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A Nova Execução e a Influência do Processo
do Trabalho no Processo Civil
Francisco
Montenegro Neto*
1. Introdução
Não parece ser por acaso que textos legais da mais alta relevância jurídica têm
vindo à baila nos estertores de cada exercício que se passa. Foi assim em 2004,
com a Emenda Constitucional 45 que, dentre várias inovações, incrementou
substancialmente a competência da Justiça do Trabalho. E assim ocorreu no final
de 2005, com a Lei 11.232, promulgada aos 22 de dezembro último, que veio mexer
com a sistemática da execução do processo civil.
Este breve artigo propõe-se a expor algumas nuances da incessante e mútua
influência entre os sistemas processuais civil e trabalhista.
Simultaneamente à aplicação subsidiária da lei adjetiva civil, com permissivo
expresso no artigo 769 da CLT, via do manejo do CPC como diploma norteador em
diversas circunstâncias (v.g., no rito cautelar), o processo do trabalho – ao
encampar competência para o julgamento de feitos de natureza então afeta à
Justiça Comum, sendo exemplo corriqueiro a ação acidentária –, agora passa a
cogitar da importação de institutos como, verbi gratia, as intervenções de
terceiros. O Tribunal Superior do Trabalho recentemente sinalizou nesse sentido
ao cancelar a Orientação Jurisprudencial número 227 de sua Seção de Dissídios
Individuais – 1 (SDI-1), que vaticinava o descabimento da denunciação da lide
no processo do trabalho.
Com isso, os Ministros daquela Corte fincaram a pedra fundamental da adequação
do normativo trabalhista ao novo sistema que emergiu com a Emenda 45. Caso
contrário, como atribuir à Justiça do Trabalho competência para julgar demandas
de natureza civil sem aparelhá-la com as ferramentas processuais condizentes?
Nada mais razoável que, frente à ampliação da competência da Justiça do
Trabalho para apreciar e julgar demandas de natureza civil, o novel artigo 114
da Lei Maior tenha trazido a reboque a necessidade de trasladar do CPC para a
CLT institutos de natureza processual civil inerentes à resolução de tais
demandas; institutos estes que carecem de familiaridade no processo do
trabalho, porquanto não positivados na CLT.
Com a edição da Lei 11.232, modifica-se a execução civil – que, aliás, fornece
a estrutura orgânica básica da execução trabalhista, consubstanciada (no caso
de execução por quantia certa, modalidade mais comum) nas fases de
quantificação; constrição e expropriação patrimonial – para torná-la, no que
tange a uma busca por maior efetividade, mais assemelhada à execução
trabalhista.
A execução trabalhista é singular pela faculdade atribuída por lei ao
magistrado para, alternativamente à inércia do credor ou interessado,
promovê-la ex officio, por impulso oficial. No processo do trabalho, a execução
sempre teve a feição de fase executiva do processo de cognição, embora a partir
do ano 2000 (Lei 9.958) hajam sido inseridas as possibilidades de ação autônoma
de execução de títulos extrajudiciais como os termos de ajustamento de conduta
e conciliação prévia; hipóteses nas quais, extraordinariamente, inexiste a
dependência ontológica do processo de execução a processo cognitivo prévio.
Porquanto estatuída a execução trabalhista no escopo de obter a rápida
satisfação do credor, culminou o legislador trabalhista – na ânsia da
simplificação – , por deixar lacunas que usualmente são colmatadas pela adoção
supletiva das normas das Leis 5.584/70, 6.830/80 e do próprio CPC, as quais ora
lhe emprestam institutos finalísticos pertinentes (como as tutelas de urgência
e os mecanismos que visam a coibir a fraude), ora lhe atravancam a
satisfatividade ao tornar dificultosa a expropriação (nos embargos à
arrematação ou adjudicação, e.g.).
Mas o foco que se alvitra prioritário nestas linhas, em meio ao contexto de mão
dupla na sinergia entre as práxis cível e trabalhista, está centrado no
privilégio à efetividade que permeia a influência do processo do trabalho no
processo civil.
Antes de qualquer juízo prévio que pudesse o leitor erigir a respeito do tema,
cumpre esclarecer que não estamos aqui a defender a prevalência da prática
processual de uma área de nosso Judiciário sobre outra – como se depreende de
alguns efervescentes embates doutrinários surgidos no embrião da lei que
passará a viger em meados de 2006 – , nem tampouco aqui se pretende tecer loas
à efetividade da execução trabalhista, atacando a supostamente infrutífera
execução do processo civil.
Não se propugna alimentar qualquer ranço de rivalidade entre uma e outra
doutrina, um e outro ramo de operadores do Direito. Os processos civil e
trabalhista, agora com as suas execuções de título judicial assemelhadas,
porquanto sejam fases processuais – passando a recente alteração do processo
civil (Lei 11.232) a eliminar burocracia e orientar-se pelo maior desembaraço
que sempre norteou a execução trabalhista (o processo de execução de título
judicial no processo civil doravante correrá nos mesmos autos da ação de
conhecimento, como sempre ocorreu no processo do trabalho) –, são regramentos
que se entrelaçam e fazem parte de um ordenamento jurídico único, jungidos a
uma mesma Lex Mater, a Constituição Federal, à qual devem forçosamente se adaptar,
não esperando que o contrário ocorra por via das emendas que se sucedem.
2. Breves conjecturas sobre a Lei 11.232, de 23/12/2005
Tal qual a maltratada Constituição Cidadã, o codex processual civil, tanto pela
amplitude da relação entre os institutos que rege, quanto pela complexidade dos
efeitos de sua aplicação com óbice na cultura forense pátria (eivada de intuito
protelatório embaralhado com os óbices estruturais à atuação dos serventuários
e magistrados) de há muito se tornou uma “colcha de retalhos”.
Mas a “colcha de retalhos” também serve para aquecer um sistema que padece do
mal cultural que acomete seus operadores, que tantas vezes não manejam
corretamente (pecando por excesso, muitas vezes) os instrumentos que lhes são
postos à disposição no cardápio processual. Claro sinal disso é que na Lei
11.232 mostrou concatenação em relação ao que restou inovado pouco antes, na
também recente Lei 11.187, que alterou a sistemática do agravo de instrumento.
Ao determinar que a regra passa a ser o agravo retido e apenas
extraordinariamente o de instrumento, a Lei 11.187 incutiu a premissa de que a
apelação é o sucedâneo recursal da parte que pretenda ver seu agravo apreciado
(artigo 523 do CPC). Sem apelação posterior, o agravo retido não produz efeito.
A contrario sensu, a Lei 11.232 dispôs que caberá agravo da decisão de
liquidação (artigo 475-H) e da decisão que resolver a impugnação, “salvo quando
importar extinção da execução, caso em que caberá apelação” (artigo 475-M, §
3º).A Lei 11.232 não parou por aí. Revogou o inciso III do artigo 520 do CPC,
que preceituava o cabimento de apelação contra decisão proferida em liquidação
e seu recebimento somente no efeito devolutivo.
A aparente antinomia não se perfaz. Embora de um lado a Lei 11.187 preceitue o
julgamento do agravo – agora, retido – vinculado à interposição da apelação; e
de outro, a Lei 11.232 tenha adicionado ao CPC hipóteses de cabimento do agravo
de instrumento (não retido) em execução, com restrição ao direito de apelar,
não vislumbramos o risco de o agravo contra a decisão em liquidação cair no
vazio, por ser a apelação incabível.
É certo que, se ficasse retido o agravo, após sua interposição contra a decisão
que resolver a impugnação – que, pela lei nova, substitui os Embargos à Execução
–, sendo a apelação incabível, o Tribunal nunca dele o conheceria.
Entretanto, o agravo de instrumento em foco não deve ser retido, enquadrando-se
no rol dos agravos viáveis nos “casos de inadmissão da apelação” (1), sob pena
de afronta ao princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional (art.
5º, XXXV/CF). Ainda que se conferisse efeito suspensivo (que deveria ser
conferido apenas à impugnação e nas hipóteses do artigo 475-M), a negativa de
prestação jurisdicional seria evidente quando do agravo não julgado, o que
abriria uma chaga dando azo à impetração de Mandados de Segurança frente à
violação de direito líquido e certo dos que não tiverem seus recursos
apreciados. Mas o legislador, nesse ponto, teve o cuidado de excepcionar os
agravos dos artigos 475-H (liquidação) e 475-M, § 3º (impugnação) da nova regra
do artigo 522 do CPC. Particularmente nesse ponto, há terreno fértil para a
pretendida simplificação e celeridade do processo civil.
Demais disso, o fim do processo autônomo de execução de título judicial deve
ser efusivamente saudado.
Somente agora, dá-se prosseguimento à evolução percebida em 1974 (quando entrou
em vigor o CPC/73), quando se suprimiu a ação executiva do CPC/39 e o executivo
fiscal.
3. A unificação dos processos de conhecimento e execução: um olhar histórico
sobre as execuções cível e trabalhista
Ao fundir o processo de conhecimento e o de execução de título judicial numa só
ação, o legislador, ainda que tardiamente, eliminou óbice substancial para a
efetividade das pretensões submetidas à tutela jurisdicional. A toda evidência,
a necessidade de um processo autônomo de execução de título judicial emanado de
longa prestação jurisdicional cognitiva sempre foi obstáculo à realização do
direito em si, por vezes durando mais tempo que a fase de conhecimento.
A Lei 11.232 inova com o fim dos embargos do devedor – que são transformados em
impugnação ao cumprimento da sentença, um incidente processual com natureza
mais célere em relação ao que lhe era conferido pelo caráter de ação autônoma
que ora se esvai – ; a indicação do bem à penhora passa a ser faculdade
exclusiva do credor; a liquidação da sentença passa a ser um processo decidido
de forma interlocutória.
É nesse passo que, a despeito de suas imperfeições, a recém-saída do forno Lei
11.232 dá sinal claro de evolução rumo a uma execução mais simples e célere.
Simplicidade e celeridade estas, aliás, que orientam a execução trabalhista,
desde sua criação, tanto que estabelecida em poucos artigos (876 a 892 da CLT).
Manoel Antônio Teixeira Filho (2) ensina que “a execução trabalhista, de acordo
com as disposições legais que a estruturam, foi projetada para servir como
simples fase subseqüente ao processo de conhecimento, destituída, por isso, de
autonomia ontológica (exceto quando calcada em título executivo extrajudicial,
como previsto pelo art. 876 da CLT), embora não se lhe possa negar
independência finalística” (grifo nosso).
Porém, não é por ser simples fase processual que a execução trabalhista de
título judicial também não sofre suas mazelas.
Está a execução trabalhista longe de ser um primor de celeridade e não raro o
jurisdicionado é vítima do “ganha mas não leva” da falta de efetividade. Se
justiça lenta já é injustiça – já dizia Rui Barbosa –, o que se dirá da justiça
que não se aperfeiçoa com a entrega do bem da vida, a justiça inefetiva?
Lembre-se a lição de Chiovenda (3), para quem “o processo precisa ser apto a
dar a quem tem um direito, na medida do que for praticamente possível, tudo
aquilo a que tem direito a precisamente aquilo a que tem direito”.
O fim do processo apartado de execução de título judicial trazido pela Lei
11.232 rompe com as amarras que remontam aos romanos, que tinham a interposição
da actio judicati (4) entre a sentença condenatória e a execução e a infitiatio
para impedir a realização desta.
Manoel Antônio Teixeira Filho (5), mais uma vez citado, nos deixa boquiabertos
ao aludir ao “contraste dantesco entre as concepções bárbara e romana a
respeito da execução, uma vez que, enquanto esta concedia ao devedor a
oportunidade de opor-se à sentença exeqüenda, aquela permitia que o credor
praticasse os atos executivos, aí incluída a penhora, para, apenas depois
disso, aceitar ocasional reação por parte do devedor”. Como se vê, até o
procedimento bárbaro possuía o mérito da celeridade posto em segundo plano em
Roma. O retorno à “barbárie”, in casu, não há de ser repelido.
Cândido Rangel Dinamarco (6), ainda sem vislumbrar o que viria no final de
2005, lembrava antes da Lei 11.232 que, como fruto de uma evolução
significativa, “há mil anos o direito europeu-continental e depois o nosso têm
no título executivo a expressão da autorização do legislador para a execução,
independentemente de qualquer verificação da existência do crédito”. Venia
concessa do grande doutrinador, essa evolução ainda carecia de trazer a
execução para o mesmo processo no qual produzido o título dotado de
executividade. Só agora, com a Lei 11.232, isso ocorre.
Nesse ponto, há de se reconhecer que sempre foi menos atravancada a execução
trabalhista. Não há dúvida de que a execução como fase processual é muito mais
condizente com a natureza instrumental do processo. Isso se deve ao fato de
que, conquanto permeada do caráter supletivo exercido pela execução do processo
civil (que é resultado de secular evolução histórica), concordamos com Manoel
Antônio Teixeira Filho no sentido de que a execução trabalhista possui origem
formal “produto dos tempos contemporâneos”. Essa contemporaneidade, com o
escopo da efetividade, é que finalmente contagiou o processo civil.
4. Efeitos da nova lei: considerações sobre a efetividade da execução
Malgrado a existência de embaraços resultantes da conjugação da deficiência
técnica do legislador com a cultura forense viciada (7), acreditamos que a nova
lei fica alivia (já que não resolve) um dos pontos de estrangulamento (8) a que
se refere Dinamarco, qual seja, o da busca da efetiva responsabilização
patrimonial do devedor. Afinal, a execução não visa a obter reconhecimento de
direito – porquanto já proclamado por decisão passada em julgado quando se
tratar de título judicial – mas sim a compelir o devedor a satisfazer a
obrigação contida no referido título, mediante expropriação de patrimônio, se
necessário. Como bem queria Carnelutti (9), “no processo de conhecimento,
vai-se dos fatos ao direito(...), ao passo que no de execução se parte do
direito (já reconhecido pela sentença condenatória) aos fatos (cuja atividade
executória os altera para adequá-los ao direito)”.
Na execução trabalhista, verdadeira revolução de efetividade teve origem no
convênio firmado entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central
(sistema BACENJUD), disciplinando a ordem eletrônica de bloqueio de ativos
financeiros “on line”. Tal prática, já aperfeiçoada com vistas a eliminar suas
incorreções (bloqueio em duplicidade ou em contas diversas do devedor, e.g.) é
instrumento de plena efetividade jurisdicional.
Levando-se em consideração que, na seara trabalhista, a dívida trabalhista tem
natureza alimentar (artigo 100, §1º-A da Constituição Federal), serve o
bloqueio “on line” (vulgarmente chamado “penhora on line”) para abreviar a
execução, evitando atos lentos e onerosos, como a promoção de hasta pública
para venda de bens apresados; publicação de editais de convocação; a
contratação, quando aplicável, de leiloeiro; expedição de documentos de
modificação da propriedade e posse dos bens, etc. Em suma, o bloqueio por ordem
eletrônica de ativos financeiros, exerce, hoje, um fundamental papel em prol da
agilidade e da efetividade na prestação jurisdicional, permitindo a pronta
solução de litígios que se arrastavam anos a fio em execuções infrutíferas.
Sopesando-se o interesse do credor que orienta a execução trabalhista e que a
execução civil deve ser feita da forma menos gravosa para o devedor (art. 620
do CPC), está na hora de o processo civil mitigar sua concepção individualista
e privilegiar – junto com o devedor – a coletividade representada pelos
jurisdicionados (incluindo os litigantes em potencial, isto é, toda a
sociedade) atingidos pela lentidão da Justiça. Sugerimos, nesse diapasão, a
adoção na execução civil dos instrumentos adotados na execução trabalhista, dos
quais é símbolo maior a “penhora on line”, contribuição robusta para a
efetividade do processo. Em alguns Tribunais de Justiça, bastará uma maior
adesão ao sistema já existente, pois há notícias da resistência por parte de
magistrados pouco afeiçoados ao manuseio das senhas que detonam o dispositivo
da constrição eletrônica na Justiça Comum.
Vale lembrar que a indicação de bens na execução civil, pelo novel artigo
475-J, § 3o do CPC, passa ser atribuição exclusiva do credor, sendo o
procedimento da penhora “on line” solução palpável para a falta de bens que
gera a frustração do direito. Tolhe-se, com isso, o círculo vicioso que passa
pela lentidão/não satisfatividade da sentença e redunda no mau juízo do
Judiciário pela opinião pública. A Justiça Comum pode e deve reproduzir mais
esta experiência da Justiça do Trabalho, como aparenta ter feito em diversas
passagens da Lei 11.232. Confira-se.
5. A similitude dos procedimentos previstos na Lei 11.232 e a execução
trabalhista
A mais significativa influência do processo do trabalho no processo civil, na
nossa ótica, reside justamente na consagração da execução de título judicial –
passando pelas etapas da liquidação (artigos 475-A a 475-H) e cumprimento da
sentença (artigos 475-I até 475-R) – enquanto fase/desdobramento do processo
principal, desonerando a máquina judiciária e acelerando a resolução da
demanda. Mas não pára por aí.
O novel artigo 475-A do CPC (“Quando a sentença não determinar o valor devido,
procede-se à sua liquidação”) buscou inspiração evidente no artigo 897, § 1o da
CLT, que dispõe: “Sendo ilíquida a sentença exeqüenda, ordenar-se-á,
previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por
arbitramento ou por artigos”.
Em que pese a pregressa disciplina específica no CPC sobre a liquidação por
arbitramento ou por artigos – sobre as quais, registre-se, a CLT é omissa
(porque as identifica sem fornecer regramento próprio) – , os artigos 475-C e
seguintes partilham dessa tendência “celetizante”, pela simples previsão de
liquidação da sentença no processo de conhecimento e não mais em uma ação
específica para o cálculo do quanto é devido; permitida, ainda, a liquidação
provisória na pendência de recurso.
Ademais, antes da Lei 11.232, a Lei 11.187 – ao equiparar o agravo retido ao
protesto (tipicamente trabalhista) para evitar preclusão – assegurou ao devedor
o direito de reiterar suas razões de irresignação no momento oportuno
(apelação). É o que ocorre também na CLT: a decisão que homologa cálculos
(leia-se: a decisão que julga a liquidação) não é passível de recurso. As
razões “recursais” virão nos embargos executórios (sem natureza recursal) e,
sucessivamente, se for o caso, em agravo de petição.
Pela Lei 11.232, o artigo 475-L, § 2º do CPC agora reza que “Quando o executado
alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à
resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende
correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação”. Não terá sido mera
coincidência em relação ao parágrafo 1º do artigo 897 da CLT, que ao
disciplinar o manejo do agravo de petição (recurso próprio da fase de execução
trabalhista), prevê que “O agravo de petição só será recebido quando o
agravante delimitar, justificadamente, as matérias e os valores impugnados,
permitida a execução imediata da parte remanescente até o final, nos próprios
autos ou por carta de sentença” (grifos nossos).
Como se vê, o legislador preocupou-se em reproduzir na execução civil o que dá
certo na execução trabalhista, embora tenha deixado de fazê-lo por inteiro – o
que não foi por acaso, haja vista a existência de nefandos projetos de lei –
porquanto propugnados por interesses poderosos – intentando minar a exitosa
“penhora on line”.
Por via transversa, também as inovações da Lei 11.232 podem influenciar a
execução trabalhista, sem que necessariamente haja novidades substanciais.
Os artigos 475-J (agravamento da condenação pela imposição de multa) e 475-M
(restrição ao efeito suspensivo da impugnação) devem inspirar os julgadores
trabalhistas. Boas normas subsidiárias, com contornos de aplicabilidade
imediata.
O artigo 475-Q (constituição de capital para assegurar o pagamento de prestação
alimentícia), caput e parágrafos são aplicáveis em sede trabalhista, dada a
natureza alimentar do crédito trabalhista, ao contrário da caução regida pelo
artigo 475-O, III, porquanto incompatível com a hipossuficiência do
trabalhador.
6. Conclusão.
A Lei 11.232, ao permitir que a execução do processo civil reproduza contornos
da execução trabalhista, representa um passo importante para atender ao clamor
geral por maior celeridade na prestação jurisdicional, com redução real do
dispêndio de tempo no processo.
Muito há a ser feito, mas não necessariamente em termos de lege ferenda.
No escopo de materializar a duração razoável do processo, alçado à condição de
direito fundamental com a EC 45 e o novo inciso LXXVIII do artigo 5º, urge que
o legislador zele pela coerência e melhor técnica ao encadear mudanças nas leis
processuais, minimizando o risco de antinomias – fazendo-o, aliás, como o fez
na concatenação das Leis 11.187 e Lei 11.232, até porque, se os agravos da Lei
11.232 fossem retidos, aí, sim, haveria incongruência. Desse modo, mitigar-se-á
o risco de abrir, na esteira de espasmos legiferantes, brechas para chicanas e,
via de conseqüência, acarretar a eternização dos recursos infindáveis.
Resulta apropriado que a práxis civil absorva com mais ênfase instrumentos de
efetividade da execução trabalhista como a “penhora on line”, que foi
consagrada no processo do trabalho não pela iniciativa da legislatura, mas do
próprio TST, ao firmar convênio com o Banco Central (exemplo a ser seguido
pelos Tribunais de Justiça). Permita-se, pois, ao processo civil continuar se
influenciando positivamente pelo processo do trabalho e vice-versa.
Independentemente do fluxo de influência deste naquele, ou daquele neste ramo
jurisdicional, queremos acreditar que não bastam mudanças efetivas que impinjam
o peso da sanção estatal. Para incutir nos operadores do Direito pátrio a
utilização razoável dos instrumentos processuais, mais do que novas leis,
imperiosa a mudança de mentalidade, mudança de cultura dos atores envolvidos:
serventuários; magistrados e advogados.
O cumprimento dos prazos destinados aos serventuários e aos magistrados, aliado
à quebra do “espírito de conflitualidade” e da “conveniência tumultuária” (10)
das partes e advogados aliviará o quadro de saturação jurisdicional e evitará,
por exemplo, a vulgarização dos mandados de segurança visando a concessão de
efeito suspensivo à impugnação que substitui os Embargos em execução de título
judicial, segundo a nova lei.
“Quando se quer mudar os costumes e as maneiras, não se deve mudá-las pelas
leis” – diz a máxima (uma das) de Montesquieu.
Notas
(1) O novel artigo 522 do CPC prevê o cabimento do agravo de instrumento, fora
da regra da modalidade retida “nos casos de inadmissão da apelação” (g.n).
Inadmissão pressupõe apelação interposta e não admitida. De melhor técnica e
apuro gramatical teria sido prever o respectivo cabimento “nos casos de
inadmissibilidade da apelação”, hipótese na qual bastaria aferir o descabimento
da apelação para açambarcar o manejo do agravo de instrumento, minimizando o
risco de teratologia (qual seja, exigir-se a interposição de apelação, não
admiti-la para, em seguida, receber o agravo).
(2) FILHO, Manoel Antônio Teixeira. Execução no Processo do Trabalho, LTr, 8a
edição, São Paulo, 2004, p.105.
(3) Apud DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, Malheiros
Editores, 12a edição, São Paulo, 2005, p. 365.
(4) Segundo Manoel Antônio Teixeira Filho, a actio judicati “constituía uma
nova ação, sendo indispensável para a execução da sentença que impusesse o
pagamento de certa quantia”.
(5) Op. cit. , p. 56.
(6) Op. cit., p. 312.
(7) Ao nosso sentir,
o vício se sintetiza na conjugação de elementos citados no primeiro parágrafo
do tópico 2 deste texto, a saber: “intuito protelatório embaralhado com os
óbices estruturais à atuação dos serventuários e magistrados”. Por “óbices
estruturais”, entendemos as limitações orçamentárias que proporcionam condições
não ideais de trabalho, principalmente as decorrentes da carência de pessoal –
vide a incrível defasagem no número de magistrados em primeiro grau.
(8) Expressão utilizada por Cândido Rangel Dinamarco para apontar os pontos de
polêmica entre os adeptos da teoria dualista e unitária. Enquanto os dualistas
esposam a visão do direito material como sistema suficiente em si mesmo para a
criação de direitos e obrigações, os unitários entendem não estar o direito
material revestido dessa aptidão, “participando então o processo do iter
criativo”.
(9) Apud FILHO, Manoel Antônio Teixeira. Execução no Processo do Trabalho, LTr,
8a edição, São Paulo, 2004, pp. 70-71.
(10) Expressões de Manoel Antônio Teixeira Filho, op. cit. p. 84.
Referências Bibliográficas
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, Malheiros Editores,
12a edição, São Paulo, 2005.
FILHO, Manoel Antônio Teixeira. Execução no Processo do Trabalho, LTr, 8a
edição, São Paulo, 2004.
* Advogado Trabalhista em
São Paulo, Pós-Graduado e Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP.
Disponível em: < http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=765
>. Acesso em: 18/09/06.