® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
Ações sincréticas como instrumento para minorar a morosidade dos processos
J. A. Almeida Paiva*
*Advogado em São Paulo e Professor de Processo Civil. Maiores
detalhes podem ser vistos no seu site particular: www.almeidapaiva.adv.br
1. Classificação das ações
segundo as categorias de cargas eficaciais nas sentenças;
2. Conceito de ação sincrética;
3. O sincretismo após a Lei nº
11.232/2005;
4. Conclusão.
1. Classificação das ações
segundo as categorias de cargas eficaciais nas sentenças
1. Classificação das ações segundo as categorias de cargas
eficaciais nas sentenças
O sistema processual vigente
conhece várias categorias de eficácia de sentença, sendo que a doutrina
tradicional parece conceber como classificação das ações, tão-só a trinária ou
ternária, como querem outros, mesmo sob os olhares críticos de Luiz Guilherme
Marinoni. (1)
A doutrina brasileira pouco tem
tratado do assunto, restando apenas alguns apontamentos da doutrina tradicional
que praticamente só admite a existência de três categorias de eficácia da
sentença:
"a) declaratória - que
declara a existência ou a inexistência de relação jurídica, a falsidade ou a
autenticidade de certo documento, mais precisamente, declara uma situação
preexistente;
b) condenatória - que condena o
réu a dar, pagar, fazer ou não fazer alguma coisa, preparando a execução futura,
com a criação de um título executivo judicial;
c) constitutiva - por sua força
assegura ao autor a criação, a modificação ou a extinção de uma relação
jurídica."(2)
Glauco Gumerato Ramos doutrina
que “o tema da classificação das ações ganha relevo a partir da empreitada de
processualistas italianos, em especial da primeira metade do século XX, em
classificar as ações de conhecimento, o que fizeram levando em consideração o
conteúdo da respectiva sentença, ou, afirmou Liebman, a partir dos diferentes
tipos de sentença que o autor pede”. Daí surge a divisão trinaria (ou clássica)
das ações de conhecimento em ação meramente declaratória, ação constitutiva e
ação condenatória”.(3)
Deixando ao largo essa
classificação trinária, ao que parece já superada, alguns processualistas falam
ainda na existência da classificação quinária, fase pós Pontes de Miranda,
incluindo mais duas categorias de cargas eficaciais presentes em muitas
sentenças.
Seriam elas, segundo Pietroski,
mais as seguintes, completando as cinco:
"d) mandamental - mero ato
estatal praticado pelo juiz em substituição da parte autora, sem, contudo,
produzir coisa julgada material;
e) executiva - contém no seu bojo
uma força interna, oriunda do direito material com aptidão para realizar uma
mudança no mundo físico."(4)
Dessa classificação, trinária e
quinária, trata também Joel Dias Figueira Júnior, mas com outra conotação.
Diz ele: "afigura-se-nos a
formulação de uma classificação diversa das "ações" tomando-se como
ponto de partida e critério a tutela jurisdicional perseguida e baseada na
respectiva relação de direito material sobre a qual incidirá a proteção
pleiteada. Nessa seqüência, classificamos as ações da seguinte forma: a)
declaratória; b) constitutiva; c) ressarcitória; d) recuperatória; e)
vindicatória; f) inibitória; g) acautelatória; e h) executivas stricto
sensu."(5)
Dinamarco(6) e José Garcia
Medina(7), dentre outros, já trataram do princípio do sincretismo entre
cognição e execução.
Como não é nosso propósito
questionar ou querer polemizar as teorias sobre classificação das ações, mas
tão somente tratar das ações sincréticas, tema que exige conhecimento, ainda
que superficial, sobre a classificação das ações, acreditamos que o instituto
ora sob comento, deverá ser nos próximos anos a base de todo procedimento;
consignamos a observação acima pois está na doutrina das ações e fatalmente
sobre ela muito se verá escrito doravante.
2. Conceito de ação sincrética
Denominam-se ações sincréticas
"todas as demandas que possuem em seu bojo intrínseca e concomitantemente
cognição (processo de conhecimento) e execução, ou seja, não apresentam a
dicotomia entre conhecimento e executividade, verificando-se a satisfação perseguida
pelo jurisdicionado numa única relação jurídico-processual, onde a decisão
interlocutória de mérito (provisória) ou a sentença de procedência do pedido
(definitiva) serão auto-exequíveis."(8)
Ganha-se tempo, custo e torna-se
o processo mais rápido e eficaz, o que à toda evidência, representa melhor
distribuição e acesso à Justiça.
Na linguagem gramatical, o
sincretismo é o nome que se dá ao fenômeno de uma palavra exercer duas ou mais
funções.(9)
É claro que ao se falar em ações
sincréticas, o sentido é o da linguagem gramatical, pela qual temos as duas
funções de um processo, conhecimento e execução, numa mesma fase.
Não há nenhuma conotação
filosófica, onde o termo sincretismo foi usado por RENAN (L´avenir de la
science) para distinguir três atos do conhecimento humano relativo a um objeto
completo: 1º) visão geral e confusa do todo (sincretismo); 2º) visão distinta e
analítica das partes (análise); 3º) recomposição sintética do todo com o
conhecimento que se tem, das partes (sínteses).
As ações sincréticas são,
portanto, aquelas que numa mesma fase, concomitantemente faz-se a cognição
(processo de conhecimento) e execução, inexistindo os dois procedimentos, um
após o outro, como comumente é feito, razão pela qual, a sentença com trânsito
em julgado é auto-exequível, ou executável mediante a simples expedição de um
mandado.
Entendemos que a lei processual
deve obrigar o Juiz a dar sempre sentença líquida; na fase de conhecimento ele
não só decide o “an debeatur”, como também o “quantum debeatur”; isto
geralmente ocorre nas denominadas ações condenatórias, pois nas constitutivas e
mandamentais, v.g., já temos a aplicação do sincretismo no sistema processual
brasileiro.
A ação possessória tem eficácia
executiva lato sensu, e em sua tese de doutoramento, sobre o título, "A
Execução de Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal", o Prof.
Humberto Theodoro Júnior, citado pelo Ministro Athos Carneiro no REsp. nº
739-RJ, "sustenta que da natureza executiva lato sensu das sentenças que
acolhem a demanda possessória decorre o efeito importantíssimo da
inadmissibilidade de embargos à execução."
A impossibilidade de se
apresentar Embargos de Retenção, na fase executória das ações possessórias já
foi objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, que por unanimidade
da sua 4ª Turma decidiu: "Nas ações possessórias, a sentença de
procedência tem eficácia executiva "lato sensu" , com execução
mediante simples expedição e cumprimento de um mandado. Inocorrência, nas ações
possessórias, da dicotomia ação de cognição e ação de execução".(10)
No STJ há outro julgado
entendendo que não cabe embargos de retenção por benfeitorias em ação
possessória, e se ele não foi pleiteado na resposta ao pedido possessório, o
direito fica precluso.(11)
No mesmo sentido doutrina Ovídio Baptista da Silva (12) e
Adroaldo Furtado Fabrício, para quem "há um outro ângulo pelo qual o
problema pode e deve ser encarado, e é o da eficácia da sentença. Seja de
manutenção, seja de reintegração, o julgado impõe por si mesmo os seus efeitos,
sem necessidade de um ulterior processo de execução: esta se restringe à
expedição e cumprimento de um mandado, sem necessidade de outra citação ou
formalidades outras. A auto-executabilidade da sentença deferitória da
reintegração ou manutenção é característica da proteção interdital e, portanto,
independente do rito, assim como independente de haver decorrido tempo maior ou
menor de ano e dia desde a ofensa à posse até o ajuizamento da ação."(13)
As ações possessórias, a ação de
despejo, o mandado de segurança, v.g. são exemplos clássicos de ações
sincréticas, pois não exigem, após o trânsito em julgado do processo de
conhecimento, um novo processo (execução) para haver o direito pleiteado.
3. O sincretismo após a Lei nº
11.232/2005
Com o advento da Lei 11.232/2005,
que acabou com o processo de execução fundado em título executivo judicial, o
legislador deu um passo, ainda que pequeno para solucionar de vez o problema da
morosidade no andamento ou tramitação dos processos no Judiciário.
Há necessidade de se eliminar
todos os entraves burocráticos e processuais de sorte a permitir que o vencedor
do conflito de interesses possa ter acesso rápido à satisfação do direito
lesado e reclamado judicialmente; a prestação jurisdicional deve ser rápida e
eficaz para não se tornar injusta.
Esperar como hoje, 10, 20, 30 ou
até 50 anos para se concluir um processo é algo tão estarrecedor, como sentir
que no nosso País as dificuldades de acesso ä Justiça equivale à total negação
de Justiça, ao comprometimento do Estado de Direito, princípio fundamental da
Lei Maior.
A comissão de reforma do Processo
Civil, que optou pelo sistema de mudanças parceladas, por mais ponderáveis que
sejam os argumentos da opção por este sistema, que não concordamos com a devida
vênia, pois como reiteradamente temos manifestado, defendemos a substituição de
um Código por outro e não a montagem de uma colcha de retalhos.
Entendemos com Humberto Theodoro
Júnior, que “uma sentença para ser havida como tal, deve resolver por inteiro,
todos os pedidos deduzidos em Juízo,”(14) proibida a condenação genérica e
ilíquida, abandonando por completo qualquer possibilidade de dupla fase
processual para solução dos conflitos de interesses.
Quando muito aceitamos poder
haver a liquidação por cálculo, a ser feita pelo próprio Advogado, sem
necessidade de nova citação pessoal da parte vencida.
Esperamos que a Lei 11.232/2005
seja um marco definitivo para a total implantação do sincretismo no sistema
processual, lembrando Lopes da Costa que afirmava: "tudo isso está a
evidenciar que deveríamos repudiar de vez o tal pedido genérico. E acabar com
as tais liquidações".(15)
Devemos acabar de uma vez por
todas, com um processo dito de conhecimento para determinar o "an
debeatur" , outro para proceder à liquidação e fixar o quantum debeatur, e
finalmente um terceiro para executar e receber do vencido o que for de direito;
isto é uma barbaridade! É execrável!..
O próprio Ministro Athos Gusmão
Carneiro, a propósito, doutrina: "Mediante este artigo (16) é concretizada
a nova sistemática, de ação "sincrética" (conhecimento + execução),
ficando dotada de eficácia executiva a sentença de procedência, nos casos de
condenação ao pagamento de quantia líquida (valor já fixado na sentença de
procedência, ou avaliado em procedimento de liquidação por arbitramento ou por
artigos)."(17)
Todavia, o próprio Ministro
Athos, no mesmo trabalho afirma: "Em sinopse, a Lei 11.232/2005 consagra o
abandono do sistema romano da actio judicati, com o retorno ao sistema medieval
pelo qual a sentença habet paratam executionem.
Registramos que Humberto Theodoro
Júnior, citado pelo Ministro Athos, já afirmou: "Nossa posição é que, em
se abandonando velhas e injustificáveis tradições romanísticas, toda e qualquer
pretensão condenatória possa ser examinada e atendida dentro de um único
processo, de sorte que o ato final de satisfação do direito do autor não venha
a se transformar numa nova e injustificável ação, como ocorre atualmente em
nosso processo civil".(18)
Sob a ótica da atual legislação,
Daniel Amorim Assumpção Neves, escrevendo sobre “O novo Conceito de Sentença”
pós Lei 11.232/2005, afirma que com “o advento generalizado das ações
sincréticas, independentemente da natureza da obrigação objeto da condenação, obrigou
o legislador a repensar o conceito de sentença, modificando o critério
utilizado anteriormente. Em vez de efeito da decisão , o novo conceito de
sentença tem como critério conceitual o conteúdo do pronunciamento, fazendo
expressa remissão aos arts. 267 e 269 do CPC, dispositivos que indicam as
causas que geram o julgamento do mérito da ação (sentença definitiva) e aqueles
que extinguem o processo, mas não julgam o mérito da ação. (sentença
terminativa)”.(19)
Seja qual for definido pela
doutrina o efeito ou conteúdo do pronunciamento, o importante é que quanto mais
rápido possível, o legislador adote um único Código, com regras claras e
objetivas procurando eliminar atos desnecessários ou protelatórios, capazes de
propiciar uma sentença final de mérito, eficaz, justa e capaz de manter a paz
social e garantir o retorno do respeito e confiança no Judiciário, única
maneira de garantir a esperança de dias melhores.
4. Conclusão
Precisamos ter um novo CPC, no
qual fiquem compiladas todas as normas gerais de processo; os diversos
procedimentos hoje existentes, tais como: o comum, que seria aplicado a todas
as hipóteses de processo, com pequenas variações, já que dispomos do instituto
de antecipação de tutela; os procedimentos especiais do atual CPC que passariam
a ser normados pelo processo comum; as cautelares; as execuções e todos os
procedimentos previstos na legislação extravagante, v.g.: Ação Discriminatória
(L. 6.383/76); Ações regidas pelas Leis de Registros Públicos (Lei 6.015/73) e
afetação (L. 10.931/04; Alienação Fiduciária (DL 911/69); Alimentos ( Lei
5.478/68); Arbitragem (L. 9207/96); Assistência Judiciária ( Lei 1060/50;
Código de Processo Civil antigo, na parte não revogada (DL 1608/39);
Desapropriação (DL 3.365/41) e outras; Divórcio e Separação Judicial
(L.6515/77); Execução Fiscal (L. 6830/80) e as diversas Execuções Especiais;
Falências DL 7661/45) e Recuperação de Empresas (L. 11.101/05); Investigação de
Paternidade (L. 8560/92); Juizados Especiais (L. 9099/95); Locação
(L.8.245/91); Mandado de Segurança (1533/51); Recursos (L. 8038/90).
Concluímos citando Cândido Rangel
Dinamarco, ao afirmar: "essa renúncia a tradicionais postulados do direito
processual está, contudo, muito longe da ilegitimidade, dada sua destinação a
propiciar uma justiça mais ágil, mais rápida e, para tanto, descompromissada
dos preconceitos irracionais que envolvem todos esses dogmas. Não se trata de
repudiar aquelas regras tradicionais de inegável relevância quando se trata de
assegurar a segurança jurídico-processual dos litigantes, mas somente de
dimensionar adequadamente sua aplicação e compatibiliza-las com o objetivo
maior, que é o de oferecer em tempo razoável a tutela jurisdicional plena e
efetiva",(20) sem, todavia, macular o legítimo direito de ampla defesa do
réu.
Só assim teremos a possibilidade
de por um fim na morosidade dos processos, com uma Justiça mais rápida, eficaz
e Justa, para o que outras medidas também hão de ser tomadas.
(1) Tutela Inibitória, ed. RT São
Paulo, 1998, p.362/363.
(2) cf. TERCILI PIETROSKI, artigo
in RT 648, p. 55 e segts.
(3) Cf. Cap. 5, da obra Reforma
do CPC, edição RT 2006, p.107/108 apud Liebman, Manual de Direito Processual
Civil, p. 178.
(4) idem.
(5) Revista de Processo nº 98, p.
7/25
(6) Instituições de direito
processual Civil, v.3, p. 246.
(7) Cf. Medina, Execução Civil –
Princípios Fundamentais, p.190-191.
(8) JOEL DIAS FIGUEIRAS JÚNIOR.
Ações sincréticas e embargos de retenção por benfeitorias no atual sistema e no
13º anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil - Enfoque às demandas
possessórias. Revista de Processo, nº 98, p. 11
(9) LUIZ ANTÔNIO SACCONI,
Gramática em termos de comunicação, Edição Cia. Editora Nacional, 4ª ed..,
1976, p. 334.
(10) SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA, REsp. nº 739-RJ, Registro nº 89.0010026-2, Rel. Min. ATHOS CARNEIRO,
j. 21.08.1990, 4ª Turma, VU, in Revisto do STJ, 3(17), pág. 293.
(11) SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA, REsp. nº 46.;218-5-GO, Reg. nº 94.0008883-3, j. 25/10/1994, 3ª Turma,
Relator: Ministro NILSON NAVES, in Revista STJ, vol. "a, 7, (75)",
pág. 357 e seg.; no mesmo sentido REsp. nº 14.138, referido.
(12) OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA,
Procedimentos Especiais, AIDE Ed., nº 131.
(13) ADROALDO FURTADO FABRÍCIO,
Comentários ao Código de Processo Civil, 3ª ed., Forense, Vol. VIII, tomo III,
nº 353.
(14) As Novas Reformas do Código
de Processo Civil, ed. Forense, 2006, p.6
(15) Direito processual civil
brasileiro, 1947, t. IV, n. 50, p.41, citado por Athos Gusmão Carneiro, no cap.
IV "Do Cumprimento da Sentença", na obra coordenada por Teresa Arruda
Alvim Wambier, "Aspectos Polêmicos da Nova Execução 3", ed. RT 2006,
p.62.
(16) Está falando do 471-I
(17) Idem, p.68
(18) A execução de sentença e a
garantia do devido processo legal, Rio de Janeiro, Aide, 1987, p. 239 – Tese de
doutoramento na Universidade Federal de Minss Gerais.
(19) Reforma do CPC, ed. RT 2006,
p. 79.
(20) Nova era do processo civil, São Paulo, RT 2003, p. 20
PAIVA, J.
A. Almeida. Ações sincréticas como instrumento para minorar a morosidade dos
processos. Disponível em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22679.
Acesso em: 10 out. 2006.