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A obrigatoriedade do procurador do ente público de propor a ação de improbidade administrativa
Antônio José dos Reis Júnior*
Seria relevante para o atendimento dos interesses das pessoas
jurídicas de direito público e, por conseguinte, para o aperfeiçoamento da
defesa do próprio interesse público, se os órgãos que as representam judicial e
extrajudicialmente fizessem uso, de forma mais efetiva, da chamada ação de
improbidade administrativa.
Não
restam dúvidas que os aludidos órgãos são portadores dessa legitimidade. A
questão que ora se coloca, porém, é de saber se são detentores da mera
faculdade ou do dever de propô-las.
A
reflexão sobre os princípios vigentes, especialmente os de natureza
constitucional, conduz à conclusão de que o ente de direito público tem,
sim, o dever de tomar as medidas necessárias para o ajuizamento da ação
de improbidade administrativa, tão logo tenha conhecimento da prática da
conduta ímproba.
A
escolha do presente tema tem como finalidade, primeiramente, promover a
conscientização da sociedade e, em especial, dos órgãos de representação das
pessoas jurídicas de direito público, no sentido de que o Estado-Administração
é possuidor não apenas de legitimidade, mas que também tem o dever de utilizar
o citado instrumento processual, eis que, quase sempre, se mostram omissos
frente aos atos de improbidade administrativa, deixando de lado instrumento
relevante para a defesa do interesse público.
Em
segundo lugar, pelo fato de que, indisputavelmente, uma atuação efetiva,
fazendo uso de forma rápida e eficiente da aludida ação, irá aperfeiçoar, e
muito, a atuação estatal em defesa da moralidade e do patrimônio público, eis
que o procurador da entidade política terá, obviamente, acesso mais agilizado à
documentos e importantes informações, além do conhecimento adquirido em razão
do desempenho de suas funções, que poderá compartilhar, inclusive, com o Parquet,
ligados ao intrincado funcionamento da máquina administrativa e aos ramos
do direito a ela afetos.
É
de se ressaltar, ainda, que a citada conscientização dos órgãos
representativos, acerca do dever de atuar, conduzirá, quiçá, a uma
profunda modificação em suas estruturas, como, por exemplo, criação de novas
procuradorias ou órgãos, como a Procuradoria do Estado de Defesa do Patrimônio
Público.
Ora,
é preciso agir, pois, como é sabido, a corrupção é nefasta em todos os
sentidos, inclusive para o setor econômico. Como afirma Peter Eigen, ex-diretor
do Banco Mundial: A corrupção desequilibra de forma perversa as
concorrências econômicas saudáveis. Qualidade, baixo custo e bons serviços
deixam de ser vitais quando um negócio pode ser decidido pelo valor das
propinas. Isso é um forte inibidor da produtividade. Obviamente muitas empresas imaginam que, se não
corromperem, vão ficar fora do jogo econômico. Mas essa visão é ruinosa. A
corrupção destrói a riqueza e todos perdem. (Revista Veja – edição 1927 –
19.10.2005).
Além
do que, como é evidente, enquanto milhões e milhões são desviados dos cofres
públicos, muitos, milhares, sofrem com a sua saúde agravada; crianças morrem
por falta ou deficiência na assistência médica; muitos são mortos ou
violentados pela falta de policiamento adequado, decorrente de desvio de verbas
destinadas à segurança pública, etc.
Assim,
os detentores de parcela do poder que, diante desse quadro caótico, permanecem
omissos, são também responsáveis, pois integram o nexo causal entre a omissão
qualificada do Estado e os efeitos nefastos citados.
1. ENTE DE DIREITO PÚBLICO OU
ENTIDADE POLÍTICA
1.1.CONCEITO
E CLASSIFICAÇÃO
Entidade
ou ente nada mais é do que a pessoa jurídica.
Assim,
pode-se afirmar que no âmbito de nossa organização política e administrativa,
os entes de direito público são os estatais, autárquicos e fundacionais.
Acerca
da definição dos aludidos entes, é de se trazer à baila as lições de Hely Lopes
Meirelles:
Entidades
estatais: São pessoas jurídicas de Direito Público que integram a estrutura
constitucional do Estado e têm poderes políticos e administrativos, tais como a
União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal. A União é
soberana; as demais entidades estatais têm apenas autonomia política,
administrativa e financeira, mas não dispõem de Soberania, que é privativa da
Nação e própria da Federação.
Entidades
autárquicas: São pessoas jurídicas de direito público, de natureza meramente
administrativa, criadas por lei específica, para a realização de atividades,
obras ou serviços descentralizados da entidade estatal que as criou. Funcionam
e operam na forma estabelecida na lei instituidora e nos termos de seu
regulamento. As autarquias podem desempenhar atividades educacionais,
previdenciárias e quaisquer outras outorgadas pela entidade estatal-matriz, mas
sem subordinação hierárquica, sujeitas apenas ao controle finalístico de sua
administração e da conduta de seus agentes.
Entidades
fundacionais: São pessoas jurídicas de Direito Público ou pessoas jurídicas de
Direito Privado, devendo a lei definir as respectivas áreas de atuação,
conforme inc. XIX do art. 37 da CF, na nova redação dada pela EC 19/98. No
primeiro caso elas são criadas por lei, à semelhança das autarquias, e no
segundo a lei apenas autoriza a sua criação, devendo o Poder Executivo tomas as
providências necessárias à sua instituição. (01)
Frise-se
que, comumente, os doutrinadores utilizam-se dos termos Fazenda Pública;
Estado-Administração ou Pessoa Jurídica de Direito Público como sinônimos de
ente de direito público.
1.2.REPRESENTAÇÃO
EM JUÍZO
Os
entes públicos são representados em juízo pelo Chefe do Executivo ou por
procurador constituído de forma contratual ou institucional.
O
ente estatal, mais especificamente, os Estados-membros e o Distrito Federal,
são representados por procuradores institucionalmente constituídos, nos termos
do artigo 132 da Carta Magna adiante transcrito:
Art.
132: Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em
carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos,
com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fazes,
exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas
unidades federadas.
Da
mesma forma, a União, nos termos em que estabelece o disposto no artigo 131 da
Constituição Federal:
Art.
131: A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de
órgão vinculado, representa a União, judicial ou extrajudicialmente,
cabendo-se, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e
funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder
Executivo.
Os
Municípios, por sua vez, são representados pelo Chefe do Executivo, ou por
procurador, conforme estabelecido no inciso II do art. 12 do Código de Processo
Civil: "Serão representados em juízo, ativa e passivamente: II – o
Município por seu Prefeito ou procurador".
Como
se vê, a Constituição silenciou acerca da aludida representação, talvez pela
grande dificuldade prática de se obrigar a instituição de Procuradorias, frente
a notória escassez de recursos financeiros que afeta a maioria dos municípios.
No
que tange às autarquias e fundações de direito público, pode se afirmar que
serão representadas por seus dirigentes máximos ou por procurador autárquico ou
fundacional, nos termos em que dispuser a lei, conforme se depreende do
disposto no artigo 12 do Código de Processo Civil.
É
interessante salientar, neste tópico, que os procuradores dos entes públicos
são detentores da importante missão de representá-los judicial e
extrajudicialmente, agindo ativa ou passivamente (defesa) em seu favor, e
não a pessoa do governante ou do dirigente executivo.
A
propósito, ensina Cláudio Grande Júnior, citando Fides Angélica Ommati:
Quanto
à atividade de defesa, o grande impasse diz respeito a "não se confundir a
defesa do Estado com defesa do governo, se bem que, por vezes, possa
ocorrer". E tal se deve ao fato de que do mesmo modo que no processo penal
ao réu deve ser efetivamente garantida a ampla defesa, ao Estado também se deve
garanti-la, porque ambas as hipóteses encarnam interesses indisponíveis.
Pode-se afirmar categoricamente que "no plano da defesa jurídica, a
evolução é marcada pela defesa dita integral, que inclui a judicial e
extrajudicial"......Pode perfeitamente ocorrer de se ter que defender o
governo, um vez que este dá tônica à atuação estatal, o que, inclusive,
determina o comportamento do Estado em ações populares e civil públicas. Mas
não se pode chegar ao absurdo de advogados públicos defenderem a pessoa do
governante em processos criminais ou de mero interesse particular, porque aí,
sim, este estaria patrimonializando mão-de-obra qualificada estatal em
benefício pessoal. Aliás, o que o Estado ganharia com isso? Nada, só o governo!
Não se justifica, portanto, dito patrocínio judicial por advogados públicos.
(02)
Sobre
o mesmo tema, as lições de Hely Lopes Meirelles:
O
Chefe do Executivo não pode utilizar advogado da Administração Pública, ou
contratá-lo às expensas da Fazenda Pública, para sua defesa, por fato anterior
ou concomitante ao exercício do cargo, salvo em questão pertinente às suas
prerrogativas. (03)
Outra
questão que importa ser esclarecida neste momento, diz respeito às
características que norteiam a "representação" exercida pelos órgãos
das entidades políticas.
Em
se considerando que o representante da pessoa jurídica de direito público não
é, em última análise, representante e nem substituto processual, é de se
afirmar que ele o presenta. Vale dizer: a defesa e o ataque judiciais e
extrajudiciais praticados pelos procuradores (pessoas físicas), são, na
verdade, os atos praticados pelo próprio ente público.
Com
extrema precisão técnica posicionou-se, a respeito, Athos Gusmão Carneiro,
citando Pontes de Miranda:
A
substituição processual mostra-se inconfundível com a representação.
O
substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende
em nome próprio o interesse do substituído.
Já
o representante defende "em nome alheio o interesse alheio".
Nos
casos de representação, parte em juízo é o representado, não o
representante. Assim, o pai ou o tutor representa em juízo o filho ou o
tutelado, mas parte na ação é o representado.......
Também
inconfundíveis substituição processual e presentação. O órgão
mediante o qual a pessoa jurídica se faz presente e expressa sua vontade não é
substituto processual e nem representante legal: "A pessoa jurídica não é
incapaz. O poder de presentação, que ela tem, provém da capacidade mesma da
pessoa jurídica.......
.........................................
A
presentação é extrajudicial e judicial (art. 17); processualmente, a pessoa
jurídica não é incapaz. Nem o é, materialmente...(...)...O que a vida nos
apresenta é exatamente a atividade das pessoas jurídicas através de seus
órgãos: os atos são seus, praticados por pessoas físicas". (Pontes de
Miranda, Tratado de direito privado, t., 1, § 97, n. 1). (04)
2. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
2.1.
CONCEITO
Pode-se
afirmar que a improbidade administrativa se caracteriza quando da prática de
qualquer conduta administrativa que viole qualquer dos princípios constantes no
art. 37 da Carta Magna, causando ou não prejuízo ao erário.
É
o que se extrai dos artigos 9º (aqueles atos que importam enriquecimento
ilícito do agente público, causando ou não danos ao erário); 10º (aqueles
lesivos ao erário) e 11º (aqueles atos que atentam contra os princípios da
Administração Pública, causando ou não lesão ao erário ou enriquecimento
ilícito), da Lei n. 8.429, de 02-06-1992.
2.2.
LEGITIMIDADE PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Em
síntese, conforme ensinam Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e
Waldo Fazzio Júnior, nos termos do art. 17, c/c art. 1º da Lei n. 8.429/92, são
legitimados para a propositura da ação de improbidade administrativa, visando a
aplicação das penalidades previstas no art. 12 da citada lei, o Ministério
Público; a União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios;
as Autarquias; as Empresas Públicas; as Sociedades de Economia Mista; as
Fundações instituídas pelo Poder Público; as empresas incorporadas ao
patrimônio público; as empresas com participação do erário e as empresas
subvencionadas ou incentivadas pelos cofres públicos. (05)
É
de se ressaltar, nesse ponto, conforme já colocado acima, que os entes
públicos, através de seus procuradores, praticamente mantêm-se omissos frente à
uma conduta ímproba, limitando-se, não raras vezes, a simplesmente comunicar o
fato ao Ministério Público, quando ele mesmo (ente público), não só é detentor
de legitimidade para a propositura da aludida ação de improbidade, como também
é o principal interessado na reparação dos efeitos maléficos oriundos da citada
conduta.
Como
asseveram Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio:
"Pessoa
jurídica de direito público interno são a União, o Estado, o Distrito Federal e
o Município. Como os interesses protegidos são o patrimônio público e a moralidade
administrativa, devem ser tutelados processualmente pelos entes personalizados,
ou seja, com capacidade de estar em juízo.
Fato
é que, só esporadicamente, aqueles entes tomam a iniciativa de propor ação
civil pública para a defesa do patrimônio público. A previsão constitucional e
legal, em regra, não se concretiza, debitando-se ao Ministério Público a quase
totalidade dos processos nessa área. Aliás, ainda que não seja autor, o
"parquet" funcionará no processo como "custos legis", sendo
compulsória sua participação, pena de nulidade.
A
pessoa jurídica interessada é, materialmente, a paciente imediata do ato de
improbidade, e portanto interessada na reparação de seus efeitos (tem
até legitimação para propor a ação)" (grifei). (06)
3. A FORMA DE ATUAÇÃO DO AGENTE
PÚBLICO NO DESEMPENHO DE SUAS ATRIBUIÇÕES
3.1.
O PODER-DEVER DE AGIR
O
agente público, naturalmente, independentemente da natureza de suas
atribuições, sempre as exerce visando, ao final, o atendimento do interesse
público.
Desta
feita, por não estar zelando por seus bens particulares, mas sim, por bens ou
interesses públicos, é inconcebível a omissão, diante de uma situação em que
haja necessidade de agir, tendo ele poderes para tanto.
Tal
omissão, aliás, poderá ensejar sanções de ordem administrativa e penal, tais
como aquelas previstas nos artigos 316 (concussão) e 319 (prevaricação), ambos
do Código Penal.
O
Professor Diógenes Gasparini, ao comentar acerca do poder-dever de agir,
invocando Hely Lopes Meirelles, ensina que:
As
competências do cargo, função ou emprego público devem ser exercidas na sua
plenitude e no momento legal. Não se satisfaz o direito com o desempenho
incompleto ou a destempo da competência e, puor ainda, com a omissão da
autoridade. Não se compreende que o agente público pratique intempestivamente
atos de sua competência, desde que ocorra a oportunidade para agir, como não se
entende que só se desincumba de parte de sua obrigação ou se abstenha em
relação a essa obrigação. A esse respeito ensina Hely Lopes Meirelles (Direito
Administrativo, cit., p. 85) que, "se para o particular o poder de agir é
uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que
se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade." (07)
3.2.
O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Como
o próprio nome está a indicar, nada mais é do que princípio pelo qual se exige
do agente público, no exercício de sua atividade, não apenas a observância da
legalidade dos atos, mas, além disso, um resultado que efetivamente possa
atender aos interesses da administração pública ou da coletividade.
A
esse respeito, ensina o Professor Hely Lopes Meirelles:
O
princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida
com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da
função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com
legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório
atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. (08)
3.3.
O PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE
O
princípio da indisponibilidade estabelece, em síntese, que os agentes públicos
tem a incumbência de apenas administrar ou zelar pelos bens ou interesse
públicos, tendo em vista que não são, obviamente, seus proprietários. Assim,
inadmissível qualquer ato tendente à sua disposição, salvo se autorizado pelo
próprio Estado, através de lei.
A
propósito, assevera o Professor Diógenes Gasparini:
Não
se acham, segundo esse princípio, direitos, interesse e serviços públicos à
livre disposição dos órgãos públicos, a quem apenas cabe curá-los, ou do agente
público, mero gestor da coisa pública. Aqueles e este não são seus senhores ou
seus donos, cabendo-lhes por isso tão-só o dever de guardá-los e aprimorá-los
para a finalidade a que estão vinculados. O detentor dessa disponibilidade é o
Estado. Por essa razão, há necessidade de lei para alienar bens, para outorgar
concessão de serviço público, para transigir, para renunciar, para confessar,
para relevar a prescrição (RDA, 107:278) e para tantas outras atividades a
cargo dos órgãos e agentes da Administração Pública. (09)
4. A OBRIGATORIEDADE DO ENTE
PÚBLICO DE PROPOR A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Á
luz da forma que deve atuar o procurador da pessoa jurídica de direito público,
em face dos princípios supracitados que norteiam a Administração, é de se
concluir que tem ele o dever de zelar pelo interesse da Administração Pública,
representando-a tanto judicial como extrajudicialmente, bem como lhe prestando
consultoria jurídica.
Assim,
não tem o livre arbítrio de, frente a um ato de improbidade administrativa,
manter-se inerte, diante de uma legislação que lhe autoriza a agir na defesa da
moralidade e do patrimônio público, sob pena de, repita-se, ser
responsabilizado penal; administrativa e também civilmente, neste caso
(responsabilidade civil), com a propositura da própria ação de improbidade em
seu desfavor, eis que tal omissão enquadra-se na hipótese prevista no art.11 da
Lei 8.429/92.
É
que o representante do ente público, na verdade, encarna o próprio
Estado-Administração judicial e extrajudicialmente. Assim, não está obrigado a
apenas defendê-lo em situações de conflito. Tem também o dever de agir, tomando
a iniciativa de promover ataques judiciais para a defesa do patrimônio público,
tendo em vista os princípios constitucionais que norteiam este mesmo
Estado-Administração que ele representa, dentre os quais, por exemplo, o da
indisponibilidade.
Sobre
este tema, é de se trazer à lume a manifestação da Dra. Fides Angélica Ommati,
que ressalta, dentre outras questões, a aplicação do princípio da
indisponibilidade no exercício da advocacia pública:
A
advocacia tem um compromisso social, e tem uma função que extrapola a sua
condição profissional e de defesa de interesses particulares, porque, além de
indispensável à administração da Justiça (art. 133, CF), é o advogado
"defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade
pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério
à elevada função pública que exerce (Código de Ética, art 2º ).
Ainda
tenha fundamento e compromisso com a comunidade, daí a consideração de
"função pública", a advocacia pública propriamente é denominação que
se contrapõe a advocacia privada, sendo parâmetros para sua distinção os
interesses aconselhados ou patrocinados e os requisitos exigidos para seu
exercício.
Diz-se
advocacia pública aquela que aconselha ou patrocina interesses de pessoas
jurídicas de direito público, interesses em que prevalece não a vontade do
agente, mas a da coletividade consagrada no ordenamento constitucional ou
legal. (conf. SESTA, Mário Bernardo – A Advocacia de Estado. Posição
Institucional. Revista de Informação Legislativa, n. 117, p. 191). Por tal
circunstância, são esses interesses superiores aos dos particulares e
indisponíveis pelos respectivos gestores, configurando regime jurídico que
extrapola dos limites administrativos para impregnar o regramento
processual..."
...........................................
O
princípio da indisponibilidade dos interesses públicos consiste na
impossibilidade de o administrador agir segundo sua vontade, mas, ao contrário,
restringir-se ao regulado no ordenamento jurídico, daí decorrendo os princípios
da legalidade, da moralidade, da publicidade, da impessoalidade, e tantos
outros em que se evidencie o principio democrático de atendimento segundo
critérios e normas uniformes e impessoais, não favorecendo nem perseguindo
grupos ou pessoas, mas atendendo ao que o legislador, no exercício de sua
competência, interpretou como o abstrato interesse da coletividade.
A
defesa do Estado consiste exatamente na defesa dos interesses que a pessoa
pública encarna e é vocacionada a realizar. E defesa, igualmente Estado, aí tem
conotação de amplitude obrigatória, vez que se não pode restringir a patrocínio
judicial ou extrajudicial em situações conflitivas. Ao contrário, significa
toda a atividade tendente (direcionada) a propiciar as condições jurídicas necessárias
à implementação dos interesses ao encargo dos órgãos e entes públicos. (10)
Essa
postura do Procurador do ente público torna-se ainda mais evidente, ao
considerarmos que o seu papel é o de presentar a pessoa jurídica e não
de representá-la, conforme razões já esposadas no item 1.2.
Neste
sentido é o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:
...Os
Procuradores de Estado não são, em rigor, advogados. Assim como o juiz é o
órgão da função jurisdicional os são órgãos estatais, encarregados da defesa e
do ataque judiciais. No dizer de Pontes de Miranda, eles presentam, não
representam a pessoa jurídica estatal...(11)
Vale
repetir, neste momento, as lições de Athos Gusmão Carneiro:
A
substituição processual mostra-se inconfundível com a representação.
O
substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende
em nome próprio o interesse do substituído.
Já
o representante defende "em nome alheio o interesse alheio".
Nos
casos de representação, parte em juízo é o representado, não o
representante. Assim, o pai ou o tutor representa em juízo o filho ou o
tutelado, mas parte na ação é o representado.......
Também
inconfundíveis substituição processual e presentação. O órgão
mediante o qual a pessoa jurídica se faz presente e expressa sua vontade não é
substituto processual e nem representante legal: "A pessoa jurídica não é
incapaz. O poder de presentação, que ela tem, provém da capacidade mesma da
pessoa jurídica.......
..................................
A
presentação é extrajudicial e judicial (art. 17); processualmente, a pessoa
jurídica não é incapaz. Nem o é, materialmente...(...)...O que a vida nos apresenta
é exatamente a atividade das pessoas jurídicas através de seus órgãos: os atos
são seus, praticados por pessoas físicas. (Pontes de Miranda, Tratado de
direito privado, t., 1, § 97, n. 1). (12)
Realce-se
que, além do princípio da indisponibilidade, o da eficiência, atrelado, aliás,
ao poder-dever de agir do agente público, também conduz à obrigatoriedade do
representante da pessoa jurídica de direito público propor a citada ação de
improbidade.
A
Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando Hely Lopes Meirelles,
comenta que:
A
Emenda Constitucional n. 19, de 4-6-98, inseriu o princípio da eficiência entre
os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no art. 37, caput.
Hely
Lopes Meirelles (1996:90-91) fala na eficiência como um dos deveres da
Administração Pública, definindo-o como "o que se impõe a todo agente
público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento
funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se
contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados
positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da
comunidade e de seus membros".
.........................
O
princípio da eficiência impõe ao agente público um modo de atuar que produza
resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar. (13)
Outro
princípio previsto na Carta Federal que determina o dever do Procurador do ente
público de intervir nos mencionados processos, é o da legalidade, eis que, como
já visto acima, é possuidor da relevante atribuição legal de representar o
Estado judicial e extrajudicialmente, bem como de prestar-lhe consultoria
jurídica.
É
evidente que representar não significa, pois, manter-se numa conduta inibida,
apenas defendendo o Estado em situações de conflito, e sim, também, agir quando
se fizer necessário para se preservar o patrimônio público.
O
Professor Hely Lopes Meirelles, ao comentar o citado princípio, deduz
afirmativas que se aplicam ao tema em apreço:
Na
Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na
Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o
particular significa "pode fazer assim"; para o administrador público
significa "deve fazer assim".
As
leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos
não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus
aplicadores e destinatários, uma vez que contém verdadeiros poderes-deveres,
irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da
função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de
exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais
poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício
da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador
sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação
administrativa. (14)
CONCLUSÃO
Tem-se,
pois, que o representante do Ente Público, com esteio nos Princípios
Constitucionais da Eficiência; da Legalidade e da Indisponibilidade, ao tomar
conhecimento da prática de ato de improbidade administrativa, tem o dever,
e não apenas a mera faculdade, de tomar as medidas cabíveis para a propositura
da ação de improbidade administrativa, sob pena de ser responsabilizado penal;
administrativa e civilmente.
BIBLIOGRAFIA
(01)
Meirelles, Hely Lopes, 2002, pág. 64/65, Malheiros, Direito Administrativo
Brasileiro, 27ª Edição.
(02)
Grande Júnior, Cláudio, www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5580, acesso em
18.03.2005.
(03)
Meirelles, Hely Lopes, 2002, p. 691, obra citada.
(04)
Athos Gusmão Carneiro – Saraiva – Intervenção de Terceiros – 10ª Edição – Porto
Alegre – pág. 36.
(05)
Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior –
Improbidade Administrativa – Atlas – 4ª Edição – São Paulo – p. 207 – 1999)
(06)
Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior - p.
207/208 – obra citada.
os.asp?pagina=40&id=975
– acesso em 31.10.2004.
(07)Gasparini,
Diógenes, 1992, p. 52, Direito Administrativo, Saraiva, 2ª Edição.
(08)
Meirelles, Hely Lopes, 2002, p. 94, Direito Administrativo Brasileiro,
Malheiros, 27ª Edição.
(09)
Gasparini, Diógenes, 1992, p. 13, Direito Administrativo, Saraiva, 2ª Edição.
(10)
Fides Angélica Ommati – Advocacia Pública – Algumas Reflexões – disponível em
www1.jus.com.br/doutrina/texto – Aceso em 28.10.2004.
(11)
STJ – Resp 401390/PR – Recurso Especial n. 2001/0196958-5 - Min. Humberto Gomes
de Barros – 1ª Turma – 17.10.2002 – DJ 25.11.2002 – pág. 200.
(12)
Athos Gusmão Carneiro – Saraiva – Intervenção de Terceiros – 10ª Edição – Porto
Alegre – pág. 36.
(13)
Maria Sylvia Zanella Di Pietro – Atlas – 10ª Edição – São Paulo – Direito
Administrativo – p. 73.
(14)
Hely Lopes Meirelles – Direito Administrativo Brasileiro – Malheiros – 27ª
Edição – São Paulo – 2002 - pág. 86/87.
* procurador do Estado de Rondônia, lotado na
Procuradoria Regional de Vilhena (RO), pós-graduando em Direito Constitucional
REIS JÚNIOR, Antônio José dos. A
obrigatoriedade do procurador do ente público de propor a ação de improbidade
administrativa . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 895, 15 dez. 2005.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7703>. Acesso
em: 23 nov. 2006.