será
analisado adiante, não se limita à solução dos conflitos oriundos das relações
de consumo, disciplina toda e qualquer ação coletiva, independentemente da
matéria ou espécie de interesse ou direito em conflito (difuso, coletivo e
individual homogêneo).
Em
face dos problemas e das dificuldades vivenciados na aplicação da Lei da Ação
Civil Pública, o legislador dedicou o último título do Código de Defesa do
Consumidor (Título VI, artigos 110 a 117) ao aperfeiçoamento daquele diploma.
Portanto,
podemos dizer que o Código de Defesa do Consumidor consagrou e consolidou a
tutela dos interesses e direitos metaindividuais na legislação pátria, sendo aplicado,
juntamente com a Lei da Ação Civil Pública, na defesa de qualquer interesse
dessa espécie, conforme analisaremos a seguir.
Há,
ainda, algumas leis esparsas que tratam dos direitos e interesses
metaindividuais, como a Lei Orgânicas do Ministério Público da União (Lei
Complementar n.° 75/93), Lei Orgânica do Ministério Público dos Estados (Lei
Ordinária n.° 8.625/93), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.°
8.069/90), a Lei Antitruste ou Lei do Abuso Econômico (Lei Ordinária n.°
8.884/94), entre outras.
Depois
da Lei da Ação Civil Pública, especialmente depois do Código de Defesa do
Consumidor, houve significativo avanço nos estudos doutrinários sobre os
direitos e interesses metaindividuais e sua tutela jurisdicional. Atualmente já
é possível encontrar, embora não seja muito comum, disciplinas específicas
sobre o tema nos currículos universitários.
III.
Filosofia e vantagens da tutela coletiva:
Como
exposto, diante da evolução da sociedade e o surgimento de uma nova espécie de
conflito social – os conflitos de massa –, o legislador pátrio teve de editar
leis para discipliná-los. Esses novos conflitos, até então inexistentes na
sociedade em desenvolvimento, ensejava uma tutela célere, eficaz e, acima de
tudo, preventiva ou inibitória.
O
sistema processual brasileiro vigente à época, eminentemente individualista,
mostrou-se inadequado e insuficiente para a tutela das novas lides. Em
conseqüência, o legislador brasileiro editou a Lei da Ação Civil Pública e o
Código de Defesa do Consumidor, esse último amparado nas disposições da obra da
Assembléia Nacional Constituinte de 1988.
Portanto,
podemos afirmar que o vigente sistema processual civil pátrio é constituído de
dois subsistemas: o individual e o coletivo. O primeiro, dirigido às lides de
caráter individual, é regido basicamente pelo Código de Processo Civil; o segundo,
direcionado à tutela dos interesses e direitos metaindividuais, pela Lei da
Ação Civil Pública, pelas disposições da Constituição Federal de 1988 e pelo
Código de Defesa do Consumidor.
Em
face da natureza dos interesses em conflito, a filosofia que orienta o segundo
sistema, o coletivo, é voltada para a socialização (função social) e
democratização do processo. Busca-se a efetividade do processo e a pacificação
social através da solução preventiva (ou inibitória), homogênea e célere de questões
que atingem um número, em regra, infindo de pessoas, liberando-as dos entraves
da ação individual. Por outro lado, protegem-se bens jurídicos cuja lesão pode
ocasionar conseqüências algumas vezes imprevisíveis.
Não
podemos esquecer que a tutela coletiva também contribui para a efetivação do
amplo acesso à justiça, na medida em que ameniza barreiras de ordem técnica,
cultural e psicológica, facilitando a defesa de interesses e direitos dos
hipossuficientes (crianças, consumidores, trabalhadores, grupos vulneráveis,
idosos, enfermos, etc.). Portanto, as ações coletivas permitem o acesso à
justiça daqueles que, individualmente, não teriam meios de ingressar em juízo
ou teriam muita dificuldade de fazê-lo.
Outra
vantagem da tutela coletiva é a facilitação do tratamento processual de causas
pulverizadas, que, por serem individualmente muito pequenas e insignificantes,
não seriam ajuizadas, deixando impunes os autores dos danos [05].
Conforme a doutrina majoritária, a tutela coletiva confere tratamento molecular
às lides; enquanto a individual, atomizado. Há, também, a questão da economia
de tempo, esforços e despesas e da garantia da uniformidade das decisões.
Vale
destacar, ainda, o novo enfoque dado à responsabilidade civil, na medida em que
a condenação genérica (art. 95 do Código de Defesa do Consumidor) impõe ao réu
a obrigação de indenizar os danos e prejuízos causados, e não os sofridos.
Isto quer dizer que, uma vez procedentes os pedidos formulados na ação coletiva,
é fixada a responsabilidade genérica do réu pelos danos e prejuízos decorrentes
de sua conduta, cabendo aos lesados apenas a liquidação dos respectivos danos e
a posterior execução. Isso facilita sobremaneira a reparação, na medida em que
na liquidação e execução não se discute mais a responsabilidade do réu pelos
danos.
Outra
vantagem da tutela coletiva consiste na concretização de uma igualdade material
entre os litigantes, na medida em que são neutralizadas as vantagens dos
litigantes habituais e daqueles mais fortes pelo instituto da legitimidade
extraordinária.
No
âmbito trabalhista, a tutela coletiva possui aspectos e vantagens próprias.
Inicialmente cumpre esclarecer que o sistema brasileiro de acesso dos
trabalhadores à Justiça do Trabalho é integrado de três subsistemas, e não de
dois como ocorre com o sistema processual civil comum [06].
Na
seara justrabalhista, caracterizada pela complexa e muita vezes conflituosa
relação entre o capital e o trabalho, a tutela coletiva possibilita a
equivalência processual material entre trabalhadores e empregadores pela
representatividade conferida a determinados órgãos e entidades (principalmente
o Ministério Público do Trabalho e sindicatos). Nas ações coletivas há, portanto,
equilíbrio das partes, o que não ocorre nas ações individuais, em que o
trabalhador atua de forma isolada e enfraquecida.
A
principal vantagem da tutela coletiva no âmbito do direito do trabalho consiste
na possibilidade de prevenção ou reparação da imediata da violação aos direitos
dos trabalhadores no curso da relação de trabalho. A realidade tem demonstrado
que os trabalhadores só reivindicam seus direitos após o fim da relação
laboral, em função do receio de ter o pacto rescindido na hipótese de demandar
contra o empregador (ou tomador de serviço em geral) no curso daquela. Ao final
do contrato, muitas vezes a pretensão do trabalhador tem sido atingida pela
prescrição, ficando o trabalhador no prejuízo por não poder mais pleitear a
devida reparação. Desse modo, o trabalhador geralmente tem ficado diante do
seguinte dilema: demandar no curso da relação e correr o risco de perder o
emprego ou aguardar o fim da relação para demandar e ter parte da pretensão
fulminada pela prescrição.
Nesse
contexto, apesar de assegurada a inafastabilidade da jurisdição e a proteção da
relação de emprego pela Constituição Federal, o ajuizamento de reclamação
trabalhista (ação individual) ainda tem ocasionado a dispensa de alguns
trabalhadores. Essa questão tem conferido à Justiça do Trabalho o título de
"Justiça dos desempregados", na medida em que os trabalhadores, em
regra, têm ingressado em juízo apenas ao final da relação.
Como
a tutela coletiva é pleiteada em juízo pelo substituto processual de forma
genérica, sem individualização dos beneficiários e independentemente de
autorização destes, evita-se qualquer tipo de represália por parte dos
empregadores, garantindo aos trabalhadores uma imediata e efetiva proteção de
seus interesses e direitos [07], inclusive através da tutela
inibitória.
IV.
A aplicabilidade da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do
Consumidor ao processo do trabalho:
As
disposições do Código de Defesa do Consumidor, juntamente com as da Lei da Ação
Civil Pública encerram verdadeiro "Código de Processo Coletivo",
tutelando toda e qualquer ação coletiva, independentemente da matéria nela
ventilada. Esse é o entendimento da doutrina majoritária.
Os
interesses e direitos metaindividuais e as ações coletivas possuem institutos e
regramentos próprios, não permitindo a aplicação de institutos do processo
individual (Código de Processo Civil e Consolidação das Leis do Trabalho), a
não ser de forma subsidiária.
Entretanto,
apesar de existirem institutos e instrumentos aptos a tutelarem os direitos e
interesses metaindividuais, alguns juristas insistem na tese equivocada de que
o Código de Defesa do Consumidor disciplina, apenas, as relações de consumo e
as ações delas decorrentes.
Como
já afirmado acima, pensamos que as disposições processuais do Código de Defesa
do Consumidor (arts. 81 à 104) e da Lei da Ação Civil Pública são aplicáveis a
toda e qualquer ação coletiva independentemente da matéria tratada, o que
incluiu, obviamente, a trabalhista.
Defendendo
a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública ao
processo do trabalho, Raimundo Simão de Melo (2004, p. 42)
destaca que o sistema instituído pela Consolidação das Leis do Trabalho
"não serve mais para dar proteção efetiva aos direitos dos trabalhadores
agredidos coletivamente".
No
mesmo sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 157) assevera que a
legislação material e processual do trabalho não possui normas próprias
disciplinando as ações coletivas, pelo que entende constituir tarefa do
intérprete a aplicação do sistema integrado pelas normas da Constituição
Federal de 1988, Lei da Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor,
Leis Orgânicas do Ministério Público da União e do Ministério Público dos
Estados e de outras leis esparsas, "fazendo-se, apenas, algumas adaptações
ao procedimento próprio do processo laboral".
É
importante destacar que essas adaptações são raras e muito pontuais, tendo em
vista que a filosofia que orientou a elaboração do Código de Defesa do
Consumidor é semelhante àquela que orienta o direito e o processo do trabalho
há anos. Verifica-se que o direito do consumidor e o direito e o processo do
trabalho têm a mesma principiologia: proteção ao hiposuficiente (consumidor e
trabalhador, respectivamente).
Sem
fazer qualquer restrição quanto à matéria ou ramo do direito, a própria Lei da
Ação Civil Pública estabelece que:
"Art.
21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e
individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que
instituiu o Código de Defesa do Consumidor."
Comentando
o dispositivo, Ada Pellegrini Grinover (2000, p. 11) sustenta que "as
disposições processuais do Código de Defesa do Consumidor têm plena aplicação a
todos os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, por força do
art. 21 da Lei da Ação Civil Pública", no que é expressamente seguida por
Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 158).
Portanto,
inexistindo legislação específica sobra a tutela dos interesses e direitos
metaindividuais trabalhistas, impõe-se a aplicação conjunta da Constituição
Federal de 1988, do Código de Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil
Pública, entre outras leis esparsas, possibilitando, com isso, a adequada e
efetiva tutela daqueles interesses e direitos. Outrossim, como bem lembra
Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 158), o intérprete ou aplicador do
direito deve adaptar o processo do trabalho ao processo constitucional, e não
esse àquele.
V.
A crise da tutela coletiva
Como
ressaltado, a tutela coletiva é voltada para a socialização (função social) e
democratização do processo. Visa a efetividade processual, a pacificação social
através da solução preventiva (ou inibitória), homogênea e célere de questões,
contribui para a efetivação do amplo acesso à justiça e facilita o tratamento
processual de causas pulverizadas (atomizadas), conferindo-lhes tratamento
molecular.
Entretanto,
não obstante a tímida atuação de alguns substitutos (ou legitimados
extraordinários), constantemente tem havido a tramitação, concomitante ou
sucessiva, de ações coletivas e milhares de ações individuais com causa de
pedir e pedidos coincidentes.
O
principal motivo da existência de ações coletivas e inúmeras ações individuais
com o mesmo objeto é a falta de conhecimento e divulgação do ajuizamento
daquelas, o que tem levado os interessados e possíveis beneficiários delas a
pleitearem, individualmente, o direito. Aliado a isso, podemos apontar a falta
de preparo e de conhecimento de alguns magistrados para lidar com as ações
coletivas, os quais têm restringido o alcance (territorial, nos limites da
competência territorial do prolator [08], e, também, subjetivo,
apenas aos substituídos constantes no rol anexado ao processo [09])
da tutela jurisdicional coletiva. Por outro lado, muitos advogados e membros do
Ministério Público simplesmente desconhecem o "iter" procedimental da
ação coletiva.
Em
decorrência, com uma certa freqüência tem sido argüida a preliminar de
litispendência ou de coisa julgada nas ações individuais e, às vezes, até mesmo
nas coletivas. Na jurisprudência e na doutrina a questão posta é bastante
controvertida. Há divergência nos próprios tribunais, inclusive no Tribunal
Superior do Trabalho [10], cujos entendimentos têm variado conforme
a composição no momento do julgamento. Essa controvérsia e multiplicidade de
entendimentos, até certo ponto naturais no direito, têm gerado insegurança
jurídica e, por essa razão, deve ser solucionada e pacificada.
Luiz
Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2003, p. 751) lembram que para bem
operar com as ações coletivas é preciso "despir-se de velhos preconceitos
(ou ‘pré-conceitos’), evitando recorrer a raciocínios aplicáveis apenas à
‘tutela individual’ para solucionar questões atinentes à tutela coletiva".
Destacam também que:
"Esse,
com efeito, é o grande mal enfrentado pela tutela coletiva no direito
brasileiro. Em que pese o fato de o direito nacional estar munido de
suficientes instrumentos para a tutela das novas situações de direito
substancial, o despreparo para o trato com esses novos e poderosos mecanismos
vem, nitidamente, minando o sistema e transformando-o em ente teratológico que
flutua no limbro. As demonstrações dessa crise são evidentes, e são mostradas
diariamente por meio dos veículos de comunicação, quando se vê o tratamento
dispensado às ações coletivas no direito brasileiro. Para impedir o
prosseguimento desta visão míope da figura, bem como para permitir a adequada
aplicação do instituto, é necessário não se afastar do norte fundamental: o
direito transindividual não pode ser confundido com o direito individual, e
mesmo este último, diante das peculiaridades da sociedade de massa, merece
tratamento diferenciado."
Portanto,
como o ordenamento jurídico vigente disciplina a matéria de forma objetiva e
eficaz, temos que falta, apenas, aprofundamento nos estudos sobre a matéria por
parte dos operadores do direito e a correta aplicação das regras de
hermenêutica jurídica. Há no Código de Defesa do Consumidor e na Lei da Ação
Civil Pública, verdadeiros diplomas de processo coletivo, soluções para os
problemas apontados.
É
bom registrar que a proliferação de ações coletivas acarreta, necessariamente,
um maior respeito aos direitos alheios, na medida em que há a efetiva reparação
de todo e qualquer dano, independentemente do seu valor. Assim, atos ilícitos
("lato sensu") que antes ficavam impunes dado o alto custo da tutela
individual, podem ser devidamente sancionados e reparados os danos deles
decorrentes.
Inegável,
pois, que a tutela coletiva é um importante instrumento da cidadania que deve
ser estimulado e melhor estudado e compreendido pelos operadores do direito.
VI.
Considerações finais:
Embora
a tutela coletiva esteja completando 15 anos de efetivo e satisfatório
regramento pelo ordenamento jurídico brasileiro, constatamos que a mesma não
tem sido amplamente usada para a defesa de interesses e direitos,
caracterizando a ineficácia de um importante instrumento da cidadania.
Verifica-se
que o ordenamento jurídico pátrio já dispõe de suficientes e satisfatórios
institutos e instrumentos processuais de tutela dos interesses e direitos
metaindividuais, faltando, apenas, a correta aplicação dos princípios de
hermenêutica pelos operadores do direito. Como a tutela coletiva é um
importante instrumento da cidadania, entendemos que a mesma deve ser estimulada
e melhor estudada e compreendida.
O
sistema de acesso coletivo à justiça é disciplinado pela Constituição Federal
de 1988, pela Lei da Ação Civil Pública, pelo Código de Defesa do Consumidor,
pelas Leis Orgânicas do Ministério Público da União e do Ministério Público dos
Estados, entre outras leis esparsas. Esses diplomas legais tutelam quaisquer
espécies de interesses, independentemente da matéria.
No
âmbito trabalhista, por inexistir legislação específica sobra a matéria,
impõe-se a aplicação conjunta desses diplomas, possibilitando, com isso, a
adequada e efetiva tutela daqueles interesses e direitos. Deve haver a adaptação
do processo do trabalho ao processo constitucional.
VII.
Referências:
ALVIN,
Arruda. Ação Civil Pública. Revista de processo. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, n. 87, p. 149-165, jul-set/1997.
GRINOVER,
Ada Pellegrini. Significado social, político e jurídico da tutela dos
interesses difusos. Revista de processo. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, n. 97, p. 9-15, jan-mar/2000.
LEITE,
Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina,
jurisprudência e prática. 2. ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Ltr, 2002.
______.
Curso de direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004.
______.
Ações coletivas e tutela antecipada no Direito Processual do Trabalho. Jus
Navigandi, Teresina, a. 5, n. 50, abr. 2001. Disponível em:
MARINONI,
Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento.
2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A
defesa dos interesses difusos em juízo: maio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. 17. ed. rev., ampl. E atual. São Paulo:
Saraiva, 2004.
MEDEIROS
NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. São Paulo: LTr, 2004.
MELO,
Raimundo Simão de. Ação civil pública na justiça do trabalho. 2. ed. São
Paulo: LTr, 2004.
Tribunal
Superior do Trabalho. INTERNET. Disponível no site <www.tst.gov.br>. Acesso em 26 jul. 2005.
Notas
01
Ações coletivas e tutela antecipada no Direito Processual do Trabalho. Jus
Navigandi, Teresina, a. 5, n. 50, abr. 2001. Disponível em:
02
Arruda Alvin (1997, p. 150) lembra que o capitalismo "se revelou talvez o
único sistema econômico, na Idade Moderna, capaz da produção efetivamente
volumosa e satisfatória de bens, por isso mesmo, acabou engendrando alta
velocidade de circulação de bens, multiplicação dos serviços e deu nascimento a
outros valores, jogando no ocaso da desnecessidade e do esquecimento outros
tantos valores".
03
Hugo Nigro Mazzilli (2004, p. 48) explica que "situados numa
posição intermediária entre o interesse público e o interesse privado, existem
os interesses transidividuais (também chamados de interesses coletivos, em
sentido lato), os quais são compartilhados por grupos, classes ou categorias de
pessoas (como os condôminos de um edifício, os sócios de uma empresa, os
membros de uma equipe esportiva, os empregados do mesmo patrão). São interesses
que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam propriamente a
constituir interesse público". Para Xisto Tiago de Medeiros Neto (2004, p.
112), "os interesses coletivos (lato sensu) correspondem, destarte, à
modalidade dos interesses transindividuais ou metaindividuais, com a nota
característica básica de se projetarem para além da esfera individual
(subjetivada), posicionando-se na órbita coletiva, cuja titularização (não
determinada individualmente) repousa em um grupo, uma classe, uma categoria de
pessoas (determinadas ou determináveis) ou mesmo em toda a coletividade
(indeterminada)".
04
Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 145) explica que, "inovando
substancialmente em relação ao regime anterior, a Constituição Federal de 1988
preocupou-se não apenas com a proteção dos direitos humanos de primeira
dimensão (direitos civis e direitos políticos) e os de segunda dimensão
(direitos sociais, econômicos e culturais), mas, concomitantemente, com a
tutela dos direitos humanos de terceira dimensão, também denominados novos
direitos, direitos híbridos, direitos ou interesse metaindividuais".
05
Podemos destacar ainda que a aglutinação de diversos litígios individuais,
independentemente da quantificação monetária, em uma só ação contribui para a
diminuição de processos em tramitação perante o Poder Judiciário e,
consequentemente, para a celeridade das demais ações. Com a tutela coletiva há,
desse modo, a eliminação do custo de inúmeras ações individuais, tornando mais
racional o trabalho do Poder Judiciário.
06
O primeiro deles – o individual – é regulado pelas disposições da Consolidação das
Leis do Trabalho, elaborada com base em princípios eminentemente
individualista. Nesse sistema, o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho é
realizado pelos dissídios individuais ou, conforme a praxe forense, reclamações
trabalhistas simples (individuais) ou plúrimas (em que há litisconsórcio
ativo). O autor, nessas ações, é o próprio o trabalhador; o réu, o tomador de
serviço. O segundo subsistema, também regido pela Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT, regula o acesso coletivo dos trabalhadores à Justiça do
Trabalho mediante dissídios coletivos de natureza econômica (constitutivos),
jurídica (declaratórios) ou mista (declaratórios e constitutivos). Esse
subsistema tem por objeto, via de regra, a criação de novas normas ou condições
de trabalho. Esses dissídios coletivos, também denominados ações coletivas
"stricto sensu", são solucionados com base no Poder Normativo da
Justiça do Trabalho e, dessa forma, diferem das ações coletivas tratadas neste
trabalho. O terceiro subsistema, disciplinado pela Constituição Federal de
1988, pela Lei da Ação Civil Pública, pelo Código de Defesa do Consumidor,
pelas Leis Orgânicas do Ministério Público da União e do Ministério Público dos
Estados, entre outras leis esparsas, trata do acesso metaindividual à Justiça
do Trabalho. Considerando os interesses e direitos tutelados, Carlos Henrique
Bezerra Leite (2002, p. 155) o denomina "subsistema de acesso difuso,
coletivo ou individual homogêneo". Nesse subsistema, diferentemente do que
ocorre com o anterior, não há a criação de novas condições de trabalho ou novas
normas. Em regra, as ações desse são de natureza condenatória, impondo ao réu
uma obrigação de fazer ou não fazer e/ou, ainda, a condenação em dinheiro,
quando impossível ou inviável a tutela específica.
07
Ao tratar desse tema, Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 157), expõe que
"a jurisdição trabalhista metaindividual busca, assim, com base em tais
princípios, efetivar um outro princípio constitucional: a igualdade
substancial, real, entre os cidadãos-trabalhadores. O trabalhador sozinho
apresenta-se bastante vulnerável para exercitar o direito constitucional de
acesso ao Judiciário, máxime se levarmos em conta que a Justiça do Trabalho é,
no plano real, a ‘Justiça dos Desempregados’, pois a regra geral é a de que o
trabalhador, durante a vigência do contrato de trabalho, tem o fundado receio
de perder o emprego. É a chamada paralisia temporária do direito de demandar.
Daí a importância da implementação da jurisdição trabalhista metaindividual,
que permite o acesso igualitário dos trabalhadores por meio de instituições ou
associações que têm o papel de defender e proteger os interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos e sem o temor de figurarem formalmente na
relação jurídica processual".
08
O art. 16 da Lei da Ação Civil Pública estabelece que "A sentença civil
fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do
prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de
provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com
idêntico fundamento, valendo-se de nova prova". Muitos autores defendem a
inconstitucionalidade do dispositivo, por contrariar a filosofia da tutela
coletiva, tese com a qual concordamos.
09
A exigência do rol de substituídos ainda é bastante comum na Justiça do
Trabalho em face da Súmula n.° 310 do c. Tribunal Superior do Trabalho,
cancelada pela Resolução n.° 119/2003. Nesse caso, a prática (em descompasso
com a efetiva tutela coletiva) tem prevalecido.
10 "RECURSO DE REVISTA. LITISPENDÊNCIA. SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. A jurisprudência desta Corte assenta que se configura a litispendência quando existe ação proposta pelo sindicato da categoria profissional, na condição de substituto processual, com o mesmo objeto de reclamação ajuizada pelo substituído. Recurso de Revista de que não se conhece. (TST - RR - 68989/2002-900-14-00 – Rel. Min. João Batista Brito Pereira - DJ 13.05.2005)"; "LITISPENDÊNCIA – EXISTÊNCIA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Analisando o artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor, extrai-se que ele contempla duas normas distintas, ou seja, uma que afasta incondicionalmente a litispendência e outra que é condicional à coisa julgada. A primeira parte da norma é incisiva em afastar a litispendência quando há ação individual e coletiva, sendo que, na segunda parte, os efeitos da coisa julgada foram contemplados em razão da suspensão dos 30 dias, o que equivale a dizer que essa suspensão é requisito para afastar os efeitos da coisa julgada e não da litispendência. Recurso conhecido e provido. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS – A Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Orientação Jurisprudencial nº 32, pacificou o entendimento de que são devidos os descontos relativos à contribuição previdenciária e ao Imposto de Renda. Ressalte-se, ainda, o posicionamento manifestado pela Orientação Jurisprudencial nº 228 da SDI-1, em que o recolhimento dos descontos legais resultante dos créditos do trabalhador, oriundos de condenação judicial, deve incidir sobre o valor total da condenação e ser calculado ao final. Assim, vem à baila o Enunciado nº 333 do TST, em que os precedentes da SDI foram erigidos à condição de requisitos negativos de admissibilidade do recurso. Revista não conhecida. (TST – RR 5031 – 4ª T. – Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen – DJU 21.02.2003)".
* Juiz do Trabalho substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª
Região, pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Potiguar (UnP).
Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7780
>. Acesso em: 06/12/06.